Tormentosa questão divide estudiosos do Direito Público. Trata-se da possibilidade de o Chefe do Executivo deixar de cumprir a norma por entendê-la inconstitucional, e, nesse sentido, determinar aos subordinados que procedam de maneira semelhante. Tais considerações se mostram necessárias mesmo se a norma revelar flagrante inconstitucionalidade, como por exemplo, na hipótese de vício de iniciativa.
Quanto à iniciativa reservada, cumpre destacar que ao Chefe do Poder Executivo garante-se tal prerrogativa, em determinadas matérias, porquanto somente este tem condições de aferir o momento exato em que certos assuntos devem ser disciplinados por meio de lei. Apenas o Chefe da Administração Pública consegue sopesar com exatidão os diversos valores postos em jogo na sociedade e, assim, proceder ao exercício de ponderação entre eles e optimizá-los, regulamentado-os, segundo a ótica da reserva do financeiramente possível.
A Constituição Federal, a par de haver previsto a capacidade de auto-organização, auto-administração e autogoverno dos Estados-membros e do DF, também impôs a tais entes, em relação a certos assuntos, a obrigatoriedade de seguir o modelo previsto para a esfera federal. A tanto corresponde o Princípio da Simetria, por meio do qual se estabelecem normas federais de observância obrigatória aos Estados-membros e ao DF, visando a fortalecer a idéia de Federação, no sentido de que o pacto (foedus) firmado entre eles se concretiza, na medida em que se adotam procedimentos em conformidade, o que objetiva robustecer o sentimento de aliança que os une.
Nessa toada, a Corte Constitucional Alemã desenvolveu o princípio da lealdade mútua federal, que se realiza por meio do dever imposto aos entes de uma Federação para que atuem, em relação a si mesmos e aos outros entes, em conformidade com os limites impostos pela Carta Magna.
No presente estudo, pode-se proceder a um alargamento quanto à compreensão do princípio da lealdade mútua federal para estabelecê-lo também no que tange aos poderes que compõem um ente federativo, no sentido de afirmar que o respeito às limitações de competência de cada um dos Poderes que formam uma unidade federada visa a proteger não somente o rol de atribuições do Poder Executivo, do Legislativo e do Judiciário, mas, sobretudo, o próprio regime republicano e democrático de governo.
Nessa linha, compreende-se a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal, por meio da qual se afirma que as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros e pelo DF. Cumpre ainda ressaltar que nem mesmo a sanção posterior do Governador a projeto de lei cuja iniciativa é vedada a parlamentar possui o condão de afastar o vício de nulidade a fulminar o ato, porquanto este se mostra insanável [01]. Os vícios formais traduzem defeitos de formação do ato normativo, pela inobservância de princípio de ordem técnica ou procedimental, ou pela violação de regras de competência. O ato é viciado quanto aos pressupostos, no seu procedimento de formação, de maneira insanável. Procura-se, desse modo, proteger e garantir a sobrevivência do Estado Democrático de Direito, para que os freios e contrapesos não sejam percebidos como uma interferência indevida entre os Poderes, mas, ao revés, como o respeito às missões constitucionalmente estabelecidas para cada um.
Nem mesmo a interferência do Poder Legislativo na atuação administrativa, arvorando-se quanto à iniciativa do processo de elaboração das leis autoriza o Executivo a deixar de cumpri-la. Isto porque as conseqüências dessa conduta – a insegurança jurídica e o acirramento do caos entre os limites institucionais de cada Poder - seriam ainda mais nefastas do que o eventual cumprimento de norma tida por inconstitucional. Assim, percebe-se que a interferência indevida do Legislativo no Executivo não autoriza este a interferir no Judiciário, único poder legitimado pela Constituição para declarar a inconstitucionalidade das normas. O erro de um não pode justificar uma cadeia de erros. Nunca é demais lembrar Rui Barbosa, quando este afirmava que "a Justiça não se enfraquece quando o Poder lhe desatende. O Poder é que se suicida, quando não se curva à Justiça".
