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Lei no. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 e os crimes ambientais no Brasil

Agenda 29/04/2020 às 16:03

O presente artigo apresenta noções conceituais acerca do conteúdo da Lei no. 9.605 de 1998, chamada Lei dos Crimes Ambientais, assim como expõe, em breve discussão, um visão sobre a responsabilidade penal-ambiental em nosso país.

CRIMES AMBIENTAIS

1 RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

Sob a pauta de um desenvolvimento sustentável, como o mais pretendido pelo homem e assim um usufruto a ser proporcionado pelo Estado, há a necessidade de regulamentação das formas com que aqueles que poluem sejam responsáveis pelo impacto social de suas ações. Trata-se de uma ampliação das exigências contidas no § 3º do art. 225 da CRFB/88. Para Amado (2017, p. 38):

Deve o poluidor responder pelos custos sociais da degradação causada por sua atividade impactante (internalização dos prejuízos ambientais), devendo-se agregar esse valor no custo produtivo da atividade, para evitar que se privatizem os lucros e se socializem os prejuízos ambientais, voltando-se aos grandes poluidores.

Neste contexto, para Amado (2017), há de se falar na poluição como um ato necessariamente humano, que poderá estar amparado por autorizações ambientais previamente concedidas por órgãos reguladores, como nos casos de produção extrativa, mineração e cultivo de eucalipto, por exemplo, onde a degradação do ambiente natural seja presumível, possua um nível de tolerância que não será excedido, relativo ao grau da poluição e, que necessariamente, obrigará a pessoa, física ou jurídica, a reparar os danos causados, portanto mesmo quando a degradação estiver amparada por prévia licença.

Porém, a presunção da responsabilidade ambiental como um ato-dever do Estado brasileiro, constituído no desenvolvimento sustentável e na reparação dos danos à natureza não deverá ser unilateral, em sentido de que exigirá em Direito o respeito a um processo legal, conforme Ayala (apud HELD, 2014, p. 56):

A consideração de um devido processo ambiental e de suas manifestações concretizadoras, como as garantias do contraditório, participação no procedimento, motivação e fundamentação das escolhas decisórias e, sobretudo, da imparcialidade [...] ocupa uma posição (e uma função) de proeminência para a compreensão dos caminhos que se delineiam para a organização e para a disciplina de um assim denominado Direito ambiental de segunda geração. Neste são requeridos esquemas organizatórios que assegurem às funções públicas - em colaboração com a comunidade - proteção diante de ameaças ainda não conhecidas ou investigadas satisfatoriamente sob o ângulo do conhecimento científico disponível.

Conforme Held (2014) trata-se de um dever do Estado proporcionar o devido processo legal, seja cível ou penal, para o empenho das responsabilidades de reparação e ressarcimento dos eventos de degradação do meio ambiente. Essas garantias também possuirão um dever de facilidade de alcance da população, em sentido do acesso à justiça, do acionamento do Poder Público para que sejam feitas denúncias, pois que de acordo ao caput do já mencionado art. 225 da CRFB/88, o meio ambiente natural, em sede de sua manutenção e proteção, é dever de todos, portanto, um direito difuso, devendo o Estado facilitar os meios de fiscalização da degradação ambiental, por suas próprias agências e pela atuação de qualquer do povo, que poderá e deverá denunciar práticas ilícitas contra a flora e contra a fauna, como a queimada, a pesca e a caça predatória ilegais (HELD, 2014).

De acordo a Amado (2017) ,o Estado brasileiro atua como um agente normativo e regulador, a quem caberá estipular como e em quais etapas se realizará o devido processo legal, para o conhecimento e a responsabilização daqueles que degradam o meio ambiente, direta ou indiretamente por meio de suas atividades, excedendo as permissões legais quando houver ou agindo contra proibições expressas na legislação ambiental.

Nesse sentido, afirma Rodrigues (2016, p. 84):

A [...] tutela jurisdicional do meio ambiente será o conjunto de técnicas processuais (provimentos, processos e procedimentos) oferecidos pelo legislador como sendo aptas para debelar as crises ambientais – como também as crises envolvendo interesses difusos tout court – encontra-se, precipuamente, sedimentado no que se convencionou chamar de “jurisdição civil coletiva”. Trata-se, na verdade, de um conjunto de regras e princípios de direito processual coletivo, ou seja, técnicas processuais que foram criadas para serem usadas e debelar as crises de interesses coletivos (lato sensu), dentre as quais se situa a tutela do equilíbrio ecológico.

