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DADOS PESSOAIS DIANTE DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Agenda 15/04/2020 às 09:18

O ARTIGO DISCUTE O DIREITO A INTIMIDADE DIANTE DE FATOS CONCRETOS.

DADOS PESSOAIS DIANTE DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Rogério Tadeu Romano

 

I – O FATO

 

O Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, anunciou que o governo federal adiou o início do uso de dados de operadoras para monitorar aglomerações durante a epidemia do novo coronavírus. Segundo uma publicação de Pontes em uma rede social na noite de domingo, a suspensão foi determinada pelo presidente Jair Bolsonaro, e os dados só serão utilizados após análise sobre o sistema feita pela equipe técnica do governo.

O uso de dados de operadoras de celular para monitorar aglomerações vem recebendo críticas nas redes sociais, especialmente por parte de apoiadores do presidente Bolsonaro.

Em 27 de março, Pontes anunciou uma parceria com operadoras para utilizar os dados de geolocalização de celulares para monitorar o fluxo de pessoas na epidemia. O acordo previa o uso de dados de Algar, Oi, Claro, Vivo e Tim. Na ocasião, a informação era que os dados seriam repassados ao governo de forma anônima, gerando mapas de calor e sem identificar os donos dos aparelhos.

Após o anúncio feito pelo governo, estados como São Paulo também anunciaram que usariam a ferramenta. A medida, no entanto, gerou forte reação da base bolsonarista na internet e no Congresso. Apesar de o governo federal ter firmado acordo semelhante, o deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), criticou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Segundo informação publicada ontem pelo blog do colunista Lauro Jardim, o uso de dados começaria amanhã. O próprio ministro já havia gravado um vídeo anunciando a implantação do sistema. Mas, no sábado, Bolsonaro, que prega a flexibilização do isolamento para quem pode ficar em casa, ligou para Pontes determinando a suspensão da ação. O presidente alegou riscos para a privacidade, apesar de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) aprovar o uso da ferramenta. O sistema proposto é semelhante ao adotado pela Coreia do Sul, um dos países com menores taxas de mortalidade pela Covid-19.

II – O DIREITO A INTIMIDADE

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

O inciso X do artigo 5º da CF oferece guarida ao direito à reserva da intimidade assim como da vida privada. Consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhe o acesso de informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área de manifestação existencial do ser humano. Está então presente um princípios que resguarda a necessária intimidade.

Por certo esta proteção encontra desdobramentos em outros direitos constitucionais que ainda se preocupam com a preservação das coisas íntimas e privadas, como, por exemplo, direitos à inviolabilidade pessoal

Com isso há o que chamamos dados pessoais sensíveis.

Dado pessoal sensível é qualquer dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural. Em essência, são dados que podem ensejar algum tipo de discriminação em relação ao seu titular, ou ainda eventuais riscos de danos e ofensas à personalidade do titular, caso indevidamente utilizados, razão pela qual são protegidos de forma mais intensa pelas disposições dos arts. 11 e 12 da Lei Geral de Proteção de Dados.

Os dados pessoais referentes à saúde das pessoas naturais, expressamente considerados como sensíveis, tiveram alguns aspectos de seu tratamento alterados após a sanção da Lei Geral de Proteção de Dados. Essas mudanças ampliaram as possibilidades de tratamento do dado pessoal sensível de saúde, fazendo surgir importantes pontos de atenção para o setor da saúde.

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Nessa Lei Geral de Proteção de Dados tem-se que o § 4º do art. 11 originalmente estabelecia que era vedada a comunicação ou o uso compartilhado entre controladores de dados pessoais sensíveis referentes à saúde com objetivo de obter vantagem econômica, exceto nos casos de portabilidade de dados quando consentido pelo titular.

A versão original do texto trazia, portanto, apenas uma possibilidade de controladores comunicarem ou compartilharem entre si dados pessoais sensíveis referentes à saúde com objetivo de obter vantagem econômica: nos casos de portabilidade de dados, com o consentimento do titular.

A nova redação do referido § 4º do art. 11 modificou a parte final do dispositivo, para estabelecer a referida proibição “(…) exceto nas hipóteses relativas a prestação de serviços de saúde, de assistência farmacêutica e de assistência à saúde, desde que observado o § 5º deste artigo, incluídos os serviços auxiliares de diagnose e terapia, em benefício dos interesses dos titulares de dados, e para permitir: I – a portabilidade de dados quando solicitada pelo titular; ou II – as transações financeiras e administrativas resultantes do uso e da prestação dos serviços de que trata este parágrafo.”

A nova versão, por sua vez, manteve a possibilidade de comunicação e compartilhamento de dados pessoais de saúde entre controladores nos casos de portabilidade com o consentimento dos titulares, mas expandiu as possibilidades de comunicação e compartilhamento, sem a necessidade de consentimento, para a prestação de serviços de saúde, de assistência farmacêutica e de assistência à saúde, incluídos os serviços auxiliares de diagnose e terapia, em benefício dos interesses dos titulares de dados e para as transações financeiras e administrativas resultantes do uso e da prestação dos serviços anteriormente mencionados.

III – A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

O que dizer com relação aos efeitos maléficos envolvendo a covid-19?

Como ficaria o princípio da supremacia do interesse público?

A China, como todos sabem, é líder global em tecnologia, em aplicativos móveis e em inteligência artificial e para conter a crise causada pelo coronavírus utilizou muitos destes recursos para coletar, tratar e armazenar dados pessoais de pessoas infectadas ou de suspeitos em terem sido infectados sem a obtenção do consentimento expresso e sem prestar os esclarecimentos necessários sobre a finalidade do seu tratamento.

