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Autonomia constitucional dos entes federativos e a lógica da competência tributária

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Analisamos as características do Estado brasileiro, considerando a autonomia dos entes federativos, principalmente no ponto da disposição das competências tributárias e da sua lógica.

RESUMO: Esse trabalho cientifico teve o intuito de analisar as características do Estado brasileiro, principalmente no ponto da disposição das competências tributárias e da repartição das receitas tributárias, dispostas no texto da Constituição da República. Para chegar a um satisfatório entendimento da temática em questão, parte-se de uma análise da estrutura do Estado brasileiro, organizado sob a forma de Federação. Após passagem pelos conceitos de estado unitário, estado federal e confederação, passa-se a observar as normas fundamentais que a forma do estado traz para o campo do direito tributário. Depois, a análise troca de alvo, passando sobre a diferenciação e as características da soberania, colocada em comparação com a autonomia dos entes federativos. Percebendo a extensão da autonomia constitucional e suas facetas para os entes federativos, constrói-se uma conclusão acerca da importância da decisão do legislador constitucional no ponto da distribuição das competências tributárias. Nesse ponto parte-se para um breve estudo sobre alguns fundamentos da competência tributária pra fortalecer as bases da discussão proposta. Entre esses fundamentos destaca-se a discrepância existente na competência tributaria e na capacidade tributária ativa. Por fim, entendido diversos elementos fundamentais ao tema, parte-se a análise de critérios que nortearam a repartição de competências tributárias, bem como as consequências da estruturação da federação pelo ponto de vista tributário-fiscal.

Palavras-chave: Competência Tributária. Capacidade Tributária Ativa. Soberania. Autonomia. Federação.

SUMÁRIOINTRODUÇÃO. 1. O ESTADO FEDERAL E A INFLUÊNCIA NA TRIBUTAÇÃO.  1.1 o estado federal, o estado unitário e a confederação. 1.2 Estado e administração. 1.3  implicações no direito tributário.  2. Soberania e Autonomia Constitucional. 2.1. autonomia CONSTITUCIONAL. 2.2 CARACTERÍSTICAS da autonomia constitucional. 3.  Fundamentos da Competência Tributária. 3.1 características da Competência tributaria e da capacidade tributaria ativa. 4. lógica de distribuição De competência tributária. 5. CONSEQUêNCIAS DO MODELO DE FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO. CONCLUSãO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal e constitui-se em Estado Democrático de Direito, conforme art. 1º da Constituição Federal de 1988. Somente essa linha de texto já traz um grande peso e responsabilidade para a estrutura da federação brasileira.

A estrutura do Estado em Federação traz diversas consequências para a vivência dos países que assim a adotam. Ter diversos níveis de governo descentralizados, em contrapartida de ter apenas um governo central fortalecido e inchado, como no Estado Unitário, traz uma completa mudança para as dinâmicas entre os poderes e os entes federativos.

Entre essas divergências algumas se destacam pela importância que possuem. Assim, entra em cena a divisão das competências legislativas e administrativas de um ente federativo, contrapostas às competências tributárias e à repartição de receitas derivadas oriundas da tributação. Tal ponto carrega essencialidade porquanto é um dos que irão definir se um ente estatal terá a capacidade de seguir os mandamentos constitucionais e realizar a plenitude de suas competências.

O Brasil adotou o sistema da civil law e por isso possui característica ter uma vasta legislação para tratar de todos os assuntos, diferenciando-se dos países adotantes da commom law, a qual, por sua vez, tem como característica o baixo volume de legislações e códigos, tratando boa parte de seu ordenamento jurídico por meio da jurisprudência construída por seu Poder Judiciário e guiados por um sistema de precedentes normativos.

Mesmo com o Estado brasileiro flertando com o sistema de precedentes atualmente (como no caso das súmulas vinculantes, criadas com a EC nº 45/2004 e o efeito vinculante das decisões proferidas no controle concentração de constitucionalidade), ainda é inegável a importância e presença de normas produzidas pelo Poder Legislativo. Por essa razão, o papel dos estudiosos do direito, traduzido principalmente no trabalho dos doutrinadores e cientistas jurídicos, é de extrema relevância. Pela natureza de modificação mais vagarosa da civil law, esses trabalhos dos juristas são de suma importância para manutenção da efetividade e atualidade das normas jurídicas.

