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Controle de legalidade da requisição de diligências em sede de investigações policiais:

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As requisições de diligências nas investigações policiais devem ser fundamentadas, imprescindíveis, pertinentes, realizadas no momento certo e dirigidas ao detentor da informação que se pretende obter.

Introdução

Historicamente, a doutrina não se preocupa em aprofundar o estudo da fase preliminar da persecução penal, i.e., a investigação criminal. Esse quadro vem sendo modificado gradativamente com os estudos produzidos pela doutrina moderna, a qual tem dado a devida importância à fase inicial da persecução penal.

Nesse cenário, tema que ainda ganha pouca atenção na doutrina é o controle de legalidade das requisições nas investigações policiais, tendo se proliferado ao longo dos anos a equivocada ideia de que a polícia judiciária tem o dever de atender qualquer requisição, salvo as manifestamente ilegais.

Nesse ponto, a doutrina clássica utiliza exemplos como a requisição de instauração de procedimento para apurar fato que somente se procede mediante representação da vítima sem existir essa condição de procedibilidade; requisição de instauração de procedimento para apurar fato praticado por agente já morto ou fato prescrito; requisição para se realizar a reprodução simulada de estupro; e outras do mesmo gênero, cuja ilegalidade salta aos olhos.

No entanto, não se debruçam os estudos sobre aquelas requisições aparentemente legais, mas que, quando analisadas detidamente, padecem de lastro na lei, ou seja, não encontram legitimidade no ordenamento jurídico. Referimo-nos às requisições que se desenlaçam do procedimento legal e que, sem necessidade, subvertem princípios processuais-constitucionais como, v.g., economia processual, celeridade e a própria duração razoável do processo.

Anote-se que, pelo fato de se constituir em um mandamento legal, a requisição precisa inegavelmente ter lastro na lei. Refira-se que a requisição não se trata de uma ordem, uma vez que inexiste relação hierárquica entre as autoridades da persecução penal.

Nesse passo, entendemos que o poder requisitório precisa ser mais bem refletido, pois, ainda que a requisição não seja manifestamente ilegal, também é ilegal a requisição aparentemente legal, mas que não possua lastro na legislação. Inserem-se nessa categoria as requisições infundadas, prescindíveis, inoportunas ou impertinentes.

As requisições aparentemente legais são aquelas que, embora se constituam em diligências possíveis, desgarram da lei, se constituindo em diligências desnecessárias à ação penal, formuladas após já existir justa causa para o início do processo, confeccionadas quando já existem elementos mínimos de autoria e prova da materialidade, bem como aquelas requisições formuladas a destempo, enviadas à instituição ou órgão que não detém a informação pretendida ou as confeccionadas sem descrever a informação que se pretende.

A seguir, passaremos a abordar detidamente o objeto desse estudo.

O controle de legalidade das requisições

O objetivo deste artigo é analisar o necessário controle de legalidade das requisições no seio da investigação criminal, efetivada pelo delegado de polícia nos autos do inquérito policial. Inicialmente, frisamos que tais requisições precisam atender determinadas formalidades legais para alcançarem legitimidade, tais como, fundamentação jurídica, pertinência, imprescindibilidade, momento adequado e destinatário certo.

É inegável que os honrados membros do Ministério Público[1] e do Poder Judiciário[2] são titulares do poder requisitório, i.e., gozam da prerrogativa de requisição de atos junto à polícia judiciária, bem como a outra instituição ou órgão detentor de informações necessárias à persecução criminal.

A persecução criminal se inicia com o inquérito policial, sendo que, em suma, após a coleta de provas e elementos de informação, o delegado de polícia forma o seu juízo de convencimento acerca do indiciamento criminal, de modo que tal decisão, privativa de seu cargo, operada por meio da análise técnico-jurídica dos fatos, deve ser fundamentada, indicando autoria, materialidade e circunstâncias[3].

Dessa forma, ao realizar essa análise técnico-jurídico, o delegado de polícia externa as razões pelas quais entende ser (in)viável o indiciamento criminal, o que ocorre mediante fundamentação, sendo que, havendo prova da materialidade e indícios mínimos da autoria o delegado promoverá indiciamento, do contrário não.

