1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como finalidade a análise da psicografia com meio de prova no Direito Processual Penal brasileiro, logo também sua compatibilidade com os princípios e garantias fundamentais estabelecidas na Constituição Federal. O instituto em questão foi utilizado decisões judiciais. Um exemplo é um caso do Tribunal do Júri, cujo réu fora absolvido de um homicídio culposo, constando como parte de sua defesa uma carta da vítima psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
No tocante a abordagem da psicografia como meio de prova, o estudo jurídico apresenta uma visão técnica de como sua compatibilidade com o sistema de apreciação do livre convencimento motivado e a busca por uma verdade processual é razoável.
Parte-se da hipótese fundamental de que uma busca pela verdade real já se encontra ultrapassada e de que as proteções aos direitos e garantias fundamentais devem sustentar essa pesquisa do fato, sem prejuízo do direito de punir do Estado. Logo nenhum instituto contrário a verdade processual deve ser aceito em nosso ordenamento sob hipótese de se ofender a constituição.
O referencial teórico que embasou a pesquisa foi a concepção de Verdade Processual, apontado pela doutrina como o meio mais adequado de se trazer a verdade para os autos do processo, uma vez que não se pode infringir direitos com o tom de se proteger o interesse público do Estado de punir. O cidadão deve se resguardar perante o poderoso Leviatã e ter seus direitos resguardados.
A verdade processual, é vista a adequar a defesa das garantias e não uma busca por uma verdade absoluta e conceitualmente ultrapassada, mas sim uma verdade útil para o processo. Passando para o estudo das provas que possuem correlação com o tema, para que se faça uma análise crítica de a sua inserção ou não no instituto.
No tocante a abordagem, ou o tipo de investigação, da psicografia como meio de prova, o estudo jurídico-teórico apresenta é o que será apresentado, por possuir uma visão técnica, conceitual, doutrinária de como sua compatibilidade com o sistema de apreciação do livre convencimento motivado e a busca por uma verdade processual é plausível. Assim como, no tocante aos setores de conhecimento, a interdisciplinaridade se fez presente, pela junção de elementos pertinentes ao Direito Penal e Processual Penal, Direito Constitucional, assim como o estudo da Doutrina espírita.
O uso de carta psicografada como meio de prova no processo penal, é um fato juridicamente estranho. Mas apesar da estranheza, a história registrou alguns casos na Justiça brasileira. Sendo a grande questão da carta psicografada, o ordenamento jurídico pátrio admite ou não, como um meio de prova?
A pesquisa desse trabalho será realizada com viés de se instituir os principais elementos do instituto das provas e para posteriormente confrontá-las com as cartas psicografadas e disso averiguar-se sua admissibilidade ou não.
Por fim, parte-se para o confronto direto da psicografia e sua admissibilidade como meio de prova no processo penal ao ser sabatinada por cada elemento constituinte do instituto dos meios de prova e da realização de uma verdade processual.
Dessa forma, busca-se mostrar a admissibilidade da psicografia como os meios de prova no processo penal, de modo a ajudar a valorização por parte do juiz, em seu juízo racional perante todas as provas trazidas ao processo, sob prisma da verdade processual.
Com efeito, o presente trabalho, despojado de qualquer preconceito, procurou no ordenamento jurídico pátrio a resposta da questão proposta, sem pretensões de encontrar elementos absolutos.
2 PSICOGRAFIA
2.1 NOÇÕES BÁSICAS
No estudo da origem da palavra psicografia, psico tem etimologia em psyché, que significa alma, enquanto grafia vem de gráphein, que significa descrever. A palavra psicografia é definida pelo dicionário Michaelis como “escrita feita por um médium sob a influência direta de um espírito”.
De início, faz-se útil explicar o que melhor se entende pelos termos de “médium” e “espírito”, assim como a expressão “influência direta”.
A mediunidade é a qualidade inerente ao indivíduo de se comunicar com os espíritos. Por conseqüência, a conceituação de médium deve sempre passar por essa explicação do que se entende por mediunidade.
O médium é a pessoa que possui a qualidade de se comunicar com os espíritos. É de extrema importância essa informação, pois como em qualquer ramo das ciências ou atividades humanas, a qualidade, ou melhor, o dom, que se tem para determinada prática é variável de um ser para o outro, condicionado ao limite estabelecido por esse dom.
Assim o médium é o ser possuidor do dom ou qualidade de trocar informações por meio dos sentidos ou da intuição com os espíritos.
O espírito pode ser entendido por uma entidade não material, um princípio inteligente e racional, assim como passível de sentimentos, visto que na ausência de tais composições se tornaria um ser inerte, ou seja, sem quaisquer influências no meio externo, e então sem interesse científico. Merece também consideração a visão do espírito na sua manifestação na matéria, também conhecida como a alma.
A alma pode ser compreendida como uma essência, conforme a acepção aristotélica do termo, algo que identifica o ser em suas características não materiais, mas metafísicas, esta vista como a ciência que se ocupa das realidades além da física com a fácil e imediata apreensão sensorial.
Por fim devemos ver como se dá a influência do espírito sob o médium.
Alan Kardec, em livro dos médiuns nos esclarece:
De todos, os meios de comunicação, a escrita manual é o mais simples, mais cômodo e, sobretudo, mais completo. Para ele devem tender todos os esforços, porquanto permite se estabeleçam, com os Espíritos, relações tão continuadas e regulares, como as que existem entre nós. Com tanto mais afinco deve ser empregado, quanto é por ele que os Espíritos revelam melhor sua natureza e o grau do seu aperfeiçoamento, ou da sua inferioridade. Pela facilidade que encontram em exprimir-se por esse meio, eles nos revelam seus mais íntimos pensamentos e nos facultam julga-los e apreciar-lhes o valor. [1]
Esta influência varia de acordo com o tipo de médium e do grau do espírito a se manifestar.
Os médiuns podem ser classificados de várias formas, para não fugir ao tema a classificação exposta se limitará aos médiuns psicógrafos ou escreventes, estes podem ser: mecânicos, intuitivos, semimecânicos, inspirados ou involuntários e de pressentimentos. E mesmo dentro desse seleto grupo fixar-se-á a atenção aos mecânicos e semimecânicos, uma vez que somente as cartas escritas por estes são passíveis de verificação técnica a respeito de sua autenticidade e verdade.
