Resumo: O presente artigo traz a temática acerca do sistema prisional brasileiro, as condições do indivíduo condenado dentro das unidades prisionais, a omissão, restrição e violação dos direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente existente em conjunto com o descumprimento dos dispositivos elencados na Lei de Execução Penal e as consequências advindas dessa violação, explana ainda sobre a precariedade das carceragens no Brasil, a marginalização do segundo mundo, sociedades paralelas criadas dentro das cadeias brasileiras. Há ainda uma ampla abordagem quanto ao surgimento e reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional pelo STF com o advento da ADPF n 347, sua aplicabilidade e funcionalidade para o sistema jurídico criminal brasileiro e seu tratamento dentro do que rege o controle de constitucionalidade praticado no Brasil.
Palavras-Chave: Estado de Coisas Inconstitucional; Direito Penal; Sistema Prisional brasileiro; Lei de Execuções Penais.
Sumário: 1. Introdução – 2. Superpopulação: o contexto do Brasil e da Bahia; 2.1. A população carcerária e os direitos fundamentais a luz da Constituição; 2.2. A Lei de Execução Penal (LEP) e a dificil aplicação ao sistema prisional brasileiro – 3. O Estado de coisas inconstitucionais; 3.1. Do Surgimento da ECI; 3.2. O ECI no Brasil – 4. O papel do STF na proteção da dignidade das pessoas presas; – 5. Conclusão – Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O sistema prisional brasileiro sofre de alta precariedade, com ausência de assistência política e de fiscalização, no que tange ao alinhamento entre a população carcerária e seus direitos e deveres.
Nesse diapasão evidencia-se a violação dos direitos fundamentais dos indivíduos que se encontram condicionados ao cárcere, dentre as quais está a situação decadente e insalubre em que os presos são condicionados a sobreviver.
Em busca de proteção aos direitos fundamentais do indivíduo preso o Supremo Tribunal Federal reconhece o Estado de Coisas Inconstitucional.
O constante estado de decadência do sistema prisional brasileiro é uma realidade social no país.
Assim as questões que norteiam os fatos que resultaram nesse status negativo, são complexas, porém, estas existem e possuem ampla repercussão midiática, bem como apelos por parte da população, em busca de providências, que possam conter as ilegalidades praticadas pelos agentes e representantes internos do Estado, uma vez que os presos tornam-se invisíveis àqueles que podem viabilizar a melhora do sistema, os políticos.
Apesar dos constantes acordos e tratados internacionais que unem diversos países, inclusive o Brasil, em prol dos direitos humanos, para que sejam criadas normas adequadas, a serem aplicadas e respeitadas de forma ampla, atingindo inclusive aqueles que já não possuem direitos políticos, como o caso dos presos, as violações a essa ferramenta protetiva, ocorrem todos os dias dentro dos complexos prisionais do Brasil, fato este que se intensifica a muitos anos.
As violações aos direitos humanos no ambiente prisional têm origem em diversos fatores internos, o principal deles é a superlotação dos presídios.
Este fator implica na violação de direitos básicos, ligados à higiene e às condições sub humanas de sobrevivência, até o cerceamento da vida de um preso, devido ao excesso de detentos, ocorrências internas ou consequências com os próprios agentes de polícia, com extensão aos movimentos de revolta, as rebeliões.
Ocorre que apesar da existência da prática de tais violações, é cediço que este não poderia ser consequência das penalidades aplicadas pelo Estado aos indivíduos em detenção, o que acaba por acontecer.
O Estado imputa a pena de prisão a determinado indivíduo, pelo jus puniendi que lhe cabe, mas, tal penalidade deve somente cercear o direito de ir e vir do preso, quando da condenação resultar a pena de prisão, tirando-lhes o direito à liberdade, por tempo determinado, bem como os direitos políticos e tão somente estes, contudo, por o preso é privado de uma gama de direitos inerentes ao indivíduo, de acordo com as normas constitucionais, o que infringe ainda o princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana, com relevante extensão às normas acolhidas nos tratados internacionais que envolvem a temática.
Assumindo a existência de tais violações e visando minimizar os prejuízos, ora causados, pela ausência de zelo com a população detenta, surge, na América Latina, o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), que nada mais é que uma ferramenta de contenção ou desfazimento de ilicitude praticada nos presídios.
No Brasil o ECI é reconhecido pelo Superior Tribunal Federal, através da medida cautelar julgada por meio da ADPF n°347, para desafogar os presos e proteger os direitos fundamentais previstos em texto constitucional, ora cerceado durante o cumprimento da pena.