Registre-se, aliás, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a requisição de indiciamento é ilegal, não encontrando lastro na lei, pois, sendo ato privativo do delegado de polícia, não pode ser a ele requisitado. No caso, o Supremo concedeu habeas corpus de ofício para que fosse cassada decisão judicial com esse conteúdo[4]. A decisão acima referida foi comentada por Rogério Sanches[5]:

De acordo com o ministro, é incompatível com o sistema acusatório a determinação judicial para que a autoridade policial pratique o ato de indiciamento, que não é exigência legal e não pode sofrer controle irrestrito pelo magistrado. Trata-se de juízo de conveniência e oportunidade do delegado de polícia, a não ser em caso de patente ilegalidade ou abuso de poder, que a questão levada a julgamento não revelava.

 Então, quando a autoridade policial externa a sua decisão de forma fundamentada pelo indiciamento ela está registrando que há elementos de autoria e materialidade aptos à sustentar o término da investigação e, reflexamente, o início da ação penal, uma vez que o juízo de valor que a autoridade policial faz ao relatar o inquérito é formalizado com base nos mesmos elementos em que o promotor de justiça forma a sua opinio delicti.

Dessa forma, em condições normais, se existem elementos para se encerrar o inquérito, existem também para se iniciar o processo criminal. Inclusive, saliente-se, o inquérito policial não é um expediente exauriente, de modo que os elementos de informação não precisam (e nem devem) ser esgotados nesta fase pré-processual[6].

Nesse passo, se o delegado fundamentou o indiciamento criminal é porque, em tese, há elementos mínimos para a ação penal, a qual, em regra, se estabelece pelo princípio da obrigatoriedade. Dessa forma, qualquer requisição de diligências complementares dirigidas à autoridade policial, para complementar dados investigatórios, deve ser fundamentada, pertinente e imprescindível, i.e. deve referir a deficiência na coleta da materialidade e autoria da infração penal, justificando sua imprescindibilidade, e pontuando especificamente o que entende estar faltando nos autos do inquérito policial, com a demonstração de sua pertinência.

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Logicamente, a decisão externada pelo delegado de polícia ao final do procedimento investigatório não vincula a análise do promotor de justiça. São verificações independentes, cada uma realizada em momento específico apontado pela lei. Não se pretende, assim, sugerir a restrição do poder de análise dos dignos representantes do Ministério Público, mas apenas salientar que as diligências objeto de requisição precisam ser fundamentadas e ter lastro na legislação.

O fato é que, ainda que apresente dois momentos distintos, o da investigação e o da ação penal, a persecução criminal é una, indivisível, e possui um sistema lógico progressivo de acontecimentos, de modo que o procedimento não deve retroceder, salvo se ausente um dado imprescindível ao seu seguimento.

Nesse passo, atento à progressividade da persecução penal, deve o delegado verificar a constitucionalidade, legalidade e legitimidade de toda e qualquer requisição que receba. Nesse sentido, ensina Leonardo Marcondes[7]:

Em primeiro lugar, equiparar requisições a ordens mostra-se completamente incorreto, uma vez que inexiste qualquer relação de subordinação hierárquica funcional dos delegados de polícia em relação aos juízes e membros do parquet. Aliás, o mantra segundo o qual “requisições não se discutem, apenas se cumprem” vai na mesma linha. Há, sim, por parte do delegado de polícia, o dever jurídico-político de analisar a constitucionalidade da diligência requisitada pelo Judiciário ou pelo Ministério Público antes da sua realização no inquérito policial. Por óbvio, se inconstitucional ou ilegal a requisição, não pode ter qualquer espaço no procedimento investigativo.

Portanto, fica nítido que, no seio da investigação criminal constitucional (moderna) compete à autoridade policial realizar o controle de legalidade lato sensu que deve permear as requisições ministeriais e judiciais dirigidas à polícia judiciária.

