A lei 12.016/09,que atualmente disciplina o mandado de segurança, tem um maior espectro de atuação e de proteção de direitos se comparada a lei anterior de nº. 1.533/51.
A atual lei, além de possibilitar o manejo do mandado de segurança coletivo visando a proteção de direitos individuais homogêneos e coletivos, prevê um sistema recursal mais dinâmico e moderno, assim como determinadas particularidades jurídicas e jurisprudenciais que concedem maior segurança jurídica aos que se valem do remédio constitucional ora em análise.
Contexto histórico da nova lei do mandado de segurança
É importante ressaltar que a atual lei foi sancionada no século XXI, onde os conflitos jurídicos são muito mais dinâmicos, complexos e com uma maior gama de oportunidades em que o mandado de segurança pode ser manejado.
A lei anterior, de 1951, contava com um texto menor e mais tímida em se tratando de mecanismos jurídicos, contexto social, político e jurídico diferentes, onde a sociedade era mais conservadora e o poder político mais centralizado.
Assim, sem a meta de esgotar o assunto, tenho a intenção de apresentar desde as definições e noções básicas sobre o mandado de segurança, até as principais novidades jurídicas, legais e jurisprudenciais. Também, sempre que pertinente, fazendo um paralelo entre a atual e a antiga lei que disciplinava o assunto.
Nova lei do mandado de segurança
O art. 1 da lei 12.016/09, a atual lei do mandado de segurança, diz que:
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”
O texto acima do caput traz todas as informações de que se necessita o interessado para o manejo desta ação constitucional e que será objeto de detalhe a partir de agora.
O que é direito líquido e certo?
Direito líquido e certo nada mais é que o direito pré-constituído, ou seja, que se materializa de imediato, sem necessidade de qualquer produção de prova em instrução processual.
Assim, o titular do referido direito lesado por ilegalidade ou abuso de poder o apresenta em sua totalidade para que seja reconhecido pelo Poder Judiciário.
Essa necessidade de o direito ser líquido e certo tem a ver também com a própria natureza do mandado de segurança, que é de ação de cognição sumária e não ordinária, onde se comporta todo nível de produção probatória.
Caráter secundário do mandado de segurança
O mandado de segurança tem caráter secundário pois só deve ser manejado para proteger direito que não encontre amparo em habeas corpus e habeas data.
Essa característica secundária significa que nas matérias que não se refira à liberdade (habeas corpus) e que não prejudique o direito à informação particular (habeas data), teremos a incidência do manejo do mandado de segurança.
O ato coator: ilegalidade ou abuso de poder
O ato coator é ilegal quando a autoridade viola a esteira da legalidade estrita. Por exemplo, o superior hierárquico deixa de conceder uma licença ou férias, mesmo quando os requisitos legais estão todos satisfeitos.
Por sua vez, o abuso de poder vem à tona quando a autoridade abusa da discricionariedade no exercício de sua função. A autoridade age legalmente, mas extrapola os limites legais, ofendendo princípios constitucionais caros, mormente os princípios da legalidade, moralidade, entre outros; todos previstos na Constituição Federal de 1988, art. 37, caput.
Espécies de mandado de segurança
Há duas espécies de mandado de segurança tratados pela lei: o mandado de segurança repressivo, que pode ser utilizado quando o ato ilegal ou com abuso de poder já houver sido efetivado, e o mandado de segurança preventivo, utilizado para evitar que atos ilegais ou com abuso de poder possam de fato se efetivar.
Legitimidade passiva
O legitimado passivo, conforme o caput do art. 1, é qualquer autoridade seja de qual categoria for e funções que exerça. Nesse sentido, a lei atual manteve a mesma redação da antiga lei que disciplinava o mandado de segurança.
Competência
A fixação da competência para apreciação do mandado de segurança tem tudo a ver com a autoridade coatora e a posição funcional que ela ocupa. Temos como os exemplos os arts. 102, I, d, 105, I, d da Constituição Federal, em que a Competência dos Tribunais superiores é fixada de acordo com a função exercida pela Autoridade coatora.
Recursos na lei do mandado de segurança
A atual lei prevê os seguintes recursos:
Agravo de instrumento em primeiro e segundo grau
Art. 7º, §1º. Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento.
