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A confissão qualificada e seus desdobramentos na legislação brasileira

O presente artigo tem por finalidade tratar do instituto jurídico da confissão qualificada e de suas consequências para o direito penal e processual penal.

            O presente artigo tem por finalidade tratar do instituto jurídico da confissão qualificada e de suas consequências para o direito penal e processual penal.

            Confessar, para De Plácido e Silva, provem do latim “confessio, de confiteri”, possuindo nos termos jurídicos o “sentido de declaração da verdade feita por quem a pode fazer”[1].

            Sob o aspecto jurídico penal, confessar “é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso”[2].

            A previsão legal do instituto está consubstanciada no art. 65, III, “d”, do Código Penal: “São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) III) ter o agente: (...) d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime.

            Assim, é possível extrair quais são os requisitos necessários e simultâneos para que o juiz reconheça o instituto da confissão ao réu e atenue a sua pena: 1) que a confissão seja espontânea acerca da autoria do crime e; 2) que seja feita perante a autoridade.

            Alguns doutrinadores fazem uma diferenciação entre ato espontâneo e ato voluntário. O professor Guilherme Nucci, por exemplo, leciona que “a confissão, para valer como meio de prova, precisa ser voluntária, ou seja, livremente praticada, sem qualquer coação. Entretanto, para servir de atenuante, deve ser ainda espontânea, vale dizer, sinceramente desejada, de acordo com o íntimo do agente. Não nos parece possível que o réu se beneficie de uma circunstância legal para amenizar sua pena se houver agido sem qualquer espontaneidade, apenas para locupletar-se desse benefício legal[3].

            Há posicionamento doutrinário, no entanto, que defende ter a atenuante genérica da confissão caráter meramente objetivo, não se exigindo motivação específica do acusado – ou qualquer outro requisito subjetivo – para a caracterização: “particularmente, seguindo a dicção legal, pensamos que a espontaneidade é uma característica que deve assumir a declaração do agente sobre a autoria do fato praticado, ou seja, livre de desembaraços. Torna-se indiferente, assim, que a confissão se tenha operado apenas para buscar o benefício da redução, mesmo quando a autoria já estava esclarecida. O agente faz uso de um favor legal a ele previsto. Veja-se que, enquanto o constituinte reservou ao agente o direito ao silêncio, o legislador comum garantiu um benefício (em caso de futura condenação) em troca de confissão da autoria do fato criminoso. Não há nenhuma razão para negá-lo”[4].

            A jurisprudência dos Tribunais Superiores já se firmou no sentido de que “a confissão espontânea, ainda que parcial, é circunstância que sempre atenua a pena, ex vi do art. 65, III, d, do CP, o qual não faz qualquer ressalva no tocante à maneira como o agente a pronunciou” (STF, HC n. 82.337/RJ, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 4/4/2003). No STJ, por exemplo, o HC n. 171.064/SP, Rel. Celso Limongi. DJ de 15.06.2011.

            Conclui-se, portanto, que a confissão espontânea é considerada um serviço à justiça, uma vez que simplifica a instrução criminal e confere ao julgador a certeza moral de uma condenação justa[5].

            Na mesma linha de raciocínio, René Ariel Dotti entende tratar-se, pois, “de regra de política processual para facilitar a apuração da autoria e prevenir a eventualidade do erro judiciário”[6].

            Considerando os fundamentos do instituto da atenuante genérica expostos acima pelos professores Fernando Capez e René Ariel Dotti, ingressamos agora na análise do principal tema do presente estudo que é a denominada confissão qualificada.

            Acerca das espécies de confissão, o professor Rogério Sanches Cunha assevera que a confissão simples se dá quando o acusado assume a prática dos fatos que lhe são atribuídos, podendo ser total (narrando o agente o crime com todas as suas circunstâncias) ou parcial (caso em que não admite, por exemplo, qualificadoras ou causas de aumento). Já na confissão qualificada, o réu admite a autoria do evento, mas alega fato impeditivo ou modificativo do direito (como a presença de uma excludente de ilicitude ou culpabilidade)[7].

            Apresentado o conceito da confissão qualificada, o próximo passo é avaliar se haverá a incidência, ou não, da atenuante quando, embora reconhecida a autoria do fato típico criminoso, o acusado agrega tese defensiva de exclusão de ilicitude ou de isenção de pena.

