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Modalidade de lançamento do IPVA

Agenda 04/05/2020 às 17:43

A modalidade de lançamento deve ser prerrogativa de cada Unidade da Federação. A Lei 13.296/2008 do Estado de São Paulo dispõe que o lançamento do IPVA é "por homologação". Contudo, em recurso especial repetitivo, o STJ firmou o entendimento de que o IPVA é lançado de ofício no início de cada exercício.

Modalidade de lançamento indica a colaboração do administrado na celebração do ato administrativo. No lançamento “de ofício”, todas as providências para constituir o crédito são feitas pela Administração; no “por homologação”, quase todo o trabalho é cometido ao administrado, limitando-se o fisco a homologar o crédito tributário por ele formalizado. No lançamento “por declaração”, colaboram Administração e administrado para a elaboração do ato.

A partir de 01/01/1994, o Cadastro de Contribuintes do IPVA do Estado de São Paulo passou a ser o mesmo do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN). Antes dessa data, o proprietário do veículo formalizava o crédito do IPVA mediante o preenchimento de guia de arrecadação e recolhia o valor nesta declarado. Anualmente, ele:

Não havia dúvida: o lançamento do IPVA era “por homologação”, uma vez que todas as providências para constituir o crédito tributário eram cometidas ao sujeito passivo. Diferença entre o valor devido e o recolhido poderia ser constatada na vistoria realizada no licenciamento anual do veículo, quando o contribuinte devia apresentar comprovante(s) de pagamento do IPVA do exercício. A impossibilidade de se comparar automaticamente, para cada veículo, o valor de IPVA recolhido com o devido tornava elevada a sonegação. Para automatizar a verificação era necessário haver um cadastro de veículos registrados no Estado de São Paulo.

A partir de 1994, com a utilização de dados do Cadastro Geral de Veículos do DETRAN, a SEFAZ passou a verificar automaticamente se o valor total recolhido pelo contribuinte (IPVA e eventuais acréscimos moratórios) estava correto. IPVA não recolhido ou recolhido a menos era exigido por Auto de Infração e Imposição de Multa emitido por processamento de dados, já que falta de pagamento do IPVA era apenada com multa de 1 (uma) vez o valor do imposto (art. 18, I, da Lei 6.606/1989).

Com a utilização do Cadastro do DETRAN e a informatização havida, a arrecadação do IPVA de 1998 em termos reais foi quase o quádruplo da de 1994. Revogado o inc. I do art. 18, a partir de 30/12/2005 diferença de IPVA, multa de mora – com percentual bem menor do que o da anterior multa por falta de pagamento do imposto – e juros de mora passaram a ser exigidos por meio de lançamento por notificação (art. 13-A da Lei 6.606).

Pela atual lei do IPVA do Estado de São Paulo (13.296/2008), deve o contribuinte:

Para muitos autores, lançamento do IPVA é “de ofício”. Para a SEFAZ, porém, sempre foi e é por homologação. A Lei 6.606 não dispunha, mas vimos que o contribuinte formalizava o crédito tributário e o recolhia. O caput do art. 17. da Lei 13.296 dispõe que o pagamento do imposto ficará sujeito à homologação pela autoridade administrativa competente.

Guia de recolhimento quitada de forma espontânea é a norma individual e concreta de constituição do crédito tributário posta no ordenamento jurídico pelo contribuinte. Se o total do imposto devido foi recolhido pelo contribuinte ou responsável, a homologação do pagamento será tácita, pelo decurso do prazo decadencial; caso contrário, diferença de imposto constatada será lançada “de ofício”.1 Com efeito, dispõe o caput do art. 18. da Lei 13.296:

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“Verificado que o contribuinte ou responsável deixou de recolher o imposto no prazo legal, no todo ou em parte, a autoridade administrativa tributária procederá ao lançamento de ofício, notificando o proprietário do veículo ou o responsável para o recolhimento do imposto ou da diferença apurada, com os acréscimos legais, no prazo de 30 (trinta) dias contados da data do recebimento da notificação, reservado o direito de contestação”.

