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A Proteção Jurídica de Aplicativos Informáticos em Moçambique

Agenda 23/04/2020 às 19:07

O avanço das TIC no mundo fez com que Moçambique incluísse no seu ordenamento jurídico, uma previsão normativa sobre a utilização da informática. No entanto não há proteção jurídica eficaz de aplicativos informáticos, pela Lei de Diireitos de Autor.

I. Questão problema

Moçambique aderiu a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)[1], também denominada em Inglês por World Intellectual Property Organzation (WIPO)[2], pela Resolução nº 12/96 de 18 de Junho[3] e ractificou a  Convenção de Berna, pela Resolução nº 13/97 de 13 de Junho de 1997[4]. Com base nesta adesão à ordem jurídica internacional sobre a  propriedade intelectual, em 2001 aprovou a Lei dos Direitos de Autor e em 2004, incluiu no artigo 71º da Constituição da República a utilização da informática. O nº 2 deste artigo estabelece a elaboração de normas específicas para a proteção de dados pessoais constantes de registos informáticos, estabelecendo as condições de acesso aos bancos de dados de constituição e utilização por entidades públicas e privadas, desses bancos de dados, de aplicativos ou suportes informáticos. O artigo 94º desta lei mãe, preconiza o direito de propriedade intelectual. A proteção de aplicativos  ou suportes informáticos pela Lei de Direitos de Autor, é prevista na  alínea e) do nº 01 do artigo 3º[5]. e na  alínea a) do artigo 4º[6].

De acordo com a nossa análise, apesar destas previsões normativas internas e internacionais, em relação ao aplicativos ou suportes  informáticos, há fraca proteção, visto que: os debates sobre os direitos de autor no país incidem sobre obras comuns; o país carece de juristas especialistas em Direito de TIC, facto que concorre para a inexistência de legislação específica (para a área de Tecnologias de Informação e Comunicação  no geral); a lei atual de Direitos de Autor é uma lei genérica, o que dificulta a sua interpretação em casos concretos;  o registo de obras de aplicativos informáticos, não obedece o padrão internacional de registo deste tipo de obras, que se consideram complexas e por isso diferentes das obras comuns.

Segundo revelou o  Instituto Nacional de indústrias Culturais e Criativas (2019)[7], entidade legalmente competente para o registo de obras de autores, este regista os aplicativos informáticos nos  moldes das obras  de direitos de autor comum, portanto, sem nenhum critério técnico específico. Isto em nossa análise contribui para que muitos autores de aplicativos informáticos, não registem as suas criações informáticas por insegurança no ato de registo.

Informações colhidas no Ministério da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional (MCTESTP)[8]  referem que alguns autores,  por falta  de informação clara sobre onde registar as suas inovações informáticas, recorrem a esta instituição , que no entanto de acordo com a lei vigente sobre os direitos de autor,  não pode agir em sua  defesa, uma vez  que por força desta Lei, embora o Instituto Nacional  de industrias Culturais e Criativas (INICC)[9] não tenha competência técnica é a  entidade   legal competente.  Não tendo a competência técnica o INICC limita-se a registar o nome da obra e autor, sem entrar em detalhes técnicos de especificidade do aplicativo. A falta de especificação técnica no ato de registo do aplicativo informático em nossa análise, não assegura sua a originalidade e ao mesmo tempo torna-o vulnerável à pirataria.

Segundo o  Instituto Nacional das Industrias Culturais e Criativas(2019)[10], atualmente há apenas o registo oficial de 07 aplicativos informáticos, a nível nacional. Isto no nosso ponto de vista, contrasta com   o ritmo crescente de desenvolvimento de uso de informática no país, tomando em consideração que desde a década 90 há algumas Faculdades de Engenharia informática que formam engenheiros nessa área, e, portanto, potenciais autores dessas obras. Curiosamente, os aplicativos informáticos, criados por alguns estudantes informáticos dessas Faculdades, usados em algumas instituições de Ensino Superior e, considerados por essas instituições como sendo eficazes para o registo, controle e atualização dos dados dos Estudantes, nenhum desses aplicativos  foi formalmente registado e muito menos se conhece da sua originalidade. Isto demonstra claramente que  actualmente há deficiência de controle e fiscalização de obras deste tipo de autores. E,  as entidades criadas pela dinâmica do uso das TIC no pais e especializadas para tratar das matérias ligadas a área das TIC, nomeadamente: o Instituto Nacional das Tecnologias de Informação e Comunicação (INTIC) e o Instituto Nacional do Governo Eletrónico (INAGE), ambas tuteladas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional e com competência técnica para lidar com as questões ligadas a área de informática no geral, segundo nossa análise  não tem enquadramento legal, pela Lei de Direitos de Autor, para defender os autores de aplicativos informáticos.