Art. 16, Parágrafo único. Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre. ”
Apelação
Art. 10, § 1o Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e, quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o órgão competente do tribunal que integre.
Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.”
Recurso ordinário, especial e extraordinário
Art. 18. Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada.”
Percebe-se que a atual lei do mandado de segurança possui um sistema recursal muito mais amplo quando comparado ao previsto na lei 1.533/51, que tinha a previsão apenas da apelação e do agravo de petição, este conhecido e manuseado atualmente na esfera trabalhista.
Prioridade na apreciação do mandado de segurança
O mandado de segurança tem prioridade em sua apreciação, salvo em caso de habeas corpus, cuja apreciação tem preeminência devido o seu objeto ser a liberdade humana, direito de primeira geração.
Art. 20. Os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus.”
Principais mudanças na lei do mandado de segurança
A seguir, confira as principais mudanças na lei do mandado de segurança quando comparada a anterior.
Hipóteses de não cabimento do mandado de segurança
A lei 12.016/2009 prevê taxativamente as hipóteses de não cabimento do manuseio de mandado de segurança:
Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:
I – de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;
II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
III – de decisão judicial transitada em julgado.”
Os incisos I e II tratam da hipótese em que o mandado de segurança não pode ser utilizado com sucedâneo recursal, ou seja, não pode ser utilizado quando cabível recurso para a questão a ser discutida, seja ela judicial ou administrativa.
Todavia, se torna cabível quando se está diante de decisão judicial manifestamente teratológica e ilegal, desde que contra a qual não caiba recurso, conforme julgado na jurisprudência abaixo:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO PROLATADO PELA PRIMEIRA TURMA DESTA CORTE SUPERIOR. UTILIZAÇÃO DO WRIT COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA, IN CASU, DE TERATOLOGIA OU MANIFESTA ILEGALIDADE. PRECEDENTES DO STJ. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL DO MANDAMUS.1. Em face do art. 5º, II, da Lei 12.016/2009, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a impetração de mandado de segurança contra ato judicial somente é admitida em hipóteses excepcionais, tais como decisões de natureza teratológica, de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, e capazes de produzir danos irreparáveis ou de difícil reparação à parte impetrante. Precedentes. AgInt no MS 24775 / DF AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA 2018/0311289-4. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES.”
Assim, a impetração de mandado de segurança contra ato judicial é medida excepcional, admissível somente nas hipóteses em que se verifica de plano decisão teratológica, ilegal ou abusiva, contra a qual não caiba recurso.
A atual lei não manteve como hipótese de não cabimento do mandado de segurança o ato disciplinar, como constava na lei 1.533/51.
Essa possibilidade do mandado de segurança não tutelar o ato disciplinar, durante a vigência da antiga lei, tem muito a ver com o contexto político e governamental da década de 50. Naquela época, o poder político estava centralizado e com grandes resquícios ditatoriais, sendo retirado tal ideia da atual lei sancionadas sob a égide da constituição de 1988.
Renovação do pedido de mandado de segurança
Segundo o §6o do art. 6, o pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo decadencial se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.
A atual redação manteve parcialmente a redação anterior. A diferença é que, na lei anterior, a redação não fazia menção a respeito de que o novo pedido de mandado de segurança apenas poderia ser feito dentro do prazodecadencial legal.
Assim, nota-se que a atual redação sobre o ato de reiterar o pedido concede muito mais segurança jurídica e estabilidade legal.
Ação ordinária em caso de denegação do mandado de segurança
Atualmente, a sentença ou o acórdão que denegar o mandado de segurança, não apreciando o mérito, não impede que o requerente de manejar ação própria para pleitear seus direitos.
Essa possibilidade também era prevista na lei anterior, mas de forma muito genérica, uma vez que o impetrante poderia se valer de ações ordinárias independentemente se a decisão houvesse ou não apreciado o mérito, o que levava a muita insegurança jurídica e desrespeito às decisões judiciais, bem como ao princípio do Juiz natural.
Demais novidades
Ao se fazer a leitura rápida da lei anterior, é possível notar a sua limitação quanto ao alcance de direitos que fogem a individualidade do impetrante.
