1. O Sistema de Proteção Social dos Militares da União e dos Estaduais
A Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 ampliou a competência privativa da União para editar normas gerais sobre inatividade e pensões dos militares estaduais. Na sequência, em 16 de dezembro de 2019, houve o advento da Lei Federal nº 13.954, que, dentre outras providências, dispõe sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares e alterou o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, que reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal.
Nessa regência, os militares estaduais, quais sejam, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar dos Estados, obtiveram as maiores consequências na alteração no Decreto-Lei nº 667/69, embora este seja de 1969, teve sua última alteração somente em 1984, mostrando que tal instrumento legal estava adormecido e carente de atualização. Isso significa dizer que o corpo desse diploma contém regras gerais estabelecidas pela União que devem ser observadas pelos Estados, e outras que podem ser suplementadas de acordo com o entendimento do Estado acerca das matérias tratadas.
Partindo desse novo regramento é interessante destacar que a origem do conceito de sistema de proteção social não tinha previsão legal como direito no rol do art. 50 do Estatuto dos Militares – Lei Federal nº 6.880/80, tratava-se de um conceito usualmente e doutrinariamente utilizado pelos militares das Forças Armadas, mas que só veio a ser positivado em 2019 com a Lei Federal nº 13.954/2019 que trouxe tal previsão como um direito no seu art. 50, I, além de trazer sua conceituação e abrangência no art. 50-A do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, Lei nº 6.880/80:
Art. 50. São direitos dos militares:
I-A. - a proteção social, nos termos do art. 50-A desta Lei;
Art. 50-A. O Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas é o conjunto integrado de direitos, serviços e ações, permanentes e interativas, de remuneração, pensão, saúde e assistência, nos termos desta Lei e das regulamentações específicas.
Frisamos que o art. 50 do Estatuto dos Militares das Forças Armadas foi alterado, sendo assim, é no mínimo interessante a sua reprodução como um direito que também ocorra, muito em razão da consolidação do Sistema de Proteção Social, nos Estatutos dos Policiais Militares dos Estados ou na lege ferenda sobre a temática.
Sabidamente, os Estatutos dos Policiais Militares dos Estados e leis estaduais esparsas já preveem uma série de direitos, serviços e ações de remuneração, pensão, saúde e assistência, com dispositivos e redações similares ao agora previsto na Lei nº 13.954/19, porém não era compreendida como conjunto integrado que ora vem a se consolidar como Sistema de Proteção Social.
Em um paralelo constitucional, o Sistema de Proteção Social dos militares estaria no mesmo status de gênero que a Seguridade Social dos civis, onde nela se compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa relativos às espécies: saúde, previdência e assistência social (art. 194 da CF)[1].
Afora isso, o conceito de Sistema de Proteção Social dos Militares talvez venha, também, no sentido de se afastar dos Regimes de Previdências Próprios dos Servidores (RPPS), bem como do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), uma vez que com isso se sedimenta a desvinculação entre servidores e militares para fins de inatividade, que por vezes gerou sombreamento ou interpretações confusas.
No tocante aos militares estaduais, o Decreto-Lei nº 667/69, que reorganiza as polícias militares de todo o Brasil, estabeleceu a forma em que se dará a regulamentação o Sistema de Proteção Social dos Militares dos Estados, que aqui chamamos de microssistemas de proteção social.
Importante destacar que o Sistema de Proteção Social dos Militares difere da expressão previdência social, isto é, militares não possuem previdência social e sim Sistema de Proteção Social que lhes garantem tratamento adequado e compatível com as atividades e exposição de risco desenvolvidas, estabelecendo um tratamento digno aos policiais e bombeiros militares que exercem atividades com o risco da própria vida no seu dia-a-dia. Portanto, ratificamos que os militares estaduais não possuem previdência social em razão de que estes a) possuem um regime retributivo ao invés do regime contributivo (atenção ao §1º do art. 42 da CF que diz: do art. 40, §9, ou seja, do sistema contributivo previsto no art. 40 dos servidores apenas o §9º é aplicável aos militares estaduais); b) a contribuição é para a pensão militar; c) o Tesouro do ente federativo fará o pagamento dos proventos; d) paridade e integralidade como garantia; e) critério de tempo de serviço (ausência de idade mínima, tempo de contribuição ou fator previdenciário, em que pese agora tenha o tempo mínimo de exercício de atividade de natureza militar, conforme parágrafo único do art. 24-G).