O mecânico, ou passivos, caracterizam-se por influenciar objetos ao movimentá-los diretamente, o qual a mão do médium serve apenas de ponto de apoio ou por acionar a própria mão do mesmo. A esta se dá um impulso totalmente livre da vontade do médium, sem interrupção ou impedimento deste até que cesse o que tenha a dizer. Nesse caso o médium não tem a menor consciência do que escreve, e assim não permite dúvidas sobre a independência do escrito.
Esse tipo de médium é muito útil para a produção de provas psicografadas, isto porque ao permitir o trabalho independente do espírito é passível de comprovação a autenticidade da carta, através da grafoscopia, técnica muito utilizada em reconhecimento de assinaturas por bancos e investigações policiais.
O semimecânico é a seguir detalhado por Kardec:
No médium puramente mecânico, o movimento da mão independe da vontade; ao médium intuitivo, o movimento é voluntário e facultativo. O médium semimecânico participa de ambos esses gêneros. Sente que à sua mão uma impulsão é dada, mau grado seu, mas. Ao mesmo tempo tem consciência do que escreve, à medida que as palavras se formam. No primeiro, o pensamento vem depois do ato da escrita; no segundo, precede-o; no terceiro, acompanha-o. Estes últimos médiuns são os mais numerosos. [2]
Assim embora sofra de forma mais consciente a influência do espírito o resultado do trabalho não é comprometido, pois a abstração do médium e o cuidado com que suas idéias não venham a se confundir com a do espírito poderão através da grafia ser averiguadas pela técnica pericial.
2.2 PSICOGRAFIA E SUA CLASSIFICAÇÃO COMO PROVA
A psicografia seria classificada como uma prova inominada, por não constar presente no rol exemplificativo do Código de Processo Penal. Além desta classifica-se quanto à forma, vindo a ser feita como documental, e um escrito particular, podendo ser um instrumento ou papel.
Inicialmente, cabe a diferenciação da prova nominada para a inominada: Provas nominadas são aquelas provas previstas expressamente no ordenamento jurídico. Já as inominadas são provas que não estão contempladas no ordenamento jurídico. (LOPES JÚNIOR, 2009, p. 525.)
No processo penal, as provas nominadas estão elencadas entre os artigos 155 e 250 do Código de Processo Penal, já as provas inominadas não possuem o seu procedimento explicitado em Lei.
Uma parte da doutrina entende que o rol de provas expostos no Código de Processo Penal é taxativo.
Tal posicionamento nos parece equivocado, pois a referida Lei não se declara taxativa, e, se o tivesse feito ou fosse interpretada, teria sido um grande equívoco, pois impediria a norma processual de acompanhar os avanços sociais, tornando-a rapidamente obsoleta. [3]
O documento particular em questão em caso de não reconhecimento da autenticidade pela pessoa prejudicada, que diante dos fatos alegados pela carta psicografada venha a se sensibilizar ou por outros motivos venha a admitir o fato, ainda pode ser autenticada pela perícia técnica.
3.3 PSICOGRAFIA E A VERDADE PROCESSUAL
Inicialmente ao passar pelo crivo do contraditório percebe-se que a psicografia se submete ao princípio, vez que possibilita o outro sujeito processual contraditá-la por meio da prova pericial. Embora essa perícia não seja produzida no tempo da formação da prova, esta pode ser feito quando de sua produção.
Outro aspecto gerador de críticas é a o fato de o Estado brasileiro ser laico. A psicografia não fere a laicismo do Estado, posto que ao ser utilizada para esse fim, ela não envolve religião, crença etc. Resumindo-se a uma técnica cientificamente comprovada. Esta comprovação é feita pela grafoscopia.
Como negar ao Estado no jus persequendi, a possibilidade de argüir uma acusação com base em uma carta psicografada trazida pelos parentes da vítima ou da mesma, impedindo a de ver concretizado o direito a segurança ao ver o seu algoz livre depois de cometido um delito.
Isso, pois a defesa do interesse se encontra latente na defesa da segurança pública ou mesmo no direito a liberdade do réu, inocentemente acusado. Não em nenhum momento a prática ou relação de dependência ou de aliança, por parte de Estado, com cultos religiosos.
A carta psicografada em primeiro momento não deve ser vista como o rei do jogo de xadrez que se derrubada a acusação ou a defesa se deteriorará, por maior valor que possa atribuir a ambos não poderá ser o cheque mate condenatório. Como outra prova ela irá auxiliar no processo.
O princípio do livre convencimento motivado é o maior beneficiado com essa possibilidade. O juiz ao fundamentar sua sentença terá mais um requisito para analisar e ressaltar a sua convicção. Este como braço do Estado deve defender os direitos inerentes a carta magna, já anteriormente citada.
Dando ênfase a análise dos princípios e direitos fundamentais, que são a alma e o bem mais valioso da Constituição Democrática Brasileira. Aplicando-os assim, da melhor forma possível para atender ao interesse da coletividade.
2.4 PSICOGRAFIA, O LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO E AS PROVA VEDADAS.
No sistema de avaliação do livre convencimento motivado é pertinente a produção da psicografia para ajudar a formular a convicção do juiz e inserir-se aos autos, para auxiliar na apreciação das provas.
Entretanto essa prova só poderá ser produzida se não for vedada, ou seja, se não atingir nenhum direito material ou processual, assim proclamada com lícita e legítima.
Sem espaço para questionamentos mais largos e profundos, cumpre ressaltar a idéia do gênero “prova proibida”, que compreende as espécies “prova ilícita” e “prova ilegítima”, adotando a abrangente visão de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha que ao referir-se ao tema destaca que são proibidas não só as provas obtidas contra a lei, qualquer que seja a natureza da norma, mas também as que violarem os costumes, a moral e um princípio geral de direito. [4]
A prova para ser admitida deve atender alguns requisitos como não ofender nenhuma forma processual propriamente dita. Se não houver negligência ou imperícia na condução do processo a tendência é que seja permitida a sua produção perfeitamente adequada a todos os princípios ou normas inerentes ao procedimento, tanto do rito ordinário quanto do rito do júri, ou qualquer outro.
É lícita também caso não ofenda nenhum direito material com a sua produção, como a legalidade, a liberdade, a ampla defesa, a dignidade, a liberdade de crença e a lei em nenhum de seus aspectos seja afetada. A prova também não pode ser em momento nenhum obtida de forma inidônea.
No que tange as teorias das provas vedadas, primeiramente verifica-se a teoria da plena admissibilidade das provas vedadas, quanto a esta não há o que refutar, pois se todos os meios são apropriados para a apreciação, deve-se verificar se existem motivos para prova psicografada não o ser.