Por exemplo, a lei anterior não disciplinava o mandado de segurança coletivo e tampouco o alcance por meio dele do grande espectro dos Direitos difusos e Coletivos, estes que são tão duramente atingidos hoje na realidade do século XXI.
Essa limitação da lei anterior (lei 1.533/51) pode ser explicada tendo em vista a conjuntura política em que ela foi sancionada. Como já dito, a lei nasceu em um ambiente de centralização do poder governamental devido à instabilidade política vigente à época.
Também é de se notar que de 1951 até os dias atuais houve uma grande modernização da sociedade, onde os conflitos são outros e a complexidade deles só aumenta dia após dia. Daí a necessidade de uma lei que de fato tenha condições de proteger e tutelar o direito líquido e certo do cidadão, seja individual ou coletivo.
Consequentemente, as inovações dos Tribunais na interpretação e aplicação da lei era tímida em relação à dinâmica jurisprudencial nos dias de hoje.
Assim, a atual lei traz importantes inovações e aqui destaca-se a possibilidade de impetração do mandado de segurança coletivo, o que a leva a fazer parte de um microssistema processual especial, que deve coexistir harmonicamente com outros diplomas normativos tais como: o Código de Defesa do Consumidor, a lei de ação civil pública, a ação popular, entre outros.
Destaque-se também as importantes construções jurisprudenciais a respeito da lei atual do mandado de segurança.
Mandado de segurança coletivo
Conforme dispõe o parágrafo único e inciso I e II do art. 21, o mandado de segurança coletivo tem o alcance direcionado a proteção de direito coletivos e individuais homogêneos. Curiosamente, o legislador não faz menção aos direitos difusos como sendo objeto de proteção da ação mandamental.
Tal omissão legislativa pode ser explicada em razão de que o grande espectro de pessoas titulares de eventuais direitos difusos violados é indeterminado, ao contrário de titulares de direitos coletivos strictu sensu que estão ligados por uma relação jurídica base e as pessoas titulares de direitos individuais homogêneos que têm uma origem em comum.
Assim, os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo são:
I – Coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II – Individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante. ”
Da coisa julgada
O art. 22, caput, apresenta que no mandado de segurança coletivo a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante.
A crítica, neste caso, é que a coisa julgada em mandado de segurança coletivo só beneficia aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante, ou seja, em caso de sentença procedente, são beneficiários apenas aqueles substituídos sindicalizados. Pelo menos é essa a ideia que a redação do dispositivo fornece.
De certa forma, a redação do art. 22 conflita com a do Código de Defesa do Consumidor, prevista no art. 103, cuja disciplina informa que a coisa julgada coletiva alcança toda a categoria ou classe, assim como os sucessores em caso de interesse individual homogêneo.
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.”
Críticas à parte, tendo em vista que a lei do mandado de segurança faz parte de um microssistema processual coletivo, deve ser interpretada e aplicada de forma harmônica aos demais diplomas normativos, principalmente em relação ao Código de Defesa do Consumidor e a ação civil pública.
Litispendência no mandado de segurança coletivo
O mandado de segurança coletivo não induz litispendência em relação aos mandados de segurança individuais, eventualmente impetrados tratando do mesmo objeto. Isso significa dizer que o mandado de segurança individual pode tratar do mesmo objeto concomitante ao ajuizamento do coletivo.
Entretanto, o impetrante individual não se beneficiará dos efeitos da coisa julgada do impetrante coletivo se não desistir da sua ação individual no prazo de trinta dias, a contar da ciência comprovada da impetração coletiva.
Logo, nessa situação, caso o impetrante individual não desista de sua pretensão ao ter ciência da ação mandamental coletiva, ele não se beneficiará se procedente a ação coletiva e ficará impedido de realizar o que a doutrina denomina de transporte in utilibus.
Tal transporte ocorre quando há a procedência do pedido do mandado de segurança coletivo. Assim, é possível utilizar o resultado da sentença coletiva em demandas individuais semelhantes, transportando, para estes casos individuais, a coisa julgada benéfica em mandado de segurança coletivo.
§ 1o O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.”
Teoria da encampação e o polo passivo no mandado de segurança
É sabido que, em muitos casos, há uma certa dificuldade em indicar corretamente quem deve ocupar o polo passivo do mandado de segurança. Ou seja, quem de fato deve ser indicado como autoridade coatora na questão.