Assim o presente artigo visa expor, em linhas gerais, a realidade do sistema prisional do Brasil, tendo como ponto principal as suas mazelas, a superpopulação carcerária.
Metodologicamente, análise das precariedades internas contidas no ambiente de detenção e das violações aos direitos fundamentais será realizada mediante revisão de literatura.
Além disso, o texto beneficia de analises doutrinárias e jurisprudenciais do conceito de Estado de Coisas Inconstitucionais no contexto brasileiro, tendo como ponto central o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.347, julgada pela Suprema Corte Brasileira em 09 de setembro de 2015.
2. Superpopulação prisional: o contexto do Brasil e da Bahia
O direito à liberdade é um direito que se estende a todos, sem distinção, protegido e garantido pela CF/88, o direito de ir e vir será livre desde que o indivíduo não seja condenado a nenhum tipo penal previsto no Código Penal Brasileiro, assim, uma vez condenado, o magistrado pode penalizar o indivíduo e fazê-lo cumprir pena restritiva de liberdade, nesse contexto o direito à liberdade permanece cerceado por prazo determinado.
Ocorre que, as pessoas presas no Brasil não perdem somente o direito à liberdade, mas têm violadas ainda a sua dignidade como pessoa, o direito à vida em decorrência de eventos criminosos que ocorrem nas dependências do presídio, à integridade física e psicológica, ao ser, este indivíduo, submetido a penas ou trata-mentos desumanos ou degradantes, presos estes que por estarem sob custodia do Estado, deveriam ser protegidos e garantidos por meio deste enquanto estivessem sob sua guarida até o cumprimento total da pena.
A superpopulação do sistema prisional brasileiro dificilmente conseguirá ter um fim.
Isso ocorre porque os recursos disponíveis estão sendo geridos de forma otimizada, quando comparados com o aumento da incidência de indivíduos presos todos os dias no país.
A superlotação dos sistemas penitenciários afeta todas as sociedades em sua amplitude mundial, mesmo nos países mais ricos e desenvolvidos, onde as prisões são limpas e mais seguras, essas superlotações prisionais representam um atentado à dignidade humana.(LEMOS, 2006) Ocorre que no Brasil não existe prioridade quando o assunto é sistema carcerário, não há atenção para criação de projetos que vise o melhoramento do sistema prisional, as decisões que garantem melhoras políticas e futuras, em geral não englobam a criação de novos presídios ou o aumento complementar de cárceres já existentes, para o desafogamento das instituições que já funcionam, nem tampouco política de reestruturação interna para a reorganização administrativa do local a fim de reduzir os crimes cometidos dentro do âmbito prisional contra os detentos, o agravamento dos problemas causados à saúde dos presos, má alimentação, ausência de higiene adequada, existência de insalubridade sem as devidas precauções de contenção, a banalização interna do indivíduo encarcerado, o abuso de poder das autoridades policiais e agentes carcerários sobre os presos, precariedade da qualidade do trabalho interno prestado pela população do local, dentre outros fatores.
Os problemas existentes no sistema prisional brasileiro desafiam diretamente o sistema jurídico penal, a política criminal e a política de segurança pública do país (INFOPEN, 2019, p. 6).
As políticas públicas voltadas ao tratamento dos presos no país são escassas em relação à demanda, e as que existem são insuficientes e ineficientes em muitos aspectos.
Com isso, o grande número de pessoas presas leva à superlotação ou a superpopulação carcerária, que por sua vez acaba por potencializar uma multiplicidade de violações de direitos humanos no interior dos presídios.
Conforme dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN de junho de 2019 , a população carcerária tem um total de 758.676 (setecentos e cinquenta e oito mil seiscentos e setenta e seis) presos, sendo 348.371 a população que se encontra em cumprimento do regime fechado, 126.146 indivíduos que cumprem a pena em regime semiaberto, 27.069 condenados a cumprirem a pena em regime aberto, 253.963 detentos a título provisório ou preventivo, 721 indivíduos sob prisão em tratamento ambulatorial e por fim 2.406 indivíduos sob medida de segurança.
O panorama estatístico é claro no sentido de que deve haver um planejamento coerente, equilibrado e interativo entre o poder público e os órgãos responsáveis.
Mister se faz salientar que o Brasil, até o ano de 2019, conforme dados do INFOPEN, possuía apenas 437.912 vagas em todos os presídios existentes em território nacional, quando a real totalidade se aproxima do dobro da quantidade de vagas existentes.