Sua utilização poderia ser vista como a concretização do direito a ampla defesa.
2.5 A PSICOGRAFIA E A SUA APLICAÇÃO JUNTO AOS DEMAIS MEIOS DE PROVA
Dentre várias espécies de provas fez-se a análise de três formas nominadas: a pericial, a documental e os indícios.
Como já visto a prova psicográfica se assinala como uma prova documental e, com vista nisso, deve ingressar no processo como tal. O problema é como definir sua verdade e autenticidade perante a possibilidade do contraditório e a ampla defesa da parte oposta no processo.
Como meio de comprovação da veracidade e legitimidade de tal documento faz-se relevante perícia técnica enunciada pelo perito em grafoscopia
A grafoscopia, técnica que regula o exame de documentos e disciplina cuja finalidade é a verificação da autenticidade e a determinação da autoria do mesmo. Essa técnica utilizada por bancos na confirmação de assinaturas de cheques e por perícia criminal para formular inquéritos com base em documentos, principalmente para imputação de falsidades, também se aplica a cartas psicografadas.
A perícia dos escritos é definida como exame grafotécnico, grafoscópico ou grafológico, e tem por finalidade comprovar a autenticidade ou falsidade de documentos por meio de perícias caligráficas. A grafoscopia, segundo o perito e criminólogo Carlos Augusto Perandréa (1991, p. 22) é definida como:
O conjunto de conhecimentos norteadores dos exames gráficos, que verifica as causas geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a determinação da autenticidade gráfica e da autoria gráfica.[5]
O grafotécnico londrinense Carlos Augusto Perandréa, professor adjunto do Departamento de Patologia Legislação e Deontologia da Universidade Estadual de Londrina, Estado do Paraná, criminólogo e perito credenciado pelo Poder Judiciário, fez estudos na área da psicografia e escreveu o livro “A Psicografia a Luz da Grafoscopia” que prova por meio do exame da caligrafia a autenticidade das cartas.
Esta pesquisa comprovou que as assinaturas eram as mesmas das pessoas falecidas e desta forma, atestado pela ciência grafotécnica. O citado perito, em sua vida profissional, conta com cerca de setecentos laudos técnicos e nenhuma contestação em todos esses longos anos de atuação.[6]
Essa técnica demonstra que a caligrafia redigida na carta psicografada é semelhante nos traços e riscos ao material escrito, coletado para a pesquisa, da pessoa do espírito quando encarnado, ou melhor, quando vivo. Embora nessas análises gráficas se encontre a predominância da grafia do médium, a grafia do espírito se constata ao ponto de ser irrefutável o exame da autoria gráfica.
Cabe observar que todos esses testes e verificações técnicas foram preparados em cima das cartas psicografadas por Francisco Cândido Xavier, estudioso da doutrina espírita, de reputação ilibada e respeitado médium, com mais de 400 (quatrocentos) livros psicografados, o que por si só já o caracteriza como notável, pois poucos escritores possuem essa capacidade literária.
Ainda atestando a veracidade da psicografia era a capacidade de Francisco Xavier reproduzir em suas cartas diversos estilos literários, como Eça de Queiroz, Humberto Campos e outros famosos escritores.
Alguns casos no direito brasileiro já foram constatados e em decisões magistrais foram proferidas, do jeito a pacificar não somente o direito mais também os espíritos dos familiares das vítimas.
No caso de Maurício Garcez Henrique, de Goiânia, tendo como réu seu amigo José Divino Nunes, acusado de homicídio ao desferir acidentalmente um tiro Maurício. O caso foi parar na mão do Juiz Orimar Bastos, que já havia absolvido outro réu com base em cartas psicografadas por Francisco Xavier, e o Júri Popular também absolveu o réu.
Esse é somente um de pelo menos outros 2 (dois) casos conhecidos, o de Henrique Emmanuel Gregoris, também em Goiânia e julgado pelo mesmo Juiz Orimar Bastos e da ex-miss Campo Grande, Cleide Maria, em Mato Grosso do Sul, em março de 1980, no crime de homicídio praticado por seu marido José Franscisco Marcondes de Deus.
Por outro vértice, em se tratando de julgamento pelo E. Tribunal do Júri a aceitação tende a contar com menor restrição, não apenas em razão de se tratar de julgamento sem decisão motivada no que tange aos jurados, proveniente de formações ecléticas e multi-culturais, mas, sobretudo, em razão dos apelos emocionais e religiosos tantas vezes explorados com maestria na Tribuna da Defesa. [7]
Por fim vale ressaltar que quando não constituir uma prova cabal, a carta psicografada ainda há de servir como um indício, que por meio de suas deduções lógicas e presunções iluminarão a capacidade decisória do juiz. Muitas vezes sse indícios levam a uma informação que possibilite uma busca e apreensão, muito embora arrolada como um meio de prova é de entendimento doutrinário que a busca e apreensão se caracteriza como uma cautelar e não um meio de prova.
E finalmente a luz da verdade processual os autos examinados formarão o convencimento suficiente para o juiz decidir a lide.
3 POSICIONAMENTOS DE JURISTAS ACERCA DA PSICOGRAFIA COMO PROVA JUDICIAL
Opiniões favoráveis à aceitação da psicografia como meio de prova judicial. Seguindo o princípio dialético de Hegel, serão analisados teses e antíteses, ou seja, posicionamentos a favor da utilização da psicografia como meio de prova, neste primeiro momento, e os posicionamentos contrários, em um segundo momento, limitando, por hora, a uma simples análise.
Comecemos pela opinião do jurista Nereu Lima em uma entrevista concedida à Folha Online, na matéria Carta psicografada ajuda a inocentar ré por homicídio:
Qualquer prova lícita ou obtida por meios lícitos é válida. Só não é válida a ilícita ou obtida de forma ilícita, como a violação de sigilo telefônico. Quanto à idoneidade da prova, ela será sopesada segundo a valoração feita por quem for julgar. Ela não é analisada isoladamente, mas em um conjunto de informações. Os jurados decidem de acordo com sua consciência. [8]
O advogado criminalista, professor de Direito Penal e de Processo Penal, Ismar Estulano Garcia tece os seguintes comentários no artigo Psicografia como prova judicial, publicado pela Revista Consulex:
Deve ficar claro que a mediunidade não é privilégio nem exclusividade da doutrina espírita. Ao abordar a “Psicografia como Prova Judicial”, o assunto não pode, nem deve, ser enfocado quanto ao ângulo religioso, mas apenas juridicamente. Analisando unicamente sob o aspecto jurídico é que concluímos ser perfeitamente possível a psicografia como prova no direito processual penal brasileiro. [9]
Quando surgiram os primeiros casos de psicografia, levados ao Judiciário, eles foram tratados como verdadeiros “absurdos jurídicos”. Atualmente é “tema polêmico”. Todavia, ainda virá o tempo em que a psicografia será legalmente admitida como prova judicial.
