Sumário: Introdução.1) A Constituição Federal e o Princípio da Simetria nas Leis Orgânicas. 2.) Do Controle de Constitucionalidade. 2.1) Inconstitucionalidade Formal (vício de inciativa) e Material (Violação do princípio da separação de poderes). 3) Natureza Jurídica do Orçamento: Autorizativo ou Impositivo? 4) Da violação ocorrida na Lei Orgânica de Guarulhos na introdução do Orçamento Impositivo pela Emenda 43. IV) Conclusão
Introdução
Não é de hoje os problemas advindos em o Poder Legislativo invadir a competência do Poder Executivo afeto a gestão dos gastos e ao mesmo tempo usar a competência de fiscalizatória como usurpatória para gerar situações em prol dos mandatos dos parlamentares.
O tema apresentado mostra a importância do princípio da simetria constitucional no combate a proposituras de emendas as leis orgânicas via ação direta de inconstitucionalidade com a chegada da emenda nº 86/2015 que normatizou o entendimento do orçamento impositivo, expondo ao final a experiência no Município de Guarulhos.
- A Constituição Federal e o Princípio da Simetria nas Leis Orgânicas.
No sistema Constitucional Brasileiro sempre existiu grande histórico de enfrentarmos inúmeras demandas ligadas a controle de constitucionalidade de leis editadas pelos municípios. Apesar de gozarem de autonomia política, financeira e administrativa com base na Constituição Federal de 1988, essa independência não é ilimitada.
Nosso próprio sistema constitucional estabelece diretrizes que não podem ser deixadas de lado pelos estados- membros e municípios em suas Constituições e Leis Orgânicas. Isso por que há normas constitucionais que devem ser respeitadas e repetidas nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios, ora denominadas pela doutrina como normas de repetição obrigatória e consideradas como parâmetros legais que não podem ser modificados pelos estados-membros e municípios[1]..
Ao analisarmos o modelo constitucional brasileiro existem normas de reprodução central obrigatórias que devem ser respeitadas estritamente quando editados por ato do ente federativo em razão de sua autonomia,
O Legislativo Estadual ou Local tem liberdade exercer a sua competência legiferante até os limites das normas de repetição obrigatória da Constituição Federal, denominada de normas centrais, são diretrizes obrigatórias que advém do princípio da simetria constitucional, não podendo se distanciar os Estados-membros e Municípios por meio dos seus poderes deste modelo central estabelecido na Constituição Federal.
Na realidade, em função do Princípio Federativo estabelecido no art. 1º[2] da Constituição Federal de 1988, aos Estados membros, Distrito Federal e Municípios, no exercício de suas competências autônomas, devem adotar os modelos normativos previstos na Constituição Federal, sob pena de infringir a simetria, ocasionando a inconstitucionalidade da norma.
Portanto, os Municípios têm autonomia para se auto- organizar, todavia, essas normas devem estar em consonância como o modelo central trazido pelas Constituições Federal e Estadual, inclusive por disposição expressa no artigo 29 da Constituição da República e no caso do Estado de São Paulo por expressa previsão do artigo 144 da Carta Bandeirante (“Constituição do Estado de São Paulo”).
Como sabem, muitas discussões ainda permeiam a respeito da obrigatoriedade da execução da programação orçamentária, assim denominada pela imprensa brasileira, falada e escrita, como orçamento impositivo.
Entretanto, não obstante as controvérsias, o Brasil adota a Federação como forma de Estado, a qual foi erguida à categoria de cláusula pétrea, consoante estabelece o artigo 60, §4º, I, da Constituição Federal, cuja observância é de caráter cogente, em função do que estabelecem o artigo 29 da Constituição Federal e do artigo 144 da Constituição Paulista.
É bem verdade que o artigo 18, caput, da Constituição Federal, estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são entes políticos autônomos. Todavia, esta autonomia baliza-se pelos preceitos constitucionais, não podendo dela se afastar.
Em se tratando de Emendas Parlamentares Impositivas, as alterações da Constituição Federal provenientes da Emenda Constitucional 86/2015 devem ser seguidas estritamente, como normas centrais, não são aplicáveis aos Municípios de forma automática; ao contrário, exige-se a atuação do legislador local, mais havendo, a sua instituição, deverá se dar como norma de reprodução obrigatória aquelas estabelecidas na Constituição Federal e Estadual vigente.
