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Código de Falências Norte-Americano. Chapter 7

Agenda 24/04/2020 às 16:44

o texto apresenta algumas considerações sobre o sistema estadunidense que trata da falência da pessoa física. Poderia inspirar o legislador pátrio a reformular o instituto da insolvência civil.

                  CÓDIGO DE FALÊNCIAS NORTE-AMERICANO. CHAPTER 7

 

                 O Código de Falências Norte-Americano traz especificamente em seu Capítulo 7 os dispositivos destinados a reger a liquidação de ativos de pessoa física devedora, ou seja, aquela que não consegue pagar regularmente suas dívidas. A lei determina o alívio ao devedor, ou, concede o recomeço de nova caminhada, contanto que não contraia mais dívidas e atue de boa-fé, sob pena de responsabilização.

                  Com efeito, qual amiúde se vem afirmando em outros artigos, o obsoleto, ultrapassado instituto da insolvência no Brasil é desconhecido pela maioria da população, mas ainda mantido no sistema jurídico pelo Código de Processo Civil de 2015 [portanto, o texto processual civil de 1973 rege a questão no país].

                 Entrementes, a falência de pessoa física é algo “normal” numa econômica capitalista como a estadunidense, considerando que têm mais dívidas do que patrimônio. O texto legal é rigoroso quanto aos requisitos para se valer do aludido capítulo, de modo que o devedor não se pode comportar contra as disposições expressas e faltar com a verdade. O presente apresentará as linhas gerais acera do Capítulo 7 do Bankruptcy Code, que trata da liquidação de ativos do devedor, considerando suas peculiaridades.

                  O referido capítulo permite ao devedor eliminar boa parte de suas dívidas não garantidas (empréstimos pessoais, cartão de crédito [há as que não podem ser quitadas]), sendo que a liquidação diz respeito à maioria dos ativos. Via de regra, as ações de cobrança em face do devedor são suspensas [automatic stay period] e os credores nem sequer terão o direito de exigir o pagamento, com ligações telefônicas e outros procedimentos, por exemplo; também não poderão iniciar ações. O procedimento pode ser encerrado em menos de um ano.

                  Em 20/04/2005 foi promulgada a Lei de Prevenção ao Abuso de Falências e Proteção ao Consumidor [Bankruptcy Abuse Prevention and Consumer Protection Act - BAPCPA -, Pub.L.109-8], em vigor desde outubro/2005, e que apresenta significativas alterações ao Código de Falências. Em linhas gerais, o texto tenta dificultar a declaração de falência prevista no Capítulo 7, porquanto grande parte das dívidas é perdoada/liquidada e muitos devedores, até então, se valiam de tal procedimento para evitar aplicação do Capítulo 13 [neste caso, o devedor precisa pagar parte de seus débitos em sede de reestruturação].   Ora, se antes não havia correto critério, quanto a renda, para se valer da falência, agora há método a fim de calcular a renda de um devedor e compara se está acima da média do estado onde reside. Com efeito, se a renda for menor ou igual à media, presume-se que o devedor se pode valer do Capítulo 7. Caso seja superior, haverá o assim denominado “teste de meios” que determina se o indivíduo ou a família estão dentro de tal capítulo. Poderá ser considerado abusivo [presunção de abuso] se o tribunal entender que o devedor está enganando os credores, faltando com a verdade ou desviou ativos.

                Em linhas gerais, o teste determina se o devedor tem renda mensal suficiente [descontadas as despesas para subsistência] para pagar ao menos parte de suas dívidas não garantidas [que não possuem qualquer espécie de garantia] durante cinco anos.  Em resumo, haverá condições de chegar à renda mensal e o valor das despesas do devedor e, caso o administrador chegue à conclusão de que há determinado valor mensal para fazer frente ao pagamento das dívidas, recomendará a conversão do procedimento para o Capítulo 13, afastando-se a ideia de falência.

                  Quanto a legitimidade ativa, somente os que têm negócios ou propriedades nos Estados Unidos poderão se valer do Capítulo 7; não pode quem tiver recebido quitação nos últimos oito anos [Capítulo 7] ou nos seis anos anteriores [Capítulo 13]; o devedor não se pode valer do Capítulo 7 se um caso anterior deste ou do Capítulo 13 tiver sido julgado improcedente nos últimos 180 dias, em decorrência de (i) violação de ordem judicial; (ii) o tribunal entendeu que houve fraude (tentativa de enganar credores, ocultação de ativos, por exemplo); quem se sujeita aos termos do Capítulo 13, não passando no “teste de  meios”, ou seja, o que tem renda superior; o que entrou com falência, nos mesmos moldes, dentro de certo período. A lei norte-americana é severa, porquanto, se o administrador judicial verificar que houve vende de ativos a pessoas próximas por valor inferior ao de mercado; ocultação de ativos, inclusive dinheiro; omissão quanto a renda; fornecimento de documento falso; destruição ou retenção de documentos, o pedido poderá ser negado. Não se olvide que o devedor se compromete perante a lei, ou seja, ao assinar os documentos declara que todas as informações são verdadeiras, podendo responder por fraude e perjúrio (mentir perante o juiz).