A requisição judicial na fase da investigação criminal

Para que possuam legitimidade e legalidade as requisições precisam ser fundamentadas, pertinentes e imprescindíveis, como esboçamos inicialmente.

No que se refere às requisições judiciais, fazemos um aparte apenas para salientar que, ainda que sejam possíveis na fase pré-processual, não se pode olvidar que no sistema acusatório é vedado ao magistrado substituir o órgão acusador, tomando a iniciativa de determinar a produção de provas não requeridas pelas partes, i.e., sem provocação, salvo nos casos pontuais em que a própria lei o autoriza a determinar a produção de provas de modo subsidiário ou supletivo (o que ainda não eximiria de possíveis críticas a postura ativa do órgão judicante, diante da suposta violação ao sistema acusatório).

Em outros termos, hoje, na persecução criminal, mormente durante a fase preliminar da investigação criminal, consubstanciada nos autos do inquérito policial, é expressamente vedado que o juiz determine a realização de diligências sponte sua.

Inclusive, já frisamos em outra oportunidade[8], quando discorremos sobre a ausência de lastro legal na requisição judicial de oitivas em procedimento de natureza cautelar, sobre o cuidado que os magistrados precisam ter no desempenho do poder requisitório, sob pena de flagrante violação ao sistema acusatório, modelo que ganhou especial relevo com o pacote anticrime (Lei nº 13.964/19).

Com o novo regramento, pensamos que a mensagem do legislador foi clara ao traçar às definições rígidas das atribuições de atuação de cada órgão da persecução penal, sendo nosso entendimento de que os juízes devem se abster de medidas desse jaez, principalmente com a nova lei de abuso de autoridade, que faz as autoridades redobrar a cautela no desempenho das suas atribuições.

Assim, diante desses argumentos, sendo praticamente inexistente a confecção de requisições judiciais na fase preliminar da persecução penal, nos tópicos a seguir, vamos nos ater à análise das requisições ministeriais, que, em regra, ocorrem em maior número no seio das investigações policiais.

A fundamentação jurídica da requisição ministerial

Para que possua respaldo na ordem constitucional vigente e, assim, legitimidade e legalidade, a requisição confeccionada pelo Ministério Público, no seio das investigações criminais precisa apresentar o seu fundamento jurídico.

A requisição ministerial dirigida à autoridade policial, nos termos do artigo 129, VIII, da Constituição Federal[9], deve apresentar fundamento jurídico, que, para o Superior Tribunal de Justiça, é a circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão, não sendo suficiente apenas o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria)[10], que, refira-se, é implícito a qualquer ato processual.

Em outras palavras, quando o Superior Tribunal de Justiça diz que o fundamento jurídico é o “fundamento de fato qualificado pelo direito”, subentende-se que o fundamento legal deve ser apontado naturalmente, de modo consequencial, pois se trata justamente da própria “qualificação pelo direito”, como forma a legitimar e autorizar o “fundamento de fato”.

A fundamentação jurídica da requisição ministerial, inclusive, além de ser elemento essencial de sua constitucionalidade, é elemento imprescindível para que se possa realizar o controle de legalidade. Qualquer requisição ministerial fundamentada simplesmente no poder requisitório genérico (art. 129, VIII, CF) ou no dever legal de atendimento (art. 13, II, CPP), indiscutivelmente, não vence o primeiro requisito de filtragem estabelecido pela Constituição Federal, i.e., apresentação do fundamento jurídico, devendo ser considerada juridicamente infundada.

Com o perdão pela tautologia, sublinhamos: a persecução criminal é um sistema lógico progressivo de acontecimentos. Assim, o procedimento indivisível da persecução não deve retroceder, exceto se ausente um dado imprescindível que lhe impeça o andamento. Essa ausência, quando constatada, deve estar descrita e ser juridicamente pormenorizada e fundamentada na requisição ministerial.

A pertinência e imprescindibilidade da requisição ministerial

Dando sequência ao roteiro de análise do controle de legalidade das requisições ministeriais, insta anotar que, para que possua legitimidade e legalidade, a requisição precisa ser pertinente e imprescindível.