Ao analisarmos o modelo constitucional verificamos a existência das normas de reprodução central que que o Legislativo dos Estados-Membros ou dos Municípios (Local) devem seguir e o limite de criação legislativa, ora liberdade, não pode contrariar o modelo da Constituição Federal- normas centrais, pois, se assim o fizer, estará contrariando o princípio da simetria constitucional, não podendo se distanciar os Municípios por meio dos seus poderes do modelo central estabelecido na Constituição Federal.
Na realidade, em função do Princípio Federativo, aos Estados membros, Distrito Federal e Municípios, no exercício de suas competências autônomas, devem adotar os modelos normativos previstos na Constituição Federal, sob pena de inconstitucionalidade.
Portanto, os Municípios têm autonomia para se auto organizar, todavia, essas normas devem observar consonância como o modelo central trazido pelas Constituição Estadual e, está, a Constituição Federal, especialmente pela força normativa constitucional.
Assim, chegamos ao tema central deste artigo que todas as emendas as Leis Orgânicas Municipais devem respeitar o modelo trazido nas normas da Constituição Estadual que foram repetidas ou não em razão de serem normas centrais da Constituição Federal vigentes. Pois, ao contrário, o sistema extirpará essa norma do sistema normativa em decorrência de inconstitucionalidade.
2.) Do Controle de Constitucionalidade.
O controle de constitucionalidade é uma forma de autoproteção constitucional estabelecida por ações e medidas ajuizadas nos Tribunais competentes que visam expelir normas federais que desrespeitam aquelas estabelecidas na Constituição Federal no âmbito federal ou normas estaduais e municipais que desrespeitam a Constituição Estadual do estado–membro.
O controle de constitucionalidade se dá de várias formas, mas as mais usuais são aquelas que se dão por vicio de formal ou material.
2.1) Inconstitucionalidade Formal (vício de inciativa) e Material (Violação do princípio da separação de poderes)
A inconstitucionalidade formal (também chamada de inconstitucionalidade nomodinâmica) se configura sempre que uma lei ou um ato normativo achar-se em desconformidade com o texto constitucional, no tocante às regras que disciplinam o devido processo legislativo - tanto em relação à competência para a deflagração da atividade legiferante (inconstitucionalidade formal subjetiva ou orgânica), quanto no que concerne ao procedimento fixado para a elaboração, alteração ou substituição das espécies legais (inconstitucionalidade formal objetiva ou propriamente dita).
A iniciativa de leis que disponham: (i) sobre a criação, estrutura, atribuições, funcionamento, planejamento, regulamentação e gerenciamento de órgãos e serviços públicos da administração pública municipal; (ii) sobre a estrutura, planejamento, organização e funcionamento da administração municipal, especialmente sobre orçamento público, pertence unicamente ao Chefe do Poder Executivo. Trata-se de iniciativa privativa e indelegável.
A inconstitucionalidade de uma norma, de acordo com os ensinamentos solidificados pela doutrina pátria, pode ocorrer tanto pela violação substancial de preceitos da Lei Fundamental – inconstitucionalidade material ou nomoestática[3], quanto pela não observância de aspectos técnicos no devido processo legislativo do qual derivou sua formação – inconstitucionalidade formal, orgânica ou nomodinâmica[4]. Também defendida pelo Ministro Gilmar Mendes[5]: .
Com efeito, um ato jurídico inconstitucional é aquele cujo conteúdo ou forma se contrapõe, de maneira expressa ou implícita, ao conteúdo do preceito constitucional.
A inconstitucionalidade material (também chamada de inconstitucionalidade nomoestática) perfaz-se quando o conteúdo de uma lei ou ato normativo não guarda a necessária congruência com algum preceito e/ou princípio contido no texto da Constituição (Estadual ou Federal). Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Constituição Paulista deve ser declarado inconstitucional.
Os poderes são independentes entre si, cada qual atuando dentro de sua parcela de competência constitucionalmente estabelecida e assegurada quando da manifestação do Poder Constituinte Originário.