Por outro lado, de nada adianta o Estado Brasileiro proclamar-se um Estado de Democrático de Direito se não atender às características que lhe são fundamentais, bem explicitadas em magistral trabalho do professor Elias Díaz [02]: o Império da Lei – a lei como expressão da vontade geral; a Divisão de Poderes; a Legalidade da Administração – atuação segundo a lei e suficiente controle judicial; os Direitos e Liberdades Fundamentais – como garantia jurídico-formal e a efetiva realização material.
Aos intérpretes constitucionais, não se permite olvidar as razões que propiciaram o surgimento do Estado de Direito, como exemplo de reação ao Estado Absolutista. Neste, a pessoa do Rei se confundia com o próprio Estado – não há como esquecer a figura emblemática do rei francês Louis XIV e a assertiva "O Estado sou eu" -, os bens públicos eram considerados bens do monarca, os poderes eram ilimitados e não havia possibilidade de responsabilização. Houve a necessidade de limitar o poder do soberano a fim de garantir uma esfera mínima de liberdade individual. Nessa linha, compreendem-se as chamadas revoluções liberais, norte-americana e francesa, que foram paradigmáticas, por propiciarem o surgimento e o desenvolvimento do Constitucionalismo Moderno.
Observa-se, desse modo, que alguns dos pilares do Estado de Direito vêm a ser justamente a tripartição de Poderes [03] e a obediência da Administração Pública à legalidade. Nessa linha, já afirmou Seabra Fagundes, "Administrar é aplicar a lei, de ofício" [04], no que é corroborado pelos mais ilustres doutrinadores, como Celso Antônio Bandeira de Mello [05], quando este explica: "O princípio da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência dele. É, em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, em conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal...".
Atende-se melhor ao interesse público quando cada poder exerce determinadas funções que lhe foram conferidas constitucionalmente. O princípio da separação de poderes traz como corolário a especialização: percebe-se, assim, que a função jurisdicional no Brasil é confiada exclusivamente ao Poder Judiciário. O controle recíproco entre os poderes deve se desenvolver com equilíbrio e sem ameaçar a desestabilidade do sistema.
Não se pode olvidar que interferências indevidas de um poder em outro desestruturam totalmente o fundamento da divisão de funções e do estabelecimento de competências. Se ao Executivo fosse concedida a permissão para deixar de cumprir uma lei, as conseqüências seriam muito mais graves do que uma eventual injustiça no caso concreto: tornaria letra morta o texto constitucional, transformando-o em mera "folha de papel", no dizer de Ferdinand Lassale, na medida em que a Constituição passaria a ser interpretada segundo os "fatores reais de poder" que regessem uma nação.
Empreste-se à Constituição Federal de 1988 a maior eficácia, interpretando-a de modo a garantir a força normativa dos seus comandos. A história é pródiga em demonstrar exemplos de como a hipertrofia do Executivo pode colocar em risco a segurança pública e a própria ordem jurídica: a Constituição Federal de 1937, outorgada, fruto do Estado Novo e de influência marcadamente ditatorial e fascista, por meio do parágrafo único do artigo 96, previu a possibilidade de interferência do Executivo no Judiciário, podendo aquele alterar a decisão de inconstitucionalidade de certa norma, se entendesse necessário. Nunca é demais relembrar a tese defendida por Carl Schmitt – e ferozmente combatida por Hans Kelsen - de que somente o Poder Executivo poderia salvaguardar a Constituição, o que de fato foi previsto pelo artigo 48 da Constituição alemã de Weimar (1919), conferindo poderes excepcionais ao executivo, inclusive de intervenção armada para restaurar a ordem. Não por acaso, sob a proteção de tal permissivo constitucional, o movimento nazista conseguiu se desenvolver e se transformar no império da barbárie contra a razão e o direito.
A possibilidade de o Chefe do Executivo deixar de aplicar a norma, por entendê-la inconstitucional somente se justifica, em um Estado Democrático de Direito, se a lei autorizar a prática de crime ou trouxer lesão ao núcleo essencial do direito fundamental tão excepcionalmente grave que nem sequer haja tempo hábil de se socorrer ao Judiciário para evitar o dano. Somente casos teratológicos, esdrúxulos, monstruosos autorizariam tal atuação, o que poderia ocorrer, por exemplo, se no Brasil uma lei obrigasse os cidadãos a matarem um dos seus filhos, para realizar política de restrição à natalidade, por exemplo [06].
