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Responsabilidade dos hospitais por falta de informação

Muito se tem visto nos noticiários sobre a falta de informações repassadas para os familiares daqueles que estão internados em isolamento em razão do COVID-19. O presente artigo busca analisar a questão sob o ponto de vista jurídico.

É entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça que a responsabilidade dos hospitais é objetiva, ou seja, independe de comprovação de culpa. Essa responsabilidade, entretanto, diz respeito à danos causados por falhas no seu serviço diretamente, por exemplo: estadia do paciente (internação e alimentação), instalações, equipamentos e serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia).

A responsabilidade dos hospitais em relação aos médicos por ele contratados, por sua vez, é subjetiva, ou seja, para que o hospital seja responsabilizado é necessária a comprovação de culpa do profissional.

Ainda, é certo que os tribunais brasileiros entendem a relação paciente x médico e paciente x hospital como uma relação consumerista, devendo o Código de Defesa do Consumidor ser observado.

Com isso considerado, uma pergunta reiteradamente realizada atualmente com a situação excepcional de lotação dos hospitais de alguns lugares do Brasil em razão do coronavírus é sobre a responsabilidade do hospital em relação às informações prestadas ao paciente, que está isolado, e a seus familiares, que não podem acompanha-lo durante a internação.

O hospital pode ser condenado ao pagamento de danos morais por falta/insuficiência de informações?

A resposta é positiva.

O direito à informação sobre os serviços prestados está previsto no Código de Defesa do Consumidor1, sendo dever do hospital e do médico responsável pelo paciente mantê-lo informado sobre sua saúde, os procedimentos que serão realizados, diagnóstico, alternativas de tratamento, etc., assegurando a autonomia do paciente. Essa previsão consta, inclusive, no Código de Ética Médica (arts. 22, 24, 31 e 34).

Esse dever continua presente nos casos em que o paciente está em isolamento em razão do coronavírus, sendo certo que se o paciente está consciente ele mesmo deve receber todas as informações e tomar as decisões, mas se estiver inconsciente o médico deve entrar em contato com o representante legal para passar todas as informações sobre o estado de saúde e respeitar, no que for possível, a vontade do paciente por meio da sua manifestação.

Ainda, mesmo que o paciente esteja consciente, o hospital e o médico responsável, que possuem o dever de tratar o paciente com dignidade, respeito e civilidade, devem questionar o paciente isolado se há alguém da família que deve receber as informações sobre a evolução do quadro, requerendo a autorização por escrito para compartilhamento de informações que constam no prontuário.

Em relação aos óbitos em tempos de isolamento, esses devem ser comunicados aos familiares assim que ocorram, sendo certo que a omissão, a falta de empenho na localização dos familiares e até mesmo o atraso da informação farão com que o hospital possa ser responsabilizado objetivamente em danos morais e, a depender, do caso, materiais.

Ainda que estejamos vivendo uma situação de calamidade pública, a dignidade da pessoa humana se sobrepõe, sendo certo que o paciente que faleceu tem o direito de ser velado e sepultado de acordo com suas crenças e vontades. De igual forma, os familiares tem o direito de velar e sepultar seus mortos, vivenciando de maneira plena o seu luto.

Quando há violação desses direitos o dano moral fica caracterizado. À título de exemplo, segue trecho de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que manteve condenação em danos morais ao hospital que deixou de comunicar imediatamente a família de paciente que faleceu em suas dependências, tendo sido enterrado em cidade diversa dos familiares, sem presença de conhecidos. O hospital também foi condenado a pagar pela exumação do corpo para que fosse translado pelos familiares para o local desejado.

“Da análise dos autos, extrai-se que o réu não esgotou as possibilidades de entrar em contato com as responsáveis pelo paciente para informá-las de sua morte. Inicialmente, causa espanto a alegação recursal de que o paciente veio removido “desacompanhado de qualquer familiar”, pois consta na ficha de admissão e no relatório de enfermagem que estava acompanhado da filha. Aliás, o campo reservado à anotação de telefone do responsável pelo paciente não foi preenchido (fls. 24).

(...)

Assim, conclui-se que por desídia do réu as autoras foram impossibilitadas de realizar um dos mais relevantes ritos do ser humano, qual seja, o de velar e sepultar seus mortos, vivenciando de maneira plena o seu luto.

A ausência de visitas frequentes em nada altera o panorama e a culpa do réu, mas pode ser explicada, em parte, pela distância entre Jacareí, onde as autoras residem, e Campos do Jordão, onde seu pai estava internado (180 km, aproximadamente). Mesmo assim, pode haver outras inúmeras razões que impossibilitassem que as visitas ocorressem mais amiúde, o que não afasta, de modo algum, o direito que as autoras tinham de ser informadas imediatamente sobre a morte de seu próprio pai. Evidenciados, assim, os danos morais, resta analisar o quantum devido a título de indenização.”2

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Entendemos, portanto, que os hospitais e os profissionais de saúde devem estar especialmente atentos ao repasse de informações sobre os pacientes que estão internados em isolamento para que não seja caracterizada a falha de serviço. Para isso, é de fundamental importância a anotação em prontuário de todas as tentativas de contato e até mesmo de quais informações foram prestadas no contato com os familiares, dessa forma a instituição de saúde poderá se defender de forma mais contundente em caso de processos indenizatórios.

Frisamos, por fim, que mesmo com a escassez de profissionais e sobrecarga das instituições no atual momento a responsabilização dificilmente será afastada, tendo em conta o peso dos direitos envolvidos – informação, dignidade da pessoa humana, autonomia do paciente, luto, entre outros. Para que seja excluída a responsabilidade do médico ou hospital acreditamos que deverá ser comprovada a total impossibilidade de agir de forma diversa ou a tentativa de levar a informação por todos os meios possíveis e razoáveis.


Notas

1 Artigo 6º, inciso III, do CDC.

2 TJSP; Apelação Cível 0000899-53.2014.8.26.0116; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campos do Jordão - 1ª Vara; Data do Julgamento: 23/03/2016; Data de Registro: 24/03/2016.

Sobre as autoras
Ana Beatriz Nieto Martins

Advogada (OAB/SP 356.287), sócia no escritório Dantas & Martins Advogadas Associadas, voltado o atendimento de profissionais da saúde, realizando diagnóstico de riscos jurídicos e elaborando condutas preventivas que permitam uma atuação segura e tranquila.

Erika Evangelista Dantas

Advogada (OAB/SP 434.502), sócia do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em direito da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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