            A doutrina se divide nesse aspecto:

            Para o professor Paulo Queiroz deve-se reconhecer a atenuação da pena em favor do agente mesmo nas hipóteses de não recepção da excludente ou da causa de isenção de pena[8].

            No mesmo sentido, Delmanto, citando Luiz Carlos Betanho, sustenta que ‘confessar a autoria não é o mesmo que confessar o crime; para a atenuante basta a confissão da autoria e não impede sua aplicação o fato de o réu ter negado parte da imputação ou invocado excludente de ilicitude’ (RT 683/281). Acreditamos que assiste razão a esse autor[9].

            Em sentido contrário, tem-se o posicionamento de Guilherme Nucci, que descarta a redução, sob o argumento de que “não se deve aceitar a atenuante da confissão espontânea se for realizada a admissão da culpa apenas com o intuito de obter o reconhecimento de alguma excludente de ilicitude ou culpabilidade (confissão qualificada). Se o agente, por exemplo, admite ter matado a vítima, mas em legítima defesa, há duas hipóteses viáveis: a) realmente agiu em legítima defesa, sendo, portanto, absolvido; b) comprova-se ser falsa sua alegação, sendo ele condenado, sem qualquer atenuante, pois não narrou a verdade dos fatos, demonstrando insinceridade. Noutros termos, “confessar” um fato típico, mas lícito, não é admitir culpa, pois não é crime. Confissão implica assumir a prática de um delito”[10].

            Na mesma ótica de Nucci, Fernando Capez defende que “a confissão qualificada, em que o acusado admite a autoria, mas alega ter agido acobertado por causa excludente da ilicitude (confessa ter matado em legítima defesa) não atenua a pena, já que, neste caso, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação da autoria, tampouco concordando com a pretensão acusatória, mas agindo no exercício de direito de autodefesa[11].

            No âmbito dos Tribunais Superiores, percebe-se uma mudança de entendimento no STJ, que passou a entender aplicável a atenuante nas hipóteses em que se caracteriza a denominada confissão qualificada. Vejamos um julgado proferido no ano de 2011:

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“Quanto ao reconhecimento da confissão espontânea, verifica-se que os agentes, em momento algum, confessam a prática do delito em tela. Há apenas a confirmação de fato amplamente comprovado por prova documental, qual seja, o fato de que o dinheiro foi transferido para suas contas. Entretanto, insistem na tese defensiva de que o dinheiro foi repassado de forma lícita, para cobrir despesas do Município. Assim, tratando-se de confissão qualificada não há que se aplicar a atenuante prevista no art. 65, III, d, do CPB. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL. HOMICÍDIO TENTADO. RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE. CONFISSÃO QUALIFICADA. ORDEM DENEGADA.

1. A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal. De qualquer forma, a versão dos fatos apresentados pelo ora Paciente sequer foram utilizados para embasar a sua condenação, uma vez que restou refutada pela prova oral colhida no processo. 2. In casu, o Paciente confessou ter atirado contra os policiais para se defender, negando, assim, o animus necandi. 3. Ordem denegada (HC 129.278/RS, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe 25.02.2009)”.[12]

            Em sentido diverso do exposto acima, demonstrando uma mudança de entendimento do Tribunal da Cidadania, temos o seguinte julgado proferido no ano de 2014:

“Com efeito, o entendimento prevalente atualmente no âmbito do STJ é no sentido de que mesmo nas hipóteses de confissão qualificada a atenuante citada deve incidir, quando efetivamente utilizada como elemento de convicção. A propósito, veja-se:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS NORECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL EVIOLAÇÃO AO ART. 65, III, "D", DO CP. CONFISSÃOQUALIFICADA. ALEGAÇÃO DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE.RECONHECIMENTO DA ATENUANTE. ACÓRDÃO EMCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.SÚMULA 83/STJ. AGRAVOS REGIMENTAIS A QUE SE NEGAPROVIMENTO.1. É firme o entendimento desta Corte Superior de Justiça no sentido de que a confissão qualificada, isto é, aquela na qual o agente agrega teses defensivas discriminantes ou exculpantes, enseja a aplicação da atenuante prevista na alínea "d" do inciso III do artigo 65 do Código Penal. Incidência do enunciado 83 da Súmula deste STJ.2. Agravos regimentais a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1416247/GO, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSISMOURA, SEXTA TURMA, julgado em 6/5/2014, DJe 15/5/2014). Destacou-se