Jacobson Sant’Ana Trovão, professor e advogado, comenta sobre a utilização de mensagens psicografadas como meio de prova no Processo Penal e no Processo Cível:
(...) é compreensível que a prova psicografada não tenha cabimento no processo civil, voltado exclusivamente para questões patrimoniais. Não seria crível que um desencarnado viesse prestar seu esclarecimento numa lide contratual, ou remendar disposições de última vontade. Já no processo penal, sobretudo perante o Conselho de Sentença, quando a convicção não precisa de motivação, em casos excepcionais, a carta psicografada muito pode contribuir para sanar injustiça. [10]
Em uma dos melhores publicações sobre o assunto, pela sua neutralidade e clareza de raciocínio, Flávio Tartuce, faz apontamentos e questionamentos de suma importância para esta dialética:
Partindo do primeiro ponto, é interessante tentar enquadrar o espiritismo como ciência ou como religião, primeiro obstáculo a ser superado.
Isso porque, sendo encarado como ciência, seria possível defender um diálogo de interdisciplinaridade em relação ao âmbito jurídico, admitindo-se a utilização de técnicas espíritas para o convencimento do aplicador do Direito. Haveria a possibilidade de se utilizar a prova psicografada na esfera cível, aparentemente sim.
Voltando à doutrina espírita, esta divide os espíritos que se manifestam em diversas classes: daqueles de terceira ordem, denominados espíritos imperfeitos; passando pelos de segunda ordem (bons espíritos); até chegar-nos de primeira ordem, os espíritos puros ou superiores. Como afirmar que a informação psicografada foi transmitida por um espírito que se enquadra entre os últimos. Como enquadrar a idoneidade da mensagem transmitida. Como ter certeza que a prova foi transmitida por um espírito de segunda ou primeira ordem. Tais dúvidas são de difícil resposta.
Não obstante esses problemas deve-se verificar a idoneidade do médium que transmitiu a mensagem. Se o juiz, por exemplo, não acredita no espiritismo poderia nomear um perito, um outro médium, para auxiliá-lo. Parece-nos um pouco inaceitável essa idéia, se formos pensar no ponto de vista prático, fora da esfera de nossa opinião pessoal.
Superadas todas essas barreiras científicas, muitas até aparentemente intransponíveis; no ponto de vista dogmático do Direito Processual Civil e do Direito Material, não haveria óbice para se aceitar a prova psicografada, se for feita uma análise superficial. Como qualquer idéia nova, pode até provocar risos ou mesmo o desprezo. De qualquer forma, fica o nosso convite para que a reflexão substitua as demais reações. [11]
3.1 Posicionamentos contrários à utilização da psicografia como meio de prova judicial.
Antônio Dionísio Lopes, especialista em Direito Penal, também em entrevista à Folha Online, de forma taxativa, se posiciona contra a psicografia como meio de prova:
O processo crime é uma coisa séria, é regido por uma ciência, que é o direito penal. Quando se fala em prova judicializada, o resto é fantasia, mística, alquimia. Os critérios têm de ser rígidos para a busca da prova e da verdade real. O Tribunal do Júri se presta a essas coisas fantásticas. O jurado pode julgar segundo sua convicção íntima, eles não têm obrigação de julgar de acordo com a prova. A carta só foi juntada aos autos porque era um Tribunal Popular. Isso é o mesmo que documento apócrifo. [12]
Renato Marcão, mestre em Direito Penal, Político e Econômico, em seu artigo Psicografia e prova penal, publicado pela Revista Consulex, expressa sua opinião contraria a aceitação da psicografia como meio de prova judicial, de maneira muito respeitosa:
No sistema jurídico brasileiro não há como normatizar o uso do documento psicografado como meio de prova; seja para permitir ou proibir. O Estado é laico. De prova ilícita não se trata. Se não está submetido ao contraditório quando de sua produção, entenda-se, quando da psico- grafia, a ele estará exposto a partir da apresentação em Juízo. Como prova documental, a credibilidade de seu conteúdo, em razão da fonte, não pode ser infirmada com absoluta certeza, tanto quanto não poderá ser fielmente confirmada, não obstante a existência de relatos a respeito de confirmações de autoria atestadas por grafologistas. As proposições apresentadas pelo sobrenatural, longe de alcançar consenso, não comportam afirmações peremptórias a respeito de todos os temas que envolvem. [13]
Roberto Serra da Silva Maia, compartilhando do posicionamento de Renato Marcão, expõe sua opinião no artigo Psicografia como meio de prova no processo penal:
Nos termos do art. 202 do Código de Processo Penal, “toda pessoa poderá ser testemunha”. Trata-se, porém, “da pessoa natural, isto é, o ser humano, homem ou mulher, capaz de direitos e obrigações”. Daí que os “espíritos” ou “desencarnados” não podem ser, juridicamente, considerados teste- munhas. Se o Estado brasileiro é laico, não se pode aceitar como meio de prova fruto de determinada doutrina religiosa, em detrimento de toda uma diversidade de concepções religiosas ou não. Com relação às conseqüências penais, há que indagar a quem punir (sujeito ativo) nos casos de falsidade ideológica (CP, art. 299), denunciação caluniosa (CP, art. 339) ou auto-acusação falsa (CP, art. 341), quando ao juízo não se apresenta qualquer alternativa para a responsabilização, a não ser a insólita capacidade de algum “espírito” ou do “médium”?