Nesse aspecto, referimos que a diligência (em forma de requisição) deve ser imprescindível à ação penal, conforme determinação expressa do art. 16 do Código de Processo Penal, onde o legislador estabelece o caminho progressivo e lógico (caminhar para frente) que deve nortear a persecução criminal. Trata-se de outro requisito (o segundo) para que a diligência objeto da requisição seja atendida.

A par dessa inferência, o dispositivo legal acima referido é expresso no sentido de que o promotor não poderá requisitar novas diligências, exceto se imprescindíveis ao oferecimento da denúncia. É nesse contexto que nos referimos, inicialmente, a requisições aparentemente legais, pois, ainda que se constituam em diligências possíveis, como uma simples inquirição, quando presentes os elementos mínimos de autoria e materialidade, se desgarra da lei, pois prescindível à ação.

Nesse sentido, Márcio Anselmo[11] ensina que:

Não obstante tal autorização, a requisição de diligências investigatórias deve obedecer aos limites legais e constitucionais impostos ao exercício do poder requisitório ministerial, sob pena de ser negada, de forma legítima, pela autoridade policial o cumprimento das diligências.

Estabelecido o momento de seu cabimento no curso do inquérito policial, é necessário definir os limites do poder requisitório a fim de se evitar abusos ou ilegalidades.  O artigo 16 do CPP traz uma primeira limitação, tornando a requisição cabível somente quando a diligência for imprescindível para o oferecimento da denúncia:

Sendo assim, nota-se que a diligência deve ter por finalidade a construção da materialidade e dos indícios de autoria relacionados aos fatos sob apuração, já que são esses os requisitos para o oferecimento da denúncia (...).

Logo, qualquer diligência ministerial que seja objeto de requisição à polícia judiciária que não tenha devidamente demonstrada a sua imprescindibilidade, deve ser considerada impertinente, do modo que seu atendimento deve ser refutado, motivadamente, pela autoridade policial.

O momento da requisição ministerial[12]

As requisições ministeriais dirigidas à polícia judiciária, feitas durante a persecução penal, só têm lugar após a remessa do procedimento investigatório à justiça, de modo que, presentes a fundamentação jurídica e a imprescindibilidade da diligência, deve a autoridade policial atender a requisição.

Frise-se que, requisições no curso da investigação criminal, i.e., durante o andamento do procedimento investigatório, são inoportunas, devendo ser desconsideradas, pois a presidência do inquérito policial cabe exclusivamente ao delegado de polícia[13], não se admitindo qualquer ingerência ou direcionamento interno (por parte de superior hierárquico) ou externo (por parte de outro órgão).

É a autoridade policial, presidente da investigação, que fará o juízo de valor acerca dos elementos que serão produzidos nos autos do inquérito policial. Caberá ao delegado de polícia definir quais elementos e provas serão produzidos, bem como o momento em que serão produzidos.

Da mesma forma, quando houver requisição ministerial para que se instaure um inquérito policial, portanto, antes do início da investigação criminal, é forçoso concluir que, eventuais indicações de diligências a serem desempenhadas pela polícia judiciária devem ser recebidas pelo delegado como sugestões, já que a condução do apuratório, determinando as diligências que serão realizadas, compete exclusivamente à autoridade policial.

Diante dos argumentos, acima lançados, cumpre transcrever trechos da lição de Márcio Anselmo, que, com clareza particular, assevera[14]:

Dessa forma, a interação entre o órgão ministerial, enquanto titular da ação penal e custos legis, e o delegado de polícia, enquanto presidente do inquérito policial, deve observar os contornos de seus papéis em três momentos distintos da investigação criminal: a) fase anterior à instauração da investigação; b) fase de tramitação do inquérito policial (da instauração até o relatório); c) fase posterior à finalização das apurações.