Dessa forma, por força do princípio da indelegabilidade, as atribuições asseguradas não poderão ser delegadas de um poder a outro. Um órgão somente poderá exercer atribuições de outro, ou da natureza de outro, quando houver expressa previsão e, diretamente, quando houver delegação por parte do poder constituinte originário.
O princípio da independência e harmonia entre os poderes está incorporado à Constituição do Estado como princípio não elidindo esta assertiva o reconhecimento de que, em face da Constituição Federal vigente, não seja permitido ao Estado-Membro da Federação dispor diferentemente (artigo 25, caput e inciso IV do artigo 34 da Constituição Federal de 1988).
É ponto pacífico na doutrina, bem como, na jurisprudência, que ao Poder executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público de outro lado, ao Poder legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
Esse panorama conduz à ofensa ao princípio basilar da separação de poderes quando o Poder legislativo invade a competência do Poder Executivo, pois, no dizer desse Sodalício, “O Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito[6]”
O insigne mestre Pontes de Miranda assevera que o Legislativo, em seu campo de atuação, não pode contrariar esse princípio constitucional, doutrinando, devendo respeitar os limites constitucionais[7].
Assim sendo, ao invadir competência do Poder executivo, o ato legislativo reveste-se de nulidade, pois, as leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública municipal, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais.[8].
A lei impugnada ao estabelecer obrigação ao Poder Executivo, retira do administrador a possibilidade de agir segundo os critérios de conveniência e oportunidade intrínsecos a Administração Pública, usurpando atribuições privativas do Chefe do Poder Executivo.
Ocorre que, quando se usurpa a possibilidade de agir segundo os critérios de conveniência e oportunidade intrínsecos a Administração Pública, caminha-se em desrespeito ao Princípio da Separação dos Poderes, que prevê a existência de atos reservados a cada um dos Poderes.
Desta forma, o Poder legislativo não pode propor projetos de leis ou emendas parlamentares que engessem a competência de administrar e gerir a coisa pública, com mais razão, estabelecer regramentos inconstitucionais que impeçam o Poder Executivo de cumprir seus deveres constitucionais em manter os serviços públicos e procedimentalizar a sua execução ao escolher qual será a melhor despesa em prol do interesse público sob a égide da sua Lei orçamentária anual.
Seguindo essa linha, não pode o Poder Legislativo invadir a competência do Poder Executivo editando leis que suas cargas normativas tragam ingerências que desrespeitem as normas centrais.
Quando o Poder Legislativo adentra na função executiva, contamina a sua função fiscalizatória, já que fiscaliza o que ele próprio construiu – orçamento e gestão financeira que pertencem ao Poder Executivo.
Porquanto, perde o sentido a função fiscalizatória quando emendas parlamentares ou projetos de leis adentram na gestão ou execução das normas financeiras e orçamentárias, já que as atividades de fiscalizar pressupõem o ato de gestão- ato a ser fiscalizado e o ato que confere a legalidade (fiscaliza) que são feitos por entes distintos.
Quando o ente que fiscaliza o ato que ele participou na sua formação tem uma autofiscalização, situação pela qual traduz em ineficiência, pessoalidade e imoralidade, ofendendo os princípios esculpidos no art. 37 “ caput” da Constituição Federal vigente.
Por estas razões qualquer norma, especialmente, de direito orçamentário, financeiro ou de gestão emanada do Poder Legislativo deve se limitar a criar normas afetas a fiscalização e não aquelas que adentram na execução ou gestão da coisa pública.
Apesar desta premissa protegida pela Constituição Federal vigente, com o advento da emenda Constitucional nº 86/2015, o Constituinte derivado acabou trazendo possibilidades de agentes políticos do Poder Legislativos de todas as esferas indicar por meio de emendas parlamentares em qual política pública os numerários arrecadados pelo poder público poderiam ser gastos.
Tal situação começou a gerar novas interpretações sobre a natureza jurídica da peça orçamentária e até que ponto o legislativo poderia ser legitimado a opinar sobre a forma de gasto que o Poder Executivo realizaria.
3) Natureza Jurídica do Orçamento: Autorizativo ou Impositivo?
Um dos temas polêmicos que existem na doutrina é sobre a natureza jurídica do orçamento, sendo a linha majoritária defendendo a sua natureza autorizativa[9] que detém essa expressão por fixar limites máximos disponibilizados para atuação do executivo.
