TELETRABALHO: ORIGEM, CONCEITO, FUNDAMENTAÇÃO LEGAL E SEUS DESAFIOS
O presente artigo tem como objetivo apresentar de forma breve, clara e prática os principais pontos de estudo sobre o teletrabalho, partindo de sua origem e conceito, passando pela fundamentação legal e os desafios enfrentados pelo judiciário, empregados e empregadores.
A palavra teletrabalho tem como expressão grega tele que indica “à distância”, “longe de”. Emprega-se ainda à espécie a nomenclatura trabalho remoto, igualmente indicando “à distância”.
Nos EUA utiliza-se o termo networking, telecommuting, remote working; nos países de língua portuguesa emprega-se o termo teletrabalho; nos países de idioma francês, télétravail; nos países de idioma espanhol teletrajo, e nos de idioma italiano telelavoro.
Quanto a origem do teletrabalho, não é possível ser preciso. No entanto, alguns eventos na história indicam o que pode ser chamado de seu início, como segue.
No ano de 1857, o proprietário da estrada de ferro Penn, J. Edgard Thompson, utilizou-se de seu engenho, manuseando o sistema privado de telégrafo de sua empresa Penn Railroad, com o objetivo de gerenciar divisões remotas, cuja finalidade era de monitorar os afazeres e os equipamentos nos canteiros de obra da construção da estrada de ferro.
Mais de um século depois, no ano de 1962, outro evento merece destaque. O empreendimento Freelance Programmers, instituído por Stephane Shirley, na Inglaterra, cuja atividade consistia em elaborar programas de computador para as empresas, era executado e administrado em sua residência. Desenvolvido para F. Internacional, em meados de 1964, comportou quatro trabalhadores, porém, veio a gozar de pleno sucesso apenas no ano de 1988, com nova denominação, foi chamada de F.I. Group PLC, admitindo em seu corpo laboral mil e cem teletrabalhadores.
O teletrabalho, em si, somente veio a ser difundido por meio de um estudo do antigo cientista da NASA, Jack Nilles, em 1973/1974, recebeu originalmente a expressão terminológica de telecommuting, e designava a percepção de mover certa parcialidade ou mesmo a totalidade do trabalho a ser desempenhado para fora do ambiente escriturário, sendo conduzido na [1]residência do prestador ou designada a um centro de teletrabalho.
Em dezembro de 2018, a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT, apontou que a modalidade de Teletrabalho (Home Office) passa a ser uma realidade no Brasil. 45% das Empresas participantes praticam Home Office e 15% estão avaliando a implantação. Das Empresas que têm a política, 25% implantou há menos de um ano, o que mostra uma nova visão de gestão para permitir maior flexibilização na jornada de trabalho, diminuir a mobilidade urbana e melhorar a qualidade de vida.
Como conceito entendeu o legislador brasileiro que teletrabalho é a “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo” (BRASIL, 1943).
A regulamentação desta modalidade de prestação de serviços ocorreu somente recentemente, pela Lei 13.467/2017 e esta disposta no capítulo II – A, pelos Arts. 75 -A ao E.
“Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§ 1° Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
§ 2° Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.
Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo- se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador."
Em complemento encontram-se outros dispositivos da CLT, aplicáveis:
"Art. 134 [...]
§ 1º Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.
§ 2º (Revogado).
§ 3º É vedado o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado." (NR)
"Art. 62 [...]
III - os empregados em regime de teletrabalho." (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
"Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo Único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio" (Redação conferida pela Lei n. 1 2.551, de 15.12.2011).”
Da leitura da recente legislação em vigor, logo denota-se a possibilidade da presença da figura da subordinação jurídica nas relações de trabalho prestado mediante os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, ainda que realizado no domicílio do empregado e/ou em outras situações de trabalho à distância.
O obstáculo que comumente era verificado, referia-se a falta de subordinação jurídica. No entanto, este obstáculo foi plenamente superado pela nova redação do art. 6º da CLT, conferida pela Lei n. 12.551/2011.
Outra pertinente observação é a de a legislação reconheceu este tipo de atividade como sendo típico de relação de emprego, posto que, ao invés de apresentar termos como “sede da empresa contratante”, “domicílio do beneficiário” ou expressões do gênero, o legislador deixou bem clara a expressão “empregador.
O novo texto apresenta-se bastante explicativo, mas trouxe à tona algumas divergências. A problemática agora ficou por conta da conceituação dada pelo Art. 75 – B, e consiste em verificar o que não deve ser considerado trabalho externo, pois até a Lei 13.467/2017 entrar em vigor, apenas dois empregados não eram abrangidos pelo regime celetista de duração de trabalho: os empregados com atividade externa incompatível com o controle de jornada e os exercentes de cargos de gestão.
