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Introdução ao controle de constitucionalidade, difuso e concentrado

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Agenda 02/04/2006 às 00:00

15- CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS

O artigo 125, § 2º, da CF/88 instituiu o controle concentrado de constitucionalidade em face da Constituição Estadual, a ser procedido pelos Tribunais Estaduais, com observância do princípio da simetria.

A questão que pode surgir relaciona-se à possibilidade de que a norma Constitucional Estadual repita disposição da Constituição Federal. Todavia, este fato não tem sido óbice a que o Estado Federado exerça o controle sobre a norma estadual ou municipal tendo por base a disposição da Constitui Estadual, pois a parametricidade com a Constituição Federal é indireta, havendo possibilidade de posterior recurso extraordinário ao Supremo tribunal Federal. Nem mesmo o fato de ser a reprodução da norma federal obrigatória ou não interfere nesta possibilidade [97].

No âmbito do TJRS, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70008442238, relatada pelo Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, assentou-se que "a jurisprudência deste Tribunal é rica neste sentido, sendo firme o entendimento, inclusive no STF, no sentido de que o controle abstrato perante o Tribunal de Justiça, por violação à regra da Constituição do Estado, é permitido ainda que se cuide de reprodução compulsória de normas da Constituição da República (STF-Pleno, in RTJ 155/974)" [98]


16- AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA

A representação interventiva foi objeto de discussões na Constituição de 1891, mas somente foi positivada na Constituição de 1934, e repetiu-se, com modificações, na Constituição de 1946. Embora "configurasse uma peculiar forma de composição de conflitos federativos, a jurisprudência e a doutrina brasileira trataram esse processo como típico processo de controle abstrato de normas." [99]

O instituto era provocado pelo Procurador-Geral da República.

Desde o seu nascedouro, a representação interventiva esteve relacionada aos denominados princípios sensíveis. Estes princípios "são aqueles que estão enumerados no art. 34, VII, que constituem o fulcro da organização constitucional do País, de tal sorte que os Estados federados, ao se organizarem, estão circunscritos à adoção (a) da forma republicana do governo; (b) do sistema representativo e do regime democrático; (c) dos direitos da pessoa humana; (d)da autonomia municipal; (e) da prestação de contas da administração publica, direta e indireta" [100], além da aplicação de percentual mínimo da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino e serviços de saúde. [101]

Grassa controvérsia acerca da classificação da ação interventiva como ação de controle concentrado [102], mas é inquestionável que "possui dupla finalidade, pois pretende a declaração de inconstitucionalidade formal ou material de lei ou ato normativo estadual (finalidade jurídica) e a declaração de intervenção federal no Estado-membro ou Distrito Federal (finalidade política)", podendo ter por objeto "qualquer lei ou ato normativo do Poder Público, no exercício de sua competência constitucionalmente deferida que venha a violar um dos princípios sensíveis constitucionais." [103]


17- CONTROLE CONCENTRADO, MANDADO DE SEGURANÇA E AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A fim de instrumentalizar jurisdicionalmente uma vasta gama de direitos de terceira geração, foi instituída, pela Lei nº 7.437/85, a ação civil pública, a qual tem se revelado, desde então, precioso mecanismo na busca de uma jurisdição mais efetiva.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a amplitude das decisões proferidas nas ações civis públicas cresceu significativamente, em especial em vista do artigo 103 deste diploma, aplicável a todas as espécies de ação civil pública. Esta disciplina foi incorporada na Lei nº 7.347/85, com as modificações procedidas no artigo 16 através da Lei nº 9.494/97, alterada pela Medida Provisória 2.180-35, limitando-se o efeito erga omnes, porém, à competência territorial do julgador.

Esta possibilidade de ampliação da amplitude da eficácia decisória em termos subjetivos suscita o problema do controle de constitucionalidade através no manejo da ação civil pública. O mesmo problema se faz presente quando em voga o mandado de segurança coletivo.