Tem como conceito também o orçamento de orçamento-programa[10], já que não se trata de uma simples justaposição de planos, mas de uma vinculação permanente e continua, que não admite interrupção, se sorte que o plano mais geral ou global abrange os mais concretos e a execução destes leva à materialização daqueles.
A ideia de orçamento autorizativos é uma forma de flexibilizar as contas públicas, pois, a sua imposição total acarretaria um descontrole nas despesas públicas[11].
Com o advento da Emenda Constitucional n° 86/2015, afirmamos que iniciou-se uma mudança no entendimento de ser exclusivamente autorizativo o orçamento. A emenda constitucional trouxe expressamente que ficam reservados às emendas individuais ao projeto de lei orçamentária o limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinado as ações e serviços públicos de saúde[12].
Percebe-se que o legislador constituinte preestabeleceu como condição de validade do orçamento o gasto a ser indicado pelos parlamentares de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida, especialmente na área da saúde, não podendo deixar de lado, sobre a condição de ser nulo o orçamento.
Ocorre que, a norma constitucional abre uma possibilidade de cogestão do Poder Legislativo em participar no planejamento dos Municípios. Em outras palavras, ele destina valores para serem obrigatoriamente executados e, posteriormente, autofiscaliza os próprios valores por ele destinados.
Com base nesta premissa referendada pela Constituição Federal, abre-se a possibilidade de um orçamento impositivo não originalmente do Poder Executivo, mais por situação externa ou heterogênea demandada pelo Poder Legislativo o que coloca em choque a possibilidade ou não de sua possibilidade de auto fiscalizar ou não. Isso vai depender do que está sendo feito pelo Poder Legislativo com relação a criação legislativa.
A emenda constitucional nº 86/2015 em questão está sendo discutida na ação direta de Constitucionalidade nº 5595 no Supremo Tribunal Federal tendo como autor o Ministério Público Federal que aponta diversos artigos, dentre os quais os artigos 2º e 3º da que foi suspenso cautelarmente a sua eficácia.
Apesar de estar sendo discutida e ainda sem decisão, parece-me que dentro dos parâmetros da Constituição federal em razão de não existir norma constitucional inconstitucional em razão da aplicabilidade da Teoria de Professor alemão Otto Bachof já admitida pelo Supremo Tribunal Federal[13], poderá haver não uma auto fiscalização, mais uma fiscalização de um ato que apenas o legislativo contribui materialmente ou melhor dizendo, participa com a contribuição financeira sem auto executa-la.
Em resumo, o ato do Poder Legislativo de dispender numerários por si só em determinadas áreas apesar de serem impositivos, não chega a contaminar a fiscalização, já que não executam concretamente nenhum ato decisório em conjunto com o Poder Executivo, como a título de exemplo de preparar a licitação, autorizando-a ou homologando-a ou, elaborar a nota de reserva e, posteriormente, a realização de empenhos orçamentários na assinatura do contrato administrativo.
Por outro lado, deve o Poder Legislativo ao propor emendas as Leis Orgânicas Municipais, muita cautela em cumpri estritamente as normas centrais, não podendo haver qualquer criação que contrarie o texto da Constituição Federal que ocasione uma cogestão como a título de exemplo a realização de estudos ou coparticipação em atos decisórios. Veja que qualquer criação legislativa revestida de subterfúgios para promoção do controle no Legislativo ou exercício de autofiscalização pode ser considerada essa criação como inconstitucional, consequentemente, teríamos uma autofiscalização vedada pelo artigo 37 “caput” da Constituição Federal vigente.
Assim, qualquer emenda à constituição dos estados ou até nas leis orgânicas, tema central deste artigo, deverá ser respeitado esses critérios, subentendidos como normas centrais intangíveis que devem ser repetidas obrigatoriamente. Isso porque, havendo o seu desrespeito, existirá infringência a normas constitucionais que desrespeite as regras contidas na emenda n° 86/2015, bem como, por vício material (inconstitucionalidade material) por haver violação do principio da separação dos poderes, consequentemente será retirada essa norma do ordenamento jurídico.
4) Da violação ocorrida na Lei Orgânica de Guarulhos na introdução do Orçamento Impositivo pela Emenda 43.
