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AS LOJAS DEDICADAS AO MERCADO VAREJISTA NÃO PODEM, NA VENDA POR CREDIÁRIO, ESTIPULAR JUROS REMUNERATÓRIOS SUPERIORES A 1% AO MÊS

Agenda 02/05/2020 às 09:57

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DA COBRANÇA DE JUROS NAS DÍVIDAS JUNTO A LOJAS VAREJISTAS.

AS LOJAS DEDICADAS AO MERCADO VAREJISTA NÃO PODEM, NA VENDA POR CREDIÁRIO, ESTIPULAR JUROS REMUNERATÓRIOS SUPERIORES A 1% AO MÊS

Rogério Tadeu Romano

I - O FATO

Lojas dedicadas ao comércio varejista em geral não podem, na venda por crediário, estipular juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, ou 12% ao ano. Por não se equipararem a instituições financeiras e não estarem sujeitos à fiscalização e à regulação do Conselho Monetário Nacional (CMN), esses estabelecimentos devem respeitar o limite fixado pelo Código Civil nos artigos 406 e 591.

Com esse entendimento, a Terceira Turma, durante a primeira sessão por videoconferência da história do Superior Tribunal de Justiça (STJ), realizada terça-feira (28), negou provimento a um recurso das Lojas Cem e manteve decisão que considerou ilegal a cobrança de juros remuneratórios superiores a 1% ao mês nas vendas pelo crediário.

"Por não ser instituição financeira, a recorrente não se encontra submetida ao controle, à fiscalização e às políticas de concessão de crédito definidas pelo referido órgão superior do Sistema Financeiro Nacional [CMN] e não pode firmar contratos bancários, como o de financiamento, contratando juros pelas taxas médias de mercado", comentou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso.

O consumidor, que comprou uma câmera fotográfica em seis parcelas, questionou na Justiça a incidência de juros abusivos na operação. A sentença julgou a ação procedente, retirou do contrato a cobrança de juros capitalizados e limitou a taxa dos juros remuneratórios a 1% ao mês.

O acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (MG) manteve a sentença, destacando que empresas que não pertencem ao sistema financeiro, ao conceder financiamento aos consumidores, devem observar as regras da Lei de Usura (Decreto 22.626/1933) e do Código Civil ao estipular os juros remuneratórios.

A decisão se deu no julgamento do REsp 1.720.656.

II – JUROS

Entende-se por juros o que o credor pode exigir pelo fato de ter prestado ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar. Numa e noutra espécie, foi privado de valor, que deu, ou de valor, que teria de receber e não recebeu.

O crédito de juros nasce a determinado momento, periodicamente, como se viesse de quantia devida sem a diminuir. É, em função do tempo, pro rata temporis; e se veste enquanto subsiste, não a pretensão que nasce do crédito, mas o crédito mesmo, de modo que os créditos, a que falta u se encobriu a pretensão (a pretensão está prescrita), podem produzir juros que nascem sujeitos à sorte dos créditos de que emanam. A fluência ou acumulação dos juros independe da exigibilidade dos créditos.

Na correta lição de Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, tomo XXIV, Bookseller, pág. 46), os juros são, portanto, a prestação que enche o lugar ao que se tirou do patrimônio do credor, atendendo ao valor real do bem, posto que as fontes por vezes incluam os juros no valor real, e, outras, os contraponham a esse.

Os juros, ainda chamados de interesses, são remuneração em função da quantidade devida, prestável periodicamente, pelo uso do que se recebeu em dinheiro ou coisa fungível. Não só de dinheiro. Mas há de ter havido prestação de capital.

Os juros se inserem dentre as chamadas prestações acessórias.

Chamam-se juros as coisas fungíveis que o devedor paga ao credor pela utilização de coisas da mesma espécie a esse devidas. Pode, portanto, consistir em qualquer coisa fungível, embora frequentemente a palavra juro venha mais ligada ao débito em dinheiro, como acessório de uma obrigação principal pecuniária. Pressupõe uma obrigação de capital, de que o juro representa o respectivo rendimento, onde se distingue das chamadas cotas de amortização. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, volume II, 1976, pág. 110), na ideia do juro integram-se dois elementos: um que implica na remuneração pelo uso da coisa ou quantia pelo devedor e outro que é a de cobertura do risco que sofre o credor, como ensinou Serpa Lopes (Curso de Direito Civil, volume II, n. 44).

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Podem os juros ser convencionais ou legais, conforme a obrigação de pagá-los se origine de convenção ou da lei. No primeiro caso, juntamente com a obrigação principal ou subsequente, as partes constituem a obrigação relativa aos juros, acompanhando a outra até a sua extinção. No segundo, é a lei que impõe a obrigação acessória quanto a eles, como, por exemplo, o ressarcimento das perdas e danos nas obrigações em dinheiro.