É importante lembrar que em regra, nos termos do §3º do art. 6, considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática. Logo, o erro na qualificação do polo passivo, acarreta na extinção da ação sem julgamento do mérito.
Entretanto, emerge a teoria da encampação como construção dos Tribunais, resultante da observância de princípios como economia processual e celeridade, para se evitar o desperdício da ação diante de vícios sanáveis.
O que é a teoria da encampação?
A teoria da encampação que pode ser definida como sendo o ingresso da autoridade coatora correta no feito ou da pessoa jurídica a que ela pertença para estancar o vício e, em decorrência, permitindo-se o julgamento do mérito do mandado de segurança.
Para que a teoria da encampação seja aplicável a lei do mandado de segurança, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; ausência de modificação de competência estabelecida na CF/1988; e manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas.
Exemplo
O impetrante direciona o mandado de segurança indicando como autoridade coatora o governador do Estado. No entanto, a autoridade coatora correta seria o Secretário de Estado do referido governador.
Assim, o Governador citado, além de aduzir sua ilegitimidade, contesta o mérito da ação. Dessa forma, como há hierarquia entre ambos e não haverá alteração de competência quanto ao direcionamento do mandado de segurança a um ou a outro, aplica-se a teoria da encampação, o que torna o Governador do Estado como legitimado para ocupar o polo passivo, encampando o referido ato.
Logo, o Julgador não deve extinguir a ação por eventual ilegitimidade de parte, uma vez que tal vício foi devidamente sanado a partir da satisfação dos requisitos para tanto.
Observe esse interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça:
Agravo regimental. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APLICAÇÃO. (…) 2. A despeito da indicação errônea da autoridade apontada como coatora, se esta, sendo hierarquicamente superior, não se limitar a alegar sua ilegitimidade, ao prestar informações, mas também defender o mérito do ato impugnado, encampa referido ato, tornando-se legitimada para figurar no pólo passivo da ação mandamental. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido.”
(AgRg no REsp 697.931/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28.02.2008, DJ 07.04.2008 p. 1).
Autoridade coatora em concursos públicos
Conforme tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, o Governador do Estado é parte ilegítima para figurar como autoridade coatora em mandado de segurança no qual se impugna a elaboração, aplicação, anulação ou correção de testes ou questões de concurso público, cabendo à banca examinadora, executora direta da ilegalidade atacada, figurar no polo passivo da demanda.
Essa tese se justifica pelo fato de a banca examinadora, responsável por aplicar as provas e exames, ser a competente para sanar eventuais vícios que maculem o certame, pois o governador apenas teria competência para nomear e empossar os classificados no concurso, mas não para retificar eventuais vícios e injustiças ocorridas no mesmo.
Termo inicial do prazo decadencial
Conforme o art. 23., caput, o direito de requerer mandado de segurança será extinto decorridos 120 dias, contados da ciência pelo interessado do ato impugnado. Esse é o lapso de tempo que tem impetrante para buscar judicialmente a defesa de seu direito líquido e certo pela via sumária.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça e muitos Tribunais brasileiros tem flexibilizado o comando normativo mencionado acima para que o termo a quo, para se manejar o mandado de segurança, seja o da ciência inequívoca do ato lesivo.
Assim, conforme o STJ, o prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança tem início com a ciência inequívoca do ato lesivo pelo interessado.
Para corroborar as alegações, é importante citar um julgado do STJ que didaticamente e com clareza trata do assunto:
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.IMPETRAÇÃO CONTRA ATO JUDICIAL. DISCUSSÃO ACERCA DO TERMO A QUO DA CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA LESIVIDADE.
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA SÚMULA 202/STJ. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA, ILEGALIDADE OU ABUSIVIDADE.
1. Segundo jurisprudência consolidada nesta Corte, o marco inicial para a contagem do prazo decadencial para impetração do mandado de segurança deve coincidir com a data da ciência inequívoca do ato lesivo pelo interessado.
2. Hipótese em que a vasta documentação anexada aos autos demonstra que o agravante, na qualidade de representante legal da empresa demandada em ação ajuizada por ex-sócio, foi intimado de todos os atos processuais a ela pertinentes, havendo inclusive interposto recurso especial do acórdão objeto de atual impugnação via mandado de segurança.
