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Ainda Existe o Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) Após a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017)?

Agenda 09/04/2020 às 00:56

Busca-se esclarecer se, após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, ainda continua existindo o Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) na seara processual trabalhista.

1. INTRODUÇÃO

 

A “Reforma Trabalhista” foi aprovada e se transformou na Lei 13.467/2017, tendo entrado em vigor em 11 de novembro de 2017. Promovida pela Medida Provisória nº 808/2017, a “Reforma da Reforma”, apesar de ter perdido a eficácia por decurso de prazo sem análise congressual, em nada modificou o tema que ora será apreciado.

Nesse escrito, buscar-se-á analisar se o Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) permanece subsistindo na seara processual trabalhista.

 

2. O INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E A LEI 13.467/2017

 

A entrada em vigor da “Reforma Trabalhista” (Lei 13.467/2017) trouxe consigo a revogação dos parágrafos 3º a 6º do art. 896 da CLT, que tinham as respectivas redações dadas pela Lei 13.015/2014 e assim dispunham:

 

§ 3º Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência e aplicarão, nas causas da competência da Justiça do Trabalho, no que couber, o incidente de uniformização de jurisprudência previsto nos termos do Capítulo I do Título IX do Livro I da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). (Redação dada pela Lei nº 13.015, de 2014)

 

§ 4º Ao constatar, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, a existência de decisões atuais e conflitantes no âmbito do mesmo Tribunal Regional do Trabalho sobre o tema objeto de recurso de revista, o Tribunal Superior do Trabalho determinará o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que proceda à uniformização da jurisprudência. (Redação dada pela Lei nº 13.015, de 2014)

 

§ 5º A providência a que se refere o § 4º deverá ser determinada pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, ao emitir juízo de admissibilidade sobre o recurso de revista, ou pelo Ministro Relator, mediante decisões irrecorríveis. (Redação dada pela Lei nº 13.015, de 2014)

 

§ 6º Após o julgamento do incidente a que se refere o § 3º, unicamente a súmula regional ou a tese jurídica prevalecente no Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho servirá como paradigma para viabilizar o conhecimento do recurso de revista, por divergência. (Redação dada pela Lei nº 13.015, de 2014)

 

Nesse sentido, por certo, a revogação dos dispositivos processuais celetistas que ainda faziam menção ao Incidente de Uniformização de Jurisprudência poderia levar a crer que tal meio de harmonização jurisprudencial teria restado superado e inaplicável.

Nessa linha, Teixeira Filho (2018, p. 380), apesar de focar sua argumentação na revogação do procedimento até então previsto na CLT que impunha a uniformização da jurisprudência regional, aparentemente entende que o incidente em si deixou de existir em face da revogação normativa imposta pela Lei 13.467/2017, elucidando, ainda, que, nos trâmites legislativos, o relatório aprovado pela Câmara dos Deputados e depois pelo Senado Federal não justificou as razões que levaram à medida:

 

Registre-se o fato de essa – por que não dizer – surpreendente revogação não haver merecido qualquer menção justificativa no Relatório do Projeto de Lei n. 6787/2016. O incidente de uniformização da jurisprudência regional foi, simplesmente, defenestrado pelo legislador, que lançou por terra todos os argumentos que haviam sido utilizados para a instituição desse procedimento. Seria irônico, se não fosse trágico.

 

Silva (2018), por sua vez, crítica a revogação dos parágrafos 3º a 6º do art. 896 da CLT, haja vista que as referidas normas, introduzidas em 2014 pela Lei 13.015/2014, ainda estavam em fase de concretização/assimilação. Somente após mais alguns anos a obrigatoriedade de os TRT´s uniformizarem suas jurisprudências terminaria trazendo resultados mais consistentes em termos de segurança jurídica e mesmo de facilitação do trabalho do Tribunal Superior do Trabalho – que tenderia a passar a realizar seu dever de uniformização nacional da jurisprudência laboral mediante o cotejo de súmulas e outros enunciados emanados dos TRT´s, e não por meio do conflito de teses “avulsas” delineadas em cada acórdão oriundo da segunda instância. O aludido autor não se manifesta expressamente sobre sua compreensão acerca de remanescer a possibilidade de suscitação e processamento do denominado “incidente de uniformização de jurisprudência”.

