TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA – PRINCIPAIS ASPECTOS DA PORTARIA DA PGFN Nº 11.956, DE 27 DE NOVEMBRO 2019 E EDITAL DA PGFN Nº 01/2019 com alterações da LEI nº 13988/2020
Rafael Albertoni Faganello
Mestre em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas - SP. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP. Graduando em Ciências Econômicas pela FECAP. Curso de especialização em Planejamento Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB SP. Foi professor da Faculdade Educamais em Direito Tributário no curso de pós-graduação lato sensu na disciplina Estratégias Tributárias e Empresariais. Foi professor da Faculdade Educamais na graduação de Gestão em RH na disciplina Aspectos Legais. Foi professor na Faculdade Educamais de curso de extensão de redação. Foi monitor do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Tributário e monitor do curso de extensão de Compliance Tributário da Fundação Getúlio Vargas. Professor da Pós-Graduação em Direito Tributário da Verbo Jurídico. Sócio fundador de Albertoni e Zampronio Sociedade de Advogados. Sócio fundador e administrador de LBA Assistência Operacional Ltda EPP. Advogado, professor e palestrante. (contato@aefadvocacia.com.br).
Área do Direito: Tributário
Resumo: O presente texto visa demonstrar os principais aspectos das normas regulamentares da transação tributária vigente no Brasil.
Palavras-Chave: transação tributária; MP 899/2019; Portaria PGFN 11956/2019; Edital 01/2019.
A transação tributária, objeto de muita discussão doutrinária no Brasil, haja vista a sua inclusão condicionada à lei que a regulamentasse, conforme previsto no Código Tributário Nacional no art. 171 c/c art. 156, III, finalmente chega a uma norma vigente através da Medida provisória 899/2019. Inspirada no “Offer in Compromise” do Internal Revenue Service (IRS), dos Estados Unidos da América, o instituto da transação, que pendia de regulamentação, mediante concessões mútuas, leva a possibilidade de credor e devedor obter solução adequada ao litígio tributário.
Vê-se aí um primeiro ponto importante do instituto: há necessidade de litígio, ou seja, processo.
Pois bem, de forma objetiva, serão aqui focados os principais aspectos da regulamentação da Medida provisória mencionada, qual seja: a portaria PGFN nº 11956/2019 e o edital do mesmo órgão nº 01/2019.
Sendo assim, segundo o art. 4º da portaria, são 3 as modalidades previstas para transação: por adesão; individual por proposta da PGFN; e individual por proposta do contribuinte. Tendo em vista que o grande volume das transações será por adesão, apesar de ser uma abordagem genérica do instituto, é nesse tipo de adesão que interessa a presente apresentação. Isso porque as transações individuais somente são permitidas para os casos em que toda a dívida litigiosa consolidada ultrapasse R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) (art. 4º, §1º, da portaria). No caso de a dívida consolidada do contribuinte não ultrapassar esse montante, a modalidade por adesão é a única opção. Todavia, no caso de ultrapassar esse somatório, perde-se a oportunidade do tipo adesão, sendo a única alternativa ao contribuinte a transação individual (art. 4º, §3º, da portaria).
Os requisitos obrigatórios, que podem ser subjetivos e objetivos, presentes no art. 5º e outros da portaria, têm como principais destaques, ao nosso ver:
Requisitos subjetivos: a obrigatoriedade de oferecer documentação e informações à PGFN, quando solicitado, mesmo após a formalização da transação (art. 5º, I, da portaria); não utilizar o instituto de forma abusiva e ilícita (art. 5º, II, da portaria); comprovar condições de pagamento (art. 20, da portaria).
Requisitos objetivos: apresentar requerimento de extinção de ações judiciais que versem sobre as dívidas objeto da transação (art. 5º, III, da portaria); estar regular com o FGTS através da emissão do certificado de regularidade mensal (art. 5º, IV, da portaria); regularizar débitos inscritos em dívida ativa e/ou exigíveis que surgirem pós-transação em até 90 dias (art. 5º, V, da portaria).
Um importante destaque da portaria é que há presunção de boa-fé do contribuinte expressamente declarada (art. 6º, II, da portaria), logo, os requisitos subjetivos que a PGFN entender não cumprido devem estar devidamente comprovados pela mesma, tal como o abuso do contribuinte.