Para controlar o surto e identificar as fontes de propagação, diversas autoridades médicas e sanitárias, em âmbito internacional, compartilham entre si grande quantidade de informações referentes à condição de saúde daqueles “monitorados” e “confirmados”, visando entrar em conformidade com as diretrizes da OMS e dar um fim o quanto antes à pandemia do COVID-19.

 A própria Lei 13.979/2020, acima mencionada, determina o dever de compartilhamento entre as Administrações Públicas e as pessoas jurídicas de direito privado, quando solicitadas, com o intuito de rastrear as pessoas infectadas (e o grupo de risco).

Já utilizando os preceitos da LGPD, que ainda não está em vigor, mas que já pode servir como as melhores diretrizes que temos para aplicação hoje sobre o tema, o tratamento de dados pessoais sensíveis, dentre os quais encontram-se os dados de saúde, poderá ocorrer sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para a realização de estudos por órgão de pesquisa; para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros; e para a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária.

A LGPD também dispõe que a lei não será aplicável para o tratamento de dados pessoais realizado para fins exclusivos de segurança pública, defesa nacional e segurança do Estado, cenários que deverão ser regidos por legislação específica, que deverá prever medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.

Ora, o problema dos efeitos da covid-19 envolve soluções interdisciplinares que vão da saúde à segurança pública.

Aqui estão exemplos de limitação da Lei que resguarda dados sensíveis das pessoas em relação aos graves problemas trazidos, como por exemplo, da pandemia do covid-19.

A LGPD prevê que, na realização de estudos em saúde pública, os órgãos de pesquisa poderão ter acesso a bases de dados pessoais, que deverá ser regulamentado pelas autoridades públicas, independentemente do consentimento do titular. O Ministério da Saúde, a princípio, pode compartilhar essas informações. No entanto, os dados, sempre que possível, devem ser anônimos ou apresentados com pseudônimos. Da mesma forma, a divulgação dos resultados do estudo ou da pesquisa não pode em hipótese alguma revelar dados pessoais.

Vale ressaltar que os direitos resguardados pela LGPD preveem que o indivíduo deve sempre ser informado da atividade de tratamento de seus dados, da forma e duração de tratamento, da finalidade, das pessoas com as quais os dados são compartilhados, da responsabilidade das pessoas envolvidas (em garantir a segurança das informações e evitar o vazamento dos dados) e de seus direitos (como, por exemplo, requerer que seus dados sejam tratados de forma anônima quando possível).

Os autores recomendam que muito além de enquadrar o tratamento do dado sensível em uma das bases legais pertinentes, é essencial que sejam respeitados as demais precauções legais, tais como a coleta do mínimo necessário (somente dos infectados confirmados ou que mantiveram contato próximo); a não divulgação  pública dos dados desnecessários à prevenção da pandemia; a adoção de medidas técnicas e administrativas para proteger os dados de acessos não autorizados; a não utilização para fins discriminatórios; e, por fim, a responsabilização e a prestação de contas, especialmente dos Órgãos da Administração.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 99), o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é inerente a qualquer sociedade, sendo “a própria condição de sua existência”. Deste modo, podemos inferir que o princípio em comento é um pressuposto lógico do convívio social.

Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 113) esclareceu que a “primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a”. O autor frisa que essa supremacia “justifica-se pela busca do interesse geral, ou seja, da coletividade; não do Estado ou do aparelhamento do Estado”. Portanto, devemos abstrair interesse estatal e interesse público, aquele dos agentes administrativos, este dos administrados; aquele não tem o direito à primazia que este tem.

IV – O CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS

R. Dworkin (Taking Rights Seriously, p. 22) chama de princípio aquele standard que deve ser observado, não por ter em vista uma finalidade econômica, política, ou social, que se possa considerar favorável, mas porque seja uma exigência de justiça, ou equidade, ou alguma outra dimensão de moralidade.

Dizendo de maneira mais simples é o próprio autor quem resume: Princípios são proposições que descrevem direitos; diretrizes (políticas) são proposições que descrevem objetivos. Por isso que, segundo Dworkin, em geral, os argumentos de princípios se predispõem à defesa de direitos do indivíduo, enquanto argumentos políticos se propõem à defesa de interesses da coletividade.  

Enquanto as regras são aplicáveis a partir de um critério de tudo-ou-nada, este critério não vale para os princípios. Assim, ou a regra é válida e, então, se deveriam aceitar os seus efeitos jurídicos, ou a regra não é válida e, por isso, não fundamenta nem pode exigir qualquer consequência jurídica. Como a possibilidade de exceções não pode prejudicar esse resultado, uma formulação completa e a mais adequada de uma regra precisa incluir todas as exceções. Princípios, ao contrário, não determinam, quando verificado um caso de sua aplicação, uma decisão concludente segundo uma formulação pronta e acabada. Diversamente, os princípios veiculam motivos, que falam por uma decisão. Outros princípios que, de seu lado, segundo sua formulação seriam também aplicáveis, podem preceder um outro princípio no caso concreto. Aqui, porém, graças ao seu caráter não concludente, não se mostram necessárias (todas), como nas regras, as exceções que seriam de acolher numa formulação completa desse Princípio.

Princípios são mandamentos de otimização.

De forma geral, Alexy explicou que quando dois princípios fundamentais estão em conflito, é necessário avaliar qual deles que, quando aplicado, fere com menor agressividade e intensidade o outro.

No caso das medidas tomadas com relação a covid-19, sem dúvida, salienta-se o interesse público.

É preciso saber quem está infectado e sobre ele tomar as providências devidas que vão do isolamento até a internação dentro dos parâmetros técnicos que, para tanto, deve ser atendidos. Quando digo parâmetros médicos, recorro às lições da ciência médica que devem ser obedecidas, tudo a partir das recomendações da Organização Mundial de Saúde.

Tudo deve ir da recomendação estatal até a ordem.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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