De acordo com as constatações feitas, por diferentes intervenientes que lidam com a área das Tecnologias de Informação e Comunicação e de Propriedade Inteletual em Moçambique, durante o  Workshop organizado pelo MCTESTP (2019), há problemas de coordenação entre as instituições da área de Tecnologias de Informação e Comunicação  e de Propriedade Inteletual, assim, como as associações que promovem estas áreas e que são as que estão mais ligados a área das Tecnologias de Informação e Comunicação. Entendemos por isso haver uma necessidade da atualização da Lei de direitos de Autor e/ ou a criação de normas especificas, para que todas instituições que trabalham nesta área possam desempenhar o seu papel, de forma legal, técnica e eficaz, na promoção, defesa e fiscalização das obras dos autores de aplicativos informáticos.

II. Fundamentação teórica

De acordo com JANUÁRIO e GAMEIRO (2016) a legislação sobre as actividades económicas e as relações sociais é uma necessidade que vem se desenvolvendo ao longo dos tempos, o que demonstra a sua importância e que está ligado ao direito de propriedade. Com efeito, o conceito de propriedade evoluiu com o avanço da tecnologia que propiciou a produção em larga escala e a consequente exportação e importação de produtos. Assim a produção e comercialização de produtos a escala mundial, despertou a necessidade de criação de entidades jurídicas, para a proteção da propriedade, tanto corpórea (bens materiais) e incorpórea (bens imateriais). Em relação aos bens imateriais, segundo a World Intelletual Property Organization (WIPO) (2016) a importância da sua proteção, portanto da propriedade inteletual, foi inicialmente reconhecida com a criação da Convenção da União de Paris de 1883 e da União de Berna de 1896. A fonte refere ainda que, a primeira foi atribuída as competências para a proteção das invenções voltadas para a indústria, como patentes, marcas, modelos de utilidade, desenhos ou modelos industriais, marcas de fábrica ou de comércio, as indicações de proveniência ou denominações de origem, como também, para desencorajar a concorrência desleal. A segunda entidade foi atribuída a competência para a proteção de obras literárias, artísticas, cientificas, entre outras, sendo a propriedade industrial e direitos de autor, os dois ramos da propriedade inteletual, divididos desde essa época.

 KAPPELER (2006) sustenta que foi a partir da criação destas duas instituições reguladoras da propriedade intelectual, a Convenção de Paris e a Convenção de Berna, que a maioria dos países se inspirou, para a elaboração das suas normas internas relativas a protecção da propriedade intelectual.

Conforme preconizado no preâmbulo  da Convenção de Estocolmo de 1967, WIPO(1990), a ONU, visando salvaguardar melhor os interesses da propriedade inteletual, com o “ fim de encorajar a actividade criadora, atualizar e tornar mais eficaz a administração das uniões instituídas nos domínios da proteção da propriedade industrial e   da proteção das obras literárias e artísticas”, extingue  a Convenção da União de Paris e a União de Berna, e institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual[1] cujos objetivos são preconizados no artigo 3º[2] da Convenção.

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De acordo com a WIPO (2016) embora tenha sido instituída em 1967, a organização foi formalmente estabelecida em 1970, como uma organização internacional, com a finalidade de assegurar a proteção da propriedade intelectual a nível mundial e, reconhecida como uma agência especializada das Nações Unidas, em 17 de dezembro de 1974. A WIPO explica que  desde a sua criação, a organização  é responsável na administração dos seguintes tratados internacionais em direitos de autor e direitos conexos[3]:

Berne Convention for the Protection of Literary and Artistic Works (1886); Rome Convention  for the Protection of Performers, Producers of Phonograms and  Broadcasting Organization(1961), Geneva Convention for the Protection against unauthorized Duplication of their phonograms (1971), Brussels Convention Relating to the Distribution of Programme- Carrying signals transmitted by Satellite(1974); WIPO Copyright Treaty (WCT) (1996); WIPO Copyright Performances and Phonograms Treaty (WPPT) (1996); Beijing Treaty on Audiovisual Performances (2012, not yet in force); Marrakesh Treaty to facilitate access to published works for persons who are blind Visually Impaired Otherwise print disabled  (2013).

