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Tutela ambiental: um estudo em síntese

Agenda 29/04/2020 às 19:27

Estudo sobre a tutela internacional e nacional do meio ambiente

1. A TUTELA INTERNACIONAL DO MEIO-AMBIENTE

A relação homem-natureza se construiu historicamente pela exploração desta por aquele, sob a criação de diversos mecanismos para a extração de bens necessários à sobrevivência e adaptação a ambientes que originalmente podiam ser hostis. A adequação necessária aos produtos pré-existentes permitiu que o homem se adaptasse à organização e especificidade de tarefas de plantio, cultivo e caça, desenvolvendo habilidades e ferramentas para isso.

Nesse sentido, é intrínseco às relações humanas algum contato com o meio natural, cuja exploração ao longo dos anos permitiu à sociedade o desenvolvimento de tecnologias de produção e uso dos bens naturais, ao mesmo tempo em que possibilitou sua degradação, pela atividade exploratória e toda uma cadeia de eventos relacionada à extração e manipulação desses bens, sob o fim de conceber utensílios imprescindíveis ao cotidiano moderno.

Nessa lógica, a exploração de recursos naturais se desenvolve sob dois aspectos, o qualitativo, pelo destinos e aplicações que se fazem dos materiais, e também quantitativo, observados os limites naturais para a recomposição de alguns bens disponíveis na natureza, ou mesmo a indisponibilidade de alguns, que não podem ser renovados pelas atividades orgânicas e não humanas, dependentes portanto de uma complexa sequência de eventos e atribuições desempenhadas por toda uma gama de seres vivos e não vivos. É essa, certa disposição que se possa fazer, neste momento, para se tentar conceituar meio-ambiente, através de alguma extensão territorial, finita e mensurável, que contenha qualquer atividade desenvolvida por seres inanimados ou vivos e que mantenham alguma relação com o espaço físico onde se situam ou habitam, dele usufruindo e a ele permitindo ser usufruído, em constantes relações de troca. Para Geraldino (2014, p. 404) o ambiente, como meio, é ainda:

Uma pluralidade de seres dos quais são agrupados em três tipos fundamentais, a saber: seres inanimados ou não vivos, seres vivos ou orgânicos, seres conscientes ou humanos. Esse deslindar tripartido é realizado a partir da aplicação de dois recortes arbitrá­rios no real: o recorte da vida e o da consciência. Fazendo que tenhamos para analisar três tipos de meios com suas respectivas relações particulares: o meio em que se encontram os seres não vivos, o meio relativo aos seres vivos, e o meio ao qual ambienta os seres humanos.

Tal propositura visa a adequar qualquer estrutura material, orgânica ou não, a um espaço físico, nele presente, ainda que não seja por ele determinado: o meio-ambiente corresponde a uma região onde se situam seres vivos e não vivos, que por si próprios ou por casualidades ali estão, e podem ser observadas pelo homem, que se torna parte, até então externa, e lhes dá interpretação. Após, torna-se interno ao ambiente, quando nele produz ou dele retira, visto que nada pode fazer por si próprio, sozinho, sem colher ou caçar, ou se aproveitar de quem em algum momento assim faz como nas modernas cadeias de produção agropecuária. (GERALDINO, 2014).

Conforme Ferreira (2009), nesse aspecto particular da comunidade humana, a necessidade de usufruir do meio para o mero fim de sobrevivência em tempos passados deu início à degradação dos ambientes naturais, que, no entanto, não se compara a situações modernas de destruição da natureza, causada não mais pelo instinto de alimentação e permanência, mas por comodidades, pertinentes a ciclos de produção industrial.

Um dos problemas mais preocupantes que a humanidade vem enfrentando desde a segunda metade do século XX, embora seja mais antiga, mas não de maneira acentuada como na atualidade. Sem dúvida, a degradação do meio ambiente passou a não só afetar o bem-estar social, mas ameaçar a qualidade de vida humana e sua própria existência no planeta (FERREIRA, 2009, p. 13).

De todo modo, a expansão burguesa das indústrias fósseis deu início, desde a Revolução Industrial inglesa, a significativo aumento da poluição por tóxicos despejados descontroladamente pelas primeiras cidades, se tornando a primeira modalidade de degradação ambiental em massa, assim se perpetuando por uma razão de crescimento econômico atrelado à capacidade industrial na produção de bens e insumos (TAVARES, 2008).