Na linha da renovação da lei processual civil, não só o contraditório, mas também a economia processual, são valorizados. Logo, qualquer motivo de hipótese de rescisão da transação deve, antes da mesma ocorrer, ser realizada uma notificação prévia do contribuinte para regularizar o vício (art. 6º, III, da portaria). Por outro lado, caso haja rescisão, o contribuinte fica por 2 anos sem ter o direito de transacionar novamente (art. 17, da portaria). Ademais, em razão dos princípios da publicidade, isonomia, privacidade e transparência, as transações firmadas serão publicadas e devem conter, no mínimo, informações sobre as obrigações, concessões e exigências realizadas (art. 6º, IV, da portaria), além de locais específicos e taxativos para a PGFN consultar situação econômica dos contribuintes (art. 21, da portaria).
Fora os requisitos apresentados anteriormente, há exigências discricionárias e taxativas da PGFN que podem ser necessárias, tal como prevê o art. 7º, da portaria, quais sejam: pagamento de entrada mínima como condição à adesão (art. 7º, I, da portaria); manutenção das garantias quando envolver não pagamento à vista (art. 7º, II, da portaria); e oferecer garantias reais ou cauções (art. 7º, III, da portaria).
Um aspecto processual da norma é a não suspensão de exigibilidade dos débitos envolvidos enquanto não formalizada a transação, formalização essa que ocorre, cumulativamente, quando do aceite da PGFN e da concretização das condições pelo contribuinte (art. 9º, caput, da portaria). Assim, enquanto não ocorrer esses dois atos, execuções fiscais continuam em trâmite normalmente, inclusive para prazo de prescrição intercorrente, salvo se envolver na transação descontos, parcelamento ou diferimento do pagamento (exceção no art. 10 c/c art. 8º, I, II e III, da portaria). Uma exceção a essa regra são os tipos de transações individuais, onde as partes podem acordar em suspender as demandas litigiosas (art. 9º, parágrafo único, da portaria). Transação por adesão fica incluída na regra geral de não suspensão aqui exposta.
A fim de deixar claro o que adentra no somatório das dívidas possíveis de transação, a portaria traz em seu art. 14 todas as vedações à transação, sendo essas objetivas e relacionadas aos créditos tributários, quais sejam: não poderá ter redução do valor principal da dívida; as multas por atos de fraude, simulação, dolo e de natureza penal não poderão ser transacionadas; bem como os débitos do simples nacional e do FGTS. Aqui beira uma certa dúvida sobre os antigos débitos do Simples Federal e os atuais previstos na lei complementar 123/2006, pois a norma é omissa nesse sentido, parecendo proibir a transação somente do último modelo do Simples. Uma outra restrição da norma é relacionada às contribuições previdenciárias patronal e de contribuintes individuais, que não podem ultrapassar 60 parcelas em caso de parcelamento/moratória (art. 16, da portaria).
É expressas a indicação de não haver possibilidade de continuar exigível um débito e com outros transacionar. Essa proibição de transação parcial está no art. 15 da portaria, que obriga que todas as obrigações elegíveis do sujeito passivo devem constar na formalização. Uma exceção condicional a essa regra geral é a oferta de garantia, ou que a dívida já esteja sendo parcelada ou que haja ordem judicial suspendendo a dívida (art. 15, § 2º, da portaria). Todavia, caso as garantias já existam antes da adesão, estas se manterão (art. 31, da portaria). Para a transação individual há mais uma exceção, que é a comprovação de que a inclusão de todos os débitos possam interferir na sua atividade econômica (art. 15, § 3º, da portaria).
A PGFN classificará os créditos tributários em tipos A, B, C e D, conforme a perspectiva de recuperação, sendo A alta perspectiva e D irrecuperável (art. 23, da portaria). Esse parâmetro dará à PGFN e ao contribuinte as informações dos débitos elegíveis para fins do art. 15 da portaria, mencionado anteriormente, que obriga a inclusão total de tais débitos para a transação, salvo exceções também já supracitadas.
Para fins do tipo D, são irrecuperáveis aqueles créditos tributários: inscritos há mais de 15 anos e sem garantia ou suspensão (art. 24, I, da portaria) e, se suspensos, há mais de 10 anos nessa condição (art. 24, II, da portaria); de titularidade de devedores falidos (art. 24, III, da portaria) ou com CNPJ baixado (art. 24, IV, da portaria) ou de pessoas físicas falecidas (art. 24, V, da portaria); e aqueles objeto de processos de execução fiscal arquivados nos termos do art. 40 da lei de execuções fiscais (lei 6830/80) há mais de 3 anos.