O estabelecimento da Organização Mundial da Propriedade inteletual coincide numa década de desenvolvimento da tecnologia informática, que em termos de sua proteção jurídica efetiva, foi a partir dos meados da década 90, enquadrada dentro da propriedade inteletual de autores de obras literárias. Alguns autores sustentam ter sido ainda na segunda metade da década 70 que  os primeiros produtos da tecnologia informática foram registados  com destaque para os programas de computadores  mais conhecidos por, Sistemas Operacionais MS-DOS[4]. Na análise de vários autores, com o desenvolvimento da internet através da criação da World Wide Web (www), juntamente com o protocolo de comunicação (http//:),que permite a transferência de comunicação entre redes e do código (HTML), que codifica a informação para  que seja visível de várias formas, ambos, pelo cientista Tim Berners  Lee[5], em  1989,  o sistema www evoluiu e espalhou-se pelo mundo de forma exponencial tonando-se até aos dias de hoje no sistema mais usado e bem-sucedido do planeta, a Internet.

No nosso entendimento, a evolução da internet trouxe como consequência a melhoria substancial da tecnologia de comunicação que se usa actualmente, fazendo com que a produção de software  deixasse de ser um privilégio de grandes corporações  passando a ser desenvolvido, não só por pessoas jurídicas (empresas) assim como, pessoas físicas (desenvolvedores singulares) e comercializado tanto para grandes empresas, como para médias e pequenas empresas, assim como singulares. Entendemos desta forma que a partir da   década 90 a produção, e evolução dos sistemas informáticos não mais parou e,  sua proteção jurídica internacional, para a prevenção das contrafações  passou a   ser um dos assuntos cada vez mais preocupante dos Estados e entre os Estados o que levou a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, OMPI, a elaborar  dois tratados para lidar com o ambiente digital: O  Tratado  da OMPI, (WCT de 2016 ) sobre Direitos Autorais, os domínios na internet e dados informáticos, e  o Tratado sobre a Execução de Fonogramas (WPPT) ou (TODA). O preâmbulo de ambos os  Tratados demonstra claramente a necessidade dos países membros adoptarem novas formas de proteção reforçando as existentes, para fazer face aos avanços da tecnologia informática.

 A  OMPI refere que o WCT é considerado como sendo o primeiro tratado que se dedica aos direitos de autor, no ambiente digital, ou seja tendo como base a tecnologia informática. É neste tratado onde se confere de maneira mais explicita a proteção de programas e aplicativos informáticos e bancos de dados e que pela Convenção de Berna dificultava sua interpretação . Nos dias actuais  devido a sua importância peculiar, os programas, suportes ou aplicativos informáticos, softwares, continuam sendo   uma matéria de discussão mundial, para a proteção jurídica especializada e eficaz, dos direitos, não só daqueles desenvolvedores de programas de computador e aplicativos informáticos, mas também dos seus consumidores.