A comodidade, ou luxo, que hoje se apregoa à sociedade e sua insaciedade por consumir faz parte de uma evolução cultural, abandonados os julgamentos de valor, conforme Geraldino (2014), sendo o resultado de uma continuidade de princípios e condutas, ainda que discutíveis quanto a sua ética, e assim devem ser, mas denotam que a degradação ou preservação do meio-ambiente, requerem alguma educação cultural.

Para Hobsbawm (1971), em sua análise sobre o desenvolvimento do capitalismo e da burguesia no século XIX, o crescimento da degradação ambiental na busca por matéria prima se iniciou na necessidade por alimentos, para dar subsistência às massas de trabalhadores, primeiro os que estavam no campo, e depois os que se dirigiram às cidades, em ambos os locais, criou-se um estado de dependência, em que a agricultura servia aos grandes centros urbanos, com alimentos e matéria prima para as novas indústrias, inclusive no Brasil, enquanto também precisava do maquinário urbano para aumentar a produção nos campos. Ambas as situações corresponderam a uma demanda crescente por produtos de consumo, cuja obtenção e fabricação levaram a uma economia progressista, mas ao mesmo tempo destruidora, sobre o meio ambiente, em todo o planeta.

O elemento dinâmico no desenvolvimento agrícola era portanto a demanda: a crescente demanda por alimentos por parte das regiões urbanas e industriais do mundo, a crescente demanda destes mesmos setores por trabalho e, como ligação entre dois, a economia de rápida expansão que fez crescer o consumo básico das massas e, portanto, sua demanda per capita.

Pois, com a construção de uma genuína economia global capitalista, novos mercados surgiram do nada enquanto os mais antigos cresceram dramaticamente. Pela primeira vez desde a Revolução Industrial, a capacidade da nova economia capitalista em proporcionar emprego emparelhou-se com a capacidade de multiplicar a produção, e certamente, a exploração desenfreada dos campos, das florestas e das jazidas, em busca de matéria prima (HOBSBAWM, 1971, p. 178).

É notório que a relação demanda-lucro acompanha as capacidades financeiras e econômicas de uma população, e como já observado, em qualquer situação de produção industrial haverá a necessidade de se buscar a matéria prima, no seu estado bruto, o que não pode ser feito sem causar degradação ao ambiente.

 Explicita Prado (2005, p. 64) que:

O desenvolvimento industrial, o progresso tecnológico, a urbanização desenfreada a explosão demográfica e a sociedade de consumo, entre outros fatores, têm tornado atual e dramático o problema da limitação dos recursos do nosso planeta e da degradação do ambiente natural – fonte primária de vida.

Para Coutinho, Farias e Melo (2015), a necessidade de tutela jurídica para o meio–ambiente, sob o fim de sua preservação como a manutenção de um interesse público e abstrato, faz surgir a doutrina pleiteada em leis que se ramificam no Direito Ambiental, elaborado para resguardar a harmonia entre comunidades humanas e sociedades biológicas, e para isso, disciplina, acompanha e pune condutas capazes de causar impacto, seja por dano efetivo ou mero perigo (CRUZ, 1998) e nessa lógica preservar o espaço natural, qualquer seja, da perturbação humana indevida.

O interesse que criou o Direito Ambiental, como doutrina autônoma, advém da constatação de que os ambientes naturais passaram a ter, desde o século XVIII, cenários de poluição por tóxicos, compostos como produtos da queima de combustíveis fósseis de máquinas industriais , que afetam principalmente a atmosfera terrestre, sendo a especial forma de poluição que deva ser combatida pelas legislações protetivas nacionais sobre o meio ambiente, posteriores às resoluções internacionais. Nesse sentido, o primeiro movimento doutrinário que visou alcançar o meio ambiente como objeto e sujeito de direitos deu-se com a publicação pela União Internacional para a Conservação da Natureza, criada em 1948, do Estudo da Proteção da Natureza no Mundo. O estudo apresentou relatórios políticos sobre as condições ambientais em setenta países, apesar de não ter criado inovações legislativas, ou pactos e acordos internacionais (CZAPSKI, 1998)