E finaliza em sua conclusão:
(...) forçoso é concluir que, juridicamente, a mensagem psicografada caracteriza-se como documento particular, o que não se admite como prova judicial, por afrontar o ordenamento jurídico pátrio, sobretudo o art. 5o, caput (igualdade) e incisos VI, VIII, e LV, da Constituição Federal. Finalizaremos esta dialética, embora sem uma síntese definitiva, citando um artigo Psicografia como meio de prova: uma análise esposada entre Direito e pesquisa psíquica21, escrito por Andre Luis N. Soares, que rebate alguns posicionamentos contra a psicografia como meio de prova, e tece importantes comentários. Sobre os argumentos de o Estado ser laico. [14]
André Luis esclarece:
Uma afirmação destas peca conceitualmente, pois se o fenômeno de psicografia é real ele não integra nenhuma doutrina religiosa. Psicografar, por si só, não faz parte de culto religioso, muito embora segmentos religiosos supostamente afirmem que alguns de seus membros psicografem. Maia e Marcão, em que pese o ótimo conteúdo jurídico exarado em seus pareceres, parecem desconhecer a história das pesquisas psíquicas, uma vez que já partem do pressuposto que a hipótese "espíritos" seja realmente a única causa e, finalmente, confundem fato religioso com fato científico, enquanto o primeiro é não-verificável, apenas intuitivo e motivo de crença; o segundo pode ser examinado. Sobre o argumento de que a existência da pessoa natural se extingue com a morte, continua sua argumentação:
(...) mesmo que não seja permitido o reconhecimento judicial de permanência da personalidade após a morte física, isso não
exclui o conteúdo do documento que porventura traga informações cuja obtenção não seja explicável por meios normais. A norma legal em comento não tem repercussão em aspecto processual penal e eventual aceitação de prova obtida por psicografia não interfere na trans- missão de direitos e obrigações relativos ao de cujus. Quanto o princípio da ampla defesa e do contraditório, finaliza suas contra argumentações: Não há por que se entender quebra de paridade por uma evidência descoberta através de informação obtida por psicografia tendo em vista haver possibilidade de refutação, em sede judicial, da própria prova material encontrado, sem violação de nenhum dos pressupostos principiológicos. [15]
3.2 O INÍCIO DA SÍNTESE DIALÉTICA.
André Luis, no artigo já mencionado, apresenta argumentos que sustentam uma tese, com muita lucidez e ponderação, a cerca da psicografia como meio de prova judicial. Uma carta supostamente psicografada por um médium, mas que não traz nenhum dado que se possa investigar a fim de lhe conferir autenticidade e que nem seja passível de reconhecimento grafotécnico, não é científica. Não deve ser considerada sua validade.
Por outro lado, se a psicografia indica o local da ocultação da prova empregada no delito, como uma arma de fogo, e a autoridade policial faz a busca e realmente a encontra, junto ou não com outras circunstâncias mencionadas, não há porque afirmar que a arma ou demais provas encontradas foram obtidas por meios ilícitos ou ilegítimos, uma vez que o contraditório pode ser estabelecido completamente em sede judicial, podendo o réu refutá-las.
A psicografia hipoteticamente poderia também indicar apenas a autoria do delito, mas desde que associada com vestígios de materialidade delitiva, como fios de cabelo que possibilitam exame de DNA, chegar-se-ia ao bem provável sujeito ativo da ação criminosa.
Pode ainda a mensagem descrever a execução do crime, fornecendo informações que se encaixam dinamicamente melhor no conjunto de evidências físicas. Igualmente, não haveria impedimento legal ao Ministério Público para, na formação de sua opinio delicti, fundamentar-se segundo essa outra reconstituição do crime.
Neste último caso, a psicografia não funcionaria como meio ou prova em si, mas serviria como uma espécie de fundamentação para a denúncia, correlacionando intenções, motivos, provas e indícios para a incriminação de suspeitos ou indiciados, por exemplo. Poderia ainda servir de base para o desarquivamento de inquérito policial, desde que trouxesse notícia de novas provas físicas, súmula 524 do STF: “ARQUIVADO O INQUÉRITO POLICIAL, POR DESPACHO DO JUIZ, A REQUERIMENTO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA, NÃO PODE A AÇÃO PENAL SER INICIADA, SEM NOVAS PROVAS.” [16]
Prova psicográfica propriamente dita é aquela que não é meio para obtenção de novos elementos do crime. Não busca alcançar materialidade delitiva, mas almeja ser prova em si mesma, por suas declarações. Sem reconhecimento da grafia, não pode ser utilizada para incriminar em razão do princípio do estado de inocência. Também não poderia ser utilizada pela defesa, uma vez que previsão neste sentido estimularia a fraude perante o judiciário, eis que não se teria como testar qualquer circunstância da mensagem. Qualquer um poderia redigi-la.
Havendo reconhecimento grafotécnico, não existirá violação do contraditório, pois se observa possibilidade de contestação da parte pericial ou mesmo de provar por outros meios que a descrição da culpa exarada na carta não se sustenta diante de outras evidências, como um álibi.
Por conseguinte, vislumbro sua admissibilidade como meio probandi, o que não quer dizer que seja absoluto, pois inexiste hierarquia entre os meios de provas, poderia ainda o falecido mentir, não obstante, não seja motivo para sua invalidação, podendo ser graduada segundo a liberdade do juízo na apreciação do conjunto probatório, tanto para pronunciar quanto para o Júri condenar ou absolver, no plenário, em crimes dolosos contra vida e os que lhe são conexos.
André Luis, além de analisar a viabilidade da utilização da psicografia como meio de prova, sustentando seu ponto de vista, mostra que a mesma pode também ser utilizada para auxiliar na investigação polícia. O uso da psicografia como prova juntada pela defesa, o estudioso jurista aponta ainda a possibilidade do uso da psicografia na fundamentação para a denúncia crime, pelo Ministério Público.
Assim, finaliza-se este capítulo que, embora sem um consenso entre os posicionamentos dos juristas, aponta os principais pontos controversos da questão.
4 PARANORMALIDADE EM NÍVEL DE ESFERA MUNDIAL
"A verdadeira viagem da descoberta consiste não em buscar novas paisagens, mas em ter olhos novos."