Por isso, o país ocupa o terceiro lugar em maior número de presos, perdendo apenas para os Estados Unidos e a China.
A violação aos direitos humanos dar-se-á potencialmente pela superpopulação pré-existente no interior dessas instituições, é o que enseja ainda, as guerras internas, movimentos provocados pelos próprios presos, cuja finalidade é pedir ajuda a sociedade, porém, por ser uma população de indivíduos sem direitos políticos, são tratados como marginais, ou seja, indivíduos à margem da sociedade e não como são tratados seres humanos não apenados, em virtude disso, os movimentos rebeldes, as chamadas rebeliões ou ainda os motins, tendem a ser protestos violentos, com retenção de reféns, desentendimentos ideológicos internos, motivados pelas emoções exacerbadas gerado pelo momento de instabilidade e caos.
Tais movimentos resultam em morte, desordem, castigos e penalidades cruéis por parte da administração interna, penas também marginalizadas e sem conhecimento da justiça.
Mister faz-se a necessidade de salientar que, os movimentos internos não são sempre em busca de protesto, pedido ou ajuda, devido a superpopulação é desenvolvido no presídio uma força política interna, essa força é o que controla todo um sistema marginalizado dentro e fora do sistema prisional, e quando os movimentos são gerados para medir força interna entre facções criminosas, o nível de violência atinge não só o físico, causando diversas mortes, entre agentes penitenciários e os próprios presos, mas também gera a violência moral, psicológica e sexual.
Isso ocorre, pois, as manifestações geradas pelas facções em busca do controle da superpopulação, faz com que o sofrimento se torne motivo de exaltação de um suposto poder adquirido enquanto detento, sem nenhum traço positivo para seus resultados, é uma política criada para que exista um poder supremo em uma sociedade alternativa.
Há ainda a existência do comércio interno e ilegal de drogas e a proliferação de diversas doenças infectocontagiosas, dentre outros males que tem atingido a população carcerária, sem que haja nenhuma providência por parte dos governantes, nem para coibir, conter ou erradicar tais irregularidades.
É importante esclarecer que um indivíduo quando condenado a pena restritiva de liberdade, imediatamente é conduzido e preso, com determinado tempo ele é encaminhado para um presídio, iniciando o cumprimento da pena, esse indivíduo torna-se neste momento uma vítima do sistema.
O apenado, por óbvio, deve cumprir a pena sancionada em decorrência dos crimes aos quais foi imputada culpa, contudo, passa a ser alvo de uma série de violações que atinge primordialmente seus direitos e garantias fundamentais trazidos pela Constituição Federal de 1988 e por tratados e acordos internacionais acerca dos direitos humanos, tais violações de forma oculta estão atribuídas ao apenado, de forma ilícita.
Diante da situação fática dos presídios, o momento de reabilitação social do indivíduo dentro do sistema prisional, deixa de ser um momento de punição do Estado, e torna-se um martírio ocasionado pelo descumprimento aos preceitos principiológicos concernentes a dignidade da pessoa humana, em que pese o próprio sistema põe em risco a vida do indivíduo condenado.
É importante frisar que o fato do preso possuir um estágio significante de limitações aos seus direitos, esta limitação não alcança a totalidade dos direitos pré-existentes, isso porque, teoricamente, há direitos e garantias que são irrenunciáveis e indisponíveis, logo são impossíveis de serem cerceados ou dispostos por seus titulares, mesmo que este cerceamento ou disposição seja requerido pelo Estado.
O agravamento do cenário abordado neste estudo ocorre devido, a violação dos direitos e garantias inerentes a condição de presidiário, porém, vivenciada na realidade do sistema carcerário brasileiro, o que acaba por colocar o indivíduo “condenado” na linha da indiferença social, do preconceito estrutural e do estado de submissão a situações degradantes, evidenciado por ser consequência resultante do ódio que espalha-se diante do julgamento da sociedade e do desejo que o indivíduo, condenado por determinado crime ou ilicitude seja submetido a penas cruéis, prática esta vetada pela Lei Maior de 1988.
Para Guilherme Nucci (2017), por outro lado, também se verifica que os poderes públicos, não raramente, se abstêm de agir no sentido de reverter a situação, despertando de seu estado de inércia apenas quando catástrofes ocorrem no interior dos presídios, como tem sido ampla e tristemente noticiado pela mídia brasileira e também internacional e como foi por exemplo a chacina do extinto Complexo Prisional do Carandiru, em São Paulo.