Assim, o auge da implementação do discurso ambiental nos planos políticos e administrativos se deu com o Clube de Roma, designação dada à reunião de industriais, pedagogos e economistas, na capital italiana, em 1968, que produziu diversos relatórios acerca dos impactos da atividade humana, como relata Czapski (1998, p. 29 – 32), culminando na publicação do informe “Os Limites do Crescimento” em 1972, concluindo que:

Caso se mantivesse o ritmo de crescimento a qualquer custo - com a busca da riqueza e do poder sem fim, sem levar em conta o custo ambiental deste procedimento - chegar-se-ia a um "limite de crescimento", ou, na pior hipótese, ao colapso. Este documento recebeu uma tempestade de críticas, mas cumpriu as missões de propor um modelo de análise ambiental global e, sobretudo, de alertar a Humanidade sobre a questão. Sob impacto do relatório do "Clube de Roma" e das movimentações da década de 60, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, entre 5 e 16 de junho 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que atraiu delegações de 113 países (inclusive o Brasil). Por ter sido realizada em Estocolmo, capital da Suécia, ela ganhou o apelido: Conferência de Estocolmo (CZAPSKI, 1998, p. 29 – 32).

O evento se tornou marco para a adequação do pensamento empreendedor a um status de responsabilidade social pelo ambiente e sua proteção. Propôs, nos moldes do Clube de Roma, a limitação do crescimento econômico de países em desenvolvimento, conforme bem explicita Silva (2011), à liderança e oposição do Brasil, pois não se deveria tentar impor limitações de ordem econômica e industrial a esses países, demonstradas no corte de empréstimos e subsídios internacionais, conforme o não cumprimento de metas de emissões de poluentes.

Nesse aspecto, talvez seja quantitativamente impossível determinar em números absolutos o impacto ou o alcance da degradação ambiental exercido por um único país, mas seja possível mensurar que a poluição e a destruição do meio ambiente sejam de alguma forma correspondente ao tamanho abstrato da economia de uma nação. A oposição do Brasil como citado por Silva (2011), se justificou segundo um raciocínio onde as economias emergentes, possuindo alguma limitação a seu crescimento, causariam impactos na recuperação e preservação ambiental bem inferiores aos que seriam possíveis, se sofridos, nos mesmos moldes, pelas principais potências mundiais.

No constante diálogo entre as nações, ao longo da década de 1970, surge então o conceito de desenvolvimento sustentável:

[...] cunhado [...] como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras para atenderem também às suas. [...] o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos. é, em essência, um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas (SILVA, 2011, p. 4).

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Houve nesse período certa transição do pensamento legislativo ambiental, em um cenário global, que se situava em um plano meramente econômico, oposto e superado por um novo interesse na manutenção de ambientes saudáveis, naturais, propícios a um estado de bem-estar social, não se limitando ao Brasil, onde resquícios do welfare state foram implantados ao longo das décadas de 1970 e 80, mesmo possuindo uma estrutura menos desenvolvida que a idealizada nos modelos originais, americanos e europeus (GRIN, 2013).

Conforme Lago (2006), a ideia de uma economia sustentável visava a conceber o desenvolvimento cultural e econômico das sociedades atuais, pensando-se na preservação de condições adequadas a esse mesmo desenvolvimento, para as sociedades futuras.

No âmbito da tutela jurídica ambiental, o conceito de desenvolvimento sustentável levou a uma nova interpretação do Direito Estatal, quanto ao acervo das legislações que passaram a elevar o meio ambiente a ser sujeito de proteção jurídica plena, cuja mais adequada manutenção passou a ser de interesse público, indisponível, como se percebe em Moreira; Giometti (2008), conforme novo acordo internacional em 1992, sediado no Rio de Janeiro e produzido na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e desenvolvimento, alcunha ECO 92. As autoras comentam que a produção doutrinária ali redigida possui como ápice a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, ou CQNUMC, que é:

Tratado Internacional que se caracteriza por definir um objetivo bem sedimentado, que tem que ser cumprido, mas não determina o modo de implementá-lo, ou seja, ela possibilita que ao longo do tempo vários caminhos possam ser tomados para se alcançar o objetivo final. Isso permite que os países signatários possam escolher soluções que acompanhem as evoluções do tempo (MOREIRA & GIOMETTI, 2008, p. 13).