Afirma Amado (2017, p. 43) “que o exercício do poder de polícia ambiental é vinculado (em regra), inexistindo conveniência e oportunidade na escolha do melhor momento e maneira de sua exteriorização”, o que significa submeter à responsabilização a todos, sem distinção, bastando que haja denúncia ou outra forma de conhecimento de degradação da natureza para que se possa dar início a um processo jurídico de investigação e eventual penalização dos agentes poluidores.

O desenvolvimento válido do mais devido processo legal, em sede de direito ambiental possui pressupostos, quais sejam para Fiorillo (2013, p. 655):

[...] a jurisdição [...], a citação (enquanto necessária à comunicação a ser feita a todo e qualquer poluidor de que perante ele existe litígio ou mesmo acusação, a fim de que possa ter assegurado seu direito constitucional ao contraditório e ampla defesa, na forma do art. 5º, LV, da Carta da Republica), a capacidade postulatória (entendida como representação técnica vinculada à aptidão para promover ações judiciais ambientais e via de regra circunscrita no processo ambiental aos advogados – art. 133 da CF), e inicial (peça inaugural – e mais importante – do processo ambiental em que o autor suscita a atividade jurisdicional visando à ordem destinada a assegurar a incolumidade do bem ambiental como regra).

De acordo ao supracitado, a responsabilização ambiental há de respeitar preceitos e garantias processuais, sob o fim de serem válidos perante a legislação brasileira, possibilitando que os danos investigados sejam esclarecidos, e seus agentes respondam ao Estado podendo alegar causas e situações em sua defesa que possam retirar ou diminuir a importância de seus atos para a degradação estudada.

Ainda sobre o processo na tutela ambiental, em sede de suas características, afirma Rodrigues (2016, p. 90):

O sistema processual oferece diversos caminhos para a proteção do meio ambiente. Existem, por assim dizer, os caminhos diretos e os indiretos, sendo estes últimos mecanismos precipuamente utilizados para outro fim imediato, mas que resultam na proteção do equilíbrio ecológico. Os caminhos diretos ou comuns são as demandas cujo pedido de tutela e a proteção imediata do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, o que normalmente é feito mediante o exercício da pretensão de proteção dos recursos ambientais.

Esses preceitos retomam a ideia contida no caput do art. 225 da CRFB/88, de um meio ambiente como um espaço coletivo, em sede de ser direito humano fundamental, indisponível.

Ao tratar dos diferentes mecanismos de atuação processual, quanto aos fins a que se destinam as modalidades de processo na seara ambiental, Rodrigues (2016) afirma que a proteção e preservação da natureza é o interesse maior a reger a atuação popular ou a própria das agências fiscalizadoras do Estado brasileiro, enquanto se subdividirá em espécies de ação mediata ou imediata: esta, quando a demanda processual for estabelecida contra ato já ocorrido ou ainda ocorrendo, como a baseada em denúncia de eliminação de dejetos, resíduos tóxicos por indústria em rios e lagos, por exemplo, que visará à interrupção destas atividades, podendo ser considerada uma repressão; e aquela, quando a demanda processual não atingir uma atividade atual, mas busca evitar que aconteça, como a que busca criar uma área de preservação, onde se proíba a caça em qualquer época do ano, podendo ser considerada uma prevenção.

Entende Held (2014), que o contexto trazido pela CRFB/88 potencializa a esfera coletiva da proteção ambiental, como um direito e ao mesmo tempo um dever incumbido a toda a população brasileira, o quê independe de um eventual autor particular e único de um processo contra agentes poluidores.

Em outras palavras, qualquer seja a demanda e o autor de ação em sede de Direito Ambiental o processo em si sempre possuirá caráter coletivo (seja ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data, etc.), será do interesse de todos, inclusive do de gerações futuras, e seu fim será a preservação da natureza, impedindo que legislações ou entendimentos já existentes sejam modificados se isso levar a prejuízos ao meio ambiente (HELD, 2014).

