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A AUTONOMIA FUNCIONAL DIANTE DE FATO CONCRETO

Agenda 17/04/2020 às 09:23

O ARTIGO DISCUTE SOBRE O TEMA DA AUTONOMIA FUNCIONAL COMO UM DOS PILARES DO MP.

A AUTONOMIA FUNCIONAL DIANTE DE FATO CONCRETO

Rogério Tadeu Romano

 

Anoto o que foi divulgado no site do O Globo, em 14 de abril do corrente ano:

“Após a revelação de que o procurador-geral da República, Augusto Aras,  enviou ofícios para os ministérios do governo federal solicitando que demandas de outras instâncias do Ministério Público Federal fossem encaminhadas a ele em vez de serem respondidas, os 24 procuradores que atuam no grupo instituído pelo próprio Aras divulgaram uma nota pública se posicionando contra a medida e afirmando que não foram consultados.

A manifestação agrava a crise interna provocada pela medida do procurador-geral, que na prática implanta uma blindagem ao governo de Jair Bolsonaro e reduz a independência dos procuradores do MPF. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) já estuda apresentar uma ação judicial para cassar a medida de Aras. Ainda está em análise qual seria o melhor formato da ação e em qual foro pode ser apresentada.

A nota é assinada por 24 de um total de 27 procuradores focalizadores do Gabinete Integrado de Acompanhamento do Covid-19 (Giac), órgão criado por Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR) para coordenar a análise das questões jurídicas sobre o coronavírus.

"Os signatários esclarecem que não participaram de qualquer discussão ou deliberação para adoção da referida medida, não tendo sido sequer comunicados formalmente pelo Giac-Covid-19 da expedição do ofício. Manifestamos discordância à medida adotada, porque representa grave ofensa ao princípio institucional da independência funcional e ao seu consectário princípio do procurador natural, na medida em que obsta o exercício pleno e independente das atribuições dos membros, exercidas sem subordinação e vinculadas apenas à Constituição, às leis e a nossas consciências jurídicas", afirmam em trecho da nota.”

Ora, estamos diante de uma possível afronta ao princípio da autonomia funcional.

Diante da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público está consagrado, com liberdade, autonomia e independência funcional de seus órgãos, à defesa dos interesses indisponíveis do indivíduo e da sociedade, à defesa da ordem jurídica e do próprio regime democrático, como defina o artigo 127 da Constituição.

Tem-se, portanto, o membro do Parquet, como agente público, a teor do artigo 127, § 1º e 128 e parágrafos) possui autonomia funcional.

Assim em face das peculiaridades do Ministério Público, hierarquia, portanto, só se concebe num sentido administrativo, pela natural chefia exercida na instituição pelo seu procurador-geral(poderes de designação, na forma da lei, disciplina funcional, solução de conflitos de atribuições etc). Não se pode cogitar, porém, de hierarquia, no sentido funcional.

Os poderes do procurador-geral encontram limite na independência funcional dos membros da instituição. Não se pode impor um procedimento funcional a um órgão do Ministério Público, senão fazendo recomendação sem caráter normativo(Lei Complementar nº 40/81, artigo 11, II), pois a Constituição e a lei complementar, no caso a Lei Complementar nº 75/93 para o Ministério Pública da União, antes de asseguraram aos seus membros garantias pessoais, deram-lhe garantias funcionais, para que possam servir aos interesses da lei, e não ao dos governantes, como acentuou Manoel Gonçalves Ferreira Filho(Curso de Direito Constitucional, 10ª edição, 1981, pág. 294).

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Fala-se nos princípios da unidade e da indivisibilidade. Mas, data vênia, ainda assim vistas sob o ponto de vista hierárquico, são mitigadas pelos princípios de independência e autonomia funcional.

Os membros do Parquet são considerados agentes políticos, em situação totalmente diversa dos funcionários públicos em sentido estrito. É a posição dos agentes públicos investidos de atribuições complexas, nos vários âmbitos de poder e diferentes níveis de governo, cuja atuação e decisões exigem independência funcional, como ensinou Hely Lopes Meirelles(Direito Administrativo Brasileiro, 121ª edição, 1986, pág. 50 a 51).

Estamos diante de garantias administrativas e políticas da instituição(autonomia administrativa e funcional, iniciativa do processo legislativo, proposta orçamentária: escolha do procurador-geral dentre os integrantes da carreira e mandato para o procurador-geral). Há responsabilização do presidente da República contra medidas que atentem contra a independência da instituição.

Há, portanto, uma garantia política que é a autonomia funcional para os membros da Instituição.

São garantias que se distinguem das prerrogativas. As garantias são das pessoas; as prerrogativas, na lição de Hely Lopes Meirelles(Justitia, 123:188, n. 17), “são atributos do órgão ou do agente público inerentes ao cargo ou a função que desempenha”.

Estamos diante do mesmo princípio do promotor natural, mas que agora sobre uma outra dimensão.

Entendo, salvo melhor juízo, que esse desrespeito ao magno princípio institucional, deverá levar ao ajuizamento de mandado de segurança contra o chefe do Ministério Público da União.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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