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIMESCONTRA A PESSOA. HOMICÍDIO DOLOSO TENTADO.CONFISSÃO QUALIFICADA. INCIDÊNCIA DA ATENUANTEPREVISTA NO ART. 65, III, DO CÓDIGO PENAL. POSSIBILIDADE.RECENTE POSICIONAMENTO DO STJ. AGRAVO REGIMENTALNÃO PROVIDO.1. Recente jurisprudência desta Corte passou a adotar oposicionamento no sentido de que, mesmo ficando configuradaa confissão na modalidade qualificada, é cabível oreconhecimento da incidência da atenuante da confissão prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal.2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp1384067/SE, Rel. Min. MOURA RIBEIRO, QUINTATURMA, julgado em 6/2/2014, DJe 12/2/2014).”[13]. Destacou-se.

            Com fundamento nessa mudança de entendimento, no dia 14 de outubro de 2015, o STJ, por meio de sua 3ª Seção, aprovou o enunciado de Súmula n. 545, com a seguinte redação: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal”.

           Nos termos da jurisprudência atual do STJ, portanto, se a confissão do réu, ainda que parcial ou qualificada, for utilizada pelo magistrado para fundamentar a condenação, deve incidir a respectiva atenuante[14].

            Assim, para o STJ, se a confissão do agente é utilizada como fundamento para embasar a conclusão condenatória, a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser aplicada em seu favor, pouco importando se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial.

            No entanto, este não é o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para o Ministro Luiz Fux, a confissão qualificada não é suficiente para justificar a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal:

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL.COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARAJULGAR HABEAS CORPUS: CF, ART. 102, I, D E I. ROL TAXATIVO.HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ART. 121, § 2°, I E IV, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DA PENA. ATENUANTE DACONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO INCIDÊNCIA. TESE DAEXCLUSÃO DE ILICITUDE. CONFISSÃO QUALIFICADA. DECISÃOPLENAMENTE FUNDAMENTADA. ORDEM DE HABEAS CORPUSEXTINTA POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.1. A confissão qualificada não é suficiente para justificar a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (Precedentes: HC 74.148/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 17/12/1996 e HC103.172/MT, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 24/09/2013).2. In casu: a) O paciente foi condenado à pena de 16 (dezesseis) anos de reclusão em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e utilizando recurso que impossibilitou a defesa da vítima, em razão de ter efetuado disparos de arma de fogo contra a vítima, provocando-lhe lesões que deram causa à sua morte. b) Conforme destacou a Procuradoria Geral da República, “consoante se depreende da sentença condenatória, a atenuante da confissão não foi reconhecida porque ‘o réu admitiu a autoria apenas para trazer sua tese de exclusão de ilicitude’. Por sua vez, o Tribunal de Justiça ressaltou que ‘não houve(...) iniciativa do apelante em confessar o delito’, sendo assim, não há como falarem constrangimento ilegal manifesto”.3. A aplicação da atenuante da confissão espontânea prevista no art.65, III, “d”, do Código Penal não incide quando o agente reconhece sua participação no fato, contudo, alega tese de exclusão da ilicitude.4. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, taxativamente, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição Federal, sendo certo que a presente impetração não está arrolada em nenhuma das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. Inexiste, no caso, excepcionalidade que justifique a concessão, ex officio, da ordem.5. Ordem extinta por inadequação da via processual.[15] – Destacou-se.

            De acordo com o julgado do STF, a atenuante genérica da confissão espontânea encontra justificativa no “interesse de política processual em facilitar a apuração do ilícito através da confissão que é um dos elementos decisivos de prova, uma vez obedecido o princípio do devido processo legal.” Tem “como objetivo colaborar com o Judiciário na elucidação da verdade real” (HC 101.861, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe de 09/05/2011).

           Do mesmo modo, defendemos a tese de que a confissão somente pode ser reconhecida quando é produzida em harmonia com os fatos e evidencia uma atitude ativa do réu em contribuir com o sistema de Justiça na elucidação do crime e de suas circunstâncias.