III. Metodologia

Para a determinação da observância da proteção jurídica  de aplicativos  informáticos, foi consultada a Constituição da República de Moçambique; foram consultadas as leis ordinárias internas; foram também consultados os documentos orientadores para o desenvolvimento das TIC em Moçambique; os documentos jurídicos gerais e específicos da área de TIC e de direito, assim como os documentos internacionais que regulam  sobre os direitos  de propriedade intelectual, incluindo a análise de legislação inerente à matéria, de outros países, em particular  do,  Brasil e Portugal. Foram mantidos alguns encontros com os técnicos das  instituições que lidam com a propriedade inteletual e Tecnologias e Informação e Comunicação nomeadamente: Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional,  Ministério da Cultura e Turismo, Instituto de Industrias Culturais e Criativas, Instituto de Propriedade Industrial, Instituto Nacional do Governo Electrônico; Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação,  entre 2017-2019. O estudo já foi matéria debate em fóruns internacionais: na Suécia 2017 e Malawi 2018, e em fóruns nacionais: no Seminário sobre e Tecnologias de Informação e Comunicação, realizado em Inhambane; workshop sobre a Protecção Jurídica de Aplicativos informáticos em Moçambique; Conferencia Internacional sobre Segurança Cibernética “ MOZCYBER”, Seminário sobre a Propriedade intelectual, eventos especializados  em Maputo respetivamente, em 2019. Serão feitas mais pesquisas junto à outras instituições que lidam com as questões de direito e de informática, através de, ferramentas de recolha de dados de pesquisa. O presente estudo vai ainda analisar demais legislação moçambicana sobre a matéria. O estudo tem como principais actividades, uso de várias técnicas para a recolha de dados (questionário, sondagens, seminários, workshop, conferências, etc.). Será feita visita a um número selecionado de instituições nacionais e internacionais.

IV. A Proteção Jurídica de Aplicativos Informáticos em Moçambique

A protecção  jurídica de  aplicativos ou programas informáticos em Moçambique  é estatuída  a nível da legislação  interna, no artigos 71º  e  94º   da Constituição da República de Moçambique (CRM)[1] de 2004, revista em 2018.  Nas leis ordinárias a Lei nº 04/2001 de 28 de Fevereiro dispõe sobre os direitos de propriedade intelectual e de autor relativos aos programas de computador nos artigos 3º e 4º.   A Lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro, Lei de Revisão do Código Penal (2014), que regula os crimes contra o património em geral, prevê nos artigos 309º a 314º e nos artigos 319º a 320º. No âmbito do Código Civil moçambicano, a protecção jurídica de programa de computador é prevista no artigo  1303º [2], os direitos e de propriedade intelectual são enquadrados dentro da propriedade no geral. A Lei de Transações Eletrónicas, Lei nº 03/2017 de 09 de janeiro que preconiza sobre a proteção jurídica da promoção da inovação e o desenvolvimento económico na alínea j) do artigo 4º. Como nas demais leis citadas, a proteção jurídica de aplicativos, suportes ou programas informáticos pela lei de transações eletrónicas entendemos estar enquadrada neste artigo, de forma genérica, carecendo de regulamentação para melhor adequação e interpretação.

A nível da legislação internacional, a WIPO através da  Convenção de Berna, de 1886 (modificado em 1971 e 1979)[3], da qual Moçambique aderiu em 1971 e ratificou em 1997, enquadra no artigo 2º os aplicativos informáticos e programas de computador na nomenclatura de obras literárias onde os classifica como, outros escritos.  Os aplicativos informáticos são considerados, em termos de  sua proteção jurídica, como um direito humano e por isso, enquadrados  no artigo 27º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)[4] de 1948, assim como, no nº 01 do artigo 15º do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais  (PIDESC)[5] de 1966 e  no artigo 17º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP)[6], de 1981. Estes documentos jurídicos internacionais, estabelecem nos artigos citados à cima, a proteção da propriedade inteletual.

Na legislação interna o direito humano de proteção de aplicativos, suportes ou programas informáticos está estatuído no artigo 82º e faz parte do Titulo III da Constituição da República de Moçambique que estabelece sobre os Direitos, Deveres e Liberdades Fundamentais, portanto, o direito de propriedade é inserido na legislação mãe como um direito fundamental. Entendemos por isso que   pelo fato de os direitos de propriedade  que incluem   os  de propriedade intelectual serem considerados como  direitos fundamentais, estes fazem parte  de direitos de proteção maior, cuja sua garantia é uma  obrigação internacional  consagrado,  de entre outros documentos, no nº 02 do artigo 5º da PIDESC e que estabelece que não se admitirá  qualquer restrição ou suspensão dos Direitos Humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer país em virtude de leis, Convenções ou costumes sob o pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau.  O artigo 56º. da CRM preceitua a garantia destes direitos pelo Estado, cujo devem ser exercidos no quadro da Constituição e das Leis. 