Rodrigues (2016) afirma que a prevenção e a precaução, nas ações de cunho mediato, são valores fundamentais da proteção ambiental, mas que não podem resolver a degradação e a poluição da natureza, porque sempre acabarão ocorrendo danos ao meio ambiente, é impossível impedir a todos. Nesse sentido, as ações imediatas acabam dando forma aos processos mais comuns, sendo uma ideia de política repressiva, onde a responsabilidade ambiental busca oferecer reação aos danos no menor tempo praticável, sob um princípio de reparação o mais imediata possível, sendo esta a sua principal característica.

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Conforme decisão colegiada da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sobre REsp 1.116.964/PI, rel. Min. Mauro Campbell Marques, e publicada no DJ 2-5-2011, consta:

[...] 15. Não custa pontuar que, na seara ambiental, o aspecto temporal ganha contornos de maior importância, pois, como se sabe, a potencialidade das condutas lesivas aumenta com a submissão do meio ambiente aos agentes degradadores. 16. Tanto é assim que os princípios basilares da Administração Pública são o da prevenção e da precaução, cuja base empírica é justamente a constatação de que o tempo não é um aliado, e sim um inimigo da restauração e da recuperação ambiental. [...] (BRASIL, 2011 – Jurisprudência, inteiro teor).

Ademais, segundo Caribé (2011), é entendimento consolidado pela CRFB/88 que a responsabilidade sobre qualquer dano ambiental será objetiva, pois independe de dolo ou culpa, assim, de acordo ao entendimento de que o meio ambiente é um bem universal e impessoal, cuja proteção é primordial e prioritária, bastando a mera existência de dano para que lhe seja interposta alguma ação repressiva contra os agentes de sua degradação.

A esse respeito, dispõe a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938 de 1981):

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômica; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;  V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989) (BRASIL, 1981).

Ainda conforme Caribé (2011) tratando-se, portanto, da responsabilidade objetiva, será devido o processo ambiental, nas esferas administrativa e cível, incialmente, retomando-se a doutrina da proteção integral, tão logo seja configurado o dano ambiental, sob o efetivo de multas, a imposição de ressarcimento em caso de propriedades privadas, o reestabelecimento de estado natural anterior, quando possível, como no reflorestamento, por exemplo, a interrupção de atividade poluidora (conforme as descrições do art. 3 da Política Nacional do Meio Ambiente), etc.

Porém, para Rodrigues (2016) restam algumas ocasiões em que os atos de degradação são mais específicos e danosos, quando a sanções administrativas e cíveis, distintas contra a responsabilidade ambiental sujeitando a pessoa física ou jurídica, e que mereceram maior atenção legislativa, adentrando a esfera penal, por meio da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/1998), que será abordada posteriormente.

2 RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL

Feitas as conceituações semânticas acerca dos bens ambientais, o estado em que se encontram e a razão de efetivo legal que visa a sua proteção, bem como os meios de exercício dessa tutela em caráter civil, há de se dimensionar e esclarecer a tutela ambiental em caráter penal.

Complementando as noções anteriores, Fiorillo (2013) expõe outra forma de tutela em caráter civil, qual seja a administrativa, que antecipa a penal, e que toda forma, respeitada a redação do art. 225 da CRFB/88, visa à preservação dos bens ambientais para as atuais e as futuras gerações. Todavia, a imposição de responsabilidades e penas em seara administrativa não corresponde a um processo, assemelhando-se mais a um mero procedimento jurisdicional, sem capacidade de promover sentenças, o que permite que toda decisão seja contestada perante a justiça comum.

Nesse sentido, há a possibilidade de que o dano causado contra algum bem ambiental seja objeto da jurisdição penal, nos termos do § 3º do art. 225 da CRFB/88 (As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados). 

Conforme Coutinho, Farias e Melo (2015, p. 263):

A responsabilidade penal ambiental, assim como a responsabilidade administrativa, foi disciplinada pela Lei 9.605/98 que prevê instrumentos de repressão contra condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. De acordo com esta lei, a prática de qualquer conduta por ela tipificada seja por pessoa física ou jurídica, sujeita o infrator às penas nela previstas. Respondem, no entanto, por missão, o diretor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que sabendo do cometimento da infração nada fizer para evita-la.