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                O Capítulo 7 também prevê o alívio ao devedor, em decorrência da suspensão automática de determinadas ações e o impedimento a que outras sejam ajuizadas. A ordem judicial é neste sentido: suspensão. Neste capítulo, qual se vem afirmando, também é instaurada a arena, imperando, por assim dizer, o poder de barganha do devedor em relação aos seus credores [nas ações de despejo, por exemplo, haverá a suspensão, concedendo fôlego ao devedor, mesmo que temporário. Evidente que, em já existindo sentença determinando a retomada da coisa, a automatic stay de nada valerá. O mesmo é dito em relação a uma execução hipotecária. A suspensão automática não vale em relação a determinados processos tributários, casos de pensão alimentícia, procedimentos penais em face do devedor, inclusive multa em decorrência da condenação; caso haja processo de falência pendente durante o ano anterior, a suspensão será encerrada automaticamente após 30 dias, a menos que um legitimado solicite a continuidade (administrador judicial, por exemplo). Os credores podem requerer seja afastada a suspensão automática em relação aos seus casos, comprovando, v.g., que perderá recursos financeiros e que, paralelamente, inexistirão mais danos aos credores além daqueles advindos da falência.

                   Ao optar por preencher o formulário de falência, com arrimo no Capítulo 7, o devedor ciente estará de que seus bens serão colocados à disposição do tribunal de falências, podendo, se for o caso, haver a conversão para o Capítulo 13, obrigando-o ao pagamento de parte da dívida aos credores, via reestruturação, sendo esse o risco que deve ser calculado. Destarte, em tese o devedor deve estar ciente dos riscos assumidos ao preencher o formulário, principalmente quanto a destinação de seu patrimônio. Nessa esteira, e por consequência, não poderá praticar nenhum ato de alienação ou doação de ativos seus, ou mesmo pagar dívidas adstritas aos termos do processo, sem que ocorra o consentimento expresso do tribunal. Há exceções, à regra.

                  Nomeado administrador da falência, será sua incumbência analisar pormenorizadamente os ativos do devedor e determinar quais serão liquidados para pagamento dos credores [há determinados bens protegidos pela isenção, a depender de cada Estado, isto é propriedades, utensílios domésticos, bens pessoais, planos de aposentadoria e assim por diante. Em havendo divergência acerca do que é ou não isento, caberá a decisão ao juiz da falência]; deverá checar todas as informações pelo devedor prestadas, inclusive rendimentos e despesas. Aqueles bens necessários para mantença dos padrões básicos não poderão ser vendidos. é ele quem faz reuniões com credores, na presença do devedor, a fim de que responda a eventuais questionamentos[1]. A principal incumbência do administrador judicial é garantir que ocorra o pagamento máximo possível dos débitos e, para isso, deverá iniciar o procedimento de venda. Para isso, deverá analisar com bastante atenção toda a documentação do devedor, visando o pagamento aos credores, mas nunca deixando de ser justo em relação ao devedor. O sistema norte-americano prevê, de certa forma, observadas as peculiaridades daquele sistema normativo e temperos devidos, a ineficácia de ato, prevista na lei Brasileira [Lei 11.101/05, art. 129].

              Ao analisar as transações financeiras realizadas durante o anterior, verificando que alguma pode ser ineficaz e prejudicial ao processo, tomará as medidas cabíveis a fim de trazer para a falência ativos transferidos pelo devedor. Outra situação diz respeito à escolha de pagamentos, levada a efeito pelo devedor antes de arquivar o pedido de falência. Ele não poderá ter preferencia quanto a quem pagar, sendo que o administrador poderá recuperar o dinheiro e distribuir aos credores, guardada a gradação.

                  Há ordem para pagamento das dívidas, sendo que, vendidos os ativos, haverá quitação ao devedor, liberando-se-o de responsabilidade pessoal. As dívidas decorrentes de pensão alimentícia e alguns tributos (imposto de renda com menos de 3 anos e impostos sobre a propriedade, empréstimo estudantil) e multas, não estão incluídas. Muitas dívidas não garantidas são quitadas no processo.

                        Eventuais dívidas contraídas após o arquivamento não se sujeitam ao processo, sendo o devedor obrigado a pagá-las.

                        Portanto, o procedimento de falência previsto no Capítulo 11, muito mais avançado em relação ao contido na lei brasileira, concede certo alívio ao devedor e ao mesmo tempo busca o maior pagamento possível ao universo de credores. Dentro do procedimento, há situações interessantes que poderiam inspirar, quem sabe, o legislador pátrio, a fim de levar a efeito lei consentânea com a realidade nacional.

 

 

 


[1] Na reunião entre credores, administrador e devedor, este deverá responder aos questionamentos eventualmente formalizados por todos. O administrador pode solicitar esclarecimento acerca de algum documento apresentado com o formulário.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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