Marcel Proust
É possível citar algumas situações, como evidência do fenômeno da paranormalidade no mundo, bem como:
William T. Stead recebia com freqüência mensagens por escrita automática de seus amigos vivos, o que implica numa forma de captação de informação por via telepática. Daí ser errado supor que, necessariamente, a psicografia, é forma de comunicação com entidades desencarnadas, quando ela pode ser um meio de transmissão de dados pro via anômala entre pessoas vivas. O italiano Ernesto Bozzano (1862-1943), em seu clássico "Comunicações Mediúnicas Entre Vivos", deixa inúmeros exemplos de tal situação. Assim, nada impede, em alguns dos casos acima, que a mensagem tenha sido obtida da mente do próprio assassino, e não que o morto tenha voltado para inocentar alguém, muito embora admita que em certos casos, essa interpretação possa ser contraintuitiva, tendo em vista o conteúdo sugerir que as palavras da mensagem realmente são ditadas pelo falecido. Mas a telepatia não é a única alternativa. A clarividência, capacidade de perceber um ambiente distante por atividade extra-sensorial, também é capaz de explicar o recebimento de informações por via anômala, sem precisar alegar a existência de seres espirituais. Thomas Edison (1847-1931), inventor da lâmpada eléctrica incandescente, do gramofone, do cinetoscópio, do ditafone e o microfone de grânulos de carvão para o telefone, testando Bert Reese, notável psíquica da década de 20, escreveu em um cômodo distante num pedaço de papel: "há algo melhor que hidróxido de níquel para uma bateria elétrica alcalina?". Recebeu como resposta de Reese: "não, nada é melhor que hidróxido de alumínio para uma bateria elétrica". [17]
Apesar dos casos ocorridos no Brasil, nos quais mensagens psicografadas foram utilizadas como meio de prova, vários países têm lidado com questões paranormais, já há algum tempo, na busca pela solução de crimes.
A polícia do Estado do Texas, Estados Unidos, admite que utiliza ajuda de médiuns “nas investigações mais complicadas, quando mesmo a tecnologia se revela insuficiente”, conforme a matéria Espíritos contra o crime, publicada pela Revista Ciência Criminal. [18]
O artigo da ISTOÉ[19] traz uma entrevista exclusiva com uma das médiuns mais requisitadas, Sally Headding, formada em psicologia clínica com Ph.D pela Universidade de Berkeley, no Estado da Califórnia. Headding diz que começou sua carreira em 1974, auxiliando a polícia a encontrar o assassino de uma garota que havia sido raptada, amarrada, estuprada e estrangulada. O marido de Sally, que era médico, ligou para a polícia e deu detalhes das visões que ela havia tido pouco antes de ver o caso do assassinato da garota na TV. Ela foi capaz de dar detalhes de como era o seqüestrador, quantos anos tinha e onde havia deixado o corpo.
Relata Sally que passou a ter visões terríveis de uma garota morta, como se fosse uma apresentação de slides que continham emoções. Foi como se sentisse tudo que aquela pobre garota sentia.
A doutora faz ainda uma importante observação ao ser questionada sobre o número de casos em que trabalhou. Diz que já deu consultoria para tantos, nos últimos 30 anos, que perdeu a conta. Teve resultados esplêndidos em alguns e nenhuma pista em outros.
A matéria, Espíritos Contra o Crime da Revista Ciência Criminal[20], traz ainda a relação de uma série de médiuns, que trabalham auxiliando a polícia, desvendando crimes, todas com mais de 55 anos. Entre as médiuns, a reportagem mencionou Ann Fisher, possuidora de PES (Percepção Extrasensorial) desde pequena, natural de Albany, capital do estado de Nova York.
Ann trabalha com as autoridades policiais de sua cidade desde a década de 70, tendo participado de uma investigação que envolveu um assassino em série, conseguindo prever onde e quando ele atacaria novamente;
Nancy Orlen Weber, de Nova Jersey (na Costa Leste). Solucionou o caso de uma mulher encontrada morta a pancadas, livrando o namorado da vítima das suspeitas e conduzindo a polícia até o verdadeiro culpado, que possuía um álibi, por ela destruído.
Norren Renier, nascida na Flórida, região sudeste passou os últimos 25 anos aprimorando suas habilidades parapsicológicas, conforme relata a matéria, tendo ajudado as autoridades locais e federais a resolverem um total de 400 casos (entre pessoas desaparecidas e homicídios).
Em 1988, Renier ajudou o Federal Bureau os Investigation (FBI) num caso e, desde então, é consultada regularmente pelo órgão. Ela foi a única médium a proferir palestra para o FBI. De acordo com a matéria Médiuns, publicada pela Revista Super Interessante[21] que, entre outros pontos, tratou dos investigadores paranormais.
Os detetives mediúnicos usam uma técnica chamada pelos espíritas de psicometria. A psicometria consiste em juntar o nome da vítima e a data do crime e, com a ajuda de algum objeto do morto, se colocam na pele da pessoa agredida e dão detalhes sobre local, causa da morte e culpados. Cabe aos policiais verificarem se tais informações são reais.
O relato de Montague Keen no artigo Super Psi or Survival, sobre um interessante caso ocorrido na década de 80, no Reino Unido, é bem oportuno para ser colocado nessa altura da explanação:
Uma jovem mulher foi brutalmente assassinada e o corpo foi achado por um detetive de polícia que arrombou seu apartamento na zona oeste de Londres, em fevereiro de 1983. O policial passou cinco horas examinando e registrando todos os aspectos do corpo e o apartamento. Alguns dias mais tarde, acompanhado por um colega, visitou a casa de uma jovem irlandesa. Ela descreveu para os dois policiais como a mulher assassinada tinha sido atacada no final de semana, descrevendo o homicídio através de uma voz que se identificava como sendo a própria mulher assassinada, embora o seu nome de solteira não tivesse se tornado público. No curso da entrevista, ela deu cerca de 150 pistas de evidência, quase todos precisas, salvo por algumas questões em que os dados não eram prováveis, porém consistentes. Algumas das informações podiam ter sido tiradas da mente do policial cujas notas confirmaram a precisão de suas descrições. Algumas outras - a casa do amigo da vítima, seu divórcio pendente, a adaptação à depressão, a conduta do assassino no apartamento da vítima e sua fuga de carro depois do homicídio, o lapso de tempo que a vítima conhecia o assassino, as tatuagens no braço deste, a descrição de sua namorada, a reivindicação do prêmio de um seguro falso que ele recentemente fez etc - eram desconhecidas para os oficiais, embora subseqüentemente comprovadas. O assassino, um insignificante criminoso conhecido pela polícia, não era um suspeito e tinha um álibi. Uma evidência proveniente de um médium a respeito de uma mulher assassinada não é admissível na Corte do Reino Unido. O caso estava arquivado até o ano 2000 quando avanços na tecnologia de DNA habilitaram a polícia a produzir evidência a qual determinou o destino do assassino, que agora cumpre uma longa sentença na prisão. A evidência crucial foi proveniente do pulôver descartado pelo assassino, resgatado numa lata de lixo pelo investigador de polícia somente em razão da precisão impressionante das informações da médium (Montague Keen. Super-PSI or Survival? A Response to Prof. Stephen Braude). [22]
Como desfecho do caso acima citado, a Corte Inglesa, não observou nenhuma violação ao princípio do contraditório, considerando perfeitamente lícita a utilização do pulôver como prova incriminadora Lembrando que o momento de ser estabelecido o contraditório e a ampla-defesa é na fase processual, eis que em momento pré-processual, ou seja, durante o inquérito policial, vige o princípio inquisitivo. Todavia, toda produção probatória em sede policial deverá ser renovada no curso do processo para que haja oportunidade de contradizê-la perante o juiz natural da causa.
