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O agente policial disfarçado na Lei nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime)

Algumas reflexões pontuais sobre o novo instituto do agente policial disfarçado, com vistas a relativizar o crime impossível (obra do agente provocador ou flagrante preparado)

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Agenda 28/04/2020 às 16:00

Das considerações derradeiras

Conclui-se que, a nova figura do agente policial disfarçado prevista na Lei Federal nº 13.964/2019 (Lei do Pacote Anticrime) relativizou o crime impossível (obra do agente provocador ou flagrante preparado), chancelando a atuação estatal policial, sob o prisma da legalidade.

Ademais, a nova figura do agente policial disfarçado será importante para o enfrentamento nos crimes de tráfico de armas e drogas, técnica esta que poderá ser aplicada para investigações e monitoramento de outras infrações penais, apenas e tão somente por servidores policiais integrantes das Polícias Judiciárias (Polícia Federal e Polícia Civil), inclusive se valendo da figura do agente policial disfarçado através da internet e demais meios similares.


Referências bibliográficas:

SOUZA, Renee do Ó; CUNHA, Rogério Sanches; LINS, Caroline de Assis e Silva Holmes. A nova figura do agente disfarçado prevista na Lei 13.964/2019. Publicado no dia 27 de dezembro de 2019 no Meusitejurídico.com. Disponível em:<<

 https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/27/nova-figura-agente-disfarcado-prevista-na-lei-13-9642019/>>. Acesso em 08 de janeiro de 2020.

LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. A infiltração policial na internet na repressão de crimes contra a dignidade sexual de criança e adolescente e a possibilidade de se estender o instituto da infiltração virtual a outras investigações de crimes diversosRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5063, 12 maio 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57640. Acesso em: 9 jan. 2020.

LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. LIMA, Bruno Barcelos. Coordenador: Renne do Ó Souza. Lei Anticrime: comentários à Lei 13.964/2019. Editora D’ Plácido, 2020.


Notas

[1] A decisão liminar foi proferida no bojo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (ADI 6298), pelos partidos Podemos e Cidadania (ADI 6299) e pelo Partido Social Liberal (ADI 6300). Disponível em:<< http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=434788>>. Acesso em 25 de fevereiro de 2020.

[2] O ministro Luiz Fux, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu por tempo indeterminado a eficácia de parte das regras do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) que instituem a figura do juiz das garantias. A decisão cautelar foi proferida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305, onde será submetida a referendo do Plenário. O ministro Fux, que assumiu o plantão judiciário no STF no domingo (19) deste ano de 2020 será o relator das quatro ações.

[3] Elementos probatórios (elementos informativos) razoáveis a respeito da conduta criminosa preexistente.

[4] Com ressalva nas infrações penais militares que confiram à Polícia Militar a missão de investigar pela nova Lei Federal nº 13.491/17, onde a Polícia Militar poderia empregar a técnica para investigar, eventualmente, seus militares envolvidos em infrações penais militares. Como já defendido, os policiais militares do serviço reservado, de inteligência ou os vulgarmente denominados de “p2” (P2) somente poderiam utilizar a técnica de agente policial disfarçado em situações a envolver militares em infrações penais militares, com exceção de eventual conexão ou continência que poderiam legitimar num primeiro momento as suas atuações também. Portanto, os policiais militares do serviço reservado, de inteligência ou os vulgarmente denominados de “p2” (P2) não poderiam agir em desvio de função e usar desta técnica em crimes comuns.