Nesse plano, foi ao longo de consecutivas conferências realizadas entre organizações e nações internacionais que se alcançaram as atuais abordagens quanto à proteção jurídica do meio ambiente.

Abordagens essas, em sentido de provocação aos países em seu Direito Interno, para a regulamentação dos recursos naturais, nos limites de sua utilização pelos entes estatais e suas populações, estabelecimento de estudos acerca dos impactos ambientais e entre outras implementações, a conceituação de delitos e crimes, concretos e de perigo, e suas respectivas penalizações.

Fala-se em Direito Interno, pois que Direito Ambiental Internacional não é consistente em si mesmo, não é capaz de exercer obrigações de cumprimento senão pela recepção legislativa posterior aos acordos, às convenções, nelas firmados.

Conforme Moreira e Giometti (2008), outra significativa convenção internacional acerca da proteção ao meio ambiente ocorreu por convocação da Organização das Nações Unidas, em 2002, sediada em Joanesburgo, África do Sul.

Para Lago (2006, p. 110):

Os mais significativos resultados da Cúpula (Joanesburgo - AS, 2002) incluem a fixação ou a reafirmação de metas para a erradicação da pobreza, água e saneamento, saúde, produtos químicos perigosos, pesca e biodiversidade; a inclusão de dois temas de difícil progresso em inúmeras negociações anteriores (energias renováveis e responsabilidade corporativa); a decisão política de criação de fundo mundial de solidariedade para erradicação da pobreza; e o fortalecimento do conceito de parcerias entre diferentes atores sociais para a dinamização e eficiência de projetos.

A implementação dessas metas carece de efetividade no seu conceito de incorporação às legislações nacionais, seja pela precária política de sanções impositivas, principalmente aos países desenvolvidos, seja pela prevalência do interesse do crescimento econômico-produtivo estatal sobre a preservação dos meios naturais.

Entretanto, o Brasil, desde a ECO 92, e mais atualmente pela RIO + 20 (LAGO, 2006), além de ser mera sede para a reunião e discussão de interesses e metas sobre o clima e a preservação ambiental, tem conseguido desempenhar certo protagonismo, no cumprimento e aperfeiçoamento das orientações legislativas, e também na inovação jurídica, cuja tutela sobre os recursos naturais nacionais serve de modelo à diversidade e heterogeneidade do meio ambiente plenamente tutelado como ideal para o Direito Ambiental Internacional.

2. A TUTELA NACIONAL DO MEIO-AMBIENTE

Dentre os experimentos econômicos situados no Brasil durante as décadas de 1960 e 1970, a rápida expansão das atividades extrativistas, em especial a agropecuária (VIOLA, 1987, apud CUNHA & GUERRA 2007) promoveu o aumento de terras devastadas no Brasil, principalmente nos biomas amazônico e do pantanal, dando lugar a pastos e ao cultivo de leguminosas e grãos, como a soja.

Tal crescimento proporcionou surgir uma crise ecológica por excelência, que acompanha o desenvolvimento do Direito Ambiental Positivo no país e que, portanto, estabelece uma das vertentes históricas possíveis de ser estudada, a dos movimentos ecológicos, assim sendo o apelo da população ao Estado, e em outro arcabouço, a normatização própria / protecionismo jurídico, relacionado as ações do Estado brasileiro em resposta à população (VIOLA, 1987, apud CUNHA & GUERRA 2007).

Na primeira acepção, dos movimentos e manifestações ecológicas, Cunha e Guerra (2007) estabelecem três períodos históricos distintos, porém todos originários da década de 1970, durante o boom econômico (prosperidade econômica) vivida pela população brasileira, quais sejam: a fase ambientalista, correspondente aos anos de 1974 a 1981, caracterizada por movimentos de denúncia de degradação ambiental nas cidades e criação de comunidades alternativas rurais, seguindo alguma tendência dos movimentos hippie (cultura anticapitalista e humanitária surgida na década de 1960), e antecedendo a promulgação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente; uma fase de transição, durante os anos de 1982 a 1985, nos anos finais da Ditadura Militar e caracterizada pela expansão dos movimentos da primeira fase, quantitativa e qualitativamente, e uma terceira e atual fase, iniciada em 1986, correspondendo a uma efetiva participação popular na arguição e produção de leis visando à tutela jurídica do meio-ambiente, inclusive na promoção da causa sob o alcance da Constituição Federal, promulgada em 1988 e hoje vigente (CUNHA & GUERRA, 2007).