Observa-se que a tutela penal ambiental visa a agir enquanto meio de repressão a atos lesivos ao meio ambiente e de prevenção de novas agressões, validando-se da premissa de que nos casos estabelecidos pela lei 9.605/98 a aplicação do caráter penal é válida para quando a responsabilização civil e administrativa não for suficiente para proteger a integridade do meio ambiente (COUTINHO; FARIAS & MELO, 2015).

De acordo a Machado (2013) a previsão de que seja a tutela penal utilizada somente quando as demais forem insuficientes corroboram a ideia de intervenção mínima, princípio próprio ao direito penal, que significa a aplicação de suas instâncias em último caso, em razão de ser a esfera jurídica mais gravosa, tratando-se das limitações à liberdade que pode provocar, não se pode abdicar de nenhuma outra maneira de se exercer a prevenção dos danos ambientais, sendo a tutela penal devida quando as demais já forem reconhecidamente ineficazes.

Em outras palavras, para Bitencourt (1999, apud SCHLICKMANN, 2015, p. 95):

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Implica dizer que o Direito Penal só deve atuar quando os demais ramos do direito se mostrarem inoperantes. Sendo as regras indispensáveis para a vida em sociedade, o Direito Penal, assim, representa o mais rígido dos controles existentes, eis que é formal e tem por objetivo a aplicação de penas que, na sua maioria, tendem a tolher a liberdade, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Quanto ao agente da degradação ambiental, Amado (2017) observa que o legislador constitucional mencionou que os danos ambientais são eventualmente causados tanto por pessoas físicas quanto pelas jurídicas, porém, sem informar expressamente se estas poderão ser responsabilizadas isoladamente das pessoas de seus gestores e prepostos. De toda forma, a responsabilização ocorrerá independente da reparação dos danos, prezando-se pelos princípios da prevenção e da precaução.

Segundo Coutinho, Farias e Melo (2015), a responsabilização penal é caracterizada por não ser objetiva como na esfera civil, quando não há a necessidade de se comprovar o dolo ou a culpa na execução dos atos lesivos, pois no processo penal não se admite a criminalização de alguém a quem não seja possível imputar a vontade de agir, ou a imprudência, a imperícia ou a negligência.

Quanto à tipicidade, a tutela jurídica penal ambiental é exercida em branco, o que significa que nem sempre existirá uma conduta típica exata a ser transgredida ou cometida, pois não é sempre o mero comportamento do agente que o incriminará quanto aos danos causados, e nesses casos, surgem as condicionantes, como as autorizações e licenças ambientais, ou melhor a falta delas: não é o ato em si que será considerado crime, na maioria dos casos, mas a ausência das autorizações devidas, como na extração de minerais sem a concessão de licença pelos órgãos competentes, não é a mera mineração, nesse caso, que será uma conduta tipificada, mas a extração não permitida, não autorizada, sendo essa uma previsão do art. 55 da lei 9.605/98 (COUTINHO, FARIAS E MELO, 2015).

De acordo a Machado (2013) a importância da tutela penal está em superar o conformismo das responsabilizações civis e administrativas, em espécies de penalizações disfarçadas, pois os agentes causadores da degradação ambiental, em sua grande maioria, advêm de indústrias, em casos de poluição de águas e do ar, que quando sofrem sanções como advertências e posteriormente multas, simplesmente as repassam ao mercado consumidor, por aumentos no valor unitário dos produtos que fabrica. A responsabilização penal também é a melhor maneira de se exercer, na política ambiental, a efetiva prática da prevenção e da precaução, retoma-se, como princípios basilares da tutela do meio ambiente, em todas as suas esferas.

No âmbito propriamente penal, a ideia de práticas preventivas traz a tona o recurso legislativo estabelecido nos crimes de perigo, quando basta haver o risco de lesão, sem que esta tenha necessariamente se iniciado, conforme também explicitam Coutinho, Farias e Melo (2015, p. 264):

Considerando que a tutela ambiental deve sempre buscar atender aos princípios da prevenção e precaução, devem ser considerados além do perigo de dano, os riscos, haja vista que, quando o dano ambiental ocorre nem sempre é possível repará-lo. Desta feita, o crime ambiental é tipificado também como crime de perigo, que é aquele em que não há a consumação, mas apenas a ameaça de lesão, sendo motivo suficiente para a responsabilização penal, ou seja, basta que a lesão seja possível ou mesmo provável para que haja crime ambiental.