É bem verdade que existem precedentes do Supremo Tribunal Federal em que se admitiu que o Chefe do Poder Executivo determinasse, aos subordinados, o não-cumprimento da lei, por entendê-la inconstitucional [07]. Entretanto, tais decisões não podem ser analisadas fora do contexto em que foram proferidas. Àquela época, ou seja, antes da Constituição Federal de 1988, a Emenda Constitucional nº 16/65 havia conferido apenas ao Procurador-Geral da República a legitimidade para ajuizar a Representação Interventiva. Assim, o controle abstrato da constitucionalidade das normas era atribuído, tão-somente, ao Procurador-Geral, que à ocasião exercia a defesa tanto da sociedade, quanto a defesa dos interesses da União, haja vista que o cargo de Advogado-Geral da União somente surgiu com a Constituição Federal de 1988. Releva destacar que o Supremo Tribunal Federal havia fixado o entendimento de que o PGR não estava obrigado constitucionalmente a instaurar o controle abstrato, sempre que solicitado para tanto. Tratava-se de competência discricionária do Procurador-Geral decidir se e quando deveria ser oferecida representação para a aferição da constitucionalidade de lei [08].
Feitas tais considerações, não se torna difícil concluir que, naquela quadra, mesmo que o Chefe do Executivo tentasse se valer do controle abstrato das normas, em alguns casos isso não se mostrava possível, por vontade do Procurador-Geral, haja vista a parca legitimidade para agir conferida pelos textos constitucionais de outrora [09].
Entretanto, mudanças significativas no sistema de controle de constitucionalidade das leis foram inseridas com a nova Constituição Federal, de 1988. Ampliou-se o rol de legitimados para iniciativa, democratizando os mecanismos de acesso ao Judiciário, ao passo que foram diversificados os instrumentos de controle. A partir de 1988, também o governador possui legitimidade para demandar no controle abstrato.
Desse modo, a ampla legitimação, a consagrada eficiência e a pronta celeridade desse novo modelo - com possibilidade de suspensão imediata da eficácia da norma questionada mediante pedido de cautelar - inviabilizam a vetusta interpretação de que o Chefe do Poder Executivo poderia simplesmente deixar de cumprir a lei, alegando a inconstitucionalidade. Outro não é o entendimento do professor Gilmar Ferreira Mendes, em excepcional estudo sobre o controle de constitucionalidade no Brasil:
Outra questão de relevo neste contexto refere-se à possibilidade ou não de que o Executivo deixe de cumprir decisão legislativa com fundamento em uma alegada inconstitucionalidade. A controvérsia, que, sob o regime constitucional anterior, ganhou alguma densidade doutrinária e jurisprudencial, perdeu, certamente, muito do seu significado prático em face da nova disciplina conferida à ação direta de inconstitucionalidade. A outorga do direito de propositura aos Chefes do Executivo federal e estadual para propor a ação direta retira, senão a legitimidade desse tipo de conduta, pelo menos na maioria dos casos, a motivação para a adoção dessa conduta de quase desforço no âmbito do Estado de Direito [10].
A despeito do entendimento praticamente pacífico na doutrina nacional e estrangeira mais abalizada sobre o tema, é importante destacar que alguns autores [11] ainda insistem na possibilidade de descumprimento das normas inconstitucionais pelo Chefe do Executivo. E, para tanto, citam digressões realizadas pelo ministro Moreira Alves, quando do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº221, em 1990, a saber:
"Em se tratando de lei ou ato normativo com força de lei, os Poderes Executivo e Legislativo, por sua Chefia – e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade -, podem tão-só determinar a seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais. ..".
