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Crise e Futebol

Agenda 23/04/2020 às 13:13

o texto trata da crise do futebol e do projeto de lei que prevê mudança estrutural nas associações, buscando profissionalizar o clube-empresa.

                                              CRISE E FUTEBOL

                        Caso não é de se gastar papel, tinta e pena para discorrer a respeito da crise sanitária mundial (há pletora de artigos neste sentido); é discorrer sobre o óbvio ululante, sendo que existem outros temas importantes, não menos palpitantes, ao alcance da mão e que podem ser objeto de discussão acadêmica. Destarte, cabem algumas linhas especificamente acerca da crise do futebol e eventuais formas de superação, em momento tão crítico.

                    Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 5.082-A, que dispõe sobre o clube-empresa, o regime especial de tributação de entidades de prática desportiva profissionais de futebol, as condições especiais para a quitação de débitos de entidades desportivas profissionais de futebol, o parcelamento de determinados débitos fiscais, a recuperação judicial, a profissionalização do futebol brasileiro, o regime centralizado de execução na Justiça do Trabalho, cessão de direitos de propriedade intelectual, dentre outros aspectos. Sobre a recuperação propriamente dita da entidade (Lei 11.101/05), estabelece pouco. Há outros aspectos que permeiam o texto e a eles foi dado ênfase.

                        A transformação do modelo associativo atual para o clube-empresa não é questão nova, ao menos em relação a países desenvolvidos, sendo que de há muito se tem ciência da crise vivenciada por clubes de futebol, em especial no Brasil. Ora, se antes da pandemia mundial já havia crise, imagine-se agora, com grandes e pequenos estádios fechados, sem público, sem aporte financeiro no caixa.

                   Com efeito, a venda dos direitos de transmissão de jogos, quanto aos grandes clubes nacionais, se traduzia em importante fonte de receita, porquanto o mercado girava em torno de audiência. Grandes jogos em estádios de ponta, significa(va) receita capaz de suportar o pagamento de compromissos mensais. Em havendo estádios fechados, a venda de quotas de publicidade é diminuída, sem descuidar que as pessoas jurídicas patrocinadoras, ao primeiro sinal de crise, podem o orçamento destinado a marketing, deixando de patrocinar equipes futebolísticas, por exemplo.

                    Inexistindo capacidade de obtenção de receita, os clubes ficam sem condições de honrar seus compromissos e aí o sinal de alerta é ligado, fazendo com que medidas urgentes sejam tomadas. Outro aspecto não menos importante é que nem sempre há condições de investir nas categorias de base e isso reflete lá na ponta, porquanto a preferência, para fins de transferência ao futebol estrangeiro, recai nos jogadores mais jovens, com potencial. Assim, não tendo o que oferecer, em termos de jogadores-revelação, em início de carreira, com pouca idade, os clubes deixam de faturar.

                    Portanto, talvez o projeto de lei venha em boa hora, porquanto a ideia de associação é de há muito ultrapassada e, novamente, basta perceber como funciona o futebol europeu ou as ligas esportivas norte-americanas, que estão na dianteira. Inovando na estrutura societária, afastando o vetusto modelo atual, os clubes nacionais, em tese, poderão receber aporte de recursos financeiros pelos investidores, alterando-se a gestão que hoje deita raízes na associação. Com isso, não obstante a crise vivenciada, poderá haver fortalecimento econômico das equipes esportivas, afastando-se o fantasma da falência ou da recuperação judicial. Aliás, é possível imaginar as drásticas consequências decorrentes da eventual abertura judicial de falência de um clube-empresa e não precisa ser especialista em futebol para se chegar a tal conclusão. Por outro lado, a lei, por si só, não recupera ninguém.  Portanto, há mérito no projeto de lei ao afastar o modelo de associação e possibilitar a criação da sociedade empresária personificada.