No caso do mandado de segurança, o STF, no MS 21.077-MC- AgR, relatado pelo Ministro Celso de Mello, assentou que "o mandado de segurança não é sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade." [104]

No que tange à ação civil pública, no AI nº 189.601- AgR, relatado pelo Ministro Moreira Alves, afirmou-se que: "Não se admite ação que se intitula ação civil pública, mas, como decorre do pedido, é, em realidade, verdadeira ação direta de inconstitucionalidade de atos normativos municipais em face da Constituição Federal, ação essa não admitida pela Carta Magna." [105]

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Neste último caso, dois óbices à admissão do questionamento constitucional na ação civil pública são identificados pela doutrina. O primeiro consiste na formação de um direito substantivo estadual diferente do nacional, decorrente da declaração local de inconstitucionalidade com eficácia erga omnes limitada. A segunda, reside na usurpação de competência do STF. [106]

Por estes motivos, estaria afastada a utilização da ação civil pública como sucedâneo da ADI em termos de direitos coletivos ou difusos, admitindo-se porém em caso de direitos individuais homogêneos. [107]

Não obstante, "o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal." [108]

Destarte, o que resta defeso "é que se use da ação civil pública ou coletiva para atacar, em caráter abstrato, os efeitos atuais e futuros de uma norma supostamente inconstitucional, pois com isso, em última análise, estaria o juiz da ação civil pública ou coletiva invadindo atribuição constitucional dos tribunais a quem compete declarar a inconstitucionalidade em tese de lei ou ato normativo, para a seguir ter provocada a suspensão de sua eficácia." [109]


18- ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

A argüição de descumprimento de preceito fundamental é uma forma de controle de constitucionalidade concentrado qualificada como sui generis. [110]

Sua previsão constitucional encontra-se no artigo 102, § 1º, da CF/88. Até o advento da Lei nº 9.882/99, o instituto ficou sem regulamentação, o que constituiu grave empecilho a que surtisse os efeitos pretendidos.

O instituto assemelha-se à figuras processuais alienígenas, notadamente à queixa constitucional do direito alemão (Verfassungsbeschwerde) [111] e o recurso de amparo, do direito espanhol, mas "a principal diferença está em que nessas queixas constitucionais, ao lado da depuração objetiva do ordenamento, vigora nítida intenção em fazer com que os tribunais constitucionais atuem como ‘último refúgio’ ou ‘garante último’ dos particulares em matéria de decumprimento de normas constitucionais relativas a direitos fundamentais." [112]

O citado diploma definiu o espectro de aplicação do instituto, o qual é voltado à "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do pode público", e que pode ser manejado, ainda, "quando for "relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à constituição." [113]

Diante desta finalidade, já se pode verificar a possibilidade da caracterização da argüição como preventiva ou repressiva [114], e autônoma ou incidental. [115]

A dicotomia entre preventiva e repressiva tem em mira a presença de uma ameaça de lesão ou de uma lesão concretizada. A classificação em autônoma ou incidental toma em linha de conta a existência de outro processo ao qual a argüição esteja associada. A propósito, menciona Lênio Luiz Streck, que "releva notar que a argüição de descumprimento de preceito fundamental abrange a ambivalência própria do sistema misto de controle de constitucionalidade vigorante no Brasil, isto é, ao mesmo tempo em que é ação autônoma (art. 1º, caput, da Lei nº 9.882/99), é também mecanismo apto a provocar incidentalmente a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos difusamente (art. 1º, parágrafo único, I)." [116]

Também se nota que o instituto "vem completar o sistema de controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no STF, uma vez que as questões, até então excluídas de apreciação no âmbito do controle abstrato de normas, serão objeto de exame no âmbito do novo procedimento." [117]


19- PARÂMETROS DE ABRANGÊNCIA

Uma primeira questão que se descortina na delineação dos parâmetros do instituto da argüição reside em se saber o que se há de entender por "preceito fundamental". Uma parcela destes preceitos verte, de forma mais ou menos evidente, do texto da própria Constituição ou da inquestionável qualificação de alguns dos preceitos por ela agasalhados, citando-se os exemplos dos direitos e garantias fundamentais, das cláusulas pétreas e dos princípios sensíveis. [118]

Há que se distinguir, com José Afonso da Silva, que preceitos fundamentais "não é expressão sinônima de ‘princípios fundamentais’. É mais ampla, abrange estes e todas as prescrições que dão o sentido básico da regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal, e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais." [119]

Por outro lado, diante da relação de interdependência normativa, é forçoso concluir que "a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem constitucional, mas também a disposições que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio." [120]

Além do paradigma de parametricidade constitucional, cumpre buscar o contraponto, ou seja, quais atos lhe serão opostos. Neste passo, é visível quem, dentre as formas de controle de constitucionalidade concentrado, a argüição de descumprimento de preceito fundamental é a que a apresenta a maior abrangência.

De fato, estão incluídos no espectro de abrangência da argüição de descumprimento de preceito fundamental atos normativos ou leis municipais, além dos estaduais e federais, podendo ainda ser considerados os anteriores ao texto constitucional vigente.