No caso seguinte, nos Estados Unidos. A polícia de Chicago encontrou o produto do roubo e mais tarde o acusado, Allan Showery, que confessou o homicídio. Isso graças ao intermédio da sra. Chua, médium em questão, que ajudou a polícia a encontrar peças do crime após a acusação de um suspeito por parte do suposto espírito da falecida, Teresita Basa. As provas foram admitidas pela Corte americana, que não entendeu ofensa alguma ao princípio do due process of law, do qual a ampla defesa e o contraditório são corolários.
O drama começou em 21 de fevereiro de 1977, quando a polícia de Chicago encontrou o corpo de Teresita Basa, de 48 anos de idade. Ela estava caída no chão de seu apartamento, no décimo quinto andar, morta a facadas e parcialmente queimada (...). A polícia a princípio achou que podia ter sido morta durante uma briga com algum amante, mas afastou essa idéia depois de interrogar seu namorado. Mais uma vez a polícia ficou sem a menor pista. A alma, espírito, fantasma ou o que quer que fosse de Teresita Basa estava inquieto, tanto que outro ato do mistério ocorreu quatro meses mais tarde na casa do dr. e sra. José Chua. O dr. Chua era um médico filipino, cuja esposa trabalhava no Edgewater Hospital na época do homicídio. Ele ficou surpeendido certa noite, quando, estando os dois juntos em sua casa em Skokie, sua esposa entrou inexplicavelmente em um estado semelhante a transe, caminhou até o dormitório, deitou-se e começou a falar em sua língua natal. "Ela falava em Tagalong (um dialeto filipino), mas com um estranho sotaque espanhol", declarou ele posteriormente. "Ela disse: "Akoy" (eu sou) Teresita Basa." O médico admitiu ter ficado assustado, especialmente quando Teresita explicou que seu assassino era outro empregado do hospital. Ela acusou um enfermeiro chamado Allan Showery, cujo motivo fora o roubo de suas jóias. (...). Outro transe igualmente peculiar seguiu-se dias depois. Desta vez, a voz queixou-se de que Showery ainda estava na posse de suas jóias e havia dado seu anel de pérola a sua companheira. Poucos dias mais tarde, foi recebida uma terceira comunicação, após a qual o dr. Chua finalmente decidiu chamar a polícia. Os inspetores encarregados do caso, Joseph Stachula e Lee Epplen, mostraram-se céticos, mas estavam dispostos a seguir qualquer pista que lhes fosse oferecida. As fontes normais de informação não lhes haviam dado grande coisa com que trabalhar, por isso procuraram os Chua com esperança misturada a um traço de cinismo. Todavia, entregaram-se a seu trabalho com diligência profissional. Quando chegaram ao apartamento dos Chua, perguntaram inicialmente se "Teresita Basa" se queixara de estupro como parte do crime. O dr. Chua respondeu negativamente e explicou que a voz só dissera que Teresita fora assassinada. Os investigadores ficaram impressionados por essa resposta, pois sua pergunta aparentemente importante não passara de um truque. Eles sabiam pelo relatório da autópsia que a sra. Basa havia morrido virgem. (...) Em seguida, os Chua falaram a respeito de Showery e das jóias. (...) Trabalhando a partir dos indícios dados pelo dr. Chua e pelo pretenso fantasma de Teresita Basa, a polícia de Evaston começou a focalizar sua atenção em Showery. Uma busca em seu apartamento descobriu as jóias e o anel de pérola foi encontrado adornando a mão de sua companheira. Preso e confrontado com as provas, Showery assinou uma confissão admitindo o roubo e o homicídio. O caso foi finalmente encerrado em agosto. (Scott Rogo. Life After Death).[23]
Neste último exemplo, ocorrido na Pensilvânia, Estados Unidos. A forma usual também fora a psicofonia, onde não se pode sequer haver submissão a exame grafotécnico. O médium foi o próprio pai da vítima. Não obstante, mais uma vez a justiça americana reconheceu a licitude das provas obtidas por meio de comunicações anômalas, algo que, apesar de raro, mas já estatisticamente significativo, não engendra maiores dificuldades aos juízos estadunidenses.
O sr. Romer Troxell, morador de Livittown, na Pensilvânia, chegou a Portage, em Indiana, para receber o corpo de seu filho assassinado. A ´´voz´´ do rapaz assassinado permaneceu insistindo na mente do sr. Troxell desde o momento em que ele e sua esposa chagaram de carro à cidade. Contou ele à polícia que a voz de seu filho o levou ao assassino quando rodava pela cidade à procura do carro roubado de seu filho. A voz lhe disse exatamente onde ir e ele logo localizou o veículo. Fiz uma volta e segui o carro, um quarteirão atrás mais ou menos", explicou ele. "Queria abalroar o carro amarelo, mas Charlie me aconselhou a não o fazer". Por isso, ele se limitou a seguir o carro até o motorista parar e descer. Então, enfrentou o homem, enquanto outro parente corria a chamar a polícia. Os policiais prenderam mais tarde o motorista com base em suas próprias informações confidenciais... informações de que nunca haviam falado ao sr. Troxell. “Charlie deixou-me depois que apanhamos o assassino”, disse o sr. Troxell. "Charlie está agora em paz. A polícia estava atrás do assassino, porém. Percebi isso quando eles me mostraram mais tarde o que haviam descoberto em sua investigação. Mas quando ouvi meu filho guiando-me, eu agi. Talvez o Senhor quisesse que fosse assim. [24]
No entanto mesmo levando em consideração as peculiaridades, da psicografia, como meio de obtenção de provas, juridicamente, não se distinguiria de qualquer outro tipo de fenômeno anormal, já que todos não seriam provas em si, mas veículos, meio, de captação de vestígios incriminadores ou absolutórios. Bem como, não é relevante discutir a natureza da causalidade.