                        Quanto ao projeto de lei especificamente, em linhas gerais, faculta às entidades de prática desportiva profissionais de futebol que sejam constituídas em conformidade com o Código Civil, ou seja, podem ser sociedades empresárias, com registro próprio na Junta Comercial, afastando o modelo associativo previsto no art. 53 do mesmo diploma legal. Ora, se antes as entidades eram amadoras, sem finalidade econômica, hoje a dinâmica é diferente. Importa salientar que dificilmente uma pessoa jurídica seria criada sob a forma de comandita simples ou em nome coletiva,  sendo que de há muito tais tipos societários estão ultrapassados/obsoletos. O mais correto, portanto é sociedade anônima fechada ou aberta e, no máximo, sociedade limitada.

                        No tocante às associações, podem formalizar operações societárias (transformação, fusão, incorporação, cisão - lembrando que o Código Civil não trata desta e sim o art. 229 da Lei 6.404/76). Diz o Projeto de Lei que, instituída a sociedade empresária, em nenhuma hipótese a responsabilidade por obrigações assumidas pela associação remanescente comunicar-se-á com a nova entidade. A questão é bastante discutível (Código Civil, arts. 1.115 e 1.116; arts. 222 e 228, Lei 6.404/76, por exemplo). Outro ponto a ser interpretado cum grano salis, diria Plinio, o Velho, é o relativo à transferência de bens e direitos do patrimônio da associação para o de outra jurídica em virtude de operação societária realizada. Diz o texto que será ela efetuada pelo valor de aquisição do ativo ou pelo valor atribuído, em caso de doação. O dispositivo vai de encontro ao art. 1.117§2º e 1.120, §2º, do Código Civil; arts. 226, 227, §3º e 228, §1º.

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                        Quanto ao regime especial de tributação das entidades, o texto prevê que podem optar pelo Simples-Fut, opção essa irretratável até o final do ano-calendário em que apresentado o termo de rescisão, previsto no art. 10. A sociedade empresária fica responsável pelo pagamento equivalente a 5% da receita mensal apurada pelo regime de caixa, o que corresponderá ao pagamento mensal unificado do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Cofins e Contribuição para o PIS/Pasep. 

                     No que se refere a liquidação de débitos tributários e não tributários, decorrentes da atividade desportiva, vencidos até a data da operação societária, poderá haver o pagamento em parcela única, com redução de 95% das multas, de 65% dos juros de mora e de 100% dos encargos legais, inclusive honorários de advogado. O texto ainda prevê formas de parcelamento, de 3 a 12 parcelas, alterando as reduções.  O pagamento do débito extingue-o, contanto que o devedor continue no exercício da atividade, sob um dos tipos societários antes referidos, pelo prazo de 5 anos após a última liquidação. A abertura judicial da falência é uma das causas para perda da eficácia de pagamento, tornando exigível a totalidade dos débitos remanescentes. Já em relação aos débitos perante a União, poderão ser parcelados em até 60 parcelas mensais, com redução de 70% das mulas, de 40% dos juros e de 100% dos encargos legais, inclusive honorários.

                        Em relação a recuperação do clube-empresa, poderá optar pela judicial e extrajudicial, cabendo a falência, nos termos da Lei 11.101/05, sendo que o texto trata de todos os assuntos em apenas 4 dispositivos.  Não existe a exigibilidade de comprovar o exercício regular da atividade há mais de 2 anos e estarão sujeitos à recuperação todos os créditos sucedidos, na data do pedido, ainda que não vencidos, excluídos os extraconcursais. Deferido o processamento da recuperação judicial, o clube-empresa não poderá ser impedido de participar de competições oficiais, contanto que respeitados os textos normativos que regem a prática desportiva. Ainda, poderá propor, até o momento do art. 57 da Lei 11.101/05, transação à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, quanto aos créditos inscritos em dívida ativa da União.  

                  Ao que se viu, há méritos no projeto de lei, na medida em que oportuniza a formalização de operação societária ou criação de pessoa jurídica, afastando a associação; concede ao clube-empresa a possiblidade de parcelamento de débitos, podendo a entidade em crise buscar arrimo na Lei 11.101/05, de fato pouco tratada no projeto de lei.

                   Por fim, no que diz com os demais aspectos constantes do projeto de lei, não menos relevantes, serão tema de outro artigo, oportunamente.

  

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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