Godinho e Godinho (2018, p. 399) aparentemente compreendem que o incidente de uniformização, enquanto fórmula de harmonização de teses conflitantes, sucumbiu juntamente com a Lei 13.467/2017:

 

Com a revogação efetuada, a uniformização da jurisprudência nos TRT´s continua possível, é claro, do ponto de vista estritamente teórico. Porém deverá ser feita apenas mediante a aprovação de súmulas ou por meio de incidentes de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987 do CPC-2015, combinados com o art. 15 do mesmo Código de Processo Civil, além do art. 769 da CLT).

 

Entretanto, não se concorda que o incidente de uniformização de jurisprudência, enquanto procedimento de harmonização jurisprudencial, restou expurgado do ordenamento jurídico. É o que passará a ser demonstrado.

Diante de alguns dos princípios constitucionais que inspiram e guiam a atividade jurisdicional (isonomia e segurança jurídica, notadamente – art. 5º, caput, da Constituição Federal), percebe-se que o oferecimento de um julgamento igual para casos iguais é um objetivo a ser perseguido por todos os órgãos judiciais. Inexistem meios predeterminados para se atingir essa finalidade institucional. Por exemplo, os membros de um tribunal podem se reunir, constatar que a maioria dos desembargadores está votando em determinado sentido e, simplesmente, resolver adotar o entendimento majoritário, sem que qualquer procedimento específico tenha que ser adotado e sem que se possa acusar de ilegal essa postura. Afinal, uniformização jurisprudencial é, essencialmente, o órgão se curvar à tese majoritária de seus membros. Assim, a lei, por mais que possa criar procedimentos seguros e orientadores dessa missão harmonizante, não pode ser criada e nem deve ser compreendida como se estivesse estabelecendo caminhos taxativos para a atividade uniformizante. A legislação também não pode dificultar excessivamente ou impedir que o Poder Judiciário uniformize sua jurisprudência, sob pena de violar a própria autonomia da atividade jurisdicional (afronta à separação dos poderes garantida pelo art. 2º da Carta da República), a qual, como visto, inclui a missão harmonizante.

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Ainda com fulcro direto na Carta Magna e partindo do pressuposto firmado (uniformização jurisprudencial como dever inerente ao próprio exercício do poder jurisdicional), verifica-se que a matéria pode perfeitamente ser tratada na seara regimental dos tribunais, uma vez que está incluída no espaço de auto-organização outorgado às cortes judiciais pela própria Constituição Federal de 1988 (artigos 96, I, “a”, e 99, caput):

 

Art. 96. Compete privativamente:

 

I - aos tribunais:

 

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

 

[…]

 

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.

 

Nesse sentido, o art. 926 do CPC/2015 reconhece que a temática (uniformização jurisprudencial), inclusive no que diz respeito à forma, pode e deve ser tratada na seara regimental dos tribunais:

 

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

 

Elucida-se que o enunciado de súmula é, tipicamente, o fruto da uniformização. Assim, ao outorgar ao regimento interno o regramento da forma como o tribunal chegará à edição de um enunciado sumular, verifica-se que a própria lei reconhece que cabe a este pormenorizar procedimentos legais de desiderato harmonizante ou criar novos procedimentos com essa finalidade.