Para Rodrigues (2016, p. 347) porém:

É certo e inegável que a técnica que privilegia a criação legislativa de crimes de perigo também padece do problema relacionado à prova de sua ocorrência. Aliás, no caso de perigo concreto, o problema é ainda maior, uma vez que a existência do risco deve ser provada caso a caso (in concreto, por exemplo, a queima em céu aberto de produtos tóxicos). Já no caso de perigo abstrato (por exemplo, soltar balões), a prova da conduta definida na lei já é o bastante.

Coutinho, Farias e Melo (2015) desenvolve a distinção entre ambas as formas, demonstrando que nos crimes de perigo concreto, previstos na Lei dos Crimes Ambientais há a necessidade de se comprovar a existência de uma situação de risco sobre o bem jurídico tutelado, nesse caso o meio ambiente em todas as suas acepções, e por ouro lado, nos crimes de perigo abstrato, a mera possibilidade do resultado dano já pode configurar uma conduta criminosa, o que é comum para os casos de poluição, quando não é necessário já haver a emissão de poluentes de qualquer natureza em níveis nocivos ao ser humano, basta uma ação ou omissão que permita a chance de que esses poluentes sejam liberados na natureza sem o devido controle.

A esse respeito, complementa Fiorillo (2013) que situa a denominada Teoria da Culpabilidade, sob o microssistema da Teoria da Dupla Imputação, que em seu entendimento corresponde à atividade de tutela do Estado, quanto ao meio ambiente, diante de situações em que possa a pessoa jurídica ser individualizada como réu em processo penal ambiental, o que pode ocorrer em consonância de acusação à gestores, administradores e funcionários da empresa, que se saiba terem agido dolosamente, e que modernamente, sob a Teoria da Culpabilidade, caso não se comprove participação efetiva e individualizada de um ou mais funcionários, a ação penal em curso não precisará ser prejudicada, pois a pessoa jurídica poderá figurar, sozinha, como réu, e consequentemente, podendo ser responsabilizada pelos danos que lhe acusam ter cometido. A este tempo tal situação não merecerá melhor explicação, pois se trata justamente do objeto desta pesquisa, a ser explorado no próximo capítulo.

Por último, antes de se adentrar em maiores detalhes acerca da Lei 9.605/98, retomam-se as lições de Freitas e Freitas (2001, apud SCHLICKMANN, 2015) que estabelecem a tutela penal ambiental no Brasil como uma legislação em branco, devido a frequente complexidade para se caracterizarem em detalhes os comportamentos do agente causador de danos ao meio ambiente, preferindo o legislador preencher a Lei dos Crimes Ambientais com condutas que podem ser consideradas gerais, a serem complementadas por decretos ou atos administrativos posteriores para a sua aplicação, é nesse ponto que também surge a efetividade dos crimes de perigo (já comentados), valendo-se da prevenção e da precaução ante ao aguardo de uma ação concreta lesiva do agente, que devido a sua dinamicidade, poderia ocorrer de formas muito diversas, dificultando a aplicação das sanções mais corretas.

3 LEI N. 9.605/1998: LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS

A legislação produzida com vistas a complementar e a regulamentar a aplicação de sanções de caráter penal e a estabelecer as condutas típicas assim consideradas, foi a Lei 9.605, de fevereiro de 1998 (Senado Federal), mais conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais, que conforme já demonstrado, possui em sua maioria artigos cujo conteúdo exploram condutas gerais ou pouco especificadas.

Sirvinskas (2004) compreende a ocasião das leis ambientais como norma penal em branco, possuindo um conteúdo geral a ser ainda mais explorado por atos administrativos, em razão de ser a legislação uma obra estática, incompatível com a dinâmica do meio ambiente, enquanto sujeito e objeto das mais diversas transformações e adaptações ao longo do tempo.