CONCLUSÃO
Na atualidade, o Estado brasileiro é um estado democrático de direitos, assim como tantos outros no mundo. Porém, nem sempre foi assim, no passado não muito distante, o Estado brasileiro, bem como a maioria dos Estados da época, era confessional, tinha uma religião oficial que confundia seu poder religioso com o poder político do Estado.
Ao longo da história, foram registrados abusos de poder, revelando essa opção de governo altamente prejudicial ao gênero humano. Pois, a Religião dominava a alma do indivíduo e o Estado dominava o seu corpo.
Entretanto, após longos séculos de opressão e crueldade de toda sorte e espécie, após muita luta, consegui-se colocar em planos distintos poder religioso e poder político. Instaurando uma era de garantias e de liberdades.
Assim, seria um enorme retrocesso, e seria também, esquecer do passado, pretender misturar assuntos religiosos com assuntos próprios do Estado. A história deixou evidente que esta combinação é altamente prejudicial às conquistas obtidas, liberdade de crença e de convicção filosófica. Sendo este um dos grandes motivos que torna inadmissível a inserção de cartas psicografadas em processos judiciais ou administrativos.
Com efeito, fruto dos ideais de liberdade, o Estado brasileiro é democrático e laico. Não influenciando e não permitindo ser influenciado por crenças religiosas.
Aferindo deste preceito constitucional que, todos os atos do Estado devem ser isentos de qualquer influência religiosa. Inclusive os jurisdicionais. E ainda, o Estado deve garantir liberdade de consciência e de crença.
Desta forma, somente ocorrerá interferência do Estado, para evitar cerceamento ou abuso de direito. Porque se protege o direito de o cidadão escolher, professar ou não uma crença, sendo esta uma decisão de foro íntimo.
Contudo ao exercer o direito de liberdade em sua forma externa, o indivíduo deve exercê-lo sem que fira normas legais ou cause embaraços a terceiros, sob pena de cometer abuso de direitos.
Noutro quadrante, numa análise macroscópica do ordenamento jurídico pátrio, temos a sistemática criada pelo estado em substituição à autotutela e a autocomposição, onde as partes substituem o estado na função de dizer o direito, denominada de função jurisdicional.
Assim, nesse sistema a prova é o elemento primordial para a solução da lide, porque é através dela que o juiz irá formar sua convicção dos fatos. Por isso a prova deve ter sobriedade, apoiada em uma estrutura firme que ofereça certa garantia a quem está utilizando-a no processo, no caso a parte que trouxe aos autos.
Anexar ao processo prova insegura, abstrata e incerta, sem valor científico é por a sorte do mesmo ao vento. É inutilizar a jurisdição, pois o estado a criou para imprimir justiça na composição de litígios, tornando imensa a incerteza de que o direito foi aplicado com justiça se tal decisão foi pautada em provas desprovidas de validade, sem qualquer possibilidade de comprovação através de meios científicos ou convencionais.
Com efeito, para os juristas que consideram a carta psicografada, como prova sem valor jurídico. Afirmam que não serve como meio de prova, devido a sua incompatibilidade com a razão. Afirmam que no processo se discute fatos concretos e reais, passiveis de aferição e, com todo o avanço da ciência o homem não descobriu nada a respeito do que ocorrerá consigo após a morte, quanto mais se há vida inteligente após a morte ou outras formas de vida.
Não promovendo assim, uma justa aplicação do Direito, impedindo desta forma a pacificação social, objetivo maior do processo, porque sempre irá restar dúvida a respeito da solução da lide.
Pretender provar determinado fato é adentrar num subjetivismo religioso que para a aplicação do Direito é absolutamente nocivo, porque fere dentre outros princípios relativos ao processo e a atividade probatória, princípio da laicidade do estado e a liberdade religiosa.
Porém, os fundamentos jurídicos contrários ao uso de cartas psicografadas como meio de prova não se restringem somente a esses.
Ademais, passando a considerar as teses favoráveis à utilização da psicografia como meio de prova, pode-se afirmar que esse meio de prova, ao adentrar a seara processual penal, irá ter sido levada ao conhecimento do magistrado julgador e, sendo assim, este terá o arbítrio de admitir, acreditar, valorar ou não esse documento de acordo com suas convicções.
Isto porque não se pode suprimir do juiz a livre valoração e apreciação das provas carreadas aos autos, uma vez que o sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro não é o da tarifa legal (que estipula valor certo e constante para as provas) e sim o do livre convencimento ou da livre convicção motivada (no qual o julgador valora as provas de acordo com seu convencimento).
Outrossim, conforme estudado, não há vedação para a admissão da psicografia como meio de prova, visto que a legislação brasileira estipula um rol aberto.
Considerando a fonte dessa prova, destaca-se a dúvida quanto à veracidade. Mas, como defendido por alguns autores é possível perceber a honestidade de certas fontes. Como por exemplo Ismar Estulano Garcia refere que: “seria humanamente impossível acumular tantas informações que permitiram a produção intelectual que ele realizou: escreveu mais de 400 livros versando sobre variados assuntos.” [25]
Neste contexto, viável mencionar que não se estabelece uma contraprova sobre a fonte e sim sobre o conteúdo da psicografia, o que se faz também pelo conjunto probatório. Ademais, sendo admitida essa prova, ela talvez tenha mais valia para a defesa, na medida que nesse conjunto probatório pode reforçar a dúvida e assim beneficiar o réu pelo in dubio pro reo.
Já no caso da acusação, se não existe dúvida processual, em tese, o réu será condenado, desde que, a carta psicografada esteja em consonância com as demais provas. Assim, admitida como um elemento do conjunto probatório poderia ser estabelecido o contraditório sobre o conteúdo da carta psicografada no momento em que ela é apresentada em juízo, visto que estaria exposta à possibilidade de contraprova.
Entretanto, mesmo que concluindo pela admissibilidade das cartas psicografadas como meio probatório face os argumentos científicos, legalidade da psicografia como meio de prova, possibilidade de estabelecer o contraditório e sua consonância com o sistema probatório, sabe-se que na prática, matéria desse viés é de difícil aceitação global, pois, ainda que comprovadamente científica, a psicografia é circundada também por roupagem religiosa.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer infere: “todas as grandes verdades passam por três estágios. Primeiro, são ridicularizadas. Segundo, são violentamente negadas. Terceiro, são aceitas como sendo auto-evidentes.” [26]
Assim, ainda que muitos assuntos não tenham sido tratados tendo em vista ser este apenas um trabalho monográfico, espera-se ter pelo menos podido esclarecer o que há de mais importante na temática proposta.
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