Essa produção monográfica está dividida em quatro principais capítulos, tratando de quatro diferentes temáticas que, apesar de separadas tratam-se de assuntos interligados para os fins objetivados por esse trabalho, de realizar uma análise sobre a autonomia constitucional dos entes federativos destacando a competência tributária de cada um.

Alguns pontos abarcam temas de diferentes ramos do direito. Cabe, preliminarmente, destacar a clássica divisão dos ramos do direito, que não passa de mera divisão didática para a doutrina especializada. Desse modo, temas de direito constitucional, de direito administrativo ou de direito tributário de forma alguma fazem parte do ordenamento jurídico pátrio separadamente um do outro, pois todos fazem parte de uma ciência única: o Direito.

No primeiro capítulo dessa monografia encontra-se um breve estudo acerca das diferenças conceituais entre Estado Federal, Estado Unitário e o Estado Confederado, bem como entre Estado e Administração Pública. Por fim, são apontadas algumas implicações que a escolha do legislador constituinte em estruturar o Brasil em Federação inflige no Direito Tributário.

Depois, no segundo capítulo, os temas alvo da análise foram as duas consequências que resultam da adoção da forma federativa de Estado: a Soberania e a Autonomia. A soberania é observada principalmente do aspecto constitucional, enquanto a autonomia é dissecada em quatro aspectos principais, quais sejam: a autoadministração, a autolegislação, a auto-organização e o autogoverno.

Posteriormente, no terceiro capítulo, o assunto principal tratado é o fundamental sobre a competência tributária. Sendo parte dessa discussão a questão da diferenciação entre capacidade tributária ativa e a competência tributária, e após de ser satisfeita essa distinção, são analisados os significados de cada um dos tipos de competência tributária segundo a maioria da doutrina.

Por último, nos derradeiros quarto e quinto capítulos, é apontada a sistemática de distribuição de competências. Concluindo, são mostrados alguns critérios de divisão de competência, sendo comentados alguns dos resultados do modelo atual de federalismo fiscal adotado no Brasil.

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Este trabalho cientifico possui o intuito de fomentar as discussões no campo do Direito Público, em especial levando em conta  a disciplina constitucional da competência tributária e da repartição das receitas oriundas da tributação.


1. O ESTADO FEDERAL E A INFLUÊNCIA NA TRIBUTAÇÃO

Como mencionado na nota introdutória, em seu primeiro artigo a Constituição de Outubro elegeu diversos aspectos de como seria estruturado o país. Além de estabelecer os fundamentos da república e a fonte de onde emana o poder estatal, na mesma norma também fez decisões essenciais para o país que pretendia construir com a nova ordem iniciada a partir de 1988.

Tais decisões foram: a escolha da forma Republicana de governo, a revelia da Monarquia (adotada somente na Constituição de 1824); do regime Democrático de Direito, pautado na legalidade e na cidadania; e, mais importante para o presente estudo, da forma Federativa de Estado, em contrário a forma Unitária, forma essa mais comum entre os países do mundo, principalmente porque muitos deles não possuem uma vasta extensão territorial que justifique uma separação de poderes nas suas divisões internas (exemplos: Espanha, Portugal, Reino Unido, etc).

As razões para essa escolha dessa forma de Estado pelo Brasil são diversas, mas é possível apontar principalmente a sua extensão territorial, já que comumente se diz que se trata de um país de extensão continental, sendo o 5º maior do mundo.

Demonstrou-se acertada a decisão da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, então, ao fazer a escolha por uma forma federativa de Estado para formar a nova estrutura brasileira após a retomada democrática, tendo sido superado o período de regime militar e dando início ao período da história do país conhecido como Nova República.

Acertada, porquanto a eficiência de administrar um país dessa magnitude de forma puramente centralizada e engessada seria muito complicada. As características e necessidades de cada estado-membro variam e por isso a administração de forma federalizada mostra-se mais adequada ao interesse público e ao desenvolvimento do país.

O funcionamento e a dinâmica de um Estado Unitário, forma de Estado que se contrapõe à forma federada, seria de difícil instalação no Brasil, pelo que já foi dito acima. Além disso, um governo unitário em um país desse tamanho seria demasiadamente inchado devido à sobrecarga com todas as obrigações inerentes à administração pública, em especial num Estado Social de Direito.

O estudo das características e diferenças entre as duas formas de Estado serão descritas e referenciadas no decorrer dessa produção artística.

Por fim, será analisado o que significa o país ser estruturado em forma de federação para o direito tributário e especificamente a temática da repartição da competência tributária.