3. Logo, o agravante tomou ciência do ato lesivo na data em que o acórdão de apelação foi publicado (23.8.2012), de modo que já havia se operado a decadência por ocasião da impetração do mandamus (9.5.2013).
4. Não se considera o início da contagem do prazo decadencial o dia da publicação do julgado dos embargos declaratórios (14.1.2013), uma vez que, ao serem rejeitados, manteve os exatos termos daquele prolatado na apelação. Isso porque a melhor exegese do acórdão proferido no julgamento da questão de ordem inserta no REsp 1.129.215/DF, desta Relatoria, em conjunto com os precedentes que o antecederam, orienta no sentido de que os efeitos integrativos dos embargos declaratórios devem ser considerados na contagem do prazo decadencial apenas nos casos em que o acórdão embargado for modificado.
8. Agravo interno não provido.
(AgInt no RMS 46.839/AM, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 24/05/2017).
A teoria do fato consumado no mandado de segurança
O §3º do art. 7 da lei do mandado de segurança dá, de certa forma, um prazo de validade a liminar, que é a prolação da sentença. Isso significa que, caso a liminar seja mantida, os seus efeitos serão consolidados na sentença, ou do contrário, caso seja revogada, os seus efeitos também findaram na prolação da mesma.
Certamente, o dispositivo legal mencionado não dá muita segurança jurídica a quem obtém medida liminar em sede de mandado de segurança. Até mesmo em sede de outra ação ordinária, tendo em vista o risco de mudança da situação jurídica por ocasião da sentença, conforme reza o dispositivo:
§3º. Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença.”
Entretanto, para a teoria do fato consumado, as situações jurídicas tuteladas por força de decisão judicial não devem ser desconstituídas pelo decurso do tempo, em atenção ao princípio da segurança jurídica, como também em homenagem as relações sociais.
Veja por exemplo a hipótese de alguém que cuida há décadas de animal silvestre, zelando pela sua integridade e domesticando-o ao convívio familiar e social. Dessa forma, deve ser aplicada a teoria do fato consumado, considerando que a desconstituição da situação, já consolidado pelo tempo, causaria danos irreparáveis ao animal acostumado ao convívio urbano.
No âmbito educacional, a jurisprudência também apoia para a aplicação da referida teoria:
ADMINISTRATIVO. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. SISTEMA DE COTAS. EGRESSOS DE ESCOLA PÚBLICA. EXCLUSÃO DE ALUNA DO SISTEMA DE COTAS. DECURSO DE ANOS DA CONCESSÃO LIMINAR. TEORIA DO FATO CONSUMADO.
A jurisprudência desta Corte, especialmente por sua Segunda Turma, apresenta-se disposta no sentido da aplicabilidade da teoria do fato consumado na hipótese de o estudante frequentar a instituição de ensino, na qualidade de aluno, há pelo menos 3 anos, ainda que amparado por medidas de natureza precária, como liminar e antecipação dos efeitos da tutela. Precedentes.
Agravo regimental improvido.”
(AgRg no REsp 1267594/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.05.2012, DJe 21.05.2012)
É importante ressaltar, entretanto, que a ideia de fato consumado não se aplica às hipóteses de concurso público. Como quando, por exemplo, a liminar concedida em mandado de segurança é posteriormente revogada.
Assim, ainda que entre a concessão da liminar e a prolação da sentença tenha transcorrido grande decurso de prazo, a citada teoria não tem incidência, conforme afirma o Supremo Tribunal Federal no RECURSO EXTRAORDINÁRIO 608.482 de relatoria do Min. Teori Zavascki:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO REPROVADO QUE ASSUMIU O CARGO POR FORÇA DE LIMINAR. SUPERVENIENTE REVOGAÇÃO DA MEDIDA. RETORNO AO STATUS QUO ANTE . “TEORIA DO FATO CONSUMADO”, DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. INAPLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Não é compatível com o regime constitucional de acesso aos cargos públicos a manutenção no cargo, sob fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado que nele tomou posse em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, supervenientemente revogado ou modificado.”