Podem os juros ser moratórios ou compensatórios. Os primeiros são devidos como pena imposta ao devedor em atraso com o cumprimento da obrigação. Normalmente, a referência aos juros de mora vem ligada aos que se devem ex vi legis; mas não é exato confundirem-se o juro legal com o de mora, pois nada impede e ao contrário a prática dos negócios o confirma, sejam contratados ou convencionados juros moratórios, como, por outra parte, a lei prevê ainda a existência de juros legais compensatórios. Os juros são compensatórios quando se pagam com compensação pelo fato do credor estar privado da utilização de seu capital. Comumente são convencionais. Mas a lei prevê alguns casos em que são devidos juros compensatórios independente de ajuste prévio.

A prestação de juros é acessória, pois que é adjeta a uma principal. Mas a sua natureza acessória persiste mesmo quando se houver uma exigibilidade autônoma. O juro, uma vez vencido, pode constituir um débito exigível à parte do principal. Mas é sempre acessório.

Antecipo a discussão sobre o limite dos juros convencionais.

Disciplinou-se, assim, o limite aos juros convencionais previstos no art. 1.062 do CC de 1916, apontando a possibilidade de sua estipulação no dobro do valor dos juros legais, limitando-os em 12% ao ano.

No artigo  do Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, foi dito: “É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em qualquer contratos, taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal’”(Código Civil, artigo 1.062).

A proibição abrangia qualquer disposição de vontade e não só os juros legais.

O Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, artigo , permitiu taxas até o dobro da taxa legal (Código Civil, artigo 406), não superiores ao limite traçado na Constituição de 1988, artigo 192, parágrafo terceiro, isto é, 12|%. Porque: até 12% os juros são estimuláveis: em caso de mora, os juros estipulados (Decreto nº 22.626, artigo , onde se lê o verbo “contratados”) podem ser elevados de 1% e não mais.

A cláusula admitida no artigo  do Decreto nº 22.626 permite e somente permite a elevação de 1% sobre os juros estipulados em caso de mora.

Veja-se o que disse o Decreto nº 22.626:

“Art. 4º E' proíbido contar juros dos juros: esta proíbição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidos em conta corrente de ano a ano.

Foi ali dito ainda:

Art. 5º Admite-se que pela móra dos juros contratados estes sejam elevados de 1 % e não mais.

Art. 6º Tratando-se de operações a prazo superior a (6) seis mêses, quando os juros ajustados forem pagos por antecipação, o cálculo deve ser feito de modo que a importancia desses juros não exceda á que produziria a importancia liquida da operação no prazo convencionado, ás taxas maximas que esta lei permite.

Art. 7º O devedor poderá sempre liquidar ou amortizar a divida quando hipotecaria ou pignoraticia antes do vencimento, sem sofrer imposição de multa, gravame ou encargo de qualquer natureza por motivo dessa antecipação.

§ 1º O credor poderá exigir que a amortização não seja inferior a 25 % do valor inicial da divida.

§ 2º Em caso de amortização os juros só serão devidos sobre o saldo devedor.

Art. 8º As multas ou clausulas penais, quando convencionadas, reputam-se estabelecidas para atender a despesas judiciais e honorários de advogados, e não poderão ser exigidas quando não fôr intentada ação judicial para cobrança da respectiva obrigação.

Art. 9º Não é valida a clausula penal superior á importância de 10 % do valor da divida.

Art. 10. As dividas a que se refere o art. 1º, § 1º, in-fine, a 2º, se existentes ao tempo da publicação desta lei, quando efetivamente cobertas, poderão ser pagas em (10) dez prestações anuais iguais e cotinuadas, si assim entender o devedor.

Parágrafo único. A falta de pagamento de uma prestação, decorrido um ano da publicação desta lei, determina o vencimento da divida e dá ao credor o direito de excussão.

Art. 11. O contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito, ficando assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a mais.”

novo Código Civil (Lei 10.406/2002), para manter coerência com a disciplina constitucional antecedente e considerando a reticência do Congresso Nacional quanto à regulamentação do art. 192, § 3º, adotou, como opção alternativa, os juros aplicados à mora dos pagamentos devidos à Fazenda Nacional, nos seguintes termos:

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Não obstante, quando editado o Decreto 5.003/2001, ainda não estava em vigor o novo Código Civil, prevalecendo as disposições legais que o precederam. À época, tinham-se os juros legais, que não poderiam ultrapassar 6% ao ano, e os juros convencionais, que se limitavam a 12% ao ano, a teor do art. 1.062 do CC/1916 e do Decreto 22.626/33.

O Decreto-lei nº 182, de 5 de janeiro de 1938, estabeleceu que a estipulação de juros para qualquer negócio fosse superior ao limite de 12%.

Proibiu ainda aquele Decreto-lei a prática do anatocismo, já vedada pelo artigo 253 do Código Comercial de 1850, em que não compreendeu o acúmulo de juros vencidos aos saldos apurados anualmente em conta corrente.

Vedou-se ainda a estipulação de multa superior a 10% do valor da dívida e a reputou estabelecida para atender às despesas judiciais e aos honorários de advogado somente exigível em ação judicial.