1.1 o Estado Federal, o Estado Unitário e a Confederação

O primeiro passo no estudo do sistema de competências instituído pela Carta Constitucional é se atentar para as características da forma federativa de Estado em contrapartida à forma Unitária.

Importante destacar, brevemente, o que se entende por Estado, segundo Dirley da Cunha Jr:

O Estado é um fenômeno político que decorreu de um processo histórico de experiência nos diversos povos do mundo, cujo conceito vem evoluindo desde a antiguidade (...). Objetiva-se apenas focalizar o Estado – enquanto núcleo social politicamente organizado e ordenado, com um poder soberano, exercido em um território, com um povo, para o cumprimento de finalidades específicas – a partir de funções essenciais, que, ordinariamente, compreendem as funções legislativas, judiciais e executivas (...).

Retira-se desse entendimento os chamados elementos integrantes, componentes ou constitutivos do Estado, que são: soberania, finalidade, povo e território. Imprescindível a observação quanto a distinção de soberania e de autonomia, segundo a Constituição Cidadã, a qual será objeto de análise mais adiante.

Compreendido o conceito essencial de Estado, pode-se passar a observar as suas variadas formas, o Estado Unitário e o Estado Federal, além de uma breve observação sobre o que vem a ser a estrutura conhecida como Confederação.

Primeiramente, para análise do Estado Unitário, Pedro Lenza explica que essa forma de Estado é classificada pela doutrina em três espécies: Estado unitário puro, que segundo Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky, “se caracteriza por uma absoluta centralização exercício do poder“ e, além disso, “não tem condições de garantir que o Poder seja exercido de maneira eficiente”; Estado unitário descentralizado administrativamente, que apesar de manter as decisões no governo central, cria órgãos ou polos que são incumbidos da execução dessas decisões; e Estado unitário descentralizado administrativa e politicamente, o mais comum da atualidade, em que além da descentralização da execução, pois os órgãos passam a ter certa autonomia sobre como proceder na realização dessas decisões do governo central.

Por outro lado, na lição de Geraldo Ataliba, a federação surge de uma associação de Estados (foedus, foederis) para constituírem um novo Estado (o federal), com repartição rígida de atributos da soberania entre eles, informando-se esse relacionamento pela autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da Constituição Federal, caracterizadora dessa igualdade jurídica, dado que ambos extraem suas competências da mesma norma. Disso, entende-se que cada ente é soberano em sua esfera, tal como foi disposto no pacto federativo.

Levando-se em consideração a realidade do Brasil, esses atributos de soberania citados por Ataliba se traduzem na parcela de autonomia que cada ente federativo herdou do texto constitucional, com as capacidades inerentes a essa autonomia constitucional, além de significar também a repartição das competências legislativas, administrativas e tributárias.

O pacto federativo tem como marcantes características a indissolubilidade do seu vínculo e a ausência do direito de secessão (cunhada na expressão “união indissolúvel” do texto magno). O Ministro Alexandre de Moraes considera que o princípio da indissolubilidade tem duas funções primordiais: a manutenção da unidade nacional e a necessidade de descentralizar a administração. Sobre o direito de secessão, Moraes comenta que:

 “A mera tentativa de secessão do Estado-membro permitirá a decretação de intervenção federal (CF, art. 34, I), devendo sempre a Constituição ser interpretada de sorte que não ameace a organização federal por ela instituída, ou ponha em risco a coexistência harmoniosa e solidária da União, Estados e Municípios”.

O constituinte elegeu, inclusive, a forma federativa de Estado como uma das cláusulas pétreas (núcleo duro), determinando no art. 60, § 4º, inc. I da Constituição Outubrina que qualquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir a Federação é impossibilitada de prosseguir no Congresso Nacional, cabendo inclusive mandado de segurança impetrado por parlamentar para impedir seu trâmite. Nesse diapasão, o STF admite a legitimidade do parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo. (MS 24.667 AgR e MS 32.033)

De seu turno, já no tocante à forma de estruturação de um Estado, chamada de Confederação, cabe salientar apenas que é uma união de Estados Soberanos, os quais concordam em se submeter a um tratado ou até a uma constituição comum, para tratar de diversos assuntos e mantendo entre si direitos e deveres recíprocos, sem contudo abrirem mão de sua soberania. A grande diferença para a Federação é que nessa a soberania dos seus Estados-membros é transferida para um governo central, também chamado de governo federal ou União. Exemplo foi a Confederação dos Estados Unidos da América de 1777, logo após a declaração de independência da Coroa Britânica em 4 de julho de 1776.