Portanto, o Sistema de Proteção Social abriga policiais e bombeiros militares ativos (percentual de contribuição social diferenciado, benefícios de saúde e assistenciais, bem como para policiais e bombeiros militares inativos e pensionistas (paridade e integralidade, etc).
Hamilton Mourão (2017, p. 1) explica as peculiaridades da carreira militar:
As peculiaridades da carreira sempre levaram os militares a terem um tratamento diferenciado, o que não significa privilegiado. Os militares não usufruem de uma série de direitos de um trabalhador em geral ou de um servidor público. Aos militares não é permitido receber horas extras, adicional noturno, adicional de periculosidade, FGTS. Assim, é imprescindível que a família do militar esteja devidamente protegida por um responsável arcabouço legal e social.
Diante do todo o exposto, surge uma problematização: a quem cabe disciplinar sobre pensão e inatividade dos militares estaduais?
As normas gerais são de competência privativa da União. Já aos Estados cabem disciplinar regras específicas, no particular, as do art. 142, §3º da Constituição Federal.
Nesse sentido, no quadro a seguir, observem que o inciso XXI do art. 22 da Constituição Federal foi substancialmente alterado para também incluir na competência privativa da União as normas gerais de inatividades e pensões:
Quadro 1 - Comparativo art. 22, XXI CRFB/1988
Constituição Federal |
Constituição Federal após E.C. 103/2019 |
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; |
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares. |
(Tabela elaborada pelo autor)
Nesse norte, o art. 22 da Constituição merece leitura sistêmica com a previsão do §1º do artigo 42, da própria Constituição onde atribui aos Estados a regulamentação específica, em complementação as normas gerais:
Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (BRASIL, CRFB, 1988)
Na regência do art. 42, § 1º, parte final, particulariza ainda mais quando discorre: “[...] cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X [...]”.
Por sua vez o art. 142, § 3º, inciso X da Constituição diz que:
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (BRASIL, CRFB, 1988)
Analisando os dois dispositivos cabe concluir que art. 42 § 1º c/c art. 142, § 3º, inciso X, autoriza os Estados a legislar sobre aquelas garantias, em especial as questões de remuneração, eis que tal assunto requer uma análise orçamentaria e financeira mais localizada. Outrossim, as normas gerais são privativas da União, sem que com isso impeça os Estados de legislarem normas específicas suplementarmente.
Segundo José Afonso da Silva (2007, p. 504):
Não é, porém, porque não consta na competência comum que Estados e Distrito Federal (este não sobre polícia militar, que não é dele) não podem legislar suplementarmente sobre esses assuntos. Podem, e é de sua competência fazê-lo, pois que nos termos do § 2º do art. 24, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui (na verdade até pressupõe) a competência suplementar dos Estados (e também do Distrito Federal, embora não se diga aí), e isso abrange não apenas as normas gerais referidas no § 1º desse mesmo artigo no tocante à matéria neste relacionada, mas também as normas gerais indicadas em outros dispositivos constitucionais, porque justamente a característica da legislação principiológica (normas gerais, diretrizes, bases), na repartição de competências federativas, consiste em sua correlação com competência suplementar (complementar e supletiva) dos Estados.
A seguir estudaremos os dispositivos do Decreto-Lei nº 667/69 que reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Território e do Distrito Federal. Conforme mencionado, embora o Decreto seja de 1969, teve sua última alteração somente em 1984, mostrando que tal instrumento legal carecia de atualização ou estava em desuso, bem como as alterações introduzidas neste diploma legal foi a forma de padronizar regras gerais idênticas para todas as polícias militares e corpos de bombeiros militares.
2. Normas gerais relativas à inatividade
Diante da institucionalização do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas - FFAA na Lei nº 13.957/19, o Decreto-Lei nº 667/69 fez menção a tal sistematização aos militares dos Estados:
Art. 24-E. O Sistema de Proteção Social dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios deve ser regulado por lei específica do ente federativo, que estabelecerá seu modelo de gestão e poderá prever outros direitos, como saúde e assistência, e sua forma de custeio.
Parágrafo único. Não se aplica ao Sistema de Proteção Social dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios a legislação dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos. (BRASIL, Decreto-Lei nº 667, 1969)
Salutar que se destaque que lei específica não é espécie de lei, mas sim característica de conteúdo. O Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux[2] diz que lei específica é uma lei monotemática, não orgânica e exclusivamente destinada a essa categoria de agentes públicos.