Todavia, há uma exceção. É o caso, por exemplo, de servidor público nomeado a partir de decisão liminar concedida em mandado de segurança que, na vigência dela, vem a se aposentar. Porém, após a aposentadoria, é surpreendido com decisão que revoga a liminar anteriormente concedida, acarretando-lhe a demissão do Serviço Público.
Nessa hipótese, aplica-se a teoria do fato consumado, mantendo-se a aposentadoria do servidor.
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. CONTINUIDADE NO CERTAME POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL EXARADA EM COGNIÇÃO EXAURIENTE. POSSE E EXERCÍCIO HÁ MAIS DE DOZE ANOS. POSTERIOR ALTERAÇÃO DA SENTENÇA EM SEDE DE APELAÇÃO. ANULAÇÃO DO ATO DE NOMEAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NECESSIDADE. FATO SUPERVENIENTE. ART. 462 DO CPC. APOSENTADORIA SUPERVENIENTE DA IMPETRANTE. ATO DE DEMISSÃO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE ALTERAR O STATUS DE APOSENTADA DA SERVIDORA. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO.”
(AgRg no REsp 1267594/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.05.2012, DJe 21.05.2012)
Impetração do mandado de segurança
A impetração de mandado de segurança interrompe a fluência do prazo prescricional no tocante à ação ordinária, o qual somente tornará a correr após o trânsito em julgado da decisão.
Tal tese é extremamente justa, tendo em vista que o manuseio do mandado de segurança é de cognição sumária, onde se torna inviável a dilação probatória. Assim, caso o mandamus seja infrutífero, o impetrante pode se valer de ações ordinárias, onde se possibilita a produção de provas de forma exaurida.
Veja-se o excerto:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. AJUIZAMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA. INTERRUPÇÃO. CONTAGEM PELA METADE DO PRAZO REMANESCENTE APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DO MANDAMUS. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA.
1. No enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem lançou os seguintes fundamentos (fls. 155-156, e-STJ): ” 4. No entanto, verifica-se a ocorrência da prescrição da ação de cobrança, no presente caso. Com efeito, a impetração do mandado de segurança coletivo interrompeu a prescrição das parcelas vencidas no lustro que antecedeu aquela ação, voltando a fluir o prazo prescricional a partir do trânsito em julgado da decisão que concedeu a ordem. No caso em tela, o trânsito em julgado da decisão que concedeu a ordem no mandado de segurança ocorreu em 17/06/2015 (fls. 28) e a presente ação foi ajuizada em 14/03/2018, depois, portanto, de transcorrido o lapso prescricional, contado conforme a regra do artigo 9º, do Decreto n.º 20.910/32, que reduz pela metade o prazo da prescrição que recomeça a correr, depois de interrompida.”
2. Nos termos do art. 9º do Decreto 20.910/1932, “a prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo”.
3. Tratando-se de causa interruptiva, advinda do ajuizamento de Mandado de Segurança, o prazo de prescrição para a ação de cobrança volta a correr pela metade a partir do último ato processual da causa interruptiva, qual seja o trânsito em julgado da decisão no mandamus.
4. Consoante o enunciado da Súmula 383/STF: “A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo”.
5. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: “Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.” 6. Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea “a” do art. 105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 2.6.2010. 7.Ressalte-se, por fim, que fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial quando a tese sustentada já foi afastada no exame do Recurso Especial pela alínea “a” do permissivo constitucional.
8. Recurso Especial não provido.”
Conclusão
A nova lei que disciplina e veicula o mandado de segurança atende aos anseios atuais da sociedade em suas lides complexas e dinâmicas vivenciadas e apresentadas ao Judiciário.
Conforme restou demonstrado, o remédio constitucional da forma em que é disciplinado pela Lei 12.016/2009 possui uma grande abrangência a despeito dos direitos que pode tutelar.
Como exemplo temos o mandado de segurança coletivo, que transporta a referida lei para um microssistema processual coletivo, com maior capacidade de manejo, possibilitando ainda ao impetrante a utilização de um sistema recursal mais amplo e o amparo de uma jurisprudência que, além de moderna, garante mais segurança jurídica ao cidadão eventualmente lesado em seu direito líquido e certo.
Deste modo, o cidadão dispõe de um poderoso instrumento para tutelar seu direito líquido e certo com rapidez e dinamismo, sempre que for ele for lesado ou se achar na iminência de ser violado.