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O interrogado responde pelo crime de denunciação caluniosa?

Agenda 03/05/2020 às 08:20

Poderá o interrogado cometer crime de denunciação caluniosa?

1. O CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA 

Determina o artigo 339 do Código Penal:

ARTIGO 339 CP: "Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:" Pena: Reclusão, de 2 a 8 anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

O crime de denunciação caluniosa é delito contra a Administração da Justiça, previsto no artigo 339 do Código Penal, crime de ação penal pública incondicionada.

A ação indicada é dar causa, que tem a significação de provocar, de motivar, originar.

Ensinou Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado, 8ª edição, pág. 1124) que se trata de um crime complexo em sentido amplo, constituído, em regra, de calúnia e da conduta lícita de levar ao conhecimento da autoridade pública, delegado, promotor, juiz, a prática de um crime e sua autoria. Portanto, se o agente imputa falsamente a alguém a prática de um fato definido como crime, comete o delito de calúnia. Se transmite à autoridade o conhecimento de um fato criminoso e do seu autor, pratica conduta definida no artigo 5º, § 3º, do Código de processo penal. Entretanto, a junção das duas situações (calúnia + comunicação à autoridade) faz nascer o delito de denunciação caluniosa, de ação pública incondicionada, porque está em jogo o interesse do Estado na administração da justiça.

Como dito, a denunciação caluniosa é crime complexo, pois tem como elemento constitutivo o crime de calúnia. Se não for oferecida denúncia pela denunciação caluniosa, pode o ofendido oferecer queixa pela calúnia (Fragoso, Jurisprudência Criminal, nº 279). No caso em que o ofendido vier a ser o presidente da República, o caso não é de queixa, mas de ação penal pública condicionada a representação pelo ministro da justiça.

Qualquer pessoa pode cometer esse crime. Paulo José da Costa (Curso completo, pág. 732) disse que, em se tratando de crime de ação penal privada ou de ação pública condicionada, o sujeito ativo é comumente o titular da queixa ou da representação.

Por certo, a denunciação caluniosa aproxima-se do crime de calúnia, onde se tem, como ponto comum, a falsa imputação a terceiro de fato delituoso. Mas não se trata apenas de ofensa à honra, pois, como já registrado, a ação delituosa atinge interesse da justiça, isso porque o mecanismo repressivo da justiça é posto em funcionamento de forma inútil, para servir a fins subalternos.

A investigação policial envolve o inquérito criminal onde o autor dá causa a investigação contra alguém. É preciso dizer que a simples instauração de investigação sem o inquérito, é irrelevante penal. Instaurando-se o inquérito, mas sem indiciamento, há uma tentativa. Havendo o indiciamento consuma-se a infração penal. No entanto, para Nelson Hungria (Comentários ao código penal, volume IX, pág. 461), Rui Stocco (Código penal e sua interpretação jurisprudencial), dentre outros, é suficiente a existência de qualquer ato investigatório, mesmo sem a formal configuração do delito. É certo que Heleno Fragoso (Lições de direito penal, volume II, 5ª edição, pág. 504) entendia que a tentativa é admissível perante a lei penal (o agente comunica o fato à autoridade policial, que não toma qualquer iniciativa, pela oportuna demonstração da inocência do acusado). Já para o Código Penal da Itália, os autores se pronunciam, em sentido geral, contra a admissibilidade da tentativa. Alguns poderiam entender que se trata de aplicação do princípio da insignificância.

O processo judicial pode ser criminal ou civil (Lei 10.028/2000).

Para Nelson Hungria (Comentários ao código penal, 5ª edição, volume IX, pág. 459),

"ocorre a denunciação caluniosa não só quando é atribuída infração penal verdadeira a quem dela não participou, como quando se atribui a alguém a infração penal inexistente. Nesta última hipótese, inclui-se a falsa imputação de infração mais grave do que a realmente praticada, afirmando-se as circunstâncias não ocorrentes (ex: acusar de roubo a quem se limitou a pratica de furto, ou de extorsão a quem não passou do crime de ameaça)”.

Por certo, a denunciação caluniosa aproxima-se do crime de calúnia, onde se tem, como ponto comum, a falsa imputação a terceiro de fato delituoso. Mas não se trata apenas de ofensa à honra, pois, como já registrado, a ação delituosa atinge interesse da justiça, isso porque o mecanismo repressivo da justiça é posto em funcionamento de forma inútil, para servir a fins subalternos.

Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, volume II, 5ª edição, pág. 504), a consumação do crime dá-se, pois, com a instauração de inquérito ou com a propositura de ação penal contra a vítima. Evidentemente se chegou a ser aberto inquérito, somente após o seu arquivamento será possível qualquer iniciativa no sentido do processo por denunciação caluniosa. Se houver ação penal, somente após o seu término, com a absolvição irrecorrível do acusado, que, por si só, não será decisiva para estabelecer a culpabilidade do denunciante, já que a absolvição pode não corresponder a uma declaração de inocência.

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2. A DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA E O INTERROGATÓRIO 

Vem a pergunta: Poderá o interrogado cometer crime de denunciação caluniosa?

Já se entendeu que não comete crime de denunciação caluniosa quem, em interrogatório, atribui falsamente a outrem a autoria ou a coparticipação, justificando-se a exclusão pelo direito de autodefesa (RT 504/337, 550/357, 575/342, dentre outros).

Adverte Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 543) que se a denunciação caluniosa verificar-se durante o interrogatório, poder-se-á falar em calúnia, jamais em denunciação caluniosa, lembrando Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, volume II, pág. 460).

Maluly (Denunciação caluniosa, pág. 62) defende a tese de que o réu não comete jamais, crime de denunciação caluniosa em seu interrogatório, pois tem ânimo de se defender, acima de tudo.

Mas, entenda-se: no exercício de sua autodefesa e para não incidir na auto-acusação, pode o acusado dizer o que bem entende, inclusive mentir. Se pode e deve defender-se com amplidão, é natural que o direito de faltar com a verdade esteja presente. Tanto assim que ele pode até incriminar outra pessoa para salvar-se, sem que seja punido, como acentuou Guilherme de Souza Nucci (O valor da confissão como meio de prova no processo penal, pág. 86). Igualmente, Nelson Hungria (Comentários ao código penal, volume IX, pág. 463).

Entretanto, Guilherme de Souza Nucci (Comentários ao código penal, 8ª edição, pág. 1129) não descarta complemente, a possibilidade de o indiciado ou réu, pretendendo vingar-se de terceiro, utilizar o inquérito, em que já está indiciado, ou o processo que lhe foi instaurado para delatar, maldosamente, alguém. A delação, segundo ensinou Guilherme de Souza Nucci (obra citada), é a admissão por alguém da prática do fato criminoso do qual está sendo acusado, envolvendo outra pessoa e atribuindo-lhe algum tipo de conduta delituosa, referente à mesma imputação. Não se trata, simplesmente, de acusar outrem pela prática de um delito, buscando livrar-se da imputação, pois isso é puro testemunho. A delação, que vem sendo admitida como meio de prova pelos tribunais pátrios, implica na assunção da autoria pelo delator (O valor da confissão como meio de prova no processos penal, pág. 213 e 214). Por isso, segundo Nucci, para ser assim considerada, é indispensável que o autor de um crime admita a autoria e indique terceiro. Disse ainda Nucci que essa prova pode ser suficiente para uma condenação, razão pela qual atenta diretamente contra a Administração da Justiça. O indiciado ou réu não precisa assumir o crime, indicando outra pessoa para também responder pelo fato, como estratégia de defesa. Estaria configurado o dolo direto e o elemento subjetivo especifico. Sua intenção não seria defender-se, mas prejudicar outrem, razão pela qual responderia por crime de denunciação caluniosa. O dolo eventual não basta. É necessário que o agente saiba, sem qualquer dúvida, que a acusação é falsa, agindo, assim, de má fé, que não se exclui pela forma dubitativa da denúncia. Há de existir uma vontade consciente dirigida à provocação de investigação policial contra alguém, atribuindo-lhe crime de que sabe inocente. O crime não poderá ser praticado por omissão. De nenhum efeito será a retratação do agente após a instauração do inquérito, em virtude da imputação caluniosa, pois ocorre após a consumação do crime.


3. A QUESTÃO DO TÉRMINO DA INVESTIGAÇÃO OU AÇÃO PENAL 

Discute-se quanto ao término da investigação ou ação penal.

A doutrina tem considerado imprescindível, para que se julgue corretamente o crime de denunciação caluniosa, o aguardo da finalização da investigação instaurada para apurar a infração penal imputada, bem como a ação civil ou pena cuja finalidade é a mesma.

Nelson Hungria (Comentários ao código penal, volume IX, pág. 465 a 466) ensinou que “conforme pacífica doutrina e jurisprudência, a decisão final no processo contra o denunciante deve aguardar o prévio reconhecimento judicial da inocência do denunciado, quando instaurado procedimento contra ele". No mesmo sentido, tem-se a lição de Paulo José da Costa Júnior (Direito Penal, curso completo, pág. 734).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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