Assim o reconhecimento no Brasil da existência do estado de coisas inconstitucional, confirma diretamente a prática da violação a diversos direitos elencados em texto constitucional, direitos estes que devem atingir a toda população, inclusive a superpopulação de detentos existentes no país.
Na região nordeste do país, especificamente no estado da Bahia, o INFOPEN do mês de junho de 2019, indicou que a população de presos alcança um total de 15.725 presos, sendo 5.005 detentos cumprindo pena em regime fechado, 2.472 presos em cumprimento de pena no regime semiaberto, 205 indivíduos cumprindo pena no regime aberto, 7.971 indivíduos cumprindo prisão provisória, 72 indivíduos em tratamento ambulatorial e nenhum em medida de segurança.
No Estado da Bahia existem 28 unidades prisionais, conforme dados fornecidos pelo sítio virtual da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização – SEAP do Estado, das quais 18 unidades já estão superlotadas, o que faz com que o Estado entre na estatística Nacional em que as unidades seguem desassistidas e com os já mencionados problemas causados pela superlotação e precariedades das unidades prisionais.
2.1. A população carcerária e os direitos fundamentais a luz da Constituição
A Constituição Federal de 1988, por ser a norma que rege todo Estado brasileiro garante a democracia socializada em todo território nacional.
Ocorre que, fora da teoria, na prática o exercício e a aplicabilidade do direito perde sua extensão e sua eficácia quando deveria ser internalizado por toda sociedade, porque, os direitos fundamentais dos presos são suprimidos e corrompidos dia após dia.
Em seu texto a Lei Maior de1988, especificamente em seu Título II – Direito se Garantias Fundamentais, estes são subdivididos em cinco tópicos, listando e elencando tais direitos, são estes: Direitos individuais e coletivos, Direitos sociais, Direitos de nacionalidade, Direitos políticos e os Direitos relacionados à existência, organização e a participação em partidos políticos.
Os direitos individuais e coletivos, previstos no artigo 5º e incisos da CF/88, são os diretamente relacionados à pessoa humana e à sua personalidade, tais como à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à propriedade.
Já os direitos sociais, previstos no artigo 6º, são aqueles relacionados ao Estado Social de Direito devendo este garantir as liberdades positivas aos indivíduos, tais direitos possuem foco na educação, saúde, trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados e objetiva a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos, alcançando a igualdade social.
Os direitos à nacionalidade, que valida e limita as condições que vinculam determinado indivíduo a um Estado específico, direitos que são inerentes ao indivíduo quando originário ou aqueles que garantem esses direitos por meio dos procedimentos jurídicos.
A questão dos direitos políticos, previstos no artigo 14 da Lei Maior de 1988, quando se relaciona ao tema é que este, apesar de ser um direito fundamental, quando na condição de condenado apena de prisão, o indivíduo, passa ater seus direitos políticos suspensos, pelo mesmo prazo em que durar o cumprimento da sua pena, porém são direitos que permitem ao indivíduo, através de direitos públicos subjetivos, exercer sua cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado.
Por fim, tem-se, elencados no artigo 17 da CF/88, os direitos relacionados à existência, organização e a participação em partidos políticos: garante a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos como instrumentos necessários e importantes na preservação do Estado democrático de Direito.
Quando associamos os direitos fundamentais a população carcerária, claramente sabe-se que tais normas não são aplicadas e estendidas a população de presos do Brasil em toda sua extensão, bem como quando relacionados os direitos aos princípios fundamentais que regem no Estado e foram bases fundamentais para a Constituição brasileira.
Os direitos individuais e coletivos, os direitos sociais e o princípio da dignidade da pessoa humana, são, das classificações existentes as mais violadas no sistema prisional brasileiro.
Quando é apontada a ausência de extensão desses direitos a população de presos no Brasil, isso significa que a supressão retira essa população do alcance da lei.
O próprio Estado, por intermédio dos seus agentes, e os governantes (políticos eleitos) ignoram a existência desse sistema dentro da sociedade, a primeira nulidade surge pela ausência de políticas públicas e de projetos estruturais, cuja principal finalidade é controlar e fiscalizar a existência de irregularidades e o mínimo de habitação da população interna, o que não acontece.
Isso ocorre também, pela liberdade subjetiva estatal, ou seja, a norma existe, tem natureza erga omines, todavia, um indivíduo preso ou condenado, já não possui o status de um cidadão com amplos direitos, deveres e obrigações, somente por estar preso, a sociedade brasileira já coloca o indivíduo a margem da sociedade e estende as limitações políticas do indivíduo a toda legislação.