O edital 01/2019, norma complementar e regulamentar da portaria, de maneira a dar efetividade na transação do tipo por adesão trouxe a ressalva de ser feito tudo eletronicamente pelo sistema “Regularize”, bem como trouxe os descontos (exemplificados abaixo) e formas de pagamento (item 2.1, do edital), salientando que retirou da possibilidade de adesão a última hipótese do parágrafo anterior (item 1.2, I a IV, do edital):
- pagamento de entrada no valor mínimo de 5% do valor consolidado, sem reduções, em até 5 parcelas. O restante, se pago à vista, terá redução de 50%.
- pagamento de entrada no valor mínimo de 5% do valor consolidado, sem reduções, em até 5 parcelas. O restante, se pago em até 12 parcelas, terá redução de 45%.
- pagamento de entrada no valor mínimo de 5% do valor consolidado, sem reduções, em até 5 parcelas. O restante, se pago em até 24 parcelas, terá redução de 35%.
- pagamento de entrada no valor mínimo de 5% do valor consolidado, sem reduções, em até 5 parcelas. O restante, se pago em até 48 parcelas, terá redução de 25%.
- pagamento de entrada no valor mínimo de 5% do valor consolidado, sem reduções, em até 5 parcelas. O restante, se pago em até 60 parcelas, terá redução de 15%.
- pagamento de entrada no valor mínimo de 5% do valor consolidado, sem reduções, em até 5 parcelas. O restante, se pago em até 79 parcelas, terá redução de 10%.
Caso sejam débitos de microempresas e empresas de pequeno porte, exceto àqueles do Simples Nacional, a forma de pagamento da entrada é a mesma, sendo que os descontos gerais do restante se alteram, na ordem acima estipulada em: 70%; 60%; 50%; 40%; 30%; 20%; e 10% (item 2.1, II, do edital).
Ainda, caso sejam débitos suspensos há mais de dez anos, o valor de entrada é de 10% com menos hipóteses de parcelamento (item 2.1, V, do edital), sendo que os benefícios de micro e pequena empresa também são aqui fornecidos (item 2.1, VI, do edital).
Havendo algum parcelamento rescindido de qualquer crédito tributário elegível, mesmo que seja um, o valor de entrada dobra (item 2.4, do edital).
Cabível salientar que, em 14/04/2020, a MP nº 899/2019 foi convertida em lei de nº 13.988/2020, contendo algumas alterações de escrita, mas com a essência semelhante. Há um acréscimo de um capítulo na lei, o IV, que se refere à transação de dívidas de pequena monta em contencioso administrativo (não judicial), bem como a mudança relevante nas vedações da transação em geral.
No texto da MP nº 899/2019, em seu art. 5º, §2º, III, a, não poderia ser realizada transação para os créditos tributários oriundos do Simples Nacional e FGTS, por exemplo. Já a lei nº 13.988/2020 trouxe mais liberdade à procuradoria fazendária em identificar os créditos que desejar transacionar (art. 11, § 2º, incisos da referida lei), retirando essas vedações específicas pela origem do crédito tributário.
No capítulo IV da lei nº 13.988/2020, portanto, há as hipóteses de transação de créditos de pequeno valor, ou seja, aqueles compreendidos até 60 salários mínimos, tendo uma vacatio legis de 120 dias para essa espécie de transação, conforme art. 30, I, lei nº 13.988/2020.
De forma escondida e isolada, o art. 28 da lei nº 13.988/2020 trouxe uma enorme alteração no contencioso tributário administrativo, ao retirar o voto de qualidade em favor da Fazenda quando ocorrer empate em julgamento de processo administrativo tributário, deixando a decisão a favor do contribuinte na ocorrência dessa situação.
Com a alteração de parte do conteúdo da MP nº 899/2019 pela lei nº 13.988/2020, espera-se uma alteração na regulamentação da portaria da PGFN e em seus novos editais, o que pode ensejar novas transações futuras incentivadas em razão da diminuição do montante tributário.
São esses os principais destaques que entendemos importantes para o instituto da transação e as normas regulamentares vigentes.
Para acessar o inteiro teor das normas, seguem os links abaixo na ordem de suas publicações:
MP 899/2019: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv899.htm
Portaria 11956/2019: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=105215
Edital 01/2019: https://www.pgfn.gov.br/servicos-e-orientacoes/editais-de-notificacao/acordo-de-transacao-por-adesao-1/edital-transacao-por-adesao_1_2019.pdf
Lei 13988/2020: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13988.htm
São Paulo/SP, 21 de abril de 2020.
Rafael Albertoni Faganello
OAB/SP 336.917