1.2 Estado e administração

Agora, é importante fazer considerações no estudo da teoria do Estado, com vistas a chegar ao federalismo e suas características, e passar sobre os conceitos de Estado e de administração.

A definição de Estado que existe hoje sofreu um longo processo de evolução, tendo partido da Polis grega e da Civitas romana até se estabelecer como o Estado que conhecemos hoje, introduzido e difundido principalmente pelas obras de Nicolau Maquiavel.

Sahid Maluf, compilando os discursos de doutrinadores norte americanos, encontra que o Estado é uma parte especial da humanidade considerada uma unidade organizada, ele é uma sociedade de homens que se unem para promover o bem comum, a segurança e os interesses mútuos, graças à junção de suas forças, e é uma associação dotada de poder coercitivo, imbuído pela lei promulgada, para manter a ordem social dentro de seu território. Nesse mesmo sentido, pode-se encontrar ideias similares, e entre elas está a lição de Clóvis Beviláqua: “O Estado é um agrupamento humano, estabelecido em determinado território e submetido a um poder soberano que lhe dá unidade orgânica”.

Superado esse entendimento, passa-se ao estudo do conceito de administração pública. O Estado possui três funções clássicas, a legislativa, a jurisdicional e a executiva, sendo exercida cada uma pelos respectivos órgãos: Legislativo, Judiciário e Executivo. Cada qual com suas atividades típicas, mas também atípicas, que costumeiramente são exercidas pelos outros poderes. Na Carta Magna é possível encontrar o princípio da separação dos poderes em seu art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

O Poder Executivo, por sua vez, subdivide-se em funções políticas (ou de governo) e funções administrativas. Nessa senda, no sistema presidencialista de governo, o chefe do Poder Executivo condensa as funções de chefe de Estado e chefe de Governo, ao contrário do sistema parlamentarista de Governo, segundo o qual a chefia de Estado reside na figura do Presidente ou Monarca e a chefia de Governo é exercida pelo Primeiro-Ministro. Enquanto as primeiras (de governo) dizem respeito as maiores decisões da gestão política estatal (observado, por exemplo, no veto presidencial), sendo emanadas pelo alto escalão do Executivo, as administrativas estão mais relacionadas à execução das leis, de decretos e outras normas em geral, com seu atos normalmente tomando a forma de atos administrativos.

A administração pública, por sua vez, é subdividida pela doutrina administrativista em dois sentidos: objetivo e subjetivo. Rafael Carvalho Rezende Oliveira traz essa distinção de forma clara:

Sentido subjetivo, formal ou orgânico (Administração Pública): são as pessoas jurídicas, os órgãos e os agentes públicos que exercem atividades administrativas (ex.: órgãos públicos, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais); e

Sentido objetivo, material ou funcional (administração pública): é a própria função ou atividade administrativa (ex.: poder de polícia, serviços públicos, fomento e intervenção do Estado no domínio econômico).

Para complementar o entendimento, cabe a observação da temática da administração púbica no campo da administração tributária. Eduardo Sabbag diz que tal fração da administração se traduz em um conjunto de ações e atividades, integradas e complementares entre si, que tem por objetivo garantir o cumprimento da legislação tributária. Essas atividades podem se mostrar pela presença fiscal, pela facilitação do cumprimento das obrigações, ou também na “construção e manutenção da percepção de risco sobre o calculado inadimplemento” do contribuinte.

O Código Tributário Nacional, ao definir o que são os tributos, já resguardou a atuação administrativa na seara da tributação: “art. 3º: tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Quanto a este ponto, pode-se concluir, então, que enquanto a administração pública é a constitucionalmente legitimada a impor obrigações tributárias, o Estado é a razão de essa tributação existir, pois ela tem o objetivo de possibilitar a sua atuação para os melhores interesses e o bem comum da população. Ou seja, as ferramentas administrativas são um meio elencado pelo ordenamento jurídico, e elas têm por sua finalidade o Estado, no sentido de realizador das necessidades públicas.

1.3  Implicações no direito tributário

O fato de o Brasil ser uma federação afeta toda a dinâmica e o funcionamento das instituições do Estado. E não poderia ser diferente quando o assunto é a tributação e a eventual distribuição das riquezas decorrentes das receitas derivadas.