Esta previsão supre lacuna que existia no tocante a apreciação do direito municipal e de normas do direito pré-constitucional.


20-LEGITIMIDADE E PROCEDIMENTO

Os legitimados para a argüição de descumprimento de preceito fundamental são os mesmos das ações de constitucionalidade. Aqui, ao que tudo indica, houve a preocupação com a banalização de sua utilização, evidenciando-se, igualmente, mais uma vez, o caráter supletivo do remédio jurídico em relação as sobreditas ações declaratórias do controle concentrado típico. Esta limitação sofre críticas de Lênio Luiz Streck para quem: "A negativa de acesso direito do cidadão à jurisdição constitucional através da ADPF configura violação ao próprio dispositivo que estabeleceu a ação. Com efeito, o texto originário da Constituição cuidou de assegurar mecanismo supletivo de acesso à jurisdição constitucional. Afinal, se o constituinte previu a ação direta de inconstitucionalidade, com efeito erga omnes, para o controle concentrado de constitucionalidade, e o constituinte derivado introduziu mais uma forma com propósito semelhante, a ação declaratória de constitucionalidade, parece evidente que a ADPF consiste em instituto dirigido especificamente para o cidadão buscar proteção constitucional quando um direito seu é violado pelo poderes públicos." [121]

A competência é do Supremo Tribunal Federal, exclusivamente.

Assim como ocorre nas ações declaratórias, há um processo, que se inicia por petição inicial que deve observar os requisitos específicos e genéricos. Dentre os requisitos específicos, alinham-se, em conformidade ao artigo 3º da Lei nº 9.882/99: a) a indicação do preceito fundamental que se considera violado, ou passível de violação; b) indicação (e especificação) do ato questionado. c) prova da violação. d) o pedido e suas especificações. e) comprovação da controvérsia judicial relevante.

A petição, entregue em duas vias, poderá se liminarmente indeferida pelo relator quando constatar que não é o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos específicos ou for inepta. Nos dois primeiros, caso tem-se julgamento de mérito. Os casos de inépcia, de seu turno, são os previsto no CPC, já analisados anteriormente.

Há um requisito negativo, relativo à inexistência de qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. Este critério imprime à argüição o caráter subsidiário.

Esta especial característica deve ser vista com cautela, pois não significa que somente na absoluta inexistência de outro meio eficaz possa ser manejada a argüição, nem tampouco que se tenham de exaurir previamente outros mecanismos. [122]

De qualquer sorte, a aplicação do princípio "faz com que se aplique, também no processamento da argüição, a ampla jurisprudência consolidada em sede de recurso extraordinário, acerca da necessidade de prequestionamento da controvérsia constitucional" [123] quando esta estiver à base da causa de pedir.

Não admitida a inicial, a decisão poderá ser impugnada por agravo para o órgão colegiado.

Assim como ocorre nas ações declaratórias, há possibilidade de pedido de liminar, que poderá ser apreciada de duas formas. Ordinariamente, pelo tribunal pleno, quando a sua concessão carecerá de maioria absoluta dos membros. Extraordinariamente, pelo próprio relator, ad referendum do tribunal, em casos nos quais se verifique "extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou, ainda,, me período de recesso".

Antes de assim proceder, pode o relator ouvir em prazo comum de cinco dias, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República. Dentre as eficácias deferíveis através da medida liminar, está a de determinar-se a suspensão em relação ao andamento de processo ou produção de efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com o objeto da demanda, salvo se decorrentes de coisa julgada.

São admissíveis os pedidos de informação suplementares, a sustentação oral e a apresentação de memoriais por requerimento dos interessados no processo.

A decisão do feito somente será tomada se presentes dois terços dos Ministros, seguindo-se a publicação de sua parte dispositiva no Diário da Justiça e Diário Oficial da União (como ocorre nas ações diretas) e a comunicação aos responsáveis pela prática do ato, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental.

É interessante mencionar que "a argüição de descumprimento de preceito fundamental, em sua modalidade incidental, revela a curiosa figura híbrida de um controle concreto (quando se estiver a discutir uma questão em concreto) com efeitos de controle em tese (em que a decisão se pronuncia em definitivo sobre a validade do ato questionado)." [124]

A decisão tem efeitos erga omnes, em regra, e vinculante.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Introdução ao controle de constitucionalidade, difuso e concentrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1005, 2 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8186. Acesso em: 19 nov. 2024.

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