O direito brasileiro classificou como crime de usura qualquer manobra tendente a ocultar a verdadeira taxa de juro e fraudar a lei, sujeitando o agente à pena de prisão e multa. Mais tarde, com o Decreto – lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, a usura pecuniária foi definida como crime contra a economia popular.

III – OS LIMITES NA COBRANÇA DOS JUROS

Segundo a lição de Judith Martins- Costa, existem três principais campos normativos acerca da cobrança de juros remuneratórios, organizados esquematicamente nos seguintes âmbitos de atuação: a) o primeiro, no qual ocorrem as relações obrigacionais firmadas com instituições financeiras, isto é, em que ao menos uma das partes seja integrante do Sistema Financeiro Nacional; b) o segundo, marcado pelo desenvolvimento de atividades de alta densidade social, como os créditos rurais, industriais, comerciais ou de finalidade habitacional; e c) o terceiro, residual, que abarca as situações não alcançadas pelos campos precedentes, e cujas relações são regidas pelas disposições gerais do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor (MARTINS-COSTA, Judith. O regime dos juros no novo direito privado brasileiro. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 34. n. 105, p. 237-264, mar. 2007).A distinção entre esses três campos normativos é, de fato, a sujeição à norma geral do Código Civil ou a regência por uma legislação específica.

Tem-se do julgamento apontado;

a) A cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites estabelecidos pelo Código Civil de 2002 é excepcional e deve ser interpretada restritivamente

b) Apenas às instituições financeiras, submetidas à regulação, controle e fiscalização do Conselho Monetário Nacional, é permitido cobrar juros acima do teto legal. Súmula 596/STF e precedente da 2ª Seção.

O Supremo Tribunal Federal, de há muito, entendeu que a chamada Lei de Usura vedava a cobrança de juros acima da taxa legal, inclusive comissões. Com o advento da Lei de Reforma Bancária (Lei nº 4.595/65) o Conselho Monetário Nacional foi incumbido de formular a política de moeda e crédito, bem como limitar as taxas de juros, comissões e outras formas de remuneração. Assim, o Decreto nº 22.626(Lei de usura) foi revogado quanto às operações com as instituições de crédito sob o controle do Conselho Monetário Nacional. Se houver excesso nos limites fixados, configura-se o crime de usura (RHC nº 55.624 – RTJ 83/772; RTJ 104/840; 109/326.

Por sinal, entendeu o STF que a Súmula 596 não afastava a aplicação da Súmula nº 121 (RE nº 100.336 – Relator ministro Néri da Silveira – DJ 24 de maio de 1985).

Sendo assim a cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites estabelecidos pelo Código Civil de 2002 é excepcional e deve ser interpretada restritivamente, cabendo, nessa senda, avaliar se a relação jurídica se encontra submetida a uma legislação especial ou à regra geral do Código Civil. Dessa forma, excetuadas apenas as situações submetidas às leis específicas do crédito rural, habitacional, industrial e comercial, somente as relações jurídicas constituídas no primeiro campo, por serem regidas pela Lei 4.595/64, não se sujeitam aos limites da taxa de juros moratórios e remuneratórios inscritos no atual Código Civil, conforme entendimento consolidado na Súmula 596/STF.

De outro modo, a previsão do art. 2º da Lei 6.463/77 faz referência a um sistema obsoleto, ultrapassado, em que a aquisição de mercadorias a prestação pelos consumidores dependia da atuação do varejista no papel de instituição financeira e no qual o controle dos juros estava sujeito ao escrutínio dos próprios consumidores e à fiscalização do Ministério da Fazenda.

O art. 2º da Lei 6.463/77 não mais encontra, portanto, suporte fático apto à constituição de um fato jurídico, sendo, assim, ineficaz, haja visa que, desde então, como hodiernamente, a atividade de concessão de crédito mediante financiamento é regulamentada e fiscalizada pelos órgãos do Conselho Monetário Nacional e exercida unicamente por instituições financeiras.

Ademais, a jurisprudência desta 3ª Turma já salientou que, como a Lei 6.463/77 é “norma[...] de ordem pública e não deve[...] ser interpretada[...] extensivamente”, não se permite a equiparação dos varejistas às instituições financeiras e, por conseguinte, não lhes autoriza a cobrança de encargos cuja exigibilidade a elas é restrita (REsp 707.647/SP, Terceira Turma, DJ 27/11/2006). Dessa forma, a Lei 6.463/77 não é capaz de ensejar cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites de 1% ao mês ou 12% ao ano nos contratos de compra e venda de mercadorias à prestação, eis que a possibilidade de pactuação pelas taxas médias de mercado é limitada às instituições financeiras, submetidas ao controle e fiscalização do CMN.

Dessa forma, entende-se dentro da orientação firmada pelo STJ, no acórdão referenciado que por não ser instituição financeira, a recorrente não se encontra submetida ao controle, fiscalização e às políticas de concessão de crédito definidas pelo referido órgão superior do Sistema Financeiro Nacional e não pode firmar contratos bancários, como o de financiamento, contratando juros pelas taxas médias de mercado.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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