Na fase anterior ao início da investigação criminal, situada entre a prática delitiva e a instauração do inquérito policial, o órgão ministerial desempenha sua função fiscalizatória por meio da requisição de instauração do inquérito policial. Em virtude do princípio da obrigatoriedade, inexiste juízo de oportunidade e conveniência do delegado de polícia para decidir se instaura ou não o inquérito policial, salvo se a requisição é manifestamente ilegal.

(...)

No curso do inquérito policial, compreendido entre a portaria de instauração e a confecção do relatório final, cabe unicamente ao delegado de polícia decidir sobre a diligência investigatória empregada, momento adequado para execução, técnicas de inteligência necessárias e teses jurídicas que se mostrarão úteis para a apuração dos fatos. (...)

(...)

Por fim, um terceiro momento do inquérito policial se dá com o oferecimento do relatório, que marca o encerramento da atuação da polícia judiciária, uma vez que a autoridade policial reconhece que foram exauridas as diligências investigatórias disponíveis e adotadas as teses jurídicas mais adequadas para a busca do esclarecimento dos fatos. Abre-se, a partir de então, espaço para a apreciação do resultado da investigação pelo órgão ministerial.

(...)

Aqui reside o instante em que se mostra cabível a requisição das diligências investigatórias em face do delegado, enquanto presidente da investigação, sem que ocorra disfunção ou desvirtuamento dos órgãos da persecução penal. (grifamos)

Não é demais lembrar que a polícia judiciária (aqui compreendidas a Polícia Federal e as Polícias Civis) não é órgão subalterno do Ministério Público, não possuindo, ademais, compromisso com a acusação, conforme bem esclarecido pelo professor Henrique Hoffmann[15], sendo instituição Democrática que atua na busca da verdade.

Nesse aspecto, insta anotar que, tendo o Ministério Público o aval do Supremo Tribunal Federal para conduzir investigações criminais por suas próprias forças[16], caso pretenda dirigir a investigação e definir os elementos que devem ser produzidos, deve instaurar um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) e proceder da forma que lhe convier.

A independência funcional das autoridades da persecução criminal é um pilar basilar do Estado Democrático. Justamente por isso é que a redação do art. 16 do Código de Processo Penal indica que a requisição de diligência ministerial só pode ocorrer após a remessa definitiva do inquérito policial à justiça.

O dispositivo refere ser vedada “devolução do inquérito à autoridade policial”, exceto se houver a necessidade de diligências imprescindível à denúncia. Ora, somente se pode devolver aquilo que foi remetido.

O destinatário da requisição ministerial

A requisição ministerial deve ser dirigida a quem seja o verdadeiro detentor de direito ou de fato da informação ou documentação pretendida. Devemos entender, por detentor de direito, aquele que por lei é responsável pela informação ou documentação, i.e., a pessoa legitimada a produzir a diligência. E, por detentor de fato, aquele que possui a guarda da informação ou documentação, i.e., pessoa que detém a posse de fato.

Nesse aspecto, referimos que a diligência (em forma de requisição), deve ser dirigida ao destinatário certo, uma vez que o art. 47 do CPP impede que o Ministério Público faça requisições à polícia judiciária quando a diligência pretendida estiver na posse de outra instituição.

Aliás, nem sempre o detentor de direito terá a guarda da informação ou documentação, pois, após a sua produção ou sua requisição à outra instituição, pode ocorrer de o resultado da diligência estar realisticamente com outra pessoa, a qual seria o detentor de fato.

Explicamos. Nos autos do inquérito policial, o delegado de polícia, se entender necessário, pode requisitar perícia, informações, documentos e dados[17], bem como determinar a realização de outras diligências que interessem à apuração dos fatos[18].

Sendo assim, após requisitar a realização de determinada diligência, v.g., perícia necroscópica, pode ocorrer de o documento produzido estar nas mãos do perito que, por esquecimento ou outra razão não enviou aos autos. Atente-se que, neste caso, o delegado de polícia não é o detentor de direito, pois a produção do laudo pericial não lhe cabe, nem detentor de fato, pois o referido documento não lhe foi remetido.