O sistema jurídico-tributário instituído pela Lei Maior foi o rígido, quanto aos tributos. Uma marca desse sistema é que a lei maior já designa um a um os impostos que competem a cada ente federativo, os quais, dentro de suas competências privativas, podem instituir e exigir dos respectivos contribuintes.

O ordenamento jurídico no campo tributário tem uma estrutura hierarquizada, com funções bem definidas para cada ente. Vittorio Cassone explica que o mundo jurídico-tributário nacional é constituído no seu ápice, pela Constituição Federal, que contém todos os princípios jurídico-tributários. Logo abaixo, tem-se o Código Tributário Nacional, que por sua vez contem as normas gerais aplicáveis a todos os entes federativos, pertinentes aos tributos, fixando a regra matriz de incidência tributária. Depois, estão as normas ordinárias de cada ente que criam os tributos, vinculando efetivamente os contribuintes. O autor cita, por fim, os atos legais executórios (porque tornam exequíveis as leis ordinárias), como Decretos, Portarias, conforme art. 98 do CTN.

Em um Estado, é esse ente soberano quem possui o poder de tributar. O que a Carta Constitucional fez foi separar frações desse poder em pedaços chamados de competência tributária. Além disso, ao mesmo tempo ela cria limitações a esse poder de tributar, num verdadeiro estatuto jurídico do contribuinte. Portanto, cada ente federativo pode exercer sua autonomia dada pela constituição para dispor sobre tributos, desde que, é claro, respeite as limitações impostas.

A Carta Federal reservou os artigos 150, 151 e 152 para tratar das limitações ao poder de tributar. Dentre as limitações instauradas, com vistas à manutenção do equilíbrio da federação, pode-se citar a imunidade recíproca, no art. 150, inc. VI, alínea ‘a’, e o princípio da uniformidade geográfica no art. 151, inc. I.

O primeiro diz respeito ao impedimento de os entes federativos tributarem por meio de impostos o patrimônio, a renda ou serviços, uns dos outros. Entretanto, essa norma não vedou a cobrança de taxas, contribuições de melhoria ou outras contribuições.

Eduardo Sabbag deixa expresso em suas palavras a elementaridade dessa imunidade perante o pacto federativo instituído pela Constituição:

“Como é cediço, o principio federativo indica que existe mais de uma esfera de poder dentro do mesmo território, dele decorrendo a indissolubilidade do pacto federativo. É bastante crível a ideia segundo a qual, ainda que não estivesse contemplada tal imunidade de forma expressa, a imunidade recíproca defluiria logicamente do equilíbrio federativo, irradiando-lhe assim o timbre de uma norma ontologicamente imunizante”.

Por sua vez, o princípio da uniformidade geográfica é outra norma advinda da lei maior, o qual também visa o equilíbrio da federação, por meio da aplicação do princípio geral da isonomia. O art. 151, inc. I, da CF prediz que é vedado à União Federal:

Instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País.

De forma diferente da imunidade recíproca, esse princípio se aplica à União, e se estende não apenas aos impostos, mas a todas as espécies de tributos. Kiyoshi Harada diz que o princípio decorre da unidade política do Estado Federal Brasileiro, o qual faz o território nacional se apresentar como um todo do ponto de vista econômico. É claro que, não se trata de um princípio absoluto, pois se pode observar uma exceção no próprio texto do artigo.

Conforme destaca em texto publicado, Edison Miguel da Silva Jr. afirma que “no Estado Democrático de Direito brasileiro, não existe nenhum direito absoluto.” (Disponível em: https://www.conjur.com.br/2007-mar-27/estado_democratico_nao_existe_nenhum_direito_absoluto. Acesso em: 12 de maio de 2020.)

Procurou-se tornar notável, sem exaurir a temática quanto às implicações, enfim, que a forma de Estado elencada para a estrutura do país afeta diretamente na sistemática da tributação.

Sobre os autores
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal.

Thiago Alessandro Tormena

Especialista em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORMENA, Celso Bruno Abdalla; TORMENA, Thiago Alessandro. Autonomia constitucional dos entes federativos e a lógica da competência tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6970, 1 ago. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82100. Acesso em: 17 nov. 2024.

Mais informações

O texto foi elaborado tendo em vista as complexas implicações que a forma de Estado adotada, no caso a Federal, traz para a divisão das competências tributárias, além de estabelecer algumas observações acerca de situações que são consideradas peculiares sob o ponto de vista doutrinário.

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