Um caso concreto de Orçamento Impositivo que não seguiu o respeito as normas constitucionais foi no Município de Guarulhos, experiência concreta que gerou uma decisão inovadora, onde os parlamentares locais aprovaram a emenda a lei Orgânica n° 43 e alteraram de forma distinta dos parâmetros constitucionais da emenda 86/2015 da Constituição Federal vigente.
Nos termos do art. 327,§9ª, da Lei Orgânica do Município de Guarulhos acrescentado pela Emenda 43[14], inclui para efeito de cálculo dos percentuais destinados a programação orçamentária obrigatória, o orçamento proveniente da Administração Indireta, de forma que, os valores destinados para emendas parlamentares impositivas superavam o limite de 1% estabelecido na Lei Orgânica, como também o 1,2 por cento da Constituição Federal vigente.
Embora cada Órgão da Administração Indireta tenha suas peças orçamentárias, para efeito de cálculo, o dispositivo da Lei Orgânica Municipal impugnado considera 1,2% sobre o Orçamento total consolidado incluindo verbas advindas de convênios. Ou seja, não é desconsiderado as receitas advindas de convênio que serão destinadas a programas preestabelecidos, verba que não pode ser considerada para fins do cálculo de 1,2 por cento.,
O Executivo Municipal local quando verificou essa ingerência no Município de Guarulhos se viu obrigado a tomar medidas judiciais, justamente para evitar um orçamento fora dos moldes legais e acima dos porcentuais permitidos, inclusive, do limite estabelecido na Emenda Constitucional n° 86 de 17 de março de 2015.
A interferência da Câmara Municipal na forma pela qual se deu o gerenciamento dos serviços municipais foi abusiva, constituindo usurpação da função administrativa do Chefe do Poder Executivo Municipal. Essa ingerência configura violação do princípio da separação de poderes, cláusula pétrea da Constituição Federal, sendo neste caso a criação de subterfúgios legais para exercer uma autofiscalização que contrariava o art. 37 “caput” da Constituição Federal vigente.
Com efeito, os dispositivos da legislação impugnada, acabou criando obrigação orçamentária e financeira irrestrita a cargo dos órgãos da Administração Pública Direta, sendo certo, que a imposição de obrigações aos órgãos públicos se insere no âmbito das atribuições privativas do Chefe do Poder Executivo Local.
A lei impugnada violou a prerrogativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo de Guarulhos, imiscuindo-se, de forma inconstitucional na prática de atos de administração, agredindo a prerrogativa de auto-organização do Poder Executivo Municipal sobre a gestão e planejamento do seu orçamento ao introduzir por meio da emenda regras que inovam as normas centrais de repetição obrigatória, retirando os limites lá estabelecidos.
Os parágrafos 9º e 10 do artigo 166 da Constituição Federal dispõem que metade do percentual previsto para as emendas individuais dos parlamentares (1,2% - um inteiro e dois décimos por cento – da receita corrente líquida) realizada no exercício anterior, devem ser destinadas a ações e serviços públicos de saúde, vedada a sua destinação para pagamento de despesa de pessoal e encargos sociais.
Pelo parágrafo 9º e 10º do artigo 166 da Constituição Federal a destinação de recursos parlamentares integra o cálculo dos percentuais por meio das emendas impositivas de investimento obrigatório nos serviços de saúde contidos no artigo 198 da Constituição Federal.
Veja que pelo princípio da simetria os Municípios devem seguir o regramento da Constituição Federal, conforme determina o art.144[15] da Constituição do Estado de São Paulo.
O caso em questão as Emendas à Lei Orgânica de Guarulhos, que mudaram o art. 327 § 9º, não observaram esse parâmetro, não atendendo o mínimo estabelecido como norma central, deixando ao livre arbítrio dos parlamentares a destinação das verbas, sem qualquer vinculação (a CF/88 estabelece no mínimo 50%) aos serviços de saúde, o que ofende o Princípio da Simetria, eis que modifica norma de repetição obrigatória constitucional estabelecida pela emenda 86/2015 na CF/88, desrespeitando o art.144 da Constituição do Estado de São Paulo[16].