[5] Embora não seja o centro das discussões, como comentários de passagem, devemos advertir que  recentemente no informativo nº 932 do STF, a Corte entendeu ser ilegal a infiltração virtual realizada por policial militar da área de inteligência, sem observância da Lei Federal nº 18.850/2013. Além deste argumento do STF, entendemos também que deve observar o art. 190-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Vejamos o julgado:

“Segunda Turma

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS

Infiltração policial sem autorização judicial e ilicitude de provas

A Segunda Turma concedeu parcialmente habeas corpus impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para declarar a ilicitude e determinar o desentranhamento da infiltração realizada por policial militar e dos depoimentos por ele prestados em sede policial e em juízo, nos termos do art. 157, § 3º, do Código de Processo Penal (CPP) (1), sem prejuízo da prolação de uma nova sentença baseada em provas legalmente colhidas.

Na espécie, a paciente foi denunciada e presa preventivamente pela suposta prática do delito de associação criminosa, previsto no art. 288, parágrafo único, do Código Penal (CP) (2). Ela teria se associado a outros indivíduos, de forma estável e permanente, para planejar ações criminosas e recrutar simpatizantes pelas redes sociais e outros canais, que resultaram em atos de vandalismo durante manifestações ocorridas no período da Copa do Mundo de 2014, na cidade do Rio de Janeiro.

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A Turma entendeu que o policial militar em questão atuou como agente infiltrado sem autorização judicial e, por isso, de forma ilegal. Explicou que a distinção entre agente infiltrado e agente de inteligência se dá em razão da finalidade e amplitude de investigação. O agente de inteligência tem uma função preventiva e genérica e busca informações de fatos sociais relevantes ao governo; o agente infiltrado age com finalidades repressivas e investigativas em busca da obtenção de elementos probatórios relacionados a fatos supostamente criminosos e organizações criminosas específicas.

Segundo o colegiado, o referido agente foi designado para coletar dados para subsidiar a Força Nacional de Segurança em atuação estratégica diante dos movimentos sociais e dos protestos ocorridos no Brasil em 2014. Ele não precisava de autorização judicial para, nas ruas, colher dados destinados a orientar o plano de segurança para a Copa do Mundo. Entretanto, no curso de sua atividade originária, apesar de não ter sido designado para investigar a paciente nem os demais envolvidos, acabou realizando verdadeira e genuína infiltração no grupo do qual ela supostamente fazia parte e ali obteve dados que embasaram sua condenação. É evidente a clandestinidade da prova produzida, porquanto o policial, sem autorização judicial, ultrapassou os limites da sua atribuição e agiu como incontestável agente infiltrado. A ilegalidade, portanto, não reside na designação para o militar atuar na coleta de dados genéricos nas ruas do Rio de Janeiro, mas em sua infiltração, com a participação em grupo de mensagens criado pelos investigados e em reuniões do grupo em bares, a fim de realizar investigação criminal específica e subsidiar a condenação. Suas declarações podem servir para orientação de estratégias de inteligência, mas não como elementos probatórios em uma persecução penal.

A Turma também reconheceu a aplicabilidade, no caso concreto, das previsões da Lei 12.850/2013 (3), que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. Ainda que se sustente que os mecanismos excepcionais previstos nesse diploma legal incidem somente nas persecuções de delitos relacionados a organizações criminosas nos termos nela definidos, os procedimentos probatórios ali regulados devem ser respeitados, por analogia, em casos de omissão legislativa. No ponto, o colegiado asseverou que o policial militar começou a atuar como agente infiltrado quando o referido diploma legal já estava em vigor.

Ademais, considerou que o pedido requerido no writ apresenta uma impugnação específica, a partir dos debates ocorridos nas instâncias inferiores e dos elementos probatórios aportados nos autos e reconhecidos pelos juízos ordinários. Portanto, caracteriza-se cognição compatível com a via estreita do habeas corpus. Ainda que a análise em habeas corpus tenha cognição limitada, se, a partir dos elementos já produzidos e juntados aos autos, for evidente a incongruência ou a inconsistência da motivação judicial, devem ser resguardados os direitos violados com a concessão da ordem.

(1) CPP/1941: “Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (…) § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.”

(2) CP/1940: “Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:”

(3) Lei 12.850/2013: “Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.”

Sobre o autor
Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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