A esse respeito, Rodrigues (2016) comenta que a Lei 9605/98 também determina e fixa infrações e sanções administrativas, valendo-se da incapacidade do direito penal puro em trabalhar com o abstrato, tomando-se como exemplo a poluição atmosférica por detritos industriais, tentando-se determinar em uma conduta típica, fixa, o grau limiar da poluição tolerável e a intolerável, ou prejudicial, criminosa, que também pode ser variável, e nesse sentido, preza-se a inteligência da lei e seus legisladores em permitir que o estabelecimento de condições técnicas cujo descumprimento fosse considerado danoso ao meio ambiente se tornasse objeto da tutela administrativa.

Conforme Fiorillo (2013), a lei 9.605/98 é dividida, doutrinariamente, em duas partes, uma Geral (do art. 2º ao 28), que apresenta as normas gerais de caráter penal e processual penal, e uma Especial (art. 29 ao 82), que elenca as infrações ambientais em espécie.

O art. 2º da legislação é o que inicia a matéria penal ambiental (em razão de veto do art. 1º) e resolve os seguintes termos:

Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la (BRASIL, 1998).

Fiorillo (2013) observa que o dispositivo repete expressões originais do Código Penal (Decreto 2.848/40), tratando sobre o concurso de agentes, expressamente admitindo a coautoria e a participação, com sanções impostas na medida de sua culpabilidade. É também notório de forma expressa que a lei situa toda uma cadeia de prepostos e funcionários ligadas às operações de pessoas jurídicas, que nesse sentido, tornam-se sujeitas à tutela penal ambiental, comumente junto de funcionários que atuam nos interesses da empresa.

Segundo Rodrigues (2016), o art. 2º da Lei 9.605/98 também estabelece uma noção do dever de ação contra conduta que se saiba ser criminosa, quando possível evitar o dano, por parte de quem ocupe algum dos cargos elencados pelo artigo. O dever de agir, quando possível e não cumprido, determina uma espécie de omissão, cujo comportamento pode ser punido, em vistas a proteção do meio ambiente como prioridade indisponível, aliada aos preceitos de prevenção e precaução, que não foram observados pelo agente.

Essa omissão trata-se do chamado crime comissivo por omissão ou omissivo impróprio, quando há um tipo penal conhecido, mas se cuidará dos resultados, nos casos em que o agente podia agir para impedir o dano, mas não o fez, e sua inércia poderá ser punida.

O art. 3º passará a comentar acerca das medidas de responsabilização das pessoas jurídicas pelos crimes ambientais nos seguintes termos:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato (BRASIL, 1998).

Sobre o exposto, Amado (2017) observa que a pessoa jurídica poderá responder por um crime ambiental desde que cumpridos dois pressupostos, cumulativamente, quais sejam o cometimento da infração penal por quem seja seu representante legal ou contratual, ou participe de algum de seus órgãos coletivos de gestão e direção (podendo delegar a ação danosa a outro funcionário, por sua ordem) e que o crime seja cometido possuindo como motivação o benefício da empresa.

Fiorillo (2013, p. 33) complementa esse entendimento:

Não há problemas com relação à culpabilidade, na medida em que o artigo já citado (art. 225 da CF) deixa claro que a conduta lesiva foi praticada por decisão do(s) representante(s) legal(is) da empresa, e em benefício dessa entidade, ou seja, ainda que a pessoa jurídica, de fato, não possua culpabilidade, seus sócios, diretores e gerentes a possuem, de forma que se criou uma espécie de responsabilidade reflexa: inicialmente, verifica-se no nível da pessoa física a culpabilidade, ou seja, se a pessoa física que causou a lesão ao meio ambiente é sócio, gerente, diretor etc. de pessoa jurídica, e que esta, ao final, foi beneficiada pela conduta daquele; estabelecida está a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Acerca dos sujeitos dessa responsabilização, afirma Machado (2013) que a legislação considera sujeito ativo qualquer pessoa que pratique o dano ambiental, seja física ou jurídica, e que seja o meio ambiente o sujeito passivo direto, enquanto bem indivisível de uso comum do povo, o que não impede que em alguns possa haver um sujeito passivo indireto, como pessoas determinadas que possam estar diretamente subordinadas, contra a sua vontade, aos efeitos de alguma forma de degradação ambiental, como a poluição de rios e a inundação de territórios familiares ou indígenas.