Veja que a o texto constitucional seguindo uma tradição expressa na Constituição Federal vigente sempre destinou valores para a saúde e educação, justamente em razão de se tratar de direitos fundamentais, conforme se encontra no texto em seu art. 6º[17] “caput” da Constituição Federal vigente, sendo reconhecido por parte da doutrina como cláusula pétrea[18], já que decorre do direito à vida.
Ocorre que, ao ser suprimido parte do texto constitucional que reserva cinquenta por cento em gasto com a saúde, com mais razão a vida dos munícipes-cláusula pétrea, retira direito fundamental, abrindo de forma irresponsável aos parlamentares usarem esses valores em outras áreas, retirando a lógica constitucional em privilegiar o direito a saúde estabelecidos na Constituição Federal no art.166 nos parágrafos 9ª e 10º, em prol de outros menos significativos, caindo por terra a lógicas de preservação de valores maiores.
Nesse raciocínio, a retirada da obrigatoriedade em aplicar metade dos valores das emendas individuais na saúde, ocasiona fragrantemente a existência de supressão de direitos fundamentais e, consequentemente, proposta privativa de emenda do chefe do executivo local, ocorrendo claro vício de inciativa.
A situação neste caso ficou ainda mais grave por não ter na Lei Orgânica do Município de Guarulhos trazida pela emenda 43 as regras estabelecidas na Constituição Federal vigente que determina o computo do cumprimento do inciso I do § 2º do art. 198, que veda a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais.
Portanto, além de inconstitucional por ofender o modelo federal, princípio da simetria, não observou o art.149 do Constituição do Estado de São Paulo[19], neste caso caberia a intervenção do Estado caso o Município ficasse omisso.
A Constituição é cristalina em pontuar que o não cumprimento dos mínimos estabelecidos na saúde é tratado como causa de intervenção estadual., o que não ocorreu neste caso concreto que não seguindo o modelo central obrigatório que determina o computo dos cinquenta por cento das emendas individuais destinadas a saúde, o que em vias transversas não deixa de ser uma imposição do legislativo em face do Poder Executivo, já que interfere diretamente ao omitir esse texto obrigatório da Constituição Federal, determinado pelo art.144 da Constituição Estadual Bandeirante.
Assim, concluiu-se que houve claramente desrespeito às regras não só do principio da simetria (art.144 da Constituição Estadual Bandeirante), mas também, a regra de separação de poderes, sendo certo, que a norma impugnada foi de iniciativa de Vereadores Municipais, acarretando o vício da inconstitucionalidade formal.
Uma Federação não admite a hierarquização entre seus entes, ou seja, não é a União superior aos Estados, nem os Estados aos Municípios. Desta feita, a competência é, em regra, horizontal, significando dizer que não há uma relação de supremacia entre os entes da Federação, mas apenas atribuições diferentemente conferidas a cada um no Texto Constitucional.
Por isso que essas competências são distribuídas exclusivamente pela Constituição da República, sendo, posteriormente, detalhadas nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais. Assegura-se assim o Pacto Federativo.
Um dos aspectos de maior relevo, e que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal, e Municípios, em relação à União.
Por esta razão, inclusive, todos os entes da Federação obedecem aos princípios constitucionais delineados na Constituição Federal de 1988. Há uma simetria entre as normas gerais traçadas na Carta Republicana e as normas regionais e locais estabelecidas nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais.
Ao Chefe do Poder Executivo, por exercer funções de governo, compete o planejamento, a organização, a direção, o comando, a coordenação e o controle da administração pública, de tal forma que a lei municipal, de iniciativa parlamentar, não pode determinar como vai se a referida administração.
É inequívoco que a instituição da obrigação prevista na indigitada lei é ato adstrito à administração do município. E repita-se, administrar é função típica do Poder Executivo. Se para fazê-lo, lei se faz necessária, esta teria de se originar de projeto de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.
Assim é no âmbito da União, do Estado, do Distrito Federal e do Município, sendo defendida essa premissa pela doutrina majoritária, sendo necessário o respeito ao devido processo legislativo de cada ente. Conforme ensinamentos de Luís Roberto Barroso, “haverá inconstitucionalidade formal propriamente dita se determinada espécie normativa for produzida sem a observância do processo legislativo próprio” [20].