Nesse caso, vendo o promotor de justiça que o delegado de polícia requisitou a perícia necessária, o que está na esfera de suas atribuições, mas que o perito não formalizou a sua remessa aos autos, deve requisitar o laudo pericial ao Instituto-Geral de Perícias, não à polícia judiciária[19], evitando, dessa forma, que a unidade policial figure como uma espécie de “secretaria” do órgão ministerial.

Outra situação análoga, que teria o mesmo resultado, seria o caso de o promotor de justiça, após receber definitivamente os autos do inquérito policial para manifestação, pretender, em complemento aos elementos carreados, a juntada da matrícula de um imóvel, por exemplo. Essa diligência não deve ser direcionada à Delegacia de Polícia, mas ao Ofício de Registro de Imóveis, cujo responsável legal é o detentor de direito da informação pretendida.

No mesmo sentido, se, analisando os autos de um inquérito policial enviado à justiça definitivamente, entender o promotor que seria interessante juntar aos autos a quebra de sigilo bancário ou fiscal do investigado, tal diligência não deve ser dirigida à Delegacia de Polícia. Neste caso, além de não ser detentor de direito ou de fato da diligência, sequer pode requisitar diretamente tais informações, que estão protegidas pela cláusula de reserva de jurisdição. Nesse caso, entende-se que o promotor deve requerer a diligência diretamente ao juiz para que ele, então, faça a requisição à instituição detentora da diligência.

O Ministério Público tem quadro funcional muito bem aparelhado e os promotores gozam do mesmo poder requisitório que a autoridade policial, sendo vedado que se utilize da intermediação de outra instituição para a obtenção dos elementos de convicção que julgar necessários, acarretando ônus desnecessário à polícia judiciária[20].

Nesse diapasão, o delegado de polícia somente estará obrigado a atender à requisição, se estiver por lei como detentor de direito ou detentor de fato – como, v.g., no caso de vítima, terceiro ou um hospital que fornece um documento à polícia judiciária, estando realisticamente sob o poder da autoridade policial.

Das considerações finais

Por derradeiro, concluímos que cabe ao delegado de polícia realizar o controle de legalidade lato sensu das requisições ministeriais e judiciais dirigidas à polícia judiciária. Nesse passo, além das requisições manifestamente ilegais, deve-se ter especial atenção às requisições aparentemente legais, mas que, submetidas à análise profícua, não possuem embasamento no ordenamento, pois, desenlaçando-se do procedimento legal, subvertem o sistema lógico progressivo que deve ser observado na persecução penal.

Reforçamos que, para que possuam constitucionalidade, legalidade e legitimidade, as requisições ministeriais convergidas à polícia judiciária precisam ter lastro na lei, preenchendo os requisitos da fundamentação jurídica, pertinência, imprescindibilidade, momento específico e destinatário certo.

Faltando qualquer destes requisitos, o delegado não estará obrigado a atender a requisição, devendo, motivadamente, restituir o procedimento à origem, rejeitando seu cumprimento[21] e pensamos que os promotores devam se abster de medidas desta natureza, pois qualquer requisição que destoe do procedimento legal, impondo uma obrigação não prevista na lei, é ilegal e ilegítima.

Sobre os autores
William Garcez

Delegado de Polícia (PCRS). Pós-graduado com Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal. Professor de Direito Criminal da Graduação e da Pós-graduação da Fundação Educacional Machado de Assis (FEMA) e de cursos preparatórios para concursos públicos: Ad Verum/CERS (2018), Casa do Concurseiro (2019), CPC Concursos (2020), Mizuno Cursos (2021) e Fatto Concursos (2023). Professor de Legislação Criminal Especial do curso de Pós-graduação do IEJUR - Instituto de Estudos Jurídicos (2022) e da Pós-graduação da Verbo Jurídico (2023). Organizador e autor de artigos e obras jurídicas. Palestrante. Instagram: @prof.williamgarcez

Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCEZ, William; LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. Controle de legalidade da requisição de diligências em sede de investigações policiais:: fundamentação jurídica, imprescindibilidade, pertinência, momento e destinatário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7043, 13 out. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81979. Acesso em: 7 nov. 2024.

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