Além disso, ao contrário do que se pensa, ainda existe menção expressa ao incidente de uniformização de jurisprudência, em relação aos TRT´s, no art. 14 da Lei 7.701/1988 (lei processual trabalhista): “O Regimento Interno dos Tribunais Regionais do Trabalho deverá dispor sobre a súmula da respectiva jurisprudência predominante e sobre o incidente de uniformização, inclusive os pertinentes às leis estaduais e normas coletivas”. Como se não bastasse, a mesma legislação atribui competência ao Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho para julgamento dos IUJ´s (art. 4º, “c”, da Lei 7.701/1988)1, o que significa que permanece havendo referência legal do incidente também no âmbito do TST.

Rememora-se, ademais, que a base procedimental do IUJ, até a edição do CPC/2015, eram os artigos 476 a 479 do CPC/1973. O Código de Processo Civil de 2015, por outro lado, optou por estabelecer, genericamente, a obrigatoriedade uniformizante (artigo 926, transcrito supra) e por criar/especificar alguns novos procedimentos harmonizantes (incidente de resolução de demandas repetitivas, destacadamente). Referida mudança paradigmática, entretanto, não foi suficiente para a “extinção” do IUJ, conforme restou consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho no art. 2º da Instrução Normativa nº 40/2016 (BRASIL, 2016): “Após a vigência do Código de Processo Civil de 2015, subsiste o Incidente de Uniformização de Jurisprudência da CLT (art. 896, §§ 3º, 4º, 5º e 6º), observado o procedimento previsto no regimento interno do Tribunal Regional do Trabalho”. Ou seja, a ausência de lei detalhando o procedimento inerente ao Incidente de Uniformização de Jurisprudência não foi suficiente, segundo a própria Corte Superior, para fazer com que o instituto deixasse de existir.

Seguindo o mesmo raciocínio, a simples revogação dos trechos normativos, constantes na CLT, que se referiam ao nome “incidente de uniformização de jurisprudência” (como visto, a Lei 7.701/1988 continua fazendo referência ao instituto), não é suficiente para se entender pela extinção do IUJ, uma vez que este, para ser aplicado, não necessita de previsão legal expressa, mas apenas de um procedimento normatizado pelo regimento interno das cortes judiciais interessadas em defini-lo/aplicá-lo. Não era a menção ao “incidente de uniformização de jurisprudência” na CLT que fazia com que este continuasse existindo mesmo após o “vazio procedimental” criado pelo CPC/2015, mas sim a própria competência e missão do Poder Judiciário derivadas da Constituição Federal (e chancelados pelo art. 926 do CPC/2015 e pela Lei 7.701/1988). De qualquer sorte, mesmo que se entenda que precise ao menos haver a referência, na legislação, ao nome “incidente de uniformização de jurisprudência”, para que este permaneça “existindo”, a Lei 7.701/1988 atende a esta finalidade, consoante demonstrado mais acima.

Por fim, ressalta-se que a conclusão aqui alcançada é aparentemente/indiretamente a mesma adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, mesmo que este tenha citado expressamente apenas um fundamento (art. 926 do CPC) para tanto, conforme se extrai do art. 18, caput, da Instrução Normativa nº 41/2018 (BRASIL, 2018): “O dever de os Tribunais Regionais do Trabalho uniformizarem a sua jurisprudência faz incidir, subsidiariamente ao processo do trabalho, o art. 926 do CPC, por meio do qual os Tribunais deverão manter sua jurisprudência íntegra, estável e coerente.”

Assim, mesmo a partir da vigência da Lei 13.467/2017, entende-se remanescer a possibilidade de suscitação do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, desde que tal tema seja devidamente disciplinado no Regimento Interno do tribunal respectivo, consoante garantido pela Constituição Federal, pelo CPC de 2015 e pela Lei 7.701/1988.

Nesse sentido, é fundamental que os Tribunais que ainda não o fizeram, busquem revisar a regulamentação do tema em seus regimentos internos, haja vista que, além de não estar mais vigente a disciplina genérica que outrora constava no CPC/19732, é necessário garantir maior segurança jurídica e uniformização do próprio procedimento para processamento do IUJ. Além disso, existem possibilidades reais, diante dos influxos trazidos pelo CPC de 2015 no trato da formação e da observância de jurisprudência vinculativa e dos avanços doutrinários, de aprimoramento no regramento da matéria eventualmente já existente na seara regimental, o que reforça a necessidade de revisão da regulamentação interna.