Outro aspecto e que emana do referido artigo, é a abertura sobre o modelo de gestão do sistema, podendo inclusive o ente federativo desvincular da administração direta e estabelecer a criação e gestão na administração indireta, bem como forma de custeio e outras peculiaridades.
Ainda analisando o art. 24-E, citado acima, encontramos um possível “conflito aparente de normas”, eis que aventa a possibilidade de previsão de outros direitos, porém tem-se que ter cuidado com a vedação de ampliação do art. 24-D e 24-H, pois a regra específica não pode contrariar a regra geral, e sim complementá-la.
Em um aspecto geral, para os Estados, o Sistema de Proteção Social, no peculiar às pensões dos militares estaduais, avançou para tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, isto é, em muitas das vezes os policiais militares eram prejudicados por estarem submetidos à legislação genérica dos servidores públicos civis, sendo ceifados em seus direitos em detrimento de suas condições peculiares e ao risco da profissão. Dessa forma, com o advento da Lei nº 13.954/19, as legislações estaduais perderam sua aplicabilidade aos militares estaduais[3]. Para tanto, a União disciplinará as normas gerais sobre o assunto, e somente permanecerão em vigor os dispositivos que não confrontarem a legislação federal, cabendo aos Estados a suplementação e edição normas específicas sobre o tema.
2.1 Normas gerais relativas à inatividade propriamente ditas
Na sequência, o Decreto-Lei nº 667/69, art. 24-A, trouxe o tão debatido aumento do tempo de serviço, regras para recebimento de remuneração integral na inatividade dos militares estaduais.
I - a remuneração na inatividade, calculada com base na remuneração do posto ou da graduação que o militar possuir por ocasião da transferência para a inatividade remunerada, a pedido, pode ser:
a) integral, desde que cumprido o tempo mínimo de 35 (trinta e cinco) anos de serviço, dos quais no mínimo 30 (trinta) anos de exercício de atividade de natureza militar; ou
No pertinente à integralidade, para que o militar estadual possa alcançar o seu direito de solicitar sua reserva remunerada com a integralidade remuneratória, necessitará ter completado 35 anos de serviço, dos quais deve ter no mínimo 30 anos de exercício de atividade de natureza militar. Observa-se que não necessariamente esses 30 anos devem ser na Corporação em que está no momento de passagem para a reserva remunerada, eis que este tempo militar pode ocorrer na Marinha, Exército, Aeronáutica, ou mesmo em outra corporação policial e bombeiro militar de outro Estado, visto que o legislador não restringiu a tempo efetivo policial, pelo contrário, deixou amplo a indicar apenas a natureza militar.
Destaca-se que em 3 Estados (Amapá, Minas Gerais e Rio de Janeiro) os policiais militares, antes da fixação desta nova previsão quanto ao tempo de serviço, poderiam deixar a ativa após 25 anos de serviço. Em outros 12 Estados, as mulheres poderiam solicitar a reserva com 25 anos de serviço e homens com 30 anos. Nos demais, a regra previa reserva com 30 anos de serviço tanto para homens como mulheres[4]. Todavia, agora todos os novos policiais e bombeiros militares ou os que ingressarem nas respectivas corporações após a publicação da Lei nº 13.954/19 passarão para 35 anos de serviço, dos quais 30 anos de exercício de atividade de natureza militar, e aqueles que já estão nas Corporações terão um pedágio de 17% do tempo faltante para 30 anos de serviço ou menos, e, de quatro meses por ano faltante para atingir o tempo de serviço exigido atualmente, onde a regra prevê 25 anos.
Cada “microssistema de proteção social” existente em cada Corporação militar dos 26 Estados e DF, por intermédio dos seus órgãos de pessoal, estão sedimentando a maioria dos assuntos aqui tratados, portanto, eventuais ajustes ainda poderão ocorrer no decurso deste processo de consolidação de entendimentos, todavia as normas gerais estão postas pelo legislador federal.
"O Espírito Santo, por exemplo, já havia excluído a integralidade de sua legislação. Diversos outros estados estudavam mudanças mais profundas nas regras para PMs e bombeiros. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), por exemplo, cogitou não reajustar os vencimentos dos aposentados nos mesmos índices que o soldo dos militares da ativa. Isso gerou protestos da categoria, em setembro, que o fizeram recuar. O mesmo aconteceu no Rio Grande do Sul."[5]
Outro ponto sensível e de notória repercussão foi a ausência da diferenciação entre gêneros na questão do tempo de serviço. Ao passo que, no mesmo cenário temporal, havia a tramitação das alterações do Regime Geral da Previdência Social e nestas se mantiveram a distinção do tempo de serviço entre gêneros, porém aos militares não. Afere-se, sem adentrar em questões sociológicas ou culturais, que na maioria dos Estados da federação os tempos de serviço já eram iguais para os policiais militares masculinos e femininos.