O teletrabalho é identificado como espécie do gênero “trabalho a distância”, assim como o trabalhador externo, porém algumas características os distinguem. O teletrabalhador comumente possui um local fixo para exercer suas atividades. Pode ser, por exemplo, uma cafeteria, uma lan house, seu próprio domicílio, dentre outros locais. Assim, exercem suas atividades, na maior parte do tempo, fora das dependências do empregador, mas sem a necessidade de se locomover para o exercício de suas atribuições, como ocorre com os trabalhadores externos.
O teletrabalhador algumas vezes poderia ser encaixado na modalidade de trabalhador externo, tendo em vista a prestação de serviço externo, contando que, não houvesse meio de controlar sua jornada de trabalho e, ainda, que tal condição fosse devidamente registrada na Carteira de Trabalho do empregado, conforme prevê o inciso I do artigo 62 da CLT.
Não obstante, foi acrescentado ao artigo 62, da CLT, o inciso III, ficando claro que as normas que regulamentam a jornada de trabalho não se aplicam aos empregados sujeitos ao teletrabalho, o que pode acabar sendo bastante prejudicial ao trabalhador.
Ultrapassadas estas questões, faz-se necessária atenta observação a todas as instruções que a nova legislação dispõe, a iniciar ao fato de que o empregado quando for contratado para laborar no regime de teletrabalho, necessitará contar com esta condição previamente ajustada entre ele e o empregador mediante contrato escrito, com a indicação, ainda, das atividades a serem desenvolvidas (artigo 75-C).
Também deverá constar em contrato escrito e firmado pelas partes as disposições a respeito dos meios e equipamentos necessários para o desenvolvimento das atividades, além do que for pertinente a reembolso ao empregado das despesas, se for o caso (artigo 75-D).
Destaca-se que no curso do contrato de trabalho as partes, de comum acordo, são livres para formalizar alteração do regime presencial para o de teletrabalho, desde que esse fato seja registrado em aditivo contratual. Ainda, se o empregador não estiver satisfeito com o desempenho do empregado, poderá optar por promover o retorno para o presencial, garantido o prazo de transição mínimo de 15 dias, sendo indispensável o correspondente aditivo contratual, previsão contida nos §§ 1º e 2º do artigo 75-C.
Ponto que gera preocupação se encontra disposto no artigo 75-E - "o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”. Deste modo, o empregado precisa firmar um termo de responsabilidade e se comprometer a observar as orientações repassadas.
Tal disposição provoca preocupações uma vez que transfere o ônus desta responsabilidade ao empregado, em geral não capacitado para este tipo de avaliação. O que se imagina é que diante da alegação de acidente de trabalho ou doença ocupacional, o simples fato de o empregado haver assinado termo de responsabilidade não eximirá a empresa de indenizar eventuais danos causados, caso seja evidenciada sua conduta culposa ou dolosa.
Embora a existência do termo de responsabilidade, persiste ao empregador o dever de fiscalizar, observada a inviolabilidade de domicílio, a ergonomia do trabalho e o meio ambiente laboral como um todo.
Como conclusão, o que se pode verificar, é que apesar de finalmente normatizada, a prestação de serviços à distância, mais precisamente a espécie teletrabalho, objeto do presente estudo, ainda enfrentará inúmeros conflitos, até a pacificação do entendimento sobre a matéria e por conseguinte se atinja um mínimo de segurança jurídica.
A reforma trabalhista trouxe considerável avanço ao normatizar a espécie, o que importará em economia e maior competitividade na esfera empresarial, maior disponibilidade para o lazer e menor tempo gasto com deslocamentos pelos empregados.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2019.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 14 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
MELO, Geraldo Magela. O teletrabalho na nova CLT. Disponível em: < https://www.anamatra.org.br/artigos/25552-o-teletrabalho-na-nova-clt>. Acesso em: 21 out. 2019.
REFORMA TRABALHISTA. / Rosangela Tremel e Ricardo Calcini (Organizadores). - Campina Grande: EDUEPB, 2018. 965 p.
SOBRATT – SOCIEDADE BRASILEIRA DE TELETRABALHO E TELEATIVIDADES. Pesquisa Home Office 2018 - Disponível < http://www.sobratt.org.br/index.php/01122018-pesquisa-home-office-2018/ > Acesso em: 03 fev. 2020.
[1] A pesquisa foi realizada pela SAP CONSULTORIA EM RECURSOS HUMANOS, com a parceria da SOBRATT – SOCIEDADE BRASILEIRA DE TELETRABALHO E TELEATIVIDADES, na formulação dos quesitos e na formatação dos resultados, bem como com o apoio da ABRH – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RECURSOS HUMANOS, do GCONTT – GRUPO DE CONSULTORIA DE TELETRABALHO DA TRANDINGWORKS e da FERREIRA & RODRIGUES, foram consultadas mais de 300 empresas de diferentes segmentos e portes, nas diversas regiões do país, que empregam mais de um milhão de pessoas.