Assim de forma subjetiva o preso passa a ser inexistente para as leis que deveriam protege-lo e beneficia-lo, tanto pelos agentes internos do Estado, aqueles que se encontram na instituição laborando, quanto pelo Estado em sua forma administrativa.
Acerca dos direitos fundamentais, ensina o mestre José Afonso da Silva (2007): O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enunciados explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que a cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos.
Mais que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira em proprietários e não proprietários (SILVA, 2007, p. 159).
Ocorre que para o preso o direito à vida é ameaçado a todo momento e cerceado quando da ocorrência de morte, por doenças infecto contagiosas adquiridas dentro da cadeia, quando da tortura física praticada por agentes, ou ainda como consequência de rebeliões ou motins internos, junto a este está também o direito a segurança, ausente dentro da carceragem, muitos presos privilegiados portam armas brancas sem nenhuma fiscalização, para o Estado o importante muitas vezes é deixar o indivíduo preso para assegurar a sociedade não fazer do presídio um lugar seguro para o preso.
Outro dos direitos rotineiramente violados nas prisões é o direito de não ser submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante, ocorre que a superlotação dos presídios já viola a questão do tratamento desumano e degradante bem como vai de encontro a dignidade da pessoa humana, isso porque, com a superlotação há a escassez de materiais, de alojamento para todos, muitos presídios os presos revezam a hora do descanso por falta de espaço e camas ou colchões.
Em consequência dessa superlotação surge a insalubridade e a ausência de capacidade interna de atendimento a todos, a falta de higienização correta, de materiais de higiene pessoal, a limpeza de forma insuficiente, são fatores que ocasionam a degradação saúde dos presos, surge outra violação, o efetivo direito à saúde.
Os direitos à integridade física e moral e o direito que todo cidadão brasileiro possui de não ser submetido à tortura, sendo vedada a aplicação de penas cruéis, também são direitos violados nos sistemas prisionais, sim, isso porque a integridade física e moral dos presos estão em “jogo” a todo momento, diversos detentos são espancados em brigas entre eles ou como forma de castigo pelos agentes, a moral é violada ainda pelas violências sexuais que coadunam com violação à integridade física, sem falar nas salas isoladas de castigo que são verdadeiros martírios e muitos detentos nem sequer recebem refeição.
Conforme ensinamentos de Luís Roberto Barroso acerca do tema:
A dignidade humana representa superar a intolerância, a discriminação, a exclusão social, a violência, a incapacidade de aceitar o diferente. Tem relação com a liberdade e valores do espírito e com as condições materiais de subsistência da pessoa. (BARROSO, 2003, p.38).
Seria então impossível regularizar a situação atual do sistema prisional do Brasil, para então conseguir a aplicabilidade e a inviolabilidade dos direitos fundamentais dos presos? Em um plano de Gestão Estratégica com bases fortes e eficazes, as demandas estruturais e administrativas, além da criação de novas políticas públicas voltadas para o melhoramento, ampliação ou construção de novas unidades prisionais, além da capacitação contínua dos servidores públicos, seria o início de uma mudança significativa do cenário atual dos presídios, que a longo prazo poderia reduzir os prejuízos em um percentual considerável.
A capacitação dos servidores deve por tanto acompanhar a fiscalização no que tange o cumprimento das novas condições e a devida sansão para as possíveis novas violações aos direitos do preso.
Com o controle da superlotação, muitos problemas conseguiriam ser sanáveis.
Ocorre que para desafogar o território prisional, seria necessário também uma reestruturação no judiciário, isso porque, muitos processos levam anos para serem concluídos, e por muitas ocasiões, a ausência de efetivo no quadro de servidores dificulta as decisões que influenciam na progressão do regime.
Dentre as principais reivindicações das rebeliões travadas pelos presos, é a lentidão concernente a progressão da pena, com a celeridade nos deferimentos haveria então a dissipação de presos em circuitos de unidades prisionais específicas para determinado tipo de regime tanto a título parcial como semi parcial, como é o caso do regime aberto, onde opresso só precisaria estar em detenção para repouso noturno, haveriam menos presos aglomerados, a retomada de direitos fundamentais, principalmente o direito a segurança, vida e saúde.