 

3. CONCLUSÕES

 

Diante de tudo que foi dito, pode-se concluir que:

I)Remanesce, mesmo após a entrada em vigor da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a possibilidade de suscitação do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ), desde que tal tema seja devidamente disciplinado no Regimento Interno do tribunal respectivo, consoante garantido pela Constituição Federal, pelo CPC de 2015 e pela Lei 7.701/1988;

II)É fundamental que os Tribunais que ainda não o fizeram, busquem revisar a regulamentação do tema “incidente de uniformização de jurisprudência” em seus regimentos internos, haja vista que, além de não estar mais vigente a disciplina genérica que outrora constava no CPC/1973, é necessário garantir maior segurança jurídica e uniformização do próprio procedimento para processamento do IUJ. Além disso, existem possibilidades reais, diante dos influxos trazidos pelo CPC de 2015 no trato da formação e da observância de jurisprudência vinculativa e dos avanços doutrinários, de aprimoramento no regramento da matéria eventualmente já existente na seara regimental, o que reforça a necessidade de revisão da regulamentação interna.

 


REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 205, de 15 de março de 2016. Edita a Instrução Normativa n° 40, que dispõe sobre o cabimento de agravo de instrumento em caso de admissibilidade parcial de recurso de revista no Tribunal Regional do Trabalho e dá outras providências. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 1940, Caderno Judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, p. 3-4, 17 mar. 2016. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/81842/2016_res0205_in0040.pdf?sequence=1. Acesso em: 27 jan. 2019.

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 221, de 21 de junho de 2018. Edita a Instrução Normativa n° 41, que dispõe sobre as normas da CLT, com as alterações da Lei nº 13.467/2017 e sua aplicação ao processo do trabalho. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 2501, Caderno Judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, p. 26-28, 21 jun. 2018. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/138949/2018_res0221_in0041.pdf?sequence=1. Acesso em: 27 jan. 2019.

 

DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: Com os Comentários à Lei 13.467/2017. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2018.

 

SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. 2 ed. em e-book baseada na 2 ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

 

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. O Processo do Trabalho e a Reforma Trabalhista: As Alterações Introduzidas no Processo do Trabalho pela Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2018.

 


Notas de Rodapé

1Cita-se esse ponto como argumento de reforço, haja vista que se entende que a Lei 7.701/1988, quando delimitou a competência dos órgãos internos do Tribunal Superior do Trabalho, incorreu em manifesta inconstitucionalidade, por violação aos artigos 96, I, “a”, e 99, caput, da Constituição Federal. Vale ressaltar que, por uma interpretação sistemática, não é viável compreender que o art. 113 da Constituição Federal, ao prever que a lei deverá dispor, dentre outras matérias, sobre a competências dos órgãos da Justiça do Trabalho, teria subtraído da Justiça do Trabalho a autonomia organizativa interna garantida a todos os tribunais brasileiros, sob pena de se chegar a uma interpretação que tornaria as Cortes Trabalhistas como órgãos “inferiores” em relação ao restante do Judiciário pátrio.

2Também de duvidosa constitucionalidade, diante das premissas supra adotadas relativas ao espaço constitucional outorgado aos regimentos internos dos tribunais.

Sobre o autor
Charles da Costa Bruxel

Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Direito na área de concentração de Constituição, Sociedade e Pensamento Jurídico pela Universidade Federal do Ceará (2021). Especialista em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional (2018). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2016). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (2011). Analista Judiciário - Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), exercendo atualmente a função de Assistente em Gabinete de Desembargador. Explora pesquisas principalmente o Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

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