Quanto à compreensão histórica do Direito Ambiental no Brasil, sob a ênfase da exploração humana dos biomas e a legislação pertinente, elencam Coutinho, Farias e Melo (2015) também três períodos, porém correspondentes a todo o período histórico brasileiro desde o descobrimento, equivalente a primeira fase aos idos de 1500 até a década de 1950, período chamado individualista ou de exploração desregrada, onde não havia preocupação com o consumo de bens naturais ou a sua extração, e valia tão somente em preceitos de propriedade, pois que o meio ambiente não era considerado coisa, autônoma, externa e impessoal (COUTINHO, FARIAS & MELO, 2015).

Nesse seguimento, estabelece-se a segunda fase, denominada fragmentária, correspondendo ao período entre os anos 1950  e 1980, caracterizado por uma produção legislativa vasta, em tema de conceituação e proteção ambiental, como dito supra, consequência da expansão de movimentos ecológicos e pacíficos cuja pauta era inserção do meio ambiente natural no rol de sujeitos e objetos da tutela jurídica estatal.

Coutinho, Farias e Melo (2015) destacam que o legislativo nacional passou a instituir o conhecimento físico da água, da flora e da fauna, como as espécies de meio ambiente, e para a sua tutela promulgaram-se o Velho Código Florestal (ou Lei n. 4.771) em 1965; o Código de Caça (ou Lei n. 5.197 – Lei de Proteção à Fauna), o Código de Pesca (ou Decreto-Lei n. 221) e o Código de Mineração (ou Decreto-Lei n. 227) em 1967; e a Lei de Responsabilidade por Danos Nucleares (ou Lei n. 6.453) em 1977.

Os bens que aqui se sujeitaram a alguma relevância jurídica o foram em razão de seu proveito econômico, ou seja, não era todo o meio ambiente sujeito e objeto de Direito, mas os bens que, até então, podiam ser utilizados para fins de proveito econômico, extraídos e comercializados (CUNHA & GUERRA, 2007).

Uma última e vigente fase, no elenco proposto por Coutinho, Farias e Melo (2015) é a denominada holística, sequência das produções legislativas emanadas pelo Estado desde 1981, quando se passou a compreender, juridicamente, o meio ambiente como uma extensão autônoma e complexa, que integra biomas, naturais e artificiais, e todas as formas de vida ali contidas, passíveis de preservação ou proteção, por meio da tutela jurídica adequada.

Promulgam-se a partir desse período, pertinentes ao meio ambiente, a Lei dos Agrotóxicos (ou Lei n. 7.347) em 1989; a Lei de Crimes Ambientais (ou Lei n. 9.605) em 1998; a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (ou Lei n. 9.433) em 1997; Lei da Política Nacional de Educação Ambiental (ou Lei n. 9.9795) em 199; a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (ou Lei n. 9.982) e o Estatuto das Cidades (ou Lei n. 10.257) em 2000; a Lei da Política Nacional de Biossegurança (ou Lei n. 11.105) em 2005; a Lei de Gestão de Florestas Públicas (ou Lei n. 11.284) e a Lei da Mata Atlântica (ou Lei n. 11.428) em 2006; a Lei da Política Nacional de Saneamento Básico (ou Lei n. 11.445) em 2007; a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (ou Lei n. 12.187) em 2009; e a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (ou Lei n. 12.305) de 2010.

O grande marco para a gestão ambiental brasileira, perceptível em ambas as classificações históricas e doutrinárias realizadas por Cunha e Guerra (2007) e Coutinho, Farias e Melo (2015), destaca-se a promulgação da Política Nacional do Meio Ambiente (ou Lei n. 6.938) em 1981.