 A ONU através da Normas da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), de 1979,  do  Tratado da OMPI sobre a internet WCT ( TODA)[7]  e do Tratado da OMPI sobre Intérpretes e Executores de Fonogramas WPTT( TOIEF)[8], ambos de  1996, tratam da proteção jurídica  específica de autores no ambiente digital e suplementam, os limites e as exceções, trazendo inovações sobre a proteção de dados pessoais, de programas de computadores  que incluem os aplicativos  informáticos. O argumento defendido pela OMPI ( para o tratamento jurídico especifico dos assuntos ligados aos autores no geral, no ambiente digital ou seja através de uso da tecnologia informática,  é preconizada no preâmbulo de ambos os tratados que preconizam que  há  necessidade dos países membros adotarem novas formas de proteção reforçando as existentes, para fazer face aos avanços da tecnologia informática, sendo esta uma oportunidade  para que as indústrias criativas  possam  prosperar num mercado global, impulsionadas pelo uso da tecnologia. Entendemos ser por causa deste consenso de alguns países membros da OMPI, em particular dos países mais desenvolvidos, sobre a necessidade de legislação especifica para o reforço da já existente ,no ambiente digital que, diferentes países, no caso da CPLP, o Brasil e Portugal, passaram  a legislar de forma específica a proteção de aplicativos informáticos e que consideramos ser pertinente, também em Moçambique, para uma melhor harmonização legislativa com os países com os quais mantem relações comerciais , em matérias ligadas a propriedade inteletual.

4.1. A pirataria do programa de computador e o código penal moçambicano

No âmbito dos direitos de autor e de propriedade industrial, a pirataria é considerada um crime e punível com molduras penais que variam de acordo com a contrafação e infração cometida. Assim o livro segundo do Código Penal Moçambicano (2004) que regula os crimes contra o património em geral, prevê  no capitulo II as Falências , Burlas, e outras defraudações.  O artigo 309º deste capítulo preconiza sobre as contrafações estipulando que:

  1. Comete o crime de contrafação aquele que fraudulentamente reproduzir total ou parcialmente uma obra ou prestação alheia divulgada ou não divulgada ou por tal modo semelhante, que não tenha individualidade própria;
  2. Se a reprodução a que se refere o nº precedente representar parte da fação da obra produzida, só essa parte se considera como objeto da contrafação,
  3. para que haja contrafação não é essencial, não é necessário, que a reprodução seja feita pelo mesmo processo que o original, nem com o mesmo formato.

O artigo 310º, descrimina as sanções aplicáveis à contrafação considerando no nº 01 do mesmo artigo, o crime de contrafação como um crime público punível com pena de prisão e multa correspondente.

O nº 2 do artigo 310º, preconiz;a a agravação da pena, se a exploração económica tiver como objeto uma obra não destinada a publicidade, a obra contrafeita ou modificada sem o consentimento do autor, em termos de alterar a sua essência ou ofender a honra ou a reputação do autor. O nº 3 do artigo 310º, estabelece a pena de prisão e multa para o autor que depois de alienar ou vender a obra, continue fazendo uso dele com prejuízos dos direitos atribuídos aos terceiros, salvo se as partes tiverem acordado tal situação.  o nº 04 do mesmo artigo preconiza a sanção extensiva a aqueles que venderam, puseram à venda ou por qualquer outro motivo lançaram no mercado moçambicano as obras contrafeitas,tendo consciência que o são, independentemente do país onde foi feita tal reprodução, em Moçambique ou no estrangeiro. O artigo 311º, prevê a violação dos direitos não patrimoniais, numa alusão clara aos direitos de autor e enquadra nas penas previstas no artigo 322º que alude sobre a violação do segredo do Estado por meios informáticos e que é punido com penas que variam de dois a doze anos de prisão, em função da gravidade do crime cometido. O artigo 313º prevê o crime de defraudação dos direitos de propriedade dos proprietários dos novos inventos e que é punida com pena de multa de sessenta a cento e cinquenta salários mínimos e perda de objetos que serviram para o crime. As indemnizações sobre os crimes de defraudação foram previstas no artigo 314º. Sobre os crimes informáticos incluindo-se  de forma específica os aplicativos, suportes ou programas informáticos, foram previstas no Titulo III do livro segundo do Código Penal.  Assim o artigo 319º que preconiza sobre a burla por meios informáticos e nas comunicações  estabelece  uma pena de prisão não inferior a um ano, aquele que com intenção de obter para si  ou para terceiro enriquecimento ilícito , causar a outra  pessoa prejuízo patrimonial interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta do programa informático, utilização  incorrecta ou  incompleta  de dados, sem autorização ou intervenção por qualquer modo não autorizado no processamento. A pena de prisão não inferior a um ano é prevista no nº 2 do artigo 319º a quem com intenção de obter vantagem para si e para terceiros um beneficio ilegítimo, causar a outrem prejuízo patrimonial usando programas, dispositivos eletrónicos ou outros. O artigo 320º prevê uma prisão e multa de até cem salários mínimos quem violar os direitos de autor com recurso a meios informáticos.