O art. 24-A do Decreto-Lei nº 667/69, trouxe ainda uma previsão de regras para perceber proporcionalmente na inatividade:
I - a remuneração na inatividade, calculada com base na remuneração do posto ou da graduação que o militar possuir por ocasião da transferência para a inatividade remunerada, a pedido, pode ser:
b) proporcional, com base em tantas quotas de remuneração do posto ou da graduação quantos forem os anos de serviço, se transferido para a inatividade sem atingir o referido tempo mínimo; (BRASIL, Decreto-Lei nº 667, 1969)
A alínea b encontra-se topograficamente subordinada ao inciso I, e este menciona transferência para a inatividade remunerada, a pedido, ou seja, não se trata da reserva ex officio ou reforma, assim, tal dispositivo deve ser lido em consonância com as possibilidades de reserva a pedido proporcionais em cada estatuto das Corporações militares estaduais, quando existentes.
De qualquer forma, a reserva remunerada proporcional a pedido, caso haja previsão nos Estatutos estaduais das Corporações, continua com validade naquilo que não contrariar o previsto no art. 24-A, e nos Estados em que não haja previsão, diante da ampliação de hipótese, necessitaria de normas específicas para estabelecer o regramento peculiar.
Nesse sentido, emerge um efeito de bloqueio ou resultado limitador de se considerar mais quotas dos que os anos de serviço do policial militar, salvo as hipóteses não revogadas pela Lei nº 13.954/19 e ainda vigentes, a saber, para as FFAA o tempo de campanha (período em que o militar estiver em operações de guerra) do art. 136, §1º, bem como o serviço passado pelo militar nas guarnições especiais da Categoria "A" do inciso VI do art. 137 da Lei Federal nº 6.880/80. As situações similares a essas hipóteses existentes nos entes federativos devem se manter, eis que a premissa menor (legislação local) não contraria a premissa maior (normas gerais do Estatuto dos Militares das FFAA).
Avançando, o inciso II do 24-A vem consolidar a integralidade na reforma por invalidez decorrente do exercício da função ou em razão dela, calculada com base na remuneração do posto ou graduação:
II - a remuneração do militar reformado por invalidez decorrente do exercício da função ou em razão dela é integral[6], calculada com base na remuneração do posto ou da graduação que possuir por ocasião da transferência para a inatividade remunerada; (BRASIL, Decreto-Lei nº 667, 1969)
Ocorre que, em algumas legislações estaduais, portanto, normas específicas, abarcam além da reforma integral, as possibilidades de reforma proporcional e de reforma com grau imediato, a depender das condições que se deram a reforma. Em um primeiro momento, a norma geral pode conviver com estas normas específicas, a depender de situações não contempladas no texto macro, isto é, a regra de remuneração proporcional por vezes é estipulada quando a invalidez ocorre sem ser no exercício da função ou em razão dela, logo por não haver contrariedade à norma geral, em princípio permaneceria com validade.
Diferente interpretação ocorre das redações que previam o pagamento de grau imediato para casos em que a reforma se der por invalidez decorrente do exercício da função ou em razão dela, eis que agora a norma geral estabelece apenas a integralidade com base na remuneração do posto ou da graduação que possuir por ocasião da transferência para a inatividade remunerada. Nesse ponto, até aqui, parece que a legislação específica do ente estatal não pode contrariar a norma geral. Todavia, a contrário sensu, nota-se que o art. 110 do Estatuto dos Militares – Lei Federal nº 6.880/80 não foi expressamente revogado e ainda mantem sua aplicabilidade, qual seja, a possibilidade de a remuneração ser calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa. A propósito, o art. 111 do mesmo diploma legal, que trata da remuneração proporcional e integral nos incisos I e II, também não foram revogados, inclusive este art. 111 teve o §1º incluído pela Lei 13.954/19. Logo, pela simetria entre FFAA e militares estaduais, seria incongruente dizer que tais dispositivos continuam aplicáveis aos militares federais, eis que não foram revogados, e não aplicável aos militares estaduais, razão pela qual tal problemática merece um estudo mais aprofundado.