A PNMA, dentre as disciplinas que promovia na instituição de políticas públicas para o meio ambiente, criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente, ou SINAMA, composto por uma “rede de órgãos públicos responsáveis pela condução da política ambiental da administração pública brasileira” (BARRAL & FERREIRA, 2006, p. 39).

São, esses órgãos, instituições públicas fundadas nos municípios, estados e União, sob o prisma da vigilância e guarda do meio ambiente, propiciada a preservação da qualidade ambiental, que significa para Sirvinskas (2018) ser ecologicamente equilibrado.

Segue o conceito, que essa preservação possui como objeto propiciar um ambiente e meios de vida adequados às presentes e às futuras gerações, para isso, deve-se cumprir os objetivos especificados no art. 4º da Lei n. 6.938/1981:

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais; IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais; V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico; VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (BRASIL, 1981).

E atente-se:

Art. 5º - As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e planos, destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no art. 2º desta Lei.  Parágrafo único - As atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente (BRASIL, 1981, Lei n. 6.938).

Sirvinskas (2018, p. 164-165) aponta que o elenco destes objetivos possui:

[...] o escopo da preservação, da melhoria, e da recuperação da natureza e dos ecossistemas. É pelo estudo desse objeto (qualidade ambiental) que o Direito Ambiental vai traçar sua política nas diversas esferas da Federação. Assim, preservar é impedir a intervenção humana na região, procurando manter o estado natural dos recursos ambientais. Melhorar é permitir a intervenção humana no ambiente com o objetivo de melhorar a qualidade dos recursos ambientais, realizando o manejo adequado das espécies animais e vegetais. Recuperar, por fim, é permitir a intervenção humana, buscando a reconstituição da área degradada e fazer com que ela volte a ter as mesmas características da área original.

A par destes princípios, o próximo grande marco legislativo, e o maior, quanto à disposição da tutela do meio ambiente no Brasil, é a CFRB/88, promulgada em 05 de outubro de 1988. Determina sua redação, no Capítulo VI (próprio) e art. 225 que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Assim, conforme Antunes (2010), instaura-se o conceito de desenvolvimento sustentável, e a perpetuação do crescimento econômico nacional em equilíbrio com a manutenção de florestas e matas, bem como das cidades e demais conglomerados urbanos, pois que não se deva distinguir os ambientes por aspectos físicos limitantes, se inserindo a natureza em todos os meios, haja ou não intervenção humana, e a ela emana do texto Constitucional que seja preservada, sendo essencial ao usufruto comum e desse a manutenção de uma boa qualidade de vida, às presentes e às futuras gerações, como citado supra.

Segundo Fiorillo (2013), quatro são os aspectos qualitativos observáveis na dicção do artigo 225 da CRFB/1988: (1) o sujeito passivo: brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, como sujeitos do exercício pleno do direito ambiental sob a soberania brasileira, ou seja, devem sujeitar-se a todas as normas protetivas e sancionadoras, bem como de todos os frutos e bens naturais nacionais possam usufruir, desde que não lhe retirem a essência ou lhe modifiquem sem que à própria natureza possa reavê-la a seu estado natural; (2) o conceito de bem ambiental, e esse, entendido como bem de uso comum (como descreve o mandamento constitucional) quer dizer toda estrutura natural presente no país enquanto acepção natural, como o mar territorial, a qual não cabe propriedade, conquanto bem público, difuso, a que deve a União administrar; (3) a finalidade do direito ambiental, que é tratada no dever da coletividade de manutenção das características físicas e biológicas peculiares aos bens ambientais, sob a premissa de serem essas essenciais a uma qualidade de vida sadia, no rol do princípio da dignidade humana; (4) o resguardo das futuras gerações: a manutenção do meio ambiente, em conformidade a condições para sua própria regulação, ademais a proteção humana, serve a preservação do patrimônio genético e também cultural da sociedade brasileira, pois que se molda conforme as relações vividas com a sociedade em si e com o meio, através do que pode ele ofertar à pessoa humana.