No mesmo sentido, o Professor Doutor Clèmerson Merlin Clève explica que a inconstitucionalidade formal a diferenciando da orgânica[21].
Portanto, é de se concluir que a Emenda à Lei Orgânica do Município de Guarulhos, n. º 043, de 31 de maio de 2016 é cristalino o vício de inconstitucionalidade formal, ao dispor sobre matéria sujeita a iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo.
A competência do Chefe do Poder Executivo foi usurpada pelo legislativo, que não pode interferir na autonomia do primeiro em relação à prática de atos de administração que se insere nas atribuições do Chefe do Poder Executivo.
Lembremos que somente o Prefeito, gestor da coisa pública, poderá atentar para as peculiaridades locais e as possibilidades de seu orçamento, pois conta com profissionais técnicos habilitados para a elaboração de estudos e todo um suporte a conferir-lhe uma visão geral sobre os anseios da Municipalidade e sua população.
Mas não é só. Há que se pensar ainda na questão dos recursos a serem destinados à execução e fiscalização da lei municipal, o que certamente depende de orçamento em cuja elaboração deverá ser objeto de dotação específica de competência privativa do Chefe do Poder Executivo.
Por não competir à Câmara Municipal a iniciativa de lei que regra matéria orçamentária, especialmente o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, a combatida Emenda à Lei Orgânica do Município de Guarulhos, n.º 043, de 31 de maio de 2016 legisla sobre matéria alheias à iniciativa legislativa.
Lembremos que estas matérias são de competência privativa indelegável do Chefe do Poder Executivo. Ao organizarem-se, portanto, Estados-Membros e Municípios estão obrigados a reproduzir em suas Leis Maiores o princípio da separação dos poderes, bem como, a efetivamente respeitá-lo no exercício de suas competências.
Na concretização deste princípio, a Constituição Federal previu matérias cuja iniciativa legislativa reservou expressamente ao Chefe do Poder Executivo (art. 84, II, por exemplo). A Constituição Estadual, por simetria, reproduziu esse regramento, no que era cabível. A eventual ofensa a este princípio pelo Poder Legislativo inquina o ato normativo de nulidade, por vício de inconstitucionalidade formal, em razão da indevida ingerência na esfera de competência exclusiva do Poder Executivo.
Portanto, a Lei Municipal impugnada, por tratar de matéria tipicamente administrativa, não poderia ter sido originada no Poder Legislativo, por constituir atribuição exclusiva do Chefe do Executivo. Com a invasão de competência, o ato normativo apresenta vício de inconstitucionalidade formal, por ofensa ao inciso II e XIV do artigo 47 da Constituição Paulista. É o juízo de conveniência e oportunidade deste que define o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo.
Ora, seguindo a simetria constitucional assegurada pelo art.144 da Constituição Estadual Bandeirante, assegura que a base legal para recair o limite de 1,2 %-CF/88, ora, 1% pontuado na Lei Orgânica do Município de Guarulhos devem recair sobre emendas parlamentares às receitas do Executivo, diferentemente do art.327, §9ª, alterado pela emenda 43 de 31 de maio de 2016 que recai sobre toda a programação orçamentária.
O que temos em questão é que os limites estabelecidos neste leading case se pautam em base de cálculo mais ampla, incluindo, os orçamentos da Administração Indireta, ocorrendo extrapolação do teto estabelecido de 1, 2% do art. 166, §9ª, da Constituição Federal vigente, devendo sair deste calculo os valores afetos a convênios com a União e Estados, já que nascem com destinação pré-definidas, não havendo discricionariedades sobre a sua modificação.
Percebe-se que a base de calculo externada nos dizeres do art. 327, §9ª da Leio Orgânica em questão fugiu claramente dos parâmetros centrais sedimentados na Constituição Federal, devendo ser considerada inconstitucional o dispositivo, por não seguir a legitima simetria exigida dentro do ordenamento, estampada no art.144 da Constituição Estadual Bandeirante.
Desta forma, foi extremamente grave o descompasso que a emenda 43 /2016 de inciativa parlamentar da Câmara Municipal de Guarulhos-SP trouxe a Lei Orgânica Municipal, por ter claramente inconstitucionalidades, o §8ª do art. 327 da Lei Orgânica, já que o 1% não reflete o real limite, uma vez que a base de calculo vicia a correta porcentagem estabelecida no máximo de 1,2 %[22].