            Para a caracterização da referida circunstância atenuante, mister que o acusado confirme a materialização de toda a estrutura típica que informa o injusto penal, transmitindo, assim, um conforto moral ao Órgão responsável pela jurisdição no momento de proferir o julgamento.

            Não é plausível imaginarmos que o acusado, prevendo uma condenação iminente diante dos fatos que lhe foram apresentados pelo Estado-Juiz, se utilize de argumentos falsos para isentar-se de sua responsabilidade penal e seja, em seguida, condenado e beneficiado por uma circunstância atenuante que lhe proporcionará uma redução da pena.

            Revelam-se esclarecedoras as palavras do professor Edilson Mougenot Bonfim ao defender que “colocada a questão em moldes práticos, a técnica dos delinquentes, para a persuasão dos juízes de sua falsa inocência, é a utilização de fatos verdadeiros (como periferia, circunstantes de um ponto central), embutindo-se, na essência, fatos mentirosos. É o que costumamos chamar de excerto da mentira: a verdade por fora, a mentira, por recheio... Ou, por analogia com uma explicação de Altavilla, trata-se da utilização da “verdade-meio” para a obtenção da “mentira-fim”.[16]

            Assim, não nos parece razoável que a norma da confissão seja aplicada indistintamente, de forma ampla, pouco importando se a admissão da prática do ilícito foi recheada por mentiras periféricas capazes de influenciar negativamente na convicção do julgador, a ponto de causar descrédito para o sistema de justiça.

            A solução, pois, nos parece ser o meio-termo. “Ou, como diria Aristóteles, virtum in medium est (a virtude está no meio). E como achar um ponto médio que concilie um pouco das duas extremadas concepções? O equilíbrio é alcançado entendendo-se que o texto é um ponto de partida, pois fornece o mínimo para uma interpretação que não estaria, ao fim e ao cabo, absolutamente limitada por ele. Não se pode descartar o texto, pelo contrário, mas também não se pode elevá-lo para um patamar absoluto.”[17]  

            Não podemos, portanto, aplicar a norma da confissão de modo amplo, sem qualquer critério, reconhecendo-a para o réu quando ele sustenta em sua defesa argumento com nítida intenção de obter o reconhecimento de alguma excludente de ilicitude ou culpabilidade, e não de apresentar os fatos da forma como eles ocorreram.

            E seguindo nesse raciocínio, o instituto da confissão qualificada, observa-se, assume maior relevância perante os crimes de competência do Tribunal do Júri, vez que, como é sabido, a Carta Republicana de 1988 conferiu o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, portanto, a proteção ao bem jurídico que é “pressuposto fundante de todos os direitos fundamentais[18]”, ao Conselho de Sentença, que irá exarar decisão a partir da íntima convicção de seus jurados.

            Durante a sessão de julgamento no plenário do Júri, não há dúvida de que a confissão simples do acusado, aquela cristalina e despida do intento de ludibriar os jurados, importará grande contribuição à Justiça, na medida em que auxiliará na compreensão dos fatos acontecidos, trazendo, por exemplo, as circunstâncias e detalhes de como o crime fora praticado, de modo a sustentar decisão com fulcro em elementos concretos.

            Contudo, no mais das vezes, o que se observa perante o Júri é a confissão qualificada, realizada pelo acusado que, quando já se sabe sua autoria, reconhece a prática delitiva, a par de aduzir ter agido sob o manto de causa excludente de ilicitude ou da culpabilidade, buscando que os jurados realizem uma injusta absolvição ou reconheçam uma circunstância que gere uma inadequada redução de pena.

            É certo que, quando o réu admite a autoria apenas para alegar teses defensivas descriminantes ou exculpantes, sua conduta pouco contribui para o esclarecimento dos fatos, incutindo com sua insinceridade dúvida na formação da convicção dos jurados, os quais terão um caminho maior para percorrer até se chegar à verdade que deve prevalecer no veredicto, o que enseja maior risco de erro no julgamento.

