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Doença Ocupacional e o Coronavírus

Agenda 11/05/2020 às 15:50

O presente artigo pretende discutir os efeitos da decisão em Plenário do STF, do dia 29/04/2020, que entendeu pela inconstitucionalidade do art. 29 da Medida Provisória 927/2020, que versava sobre a não caracterização do COVID-19 como doença ocupacional.

1.0 INTRODUÇÃO

Diante deste contexto da pandemia do novo coronavírus, as mais diversas áreas da sociedade foram afetadas, surgindo diversos debates na seara trabalhistas com intuito de conciliar esse cenário de incertezas com a manutenção de empregos.

Como forma de tentar dar uma resposta, foi editado a Medida Provisória nº 927, em 22 de março de 2020, dispondo sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 29/04/2020, entendeu pela inconstitucionalidade do artigo vigésimo nono da Medida Provisória (MP) 927/2020, o qual estabelece que o coronavírus não é considerado uma doença ocupacional, exceto mediante comprovação de nexo causal.

De forma prática, a referida Medida Provisória definiu, em regra, que os afastamentos de empregados, em decorrência da pandemia do coronavírus, não poderiam ser compreendidos como doença ocupacional. Não obstante, se o indivíduo, acometido pela COVID-19, comprovar que houve uma relação de causalidade com a atividade laboral, demonstrando alguma ação ou omissão do empregador, passa-se, neste caso, a entender como doença ocupacional, mas como exceção.

Desta forma, o presente artigo pretende discutir acerca dos impactos da decisão do Supremo Tribunal Federal, e suas implicações no direito do trabalho. Vamos analisar os conceitos fundamentais atinentes ao tema, e trazer os possíveis efeitos práticos da supracitada decisão.

2.0 DESENVOLVIMENTO/ APORTES TEÓRICOS 

O Ministro Alexandre de Moraes justificou que a inconstitucionalidade do supracitado artigo se deu pelo fato de que ele difere da finalidade da Medida Provisória, que seria a compatibilização dos valores sociais do trabalho com a perpetuação do vínculo trabalhista com a livre iniciativa, mantendo, mesmo que abalada, a saúde financeira de milhares de empresas (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020).

Associado a temática central, é de fundamental importância trazer o conceito de acidente de trabalho típico, conforme o disposto no art. 19 da Lei 8.213/1991, que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico, provocando lesão corporal ou perturbação funcional, que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Sá; Gomide e Sá (2017) contam que para a maioria dos doutrinadores, a configuração estabelecida pela legislação é superficial e, sendo assim, conceituam o acidente de trabalho como um evento, normalmente, súbito, violento e fortuito, que se vincula a uma prestação de atividade pelo empregado e acarreta em determinada lesão corporal.

Desse modo, ao aliar o conceito estabelecido pela legislação e doutrina é possível verificar que o acidente de trabalho se caracteriza por um evento danoso, causado por agente externo de forma violenta, inesperada, decorrente do exercício do trabalho e acarreta em lesão corporal ou perturbação funcional, causando morte, perda ou redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho (SÁ, GOMIDE, SÁ, 2017).

Equiparadas ao acidente de trabalho típico, temos a doença ocupacional, termo genérico usado para se referir a doença profissional e a doença do trabalho, previstas no artigo 20 da Lei nº 8.213/1991.

"Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. § 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. (BRASIL., 1991)"

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Destarte, a doença profissional está relacionada a forma como aquela atividade profissional pode desencadear uma doença no empregado. No que se refere a doença do trabalho, a mesma está atrelada ao ambiente de trabalho, se existem elementos ali que podem originar doenças nos obreiros.

Ademais, percebeu-se que o vigésimo artigo da Lei 8.213/1991, em seu §1º, alínea d, determina que não serão considerados como doença de trabalho aquelas resultantes de endemias adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

Quanto aos serviços de saúde, na linha de frente do combate a pandemia, devem os gestores, sob pena de responsabilização, observar a NR 32, reduzindo os riscos do trabalho, sendo que, a legislação previdenciária (art. 20, §1º, c, da lei 8213/91), ao equiparar doenças ao acidente de trabalho e excluir a doença endêmica, excepciona a hipótese do contato direto se dê em razão da natureza do trabalho. A inexistência de medidas preventivas básicas fará presunção de culpa patronal, a qual poderá ser elidida, por exemplo, com demonstração da impossibilidade efetiva de aquisição de EPI’s pela falta no mercado (CALCINI, 2020).

Neste sentido, Pritsch (2011) afirma que para o reconhecimento em juízo da ocorrência de acidente de trabalho ou doença ocupacional, há que se aferir o nexo causal entre a doença ou lesão alegada com as atividades laborais ou com o acidente típico em questão.