Poderia a SEFAZ lançar o IPVA de ofício? Sim, mas, tal como ocorre com o IPTU, ela deveria:

No entanto, é mais econômico e prático a Fazenda paulista aguardar o recolhimento espontâneo do imposto e lançar o IPVA apenas para veículos sem recolhimento no exercício, não amparados por imunidade, isenção ou dispensa de pagamento do imposto, ou com recolhimento insuficiente. É também mais seguro, já que, por ser imposto sobre a relação de propriedade de bem móvel – com número de transferências de titularidade maior e vida útil menor do que as de bem imóvel –, informações para lançamento de ofício do IPVA estão muito mais sujeitas a alteração do que as para lançamento de ofício do IPTU, dando causa a erros no lançamento. São causas dessas alterações:

Em princípio, ajuizar ação de execução fiscal em qualquer das situações acima descritas causaria sucumbência da SEFAZ em embargos à execução ou em exceção de pré-executividade. Por isso, a SEFAZ efetua o lançamento do IPVA por notificação quando “imposto previsto” não é recolhido, permitindo que o sujeito passivo conteste o lançamento, recorra de decisão administrativa a ele desfavorável, para só então, se for o caso, ajuizar ação de execução fiscal.

É certo que, em face do “princípio da causalidade”, poderia a Fazenda Pública do Estado, em algumas situações, não arcar com o ônus da sucumbência, mas teria de provar que foi a omissão ou o erro do sujeito passivo que deu causa ao ajuizamento indevido da ação de execução fiscal. Omissão ocorreria, por exemplo, quando contribuinte alienasse veículo de sua propriedade a outrem, mas deixasse de informar ao DETRAN no prazo de 30 (trinta) dias, por meio da “Comunicação de Venda de Veículo”, a alienação e os dados do adquirente.

No campo do ICMS, o erro ocorreria quando o contribuinte apresentasse Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA) com “Imposto a Recolher”, mas recolhesse imposto de valor inferior ao declarado; o débito fiscal devido fosse inscrito na dívida ativa; ação de execução fiscal fosse ajuizada; e, em exceção de pré-executividade, o contribuinte provasse que preencheu incorretamente a GIA, de modo que o valor de “Imposto a Recolher” resultou superior ao real.

No entanto, para não sobrecarregar o Poder Judiciário do Estado com a propositura de ações de execução fiscal infundadas e para não onerar a Procuradoria Fiscal do Estado com o acompanhamento dessas ações, melhor é a Fazenda do Estado:

Ocorre, porém, que em recurso repetitivo (REsp 1.320.825 / RJ) julgado em 10/08/2016, o STJ firmou a tese:

“A notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para a execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação”.2

Segundo o item 1 da Ementa:

“O imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) é lançado de ofício no início de cada exercício (art. 142. do CTN) e constituído definitivamente com a cientificação do contribuinte para o recolhimento da exação, a qual pode ser realizada por qualquer meio idôneo, como o envio de carnê ou a publicação de calendário de pagamento, com instruções para a sua efetivação”.

Ora, publicação de calendário de pagamento não é norma individual e concreta de lançamento do IPVA, pois, não aponta o veículo cuja relação de propriedade está sendo tributada (elemento material do antecedente dessa norma), não identifica o sujeito passivo (elemento pessoal do consequente de referida norma) nem indica como foi calculado o imposto devido (elementos quantitativos do consequente de indigitada norma), todos indispensáveis em cada norma individual e concreta de lançamento do imposto (caput do art. 142. do CTN). Conclusão: o texto acima transcrito faz uma abstração do lançamento “de ofício” do imposto, que não encontra fundamento em regras do CTN.

Afirma-se na fundamentação do voto do Ministro Relator do supramencionado recurso especial que:

a) a divulgação do calendário de pagamento é “a efetiva notificação do sujeito passivo, uma vez que por meio dele todos os contribuintes são cientificados do lançamento e do prazo para comparecer à instituição financeira e recolher o imposto incidente sobre o seu veículo”, não havendo violação ao art. 145. do CTN, que exige notificação regular ao sujeito passivo;

b) “essa espécie de notificação pessoal presumida somente poderá ser considerada válida em relação aos impostos reais, cuja exigibilidade por exercício é de notório conhecimento da população”.

Não concordamos com a assertiva de a divulgação do calendário de pagamento ser a efetiva notificação do sujeito passivo nem com a figura da notificação pessoal presumida, válida para os impostos reais. Para nós, notificação regular ao sujeito passivo, a que alude o caput do art. 145. do CTN, não pode depender de qualquer ato de vontade por parte deste, como o de comparecer à instituição financeira, para saber o valor do imposto incidente sobre o seu veículo e, a seguir, recolher (ou não) esse valor.