A evolução do direito ambiental no Brasil deu-se em conjunto com um novo movimento global pelo desenvolvimento sustentável, como resultado de uma melhor compreensão dos impactos das atividades humanas sobre o planeta, e o entendimento de que a crescente demanda por matéria prima, se não adaptada a uma realidade de escassez e esgotamento dos meios naturais, prejudicará a sobrevivência das gerações futuras.

A CRFB/88, tornando a proteção ambiental um direito inalienável, acompanhou essa premissa de resguardar os bens naturais aliando a proteção do meio ambiente a uma ideia de desenvolvimento econômico promissor e sustentável.

3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO AMBIENTAL

Observada a persecução doutrinária para o aprimoramento da legislação ambiental no Brasil, cuida-se em demonstrar que a necessidade de se criar mecanismos para a proteção do meio ambiente natural extrapolou a mera preservação do espaço físico, conforme Fiorillo (2013), por uma noção mais abrangente e de finalidade, que importa à segurança social, à qualidade de vida e o desenvolvimento cultural no país, que deve estar acessível a todas as pessoas, sem distinções, na possibilidade de que se conheça dos bens naturais, e com eles aprenda-se a viver em harmonia.

A possibilidade de estar em um ambiente natural saudável e preservado perpassa pela atuação do Estado, enquanto organismo capaz de agir coercitivamente para esse fim, conforme Czapski (1998), através do denominado poder de polícia, que advindo da doutrina administrativista, permite a responsabilização de pessoa física ou jurídica pela autoria de crime ambiental, agindo para a prevenção deste, por meio da fiscalização por órgãos competentes, dentre eles o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, que é autarquia federal e possui, como algumas de suas atribuições, o dever de vigiar as atividades industriais ou comerciais estabelecidas no país, que se utilizam do meio ambiente natural brasileiro, direta ou indiretamente, para o extrativismo ou despejo de materiais, por exemplo, e nesse aspecto, quando perceber ação prejudicial à natureza, o instituto poderá atribuir advertências e multas ao agente do dano.

A própria atuação do Estado, nesse sentido, se pauta por um interesse de preservação da justiça social, assim para Garcia e Thomé (2010) enquanto o Direito Ambiental passa a ser considerado direito de terceira geração, ou seja, é supraindividual e de titularidade indivisível, sujeitando não apenas um só indivíduo, mas toda uma coletividade, todo o povo brasileiro.

Portanto, sob o mérito de ser impessoal e universal, a preservação do meio ambiente enquanto dever do povo e do Estado requer algum elenco de normas ou regras que possam condicionar essa atuação, trata-se dos princípios do Direito Ambiental, trazidos pela CFRB/88, sobre os quais comenta Santanna (2011, apud ARRUDA, 2014, p. 97):

No Brasil, a partir de 1988, o direito ao meio ambiente saudável adquiriu status constitucional, com farta produção legislativa a regulamentar os dispositivos constitucionais, caracterizada por sua natureza interdisciplinar, exigindo o enfrentamento de discussões pluridimensionais e inter-relacionadas.

Pode-se dizer que a farta produção legislativa mencionada por Arruda (2014) é efeito dos movimentos globais em prol da preservação ambiental, conforme já explorados nesse trabalho, e a atuação do legislador brasileiro se deu de acordo as novas ideologias trazidas pela ideia de desenvolvimento sustentável desde a Conferência Mundial Sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, no ano de 1972 (SILVA, 2011).

A CRFB/88 traz em seu bojo, no art. 170, a primeira menção ao meio ambiente nacional, a cuja proteção redige ser objeto intrínseco a uma existência digna e pautada na justiça social:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (BRASIL, 1988).

Ao assim declarar, percebe-se que o texto constitucional também permeia a atuação do Estado através do poder de polícia inerente à Administração Pública: trata do impacto ambiental, causado pela produção agrícola, extrativista e industrial à natureza; de acordo ao grau do impacto humano para o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente, o Estado deverá agir em sua proteção, mediante tratamento que possa ser diferenciado, como na possibilidade de persecução criminal sobre agente de dano ambiental (COUTINHO; FARIAS; MELO, 2015).

Martins (2008, p. 39) comenta:

Os princípios ambientais encontram-se, pois, no ordenamento jurídico, com função de orientar a atuação do legislador e dos poderes públicos além de toda a sociedade na concretização e cristalização dos valores sociais, relativos ao meio ambiente, harmonizando as normas do ordenamento ambiental, direcionando a sua interpretação e aplicação, e ressaltando definitivamente a autonomia do Direito Ambiental, como ciência.