Os limites estabelecidos acima, extrapolaram aqueles estampados em seu art.166 na Constituição Federal vigente, já erroneamente utiliza como artifícios conceitos que aumentam os valores de 1% em decorrência de maior valor de base de cálculo que contempla verbas destinadas de convênios.
Em caso semelhante, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já tinha afastado a interferência do Poder legislativo liminarmente na definição de atividades e das ações concretas a cargo da Administração Pública, ao vedar a ingerência deste Poder no Executivo[23], afastando-se autofiscalizações ilegais.
Em outro julgamento que merece ser esmiuçado pela alta semelhança do caso externado, asseverou-se no julgado na Comarca de Franca- SP, onde foi concedida a liminar, reputou-se relevantes os fundamentos jurídicos do pedido - suposta violação ao pacto federativo - presente, ainda, em concurso, o periculum in mora na medida em que a redação atual emprestada ao artigo 146-A da Lei Orgânica do Município de Franca pode implicar, à primeira vista, déficit orçamentário e aumento da dívida pública, agravando as finanças do Município, além de comprometer investimentos necessários em áreas essenciais como saúde e educação, caracterizada, portanto, a urgência de modo a justificar o deferimento parcial da liminar, com efeito ex nunc, nos termos do artigo 11, § 1º, da Lei nº 9.868/1999. Destarte, sem adentrar no mérito da controvérsia, tarefa reservada ao exame do C. Órgão Especial, tenho por solução mais razoável, em juízo de sumário, suspender a eficácia do artigo 146-A, caput, parágrafos e incisos, da Lei Orgânica do Município de Franca, com a redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 68/2016, além da Emenda à Lei Orgânica nº 66/2016, até o julgamento desta ação direta de inconstitucionalidade, reconhecida a impossibilidade de suspensão de emendas parlamentares impositivas (Lei Municipal nº 8.440/2016 - LDO 2017) porque não especificadas no pleito inaugural, como também de normas relacionadas à programação orçamentárias ainda não aprovadas pelo Legislativo local e, portanto, sem existência no mundo jurídico[24].
Todo esse entendimento apresentado acima foi consolidado na ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral do Município de Guarulhos junto ao Tribunal de Justiça[25] do Estado de São Paulo, confirmando a invasão de competência do Poder Legislativo na gestão do Poder Executivo, bem como a violação do principio da separação dos poderes, por fazer uma cogestão ilegal, bem como uma autofiscalização as margens da lei, sendo aceito todos os argumentos trazidos pela Procuradoria Geral do Município de Guarulhos sobre o orçamento impositivo que não cumpria as normas centrais da Constituição Federal trazidas pela Emenda 86/2015.[26].
IV) Conclusão
Diante o contexto, concluímos que o orçamento impositivo se tornou realidade no sistema normativo constitucional pela emenda nº 86/2015, sendo certo que os entes federativos, especialmente os Municípios para introduzir as emendas parlamentares individuais devem emendar as suas Leis Orgânicas Municipais, sempre observando as normas constitucionais de repetição obrigatória, ora normas centrais da Constituição Federal, sob incorrerem em nulidade que será combatida pela ação direta de inconstitucionalidade.
O texto da emenda nº 86/2015 não pode ser considerada como atividade ou exercício pelo Poder Legislativo de cogestão ou autofiscalização do seu próprio ato, eis que apenas realizam atos materiais sem caráter deliberativo.
Por outro lado, qualquer ato revestido de subterfúgios que contrarie a emenda nº 86/2015 inserida na Constituição Federal vigente pode ser considerado atos de cogestão e autofiscalização realizada pelo Poder Legislativo que devem ser compelidos por meios da ação direta de institucionalidade.
O desrespeito a simetria introduzida pela Constituição Federal ocorreu no caso concreto no Município de Guarulhos que não reservou os limites a saúde e criou regras de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, ocasionando tumulto na peça orçamentária.
Portanto, é imprescindível quando da introdução das normas afetas ao orçamento impositivo o respeito as regras constitucionais, justamente para mantermos a simetria com a Constituição Federal vigente e o respeito ao pacto federativo.
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