O principal meio de convencimento do magistrado é a prova pericial médica. Não obstante, a conclusão do expert não vincular o julgador, o qual deve analisar todo o substrato fático probatório, destacando-se, conforme o caso, a existência de reconhecimento do nexo causal pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Além disso, deve analisar, também, as declarações emitidas pelo empregador na Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e a existência de nexo técnico epidemiológico (PRITSCH, 2011).

A Medida Provisória 927/2020, em seu artigo vigésimo nono, limitava a fiscalização e as situações de caracterização do COVID-19 como doença ocupacional. Com sua inconstitucionalidade, teremos uma possibilidade mais ampla de enquadramento do coronavírus como doença ocupacional, conforme substrato fático probatório de cada caso.

Entretanto, em um cenário de intensa e descontrolada propagação pandêmica do novo coronavírus, será difícil provar o nexo de causalidade do coronavírus com o labor, de forma efetiva. Nota-se, desta forma, que essa decisão em Plenário do STF tem implicação direta nos profissionais de saúde (enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos etc.) que, diariamente, estão em contato direto, na sua prática laboral, com o referido vírus. Destarte, no caso desses profissionais, existe uma probabilidade muito maior de que esses consigam caracterizar como doença ocupacional.

Outro dado relevante é que a supracitada decisão do STF também terá reflexos no trabalhador em geral, pois, em um contexto mundial de isolamento social, os profissionais que têm de trabalhar, presencialmente, expõem-se ao risco, cotidianamente, o que permite a abertura de precedente para caracterizar como doença ocupacional. Entretanto, nesse caso existe uma dificuldade maior de comprovação do nexo causal em relação aos profissionais que estão na linha de frente da luta contra a doença.

3.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fato de o empregado estar infectado pelo novo coronavírus não ensejará necessariamente o enquadramento em doença ocupacional, sendo necessário que o obreiro prove o nexo de causalidade da doença acometida com o desempenho do labor.

A decisão do STF deve fazer com que as empresas, especialmente aquelas que tem atividades diretamente ligadas ao combate do vírus, a reavaliar suas respectivas gestões, levando em conta todos os riscos envolvidos.

Dado o exposto, recomenda-se um reforço ainda maior dos empregadores nas condutas referentes ao resguardo da saúde e segurança de seus empregados, aspectos que devem ser prioridade neste momento. As empresar devem zelar por um ambiente laboral saudável, adotando todas medidas educativas e preventivas possíveis.

Recomenda-se, para as empresas que tem a possibilidade, a adoção do regime de teletrabalho ou o home office, com intuito de preservar a segurança dos trabalhadores e manter a produtividade. Para as empresas que não podem adotar tais medidas, conforme já dito anteriormente, devem-se implantar todas as medidas de segurança e saúde possíveis, com fornecimento de EPIs e de medidas educacionais, para resguardar ao máximo a integridade dos funcionários, de forma a dirimir os riscos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. LEI Nº 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispónivel em: http://www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/42/1991/8213.htm. Acesso em: 08 maio 2020. BRASIL.

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 927. Brasília, 22 de março de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm. Acesso em: 08 maio 2020

CALCINI, Ricardo. Coronavírus e os Impactos Trabalhistas: Direitos e Obrigações dos Trabalhadores e das Empresas - Perguntas e Respostas. [S. l.]: JH Mizuno, 2020. ISBN 978-65-5526-023-6. PRITSCH, C. Z. Responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho ou doença ocupacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3021, 9 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20177. Acesso em: 8 maio 2020.

SÁ, Ana Carolina Micheletti Gomide Nogueira de; GOMIDE, Maíra Helena Micheletti; SÁ, Antonio Tolentino Nogueira de. Acidentes de trabalho suas repercussões legais, impactos previdenciários e importância da gestão no controle e prevenção: revisão sistemática de literatura. Revista Médica de Minas Gerais, [s. l.], 2017. Disponível em: http://rmmg.org/artigo/detalhes/2232. Acesso em: 8 maio 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF afasta trechos da MP que flexibiliza regras trabalhistas durante pandemia da Covid-19. Supremo Tribunal Federal, [s. l.], 29 abr. 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442355&ori=1.Acesso em: 8 maio 2020.

Sobre o autor
Victor Habib Lantyer

Advogado. Autor do livro Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e seus reflexos no Direito do Trabalho, pela editora NaVida, já disponível para venda (www.lantyer.com.br/lgpd/). Criador e idealizador do site Lantyer Educacional (www.lantyer.com.br), descomplicando assuntos jurídicos de forma simples, fácil e democrática.

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