Concordante com nosso entendimento é o de José Antonio Minatel, in “Lançamento, Decadência e Prescrição: Temas Conexos e Antigos que Continuam Maltratados”. Nesse artigo, o Autor comenta a decisão do REsp 1.320.825 / RJ e o que dispõe a atual lei paulista (13.296/2008) sobre o lançamento do IPVA de veículos usados. Afirma o Autor que:

“A despeito dessa relevância hierárquica e longevidade, não se pode afirmar que está pacificado o entendimento em torno desses temas, seja na doutrina ou nos pronunciamentos da jurisprudência. Pelo contrário, a falta de visão sistêmica, a generalização do tema sem olhar firme para a específica lei aplicável, ou mesmo a mania de enxergar que a solução do conflito está em regra jurídica solitária que acaba sendo equivocadamente deslocada para fundamento do caso, são atitudes que vêm tornando frequentes as agressões a preceitos básicos que tipificam esses institutos, a ponto de descaracterizar a diretriz traçada para cada um deles no plano da lei complementar (CTN)”.

Mais adiante, acrescenta o Autor:

“esse precedente, longe de contribuir para o tratamento isonômico e celeridade da justiça, vai contribuir para alastrar a insuportável insegurança jurídica, ...”.

Paulo de Barros Carvalho (2008b, p. 461) cita apenas o IPTU como lançado de ofício. Hugo de Brito Machado afirmava: o IPVA é lançado por homologação. Com base nessa assertiva, Gladston Mamede (2002, p. 68) conclui que o IPVA é lançado por homologação. Hoje, porém, Machado assevera que o lançamento é de ofício. De acordo com Paulo Roberto Coimbra Silva (2011. p. 131), na legislação dos mais diversos Estados, o lançamento do IPVA tem migrado do lançamento “de ofício” para o “por homologação”.

Com a devida vênia dos signatários do acórdão do STJ, cabe a cada Estado definir em lei a forma pela qual crédito do IPVA será constituído.3 O fato gerador ocorrer em primeiro de janeiro do exercício, o imposto ser “real” ou a Administração conhecer de antemão todos os elementos para construir a norma individual e concreta de lançamento do imposto – o que, como vimos, muitas vezes não ocorre – não torna o IPVA com lançamento “de ofício”. O que define a modalidade de lançamento é o sujeito a quem a lei atribui o dever de constituir previamente o crédito tributário. No Estado de São Paulo, esse dever é do contribuinte.

Finalmente, como juízes e tribunais devem observar os acórdãos em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (art. 927, III, do CPC), cabe à autoridade fiscal lançar o IPVA no prazo decadencial e à Fazenda Pública do Estado ajuizar ação de execução de débito do IPVA no prazo prescricional, com termos iniciais desses prazos, fixados de acordo com o entendimento do STJ.


BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1995.

MAMEDE, Gladston. Imposto sobre a propriedade de veículos automotores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MINATEL, José Antonio. Lançamento, decadência e prescrição: temas tributários conexos e antigos que continuam maltratados. Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT). Disponível em: <https://www.abat.adv.br/lancamento-decadencia-e-prescricao-temas-tributarios-conexos-e-antigos-que-continuam-maltratados/> Acesso em: 16/03/2020.

SILVA, Paulo Roberto Coimbra. IPVA – Imposto sobre a propriedade de veículos automotores. São Paulo: Quartier Latin, 2011.


Notas

1 Lançamento de tributo é ato exclusivo da autoridade administrativa. O contribuinte formaliza o crédito tributário mediante declaração de débito – como ocorre com a Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA) com “Imposto a Recolher” – ou com o efetivo recolhimento do crédito – como ocorre com o IPVA.

2 A regra adotada no julgamento do REsp 1.320.825 / RJ diverge da que está disposta no caput do art. 174. do CTN. No entanto, o termo inicial de contagem do prazo prescricional adotado pelo STJ faz sentido. Isso porque até a data de vencimento da exação não se pode afirmar que a Fazenda permaneceu inerte, pois havia prazo para o contribuinte recolher o débito.

3 De fato, regra do inc. I do art.149 do CTN dispõe que o lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa, quando a lei assim o determine. Ora, a anterior lei do IPVA não determinava nem a atual determina que o imposto fosse ou seja lançado “de ofício”.

Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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