De outra banda, o inciso III do art. 24-A traz a preservação do valor equivalente à remuneração do militar da ativa do correspondente posto ou graduação, isto é, a presciência da paridade com imperativo de revisão automática na mesma data de eventual revisão da remuneração dos militares da ativa:
III - a remuneração na inatividade é irredutível e deve ser revista automaticamente na mesma data da revisão da remuneração dos militares da ativa, para preservar o valor equivalente à remuneração do militar da ativa do correspondente posto ou graduação; e (BRASIL, Decreto-Lei nº 667, 1969)
Afere-se que a irredutibilidade ora prevista é salutar garantia, vez que a cláusula pétrea do direito social da irredutibilidade do salário do inciso VI do art. 7º da Constituição Federal não é extensível aos militares inativos por não estar no rol do art. 142, inciso VIII, nem no art. 42 da Carta Política, e por vezes também não amparadas nas Constituições Estaduais. Ademais, em que pese a extensão ao art. 37, XV da Constituição, aos militares inativos não se estenderia em razão de que estes não ocupam cargos ou empregos públicos, para fins de irredutibilidade.
Por fim, o art. 24-A do Decreto-Lei nº 667/69 preceitua como parâmetro mínimo a idade-limite estabelecida para os militares das Forças Armadas[7] do correspondente posto ou graduação para a transferência para a reserva remunerada, de ofício, por atingimento da idade-limite:
IV - a transferência para a reserva remunerada, de ofício, por atingimento da idade-limite do posto ou graduação, se prevista, deve ser disciplinada por lei específica do ente federativo, observada como parâmetro mínimo a idade-limite estabelecida para os militares das Forças Armadas do correspondente posto ou graduação.
Ponto importante que preocupava as Corporações militares estaduais tendo em vista que as idades limites eram inferiores e poderia ocasionar a reserva compulsória e perda significativa de efetivo. Assim, a Lei nº 13.954/19 deu nova redação ao art. 98 do Estatuto dos Militares para aumentar as idades limites, muito em razão do aumento do tempo de serviço, logo o ajuste era necessário e ficou estabelecido como o parâmetro mínimo para os Estados, ou seja, em lei específica podem reproduzir as mesmas idades ou até ampliarem se desta forma já não previsto, sendo vedado a redução.
Dando continuidade ao estudo do Decreto-Lei nº 667/69, que reorganiza as polícias militares, destaca-se o art. 24-D:
Art. 24-D. Lei específica do ente federativo deve dispor sobre outros aspectos relacionados à inatividade e à pensão militar dos militares e respectivos pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios que não conflitem com as normas gerais estabelecidas nos arts. 24-A, 24-B e 24-C, vedada a ampliação dos direitos e garantias nelas previstos e observado o disposto no art. 24-F deste Decreto-Lei. (BRASIL, Decreto-Lei nº 667, 1969)
Percebemos que o art. 24-D estabelece à lei específica do ente federativo a vedação de conflito com a lei federal, além de não poder ampliar direitos e garantias. Aqui, conforme dito, pode residir um “conflito aparente de normas”, uma vez que a regra de vedação de ampliação de direitos aparentemente contraria o disposto no próprio art. 24-E do mesmo decreto em que autoriza a previsão de outros direitos. Uma interpretação que pode ser dada seria que no art. 24-E a previsão de novo direito ou garantia se daria no aspecto mais geral do Sistema de Proteção Social, e o art. 24-D estaria vedando apenas a ampliação no aspecto atinente às regras específicas de inatividade e pensão, porém por se estar diante do mesmo “guarda-chuva normativo” - da proteção social dos militares-, tal redação legislativa não parece aclarar essa ambiguidade, pelo contrário.
O Decreto-Lei nº 667/69 também fez referência à simetria e sua manutenção entre militares das FFAA e militares estaduais no pertinente às normas gerais de inatividade e pensão militar:
Art. 24-H. Sempre que houver alteração nas regras dos militares das Forças Armadas, as normas gerais de inatividade e pensão militar dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, estabelecidas nos arts. 24-A, 24-B e 24-C deste Decreto-Lei, devem ser ajustadas para manutenção da simetria, vedada a instituição de disposições divergentes que tenham repercussão na inatividade ou na pensão militar.
Desse modo, novamente notam-se os impactos do art. 24-H no sistema de proteção social dos militares dos estados. Logo, pode-se aferir a simetria com as FFAA de tal forma que sempre que houver alteração nas normas gerais de inatividade e pensão militar devem ser ajustadas as leis dos entes federativos, sendo vedado ao Estado criar dispositivos conflitantes com a lei federal.