            Aliás, Edilson Mougenot Bonfim bem evidencia que “no caso, por exemplo, de uma confissão falsa, o que existe, olhando-se a distância, é emolduradamente uma confissão veraz. Mas de conteúdo adulterado ou contrafeito, que se não for decomposto e analisado o quadro – separando-se o verdadeiro do artificial –, o maior embuste, a maior lorota embutida nesse simulacro de confissão, passará por verdade, driblando a análise açodada e ensejando as mais escandalosas absolvições. É o famoso “parece mas não é”; o reluzir de falso ouro.”[19]

            Como sustenta o renomado tribuno, raramente se observa em plenário a confissão honoris causa, em que o acusado confirma a acusação. Por outra via, em expressiva maioria, acusados confessam ínfimos pecados a pretexto de reforçar a sua tese, narrando “que estavam embriagados a não mais poder, ou que estavam na casa da amante, quando do crime...mas quanto ao fato criminoso, a “inocência” oferecida é inverídica, embutida pela segura técnica objeto de suas elucubrações[20]."

            Nessa linha de raciocínio, portanto, analisando as lições acima trazidas, entendemos que o enunciado de súmula n. 545 do STJ deverá ter aplicação na segunda fase da dosimetria da pena, quando da prolação da sentença pelo juiz-presidente, apenas para os casos em que houver se dado a confissão simples, não aplicando-se a atenuante nas circunstâncias de confissão qualificada, até porque, considerando o sistema da convicção íntima dos jurados, impossível aferir se a confissão qualificada foi de algum modo levada em consideração pelos julgadores no momento de proferirem o veredicto.

BIBLIOGRAFIA:

            BONFIM, Edilson Mougenot. Júri: Do inquérito ao plenário. 4. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

            CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

            CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Geral. Salvador: JusPodivm, 2017.

            DELMANTO, Celso. e outros. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

            DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3. Ed. São Paulo: RT, 2010.

            FONTELES, Samuel Sales. Hermenêutica Constitucional. 1ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2018.

            MARTINELLI, João Paulo Orsini e DE BEM, Leonardo Schmitt. Lições fundamentais de Direito Penal: Parte Geral – São Paulo: Saraiva, 2016.

            MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Vol. 1 – 7ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

            NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 7ª ed. revista, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.

            QUEIROZ, Paulo. Direito Penal. Salvador: JusPodvm. 2008.

            SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO Daniel. Curso de direito constitucional – 3. Ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

            SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de janeiro: Forense, 1996.

 


[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de janeiro: Forense, 1996, p. 199.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 7ª ed. revista, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 241.

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Obra citada, p. 241/242. No mesmo sentido: MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Vol. 1 – 7ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 689.

[4] MARTINELLI, João Paulo Orsini e DE BEM, Leonardo Schmitt. Lições fundamentais de Direito Penal: Parte Geral – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 729.

[5] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 455.

[6] DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3. Ed. São Paulo: RT, 2010, p. 622.

[7] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Geral. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 417.

[8] QUEIROZ, Paulo. Direito Penal. Salvador: Ed. JusPodvm. 2008, p. 355.

[9] DELMANTO, Celso. e outros. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 303.

[10] NUCCI, Guilherme de Souza. Obra citada, p. 242.

[11]CAPEZ, Fernando. Obra citada, p. 455.

[12] Trecho do voto proferido no HC n. 124.009/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 15.03.2011, noticiado no Informativo 466.

[13]Trecho do voto proferido no AgRg no Recurso Especial1.198.354-ES, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/10/2014.

[14] STJ. 6ª Turma. HC 319.664/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18/08/2015.

[15] STF. 1ª Turma. HC 119.671, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 05/11/2013.

[16] BONFIM, Edilson Mougenot. Júri: Do inquérito ao plenário. 4. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 249.

[17] FONTELES, Samuel Sales. Hermenêutica Constitucional. 1ª Ed. Salvador: JusPodivm. 2018, p. 21.

[18] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO Daniel. Curso de direito constitucional – 3. Ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 367.

[19] BONFIM, Edilson Mougenot. Obra citada, p. 249.

[20] BONFIM, Edilson Mougenot. Obra citada, p. 250.

Sobre os autores
Rafael Simonetti

Promotor de Justiça do Estado de Goiás. Pós-graduado em direito público. Autor de artigos e livros jurídicos.

Priscila Nascimento Gonçalves

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG); assessora de promotoria.

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