 Conforme Sirvinskas (2018), após a responsabilização, respeitado o mais devido curso do processo penal ambiental, a Lei 9.605/98 pode sujeitar o infrator pessoa física às penas privativas de liberdade (que podem ser convertidas em restritivas de direitos se a privativa for inferior a 4 anos ou se o crime for considerado culposo), restritivas de direitos e multa, enquanto às pessoas jurídicas, são cabíveis as restritivas de direitos, prestação de serviços comunitários e multa, ou, em casos mais extremos, a chamada liquidação forçada, prevista no art. 24 da lei, imposta quando a empresa possuir como finalidade permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime ambiental, todo o patrimônio empresarial será considerado instrumento para a prática criminosa e será confiscado.

Sobre a possibilidade prevista no art. 2º do concurso de agentes, entre pessoa física e jurídica, validou-se, observa Fiorillo (2013), a denominada teoria da dupla imputação, em que se tornam sujeitos da tutela penal, mediante a união das condutas reais praticadas por pessoa física que tenha o poder de representar a empresa, e esta, participante quanto às ações que tiveram por motivação algum interesse benéfico à pessoa jurídica (vide art. 3º).

Nesse sentido, Amado (2017) discute que a literatura jurídica em torno da responsabilidade penal construiu duas teorias acerca da pessoa jurídica e sobre como ela é entendida enquanto sujeito e objeto da jurisdição, quais sejam a teoria da ficção, proposta pelo jurisconsulto Friedrich Savigny, que compreende a pessoa jurídica como ser inerte, enquanto incapaz de possuir e desenvolver sozinho atos de consciência e de vontade próprias, que são portanto exercidas unicamente por pessoas físicas, a ela associadas. Em outro pensamento se situa a teoria da realidade, de Otto Gierke, também denominada da personalidade real, onde a pessoa jurídica possui plena e independente autonomia, sendo capaz de sua própria vontade, e de assim agir.

Capez (2019, p. 133) bem afirma que a esse respeito:

A Lei n. 9.605/98 abandonou a chamada teoria da ficção, criada por Savigny e tradicional em nosso sistema penal, segundo a qual as pessoas jurídicas são pura abstração, carecendo de vontade própria, consciência e finalidade, imprescindíveis para o fato típico, bem como de imputabilidade e capacidade para ser culpáveis. São, por isso, incapazes de delinquir [...]. A teoria da ficção arrima seu entendimento no brocardo romano societas delinquere non potest (a pessoa jurídica não comete delitos), e sustenta que aos entes coletivos faltam: capacidade de ação no sentido estrito do direito penal (consciência e vontade); capacidade de culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa); capacidade de pena (princípio da personalidade da pena – a pena deve recair sobre o autor do delito e não sobre todos os membros da corporação, bem como a pena tem por escopo a ideia de retribuição, intimidação e reeducação).

A possibilidade de responsabilização isolada da pessoa jurídica, portanto, permanece condicionada a interpretação que os órgãos julgadores a ela estabelecerem, apesar de já ser clara a possibilidade de que as empresas, quando sua atividade regular (ou a exercida por seus prepostos) cause dano ambiental, em vistas a um interesse interno, possua a capacidade de responder objetivamente pela degradação, mesmo na esfera penal, onde conforme observado por Capez (2019) e Fiorillo (2013) a pessoa jurídica se situa, inicialmente, como ente personalizado, sofrendo a dupla imputação de responsabilidades, concomitantemente às pessoas físicas que a representem e que das ações danosas participem.

Porém, insere-se nessas constatações o questionamento sobre casos em que eventualmente seja improvável, ou ainda, impossível, determinar com a necessária clareza os agentes, pessoas físicas, que impliquem danos ao meio ambiente, se bastaria a responsabilização da pessoa jurídica a qual representassem ao tempo dos crimes, e sob seu interesse, matéria que será mais bem explorada em seguida.

4 REFERÊNCIAS

AMADO, Federico Augusto di Trindade. Direito ambiental. Coleção sinopses para concursos. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. v. 30.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: DF Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 fev. 2018.

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Sobre o autor
Sam H. S. Quadros

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros. Especializando em Direito Previdenciário pela Escola Brasileira de Direito — EBRADI. Atuação com ênfase em causas previdenciárias, de cunho administrativo, junto ao INSS, ou contencioso, na Justiça. Atuação também em causas trabalhistas, bancárias e cíveis, notadamente de fundo contratual.

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