Mais uma vez, aponta-se para os riscos de uma interpretação precipitada. É preciso, inicialmente, destacar que o efeito vinculante das decisões proferidas no controle de constitucionalidade não se estende a todos os argumentos despendidos pelo relator, mas se adstringe aos motivos determinantes e à parte dispositiva da decisão, não alcançando o raciocínio periférico. Tal advertência é válida porque a divagação realizada pelo ministro Moreira Alves, na hipótese concreta, atuou de maneira ancilar e subsidiária, dita apenas de passagem, uma vez que não se mostrava pertinente ao deslinde da questão examinada. Cumpre consignar, ainda, que os votos que se seguiram ao do relator não chegaram sequer a mencionar o tema, o que revela a inviabilidade de concluir como se o Tribunal tivesse firmado um posicionamento sobre o assunto. Mesmo porque, em se tratando de tópico da mais alta relevância, seria um verdadeiro exagero conferir efeito vinculante aos obiter dicta, ou seja, aos comentários marginais realizados por algum dos ministros que compõem a Corte Suprema, ao proferir seu voto [12]. Dessarte, qualquer tentativa de vincular o pensamento do ministro Moreira Alves e, pior, o entendimento da Corte Suprema à possibilidade de o Chefe do Executivo deixar de cumprir as leis por entendê-las inconstitucionais, mostra-se despropositada, açodada e inoportuna.
Assim, ainda que se entenda que a norma é manifestamente inconstitucional, deverá esta ser obedecida por todos, inclusive pela Administração Pública, mas, paralelamente, deverá o Chefe do Executivo socorrer-se do Judiciário, a fim de que por meio deste se declare a inconstitucionalidade. Desta forma, consolida-se e concretiza-se o Estado Democrático de Direito.
Notas
01 Registre-se que, no direito constitucional brasileiro, houve uma grande controvérsia sobre a eficácia convalidatória da sanção aposta pelo chefe do Executivo a projetos eivados pela usurpação de iniciativa reservada. Autores como Themístocles Cavalcanti, Seabra Fagundes, Pontes de Miranda e José Afonso da Silva, adotaram a tese da convalidação. Outros, como Francisco Campos, Caio Tácito e Manoel Gonçalves Ferreira Filho, seguiram com orientação diversa.
02 DÍAZ, Elias. Estado de Derecho y Sociedad Democrática. Taurus: Madrid, 1998, p. 44 e ss.
03 A necessidade de separar os poderes alcançou status de verdadeiro dogma, a partir das revoluções liberais, a ponto de a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791 prever, no artigo 16 que: "Toda sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação de poderes, não possui Constituição".
04FAGUNDES, Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 3.
05 MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 90 e 91.
06 Outra não é a posição da doutrina mais abalizada, e por haver certo consenso entre os autores, limitamo-nos a transcrever os professores de Coimbra e de Lisboa, respectivamente, Gomes Canotilho e Jorge de Miranda: "(...) o princípio básico é o de recusar à administração em geral e aos agentes administrativos em particular qualquer poder de controle de constitucionalidade das leis, mesmo se dessa aplicação resultar a violação dos direitos fundamentais. Aos agentes administrativos é sempre possível a representação – direito de representação – às entidades hierarquicamente superiores das conseqüências da aplicação das leis, mas até a uma possível decisão judicial da inconstitucionalidade permanecerão vinculados às leis e às ordens concretas de aplicação dos órgãos colocados num grau superior de hierarquia. (...) O funcionário ou agente administrativo deverá, porém, desobedecer a ordens concretas de aplicação de leis inexistentes, violadoras de direitos fundamentais, quando elas implicarem a prática de crime. Isto parece impor-se, designadamente, quando a aplicação da lei conduza à afetação do direito à vida ou integridade pessoal, direitos que nem em situação de estado-de-sítio podem ser suspensos. As leis violadoras do núcleo essencial dos direitos fundamentais, e, inquestionavelmente, as leis aniquiladoras do direito à vida e da integridade pessoal, são leis inexistentes, pelo que os agentes administrativos poderão deparar com o direito de resistência dos particulares" CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999, p. 417 e 418. "Mantemos a opinião (que há muito sustentamos) adversa ao reconhecimento aos órgãos da Administração de qualquer faculdade de fiscalização da constitucionalidade pelas diferentes características da função jurisdicional e da função administrativa, pela necessidade de evitar a concentração de poder no Governo que daí adviria (pois o Governo é o órgão superior da Administração Pública) e por imperativos de certeza e de segurança jurídica. Aos agentes administrativos é sempre possível a representação às entidades hierarquicamente superiores das conseqüências da aplicação das leis, mas até a uma possível decisão judicial de inconstitucionalidade permanecerão vinculados às leis e às ordens concretas de aplicação dos órgãos colocados em grau superior da hierarquia; e não poderão então ser civilmente responsabilizados por violações de direitos, liberdades e garantias decorrentes dessa aplicação (a responsabilidade será apenas do Estado)". MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 318 e 319. Ainda no mesmo sentido: CAUPERS, João. Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1985, p. 155 e 156; SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1998, p. 328 e 329; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. In: MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 129 e 130.