4.2. Os mecanismos atuais de proteção de aplicativos informáticos   e a tutela jurídica

 Os mecanismos vigentes de registo de programa de computador, não são eficazes para a garantia da tutela de proteção dos direitos de propriedade intelectual do aplicativo informático, visto que conforme demonstrado no estudo, a lei interna sobre a matéria é genérica, o que dificulta a sua interpretação e harmonização com a legislação internacional.   Por causa disto, a proteção feita acualmente pelo INICC, através do registo do nome e obra do autor, nos mesmos parâmetros de registo de obras de artistas comuns, não é eficaz, tendo em conta as especificidades dos elementos nucleares do aplicativo ou programa que conferem a originalidade ou não da obra e que não são verificados no momento do registo.  A falta de verificação e registo destes elementos nucleares torna a obra vulnerável à pirataria.  A maioria dos países que adoptou a   lei  sobre a protecção dos direitos  de propriedade intelectual e de autor de programas de computador considera como elementos  fundamentais para a protecção do programa do computador o código-fonte, que é o código tal como foi desenvolvido pelo programador, sem nenhum outro processo de compilação e que contem os comandos da linguagem de programação;

A alínea e) do nº 01 do artigo 38º do Decreto no 47/2015, de 31 Dezembro que aprova  o  Código de Propriedade Industrial (CPI), exclui para efeitos de patenteabilidade, os programas de computador, agravando-se ainda mais a falta de proteção jurídica eficaz dos aplicativos informáticos 

Para que estes elementos sejam registados é necessário que sejam instituições tecnicamente competentes com técnicos especializados na área de informática. O que não é o caso actual em Moçambique, visto que estas instituições competentes, INTIC e INAGE, não tem competência legal, pela lei atual dos direitos de autor. 

MONTEIRO (1989) afirma que os elementos ou direitos que constituem a propriedade são: “o direito de uso; o direito de dispor da propriedade, cuja junção sob o titulo  de uma pessoa  forma  a propriedade plena sobre um bem.

Conclusão

Da análise que faz a legislação interna e internacional conclui-se que há proteção genérica de direitos de autor de aplicativos informáticos em Moçambique. No entanto, não há harmonização entre o padrão internacional de proteção específica adoptada por diferentes países com a proteção ordinária interna. Isto significa que na situação atual de proteção genérica a interpretação depende da preparação do legislador. Não obstante, o país ainda não tem quadros especialistas em matéria de TIC e ao mesmo tempo de direito, mas sim, possui juízes comuns, que não estão preparados para resolver conflitos de natureza específica, como é o caso da área de informática, tendo em consideração que para regular ou mesmo julgar com justiça uma certa matéria é preciso entender primeiro a génese da área a que pertence a matéria. Existe neste momento um défice de técnicos especialistas, em direito de TIC. Deve-se por isso envidar esforços para a formação de técnicos que possam ser capazes de entender das questões ligadas aos sistemas de Tecnologias de  Informação  e Comunicacao e ao mesmo tempo de direito, para atender as matérias de direito especificas, ligadas não só aos aplicativos informáticos como da utilização das TIC no geral, em Moçambique. A falta de especialistas e de clareza nas leis internas sobre a proteção jurídica de aplicativos informáticos, revelou-se ser um problema que existe e que não se pode contornar e, por isso tem que se encontrar soluções. Uma dessas soluções entendemos ser a introdução das matérias sobre Direito de Tecnologias de Informação e Comunicação, no Ensino Superior, em Moçambique. Isto de acordo com a nossa análise iria ajudar a   concretizar de forma eficaz, não sô proteção específica de aplicativos informáticos, prevista no nº 02 do artigo 72º da Constituição  da Republica de Moçambique  como também da área de TIC no geral. A regulamentação específica da proteção de aplicativos informáticos, significará não só a valorização do seu autor pelo usufruto da exploração económica legal e controlada do seu trabalho, mas principalmente vai contribuir para o crescimento da economia do país. Vai também significar o incentivo ao surgimento de novos talentos nessa área e assim estimular a competitividade. Acreditamos que o estudo, embora não venha resolver todos os problemas, traga um pouco daquilo que é a sua contribuição para que o Governo representado pelas instituições competentes possa fazer algo concreto, no sentido de proteger os direitos de autor de aplicativos informáticos, por forma a melhorar as intervenções de sua atuação, nesta área.