Relevante salientar que os presos utilizam dos movimentos de rebelião para reivindicar a progressão da pena e chamar a atenção da sociedade para este grave problema, pois, há ocorrência da remoção e liberação de diversos indivíduos do presídio rebelado, em decorrência da celeridade no que tange ao pedido a fim de cessar o conflito rebelado pelos presos, assim o próprio Estado e o poder judiciário em seu âmbito penal, colaboraram para que a rebelião servisse de instrumento destrutivo para garantir a aplicabilidade de uma lei que poderia ser cumprida sem o desencadeamento de movimentos violentos.
2.2. A Lei de Execução Penal (LEP) e a dificil aplicação ao sistema prisional brasileiro.
A Lei nº 7210/84 Lei de Execução penal, surgiu com a principal finalidade de ressocializar o condenado e colaborar com as normas que regem o sistema prisional do Brasil.
Com os altos índices de ocorrência em movimentos rebelados pelos detentos, as disseminação midiática em todo o mundo, de acordo com o nível de durabilidade, destruição e riscos, aos quais esse tipo de movimento gera, diversas organizações nacionais e internacionais, interferem positivamente para que a situação do sistema prisional do Brasil não se agrave, denunciando frequentemente assim a precariedade existente nos presídios e no sistema de forma ampla e geral, enfatizando a questão da desumanidade existente no âmbito interno das unidades, a degradação estrutural e a violência continuada as quais os presos estão submetidos.
A evidência do convívio cotidiano de maneira forçada que resulta em violência sexual, física, sem um sistema sanitário eficiente e completo e a infecção com doenças devido a massa populacional interna, fez com que um movimento fosse criado em prol da recorrente denunciação dos acontecimentos em busca da restauração aplicável dos direitos humanos, para presos que tornaram-se vítima do sistema agora, em um ambiente em que criminosos de todos os níveis estão misturados em um espaço territorial incapaz de comportar todos da maneira adequada.
Assim como os direitos e garantias fundamentais e princípios constitucionais são violados no âmbito interno do sistema prisional, a LEP também tem seus dispositivos desrespeitados.
A violação aos dispositivos legais da LEP consegue piorar mais ainda o estado de precariedade as unidades de presídios brasileiros, isso ocorre devido ao risco de reincidência do preso ao crime e consequentemente ao presídio, destoando completamente do objetivo da lei que é a ressocialização.
A LEP trouxe em seu texto legal as determinações, os deveres e obrigações do Estado para a manutenção do indivíduo condenado, a separação por tipo de regime, a superlotação dos presídios, o descaso com o indivíduo apenado de forma provisória.
A lei ainda determina que seja promovida efetivas ações voltadas aos detentos, porém são determinações nunca cumpridas pelos responsáveis.
As maiores e mais reveladas violações e discordâncias com as normas trazidas pela LEP ocorrem ao final de rebeliões, um dos maiores exemplos foi o chamado “massacre do Carandiru”, uma das maiores rebeliões travadas entre presos e policiais militares, figuras estatais, midiaticamente expandida por todo mundo e comum resultado trágico um total de 111 detentos mortos.
Sobre o tema explana Rafael Damasceno de Assis:
“Os abusos e as agressões cometidos por agentes penitenciários e por policiais ocorrem de forma acentuada principalmente após a ocorrência de rebeliões ou tentativas de fuga. Após serem dominados, os amotinados sofrem a chamada “correição”, que nada mais é do que o espancamento que acontece após a contenção dessas insurreições, o qual tem a natureza de castigo. Muitas vezes esse espancamento extrapola e termina em execução, como no caso que não poderia deixar de ser citado do “massacre” do Carandiru, em São Paulo, no ano de 1992, no qual oficialmente foram executados 111 presos.” (ASSIS, 2007, p.15)
Evidencia-se, portanto, um tratamento ardiloso dos agentes penitenciários com os presos rebeldes, os espancamentos e execuções são atitudes caracterizadas como castigo ou correção, essa ”lição” aplicada não só resultou em muitas mortes, como transformou os agentes do Estado em criminosos.
É criado então um outro grave problema, a criminalização autorizada dos agentes penitenciários, onde existe o dolo, onde as atitudes são conscientes, porém tratadas como permissivas, onde os presos são condenados uma segunda vez pelo sistema interno administrativo, pela manifestação, e assim os agentes tivessem autorização para espancar e executar presos, inclusive para servir de exemplo para outros, uma total disparidade com o que rege a LEP, com o dever do Estado de garantir a segurança, a integridade física, o devido cumprimento da execução penal e de preservar o bem maior, a vida do indivíduo executado.