07 Como, por exemplo, o Recurso em Mandado de Segurança nº 14.557 – cuja decisão é de 1965 - e a Representação nº 980 – cuja decisão é de 1979.
08 Confira-se com a ementa da Reclamação 121, relator o ministro Djaci Falcão, julgada em 03/12/1980: "Reclamação movida pelo presidente da OAB - Seção do estado do Rio de janeiro, contra ato do Procurador-geral da República. O titular único da representação de inconstitucionalidade é o Procurador-geral da República, conforme dispõe o art-119, inc-I, letra l, da Constituição, bem assim o art. 169 do novo regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Destarte, na qualidade de seu titular tem a faculdade de oferecer a representação ou arquivá-la. Ao interessado fica reservada a via processual comum para a argüição de inconstitucionalidade, diante do caso concreto. Improcedência da reclamação".
09 Essa situação de verdadeira submissão do Chefe do Executivo estadual à vontade discricionária do Procurador-Geral da República propiciou uma intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o tema. Entretanto, conforme salienta Gilmar Ferreira Mendes, antes do surgimento do controle concentrado no Brasil, por meio da Emenda Constitucional nº 16/65, a posição majoritária era no sentido de admitir a legitimidade da recusa à aplicação da lei considerada inconstitucional como, por exemplo, os autores Carlos Maximiliano, Miguel Reale, Themístocles Brandão Cavalcanti, Caio Mário da Silva Pereira, Adroaldo Mesquita da Costa, L.C. Miranda Lima. Não é difícil entender a razão pela qual tais juristas pensavam assim: a inexistência de um meio rápido e eficaz de sanar a inconstitucionalidade autorizava medidas excepcionais do Executivo, o que não mais se coaduna com a realidade constitucional brasileira, pós-1988. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 136.
10 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p. 312; MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 135.
11 Nessa linha, DUTRA JÚNIOR, José. Recusa ao cumprimento, pelo Chefe do Executivo Estadual ou Distrital, de lei manifestamente inconstitucional: limites e possibilidades numa perspectiva atual. In: Livro de Teses. XXIX Congresso Nacional de Procuradores de Estado. Volume I, out/2003, p. 159-171.
12 Nessa linha, mais uma vez, socorre-se dos ensinamentos do professor Gilmar Mendes: Problema de inegável relevo diz respeito aos limites objetivos do efeito vinculante, isto é, à parte da decisão que tem efeito vinculante para os órgãos constitucionais, tribunais e autoridades administrativas. Em suma, indaga-se, tal como em relação à coisa julgada e à força de lei, se o efeito vinculante está adstrito à parte dispositiva da decisão (Urteilstenor; Entscheidungsformel) ou se ele se estende também aos chamados fundamentos determinantes (tragende Gründe), ou, ainda, se o efeito vinculante abrange também as considerações marginais, as coisas ditas de passagem, isto é, os chamados obiter dicta. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 339. Por fim, conclui o renomado autor que tanto a parte dispositiva da decisão, quanto os fundamentos determinantes, possuiriam efeito vinculante, mas não os obiter dicta. E esclarece, quanto à necessidade de distinção entre o que, em uma decisão, deve ser considerado motivo determinante e o que deve ser tido como raciocínio secundário: Aqui, afigura-se fundamental a distinção entre "ratio decidendi" e "obter dictum", tendo em vista a necessidade ou a imprescindibilidade dos argumentos para formação da decisão obtida (Cf. sobre o assunto, Winfried Schlüter, Das Obiter Dictum, Munique, 1973, p. 77 s). Embora possa haver controvérsias sobre a distinção entre "ratio decidendi" e "obter dictum", é certo que um critério menos impreciso indica que integra a "ratio decidendi" premissa que não possa ser eliminada sem afetar o próprio conteúdo da decisão (Cf. Schlüter, op. cit., p 85). RE (ED) nº 194.662-BA.