Sugestões

Segundo MOTO (2019) a falta de proteção jurídica de aplicativos informáticos, levanta um problema ético e por isso gostaria que a iniciativa deste estudo avançasse no sentido prático, embora quando se trate do lucro se ponha em causa o problema da ética. Assim, espera-se que os resultados desta pesquisa possam dar informações relevantes para definir com exatidão os mecanismos que sirvam para incorporar normas que possam acomodar as necessidades atuais dos artistas de aplicativos informáticos e desta forma manter em pé de igualdade, com os artistas de outras áreas, a questão de proteção jurídica da propriedade inteletual. Neste sentido se avança com as seguintes sugestões:

  1. Alargar os debates sobre o estudo para outros fóruns de especialidade (Juristas, advogados, informáticos, filósofos) para se colher mais dados, para a eficácia do resultado;
  2. Criar mecanismos de harmonização legislativa entre os padrões nacionais (Constituição da República de Moçambique) e as normas ordinárias para se conseguir a harmonização do padrão intencional do direito humano sobre a propriedade inteletual e a sua utilização para melhor enquadramento no ordenamento ordinário. Isto implica a revisão da Lei dos direitos do Autor e da Lei de Transações Eletrónicas;
  3. Introduzir-se nas Instituições do Ensino Superior em Direito  em Moçambique matérias específicas sobre direito de tecnologias de informação e comunicação, visto que para regulamentar uma determinada área ou decidir determinados casos é preciso conhecer a génese dessa área;
  4. Criar-se instituições especializadas nos tribunais, para atender conflitos específicos da área de informática, pela sua natureza complexa. para isto há uma necessidade de formar os estudantes de direito e capacitar os juízes actuais em Direito de Tecnologias de informação.

Recomendações

  1. Que o Governo  de Moçambique representado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional (MCTESTP) estude, em pormenor, juntamente com outras instituições para melhorar as atuações, a harmonia daquilo que o país pretende, em termos de legislação da área de TIC e da proteção de aplicativos informáticos, em particular;
  2. Que o estudo não termine só na Tese, mas possa combinar com algo palpável, tipo uma proposta de legislação nesse sentido, para que o Governo através do MCTESTP e outras instituições que lidam com as TIC possa proteger cabalmente aquilo que são as criações e inovações nesta área informática;
  3. Que sejam legitimadas as instituições que trabalham com as TIC, como o INTIC e o INAGE por forma a desempenhar o seu papel, na proteção de direitos de autor de aplicativos informáticos;
  4. Que o Governo através do MCTESTP assuma o seu papel político sobre esta iniciativa, promovendo um seminário nacional sobre TIC e que poderia juntar diferentes intervenientes e especialistas;
  5. Que O Governo através do MCTESTP possa promover debates nas instituições do Ensino Superior, em especial de direito, sobre a necessidade de introdução no currículo, das matérias relacionadas ao Direito de Tecnologias de Informação e Comunicação.

Bibliografia

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  6. _____________________________.Adesão ao Sistema Internacional de Direitos de Autor. O que está em jogo? Disponível em: https://www.wipo.int.pubdocs. Acesso em 21/04/2020.   
Sobre a autora
Celestina Moniz

Jurista, Mestrada em Direito Juridico Politico; doutoranda em Direito Público .

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Este artigo faz parte da proposta do seu projeto de Tese de Doutoramento. O tema foii apresentado em alguns foruns nacionais e internacionais .

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