Para Martins (2008), a citação trazida pelo caput constitucional (do art. 225) às futuras gerações, como merecedoras do usufruto de um ambiente natural saudável e pleno, retoma o ideal de desenvolvimento sustentável inaugurado em Estocolmo, no ano de 1972, e que se torna o primeiro e o mais importante princípio constitucional interno ao Direito Ambiental. A ideia trazida pelo caput também retoma, certa feita, o art. 170, quanto às noções de justiça social e existência digna, pois estabelece a CFRB/88 que ambos dependem da manutenção do espaço físico natural, que pode ser utilizado nas mais diversas atividades econômicas, desde que considerado o impacto ambiental decorrente (SAMPAIO, 2011) respeitando-se limites quanto a áreas de degradação e utilização do solo, por exemplo.

Também sobre o caput do Art. 225 comenta Arruda (2014) estar contido o princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto trata do direito universal a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Enquanto conceito, afirma o autor não haver um sentido imediato e concreto, pois a dignidade afere como objeto todo um elenco de qualidades, como o acesso à saúde e à educação, por exemplo, e que desde 1988 compõe-se também da vivência em um meio ambiente saudável, como um direito fundamental.

A proteção dessa disponibilidade do ambiente natural às presentes e às futuras gerações, enquanto dever do Poder Público e da coletividade, deverá ser também exercida na repressão dos danos e também na sua prevenção: é o princípio da precaução, a que Martins (2008, p. 43) bem elucida:

A experiência tem demonstrado que a atividade humana, para produzir alimentos e bens duráveis, interfere de forma direta no equilíbrio ecológico, tais como as atividades agropecuárias e atividades industriais. Assim, a precaução tornou-se um preceito fundamental uma vez que os danos são irreversíveis e irreparáveis e via de consequência este princípio é considerado o sustentáculo do Direito Ambiental.

Ademais, cita-se o § 3º do Art. 225 da CRFB/1988:

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (BRASIL, 1988).

Conforme Martins (2008), o excerto traz em sua essência o princípio da responsabilização, quando o Estado, conhecendo a autoria de ato que cause dano material à flora ou à fauna, quaisquer os meios de ação, poderá agir a fim de iniciar persecuções criminais ou promover sanções administrativas contra o ofensor, seja ele pessoa física ou jurídica – situação a ser explorada oportunamente.

Para Machado (2004, apud ARRUDA, 2014, p. 100) o princípio “busca imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico”. Observa-se, poluidor e ofensor são denominações equivalentes para o presente estudo, quanto a enfrentar-se toda forma de agressão ao meio ambiente como um modo de poluição que obsta ao usufruto sadio pelos demais.

Não inteiramente restritos à redação do art. 225 da CRFB, é possível elencar direitos fundamentais pátrios como também princípios do Direito Ambiental. De suma importância, destaca-se enfim o denominado princípio da proibição do retrocesso, que surge implícito na CFRB/88, conforme Sampaio (2011) no entendimento de também ser garantia de todo povo o brasileiro a noção de que as orientações já existentes, as normas legais que visam à proteção do meio ambiente, não podem ser revistas em prejuízo da flora e da fauna, e consequentemente, do próprio povo brasileiro. As proteções já dispostas pelo texto constitucional não podem ser prejudicadas por novas legislações ou orientações, mas somente ampliadas.

Para Canotilho (2004, apud ARRUDA, 2014) o sentido deste princípio está no tratamento do meio ambiente natural como uma finalidade do Estado, enquanto sua proteção consagrar os direitos a uma vida digna e saudável, além de sustentável, às presentes e às futuras gerações.

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Sobre o autor
Sam H. S. Quadros

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros. Especializando em Direito Previdenciário pela Escola Brasileira de Direito — EBRADI. Atuação com ênfase em causas previdenciárias, de cunho administrativo, junto ao INSS, ou contencioso, na Justiça. Atuação também em causas trabalhistas, bancárias e cíveis, notadamente de fundo contratual.

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