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Pacificação social pelo exercício da jurisdição

O artigo trara da pacificação social pelo exercício da jurisdição.

O artigo pretende analisar a atividade jurisdicional como um dos meios tradicionalmente utilizados para a superação de controvérsias no âmbito social. Além da avaliação dos aspectos gerais, serão apreciados os fundamentos, objetivos e características da jurisdição.

Introdução

A jurisdição, em sentido amplo, é, tradicionalmente, um dos meios mais empregados para a solução de conflitos sociais.[1] Ela representa o poder-dever que o Estado tem de aplicar definitivamente o direito objetivo para a solução de conflitos concretos. Ao aplicar o direito objetivo[2] a casos concretos, por meio de sua atividade jurisdicional, o Estado assegura a estabilidade da paz social. 

Jurisdição é um termo que pode assumir mais de um sentido. Essa característica polissêmica admite que jurisdição seja compreendida como poder ou função.

A jurisdição representaria um poder porque através dela o Estado interferiria na liberdade dos jurisdicionados.

A jurisdição também seria uma função atribuída ao Estado pela Constituição Federal. Ela seria exercida, tipicamente, pelo Poder Judiciário ou, atipicamente, pelos Poderes Legislativo e Executivo.

Fundamento da jurisdição

A atividade jurisdicional encontra fundamento, entre outros, no princípio da inafastabiliddade, garantia de que ninguém poderá ser afastado do acesso[3] ao Poder Judiciário. Previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o princípio preconiza que a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.

Objetivos da jurisdição

O exercício da atividade jurisdicional deve ser orientado para a concretização de determinados objetivos, de caráter jurídico, social, educacional e político.

O objetivo jurídico da jurisdição é aplicar adequadamente as normas jurídicas.

O objetivo social da jurisdição é promover a pacificação social pela resolução dos conflitos submetidos à apreciação estatal.

Além disso, a jurisdição tem o objetivo pedagógico de ensinar e orientar os jurisdicionados sobre os limites e os alcances dos seus direitos e obrigações.

Do ponto de vista político, ainda, a jurisdição deve ser exercida com vistas a manter a integridade das instituições republicanas, proteger as liberdades públicas, os direitos fundamentais, e estimular a participação democrática. 

Características da Jurisdição

As características da jurisdição são as seguintes: i) unidade; ii) subsidiariedade; iii) imparcialidade; iv) substitutividade; v) inércia; vi) definitividade; vii) monopolização do Estado; e viii) litigância.

Com relação à primeira característica, a jurisdição é una porque é exercida exclusivamente pelo Poder Judiciário.

A jurisdição também é um meio subsidiário de se solucionar conflitos. Considerando que, prioritariamente, os conflitos devem ser resolvidos pelas próprias partes, principalmente com o emprego de métodos[4] autocompositivos, a jurisdição será um recurso subsidiário, utilizado somente diante da impossibilidade de se obter a pacificação social por outros caminhos. Portanto, sob pena de haver uma ingerência permanente na vida privada dos cidadãos, a intervenção do Estado pela jurisdição só deverá ocorrer quando for absulutametne necessária e indispensável.

A imparcialidade é outra nota distintiva da jurisdição. O desempenho da atividade jurisdicional deve ser realizado por magistrados imparciais e subjetivamente desinteressados pelos resultados que possam ser obtidos com a resolução da lide. A imparcialidade não se confunde com a neutralidade axiológica. A neutralidade axiológica é a ausência de valores e nunca existirá de maneira absoluta na atividade jurisdicional. Mesmo no campo das ciências naturais, a neutralidade axiológica é inalcançável. As experiências pessoais dos cientistas e dos magistrados, colhidas no curso da vida, vão se acumulando para formar uma personalidade subjetiva impregnada de valores. Esses valores, profundamente entranhados na individualidade íntima do julgador ou do cientista, mesmo que inconscientemente, influenciarão as tomadas de decisões, seja para eleger um objeto de pesquisa ou para adotar uma específica corrente interpretativa, por exemplo. Logo, a imparcialidade pressupõe a atuação desinteressada do julgador, que deve apreciar objetivamente as questões discutidas em juízo, ainda que sem neutralidade axiológica.

A inércia também é uma característica essencialmente ligada à jurisdição. Ordinariamente, a atividade jurisdicional só pode ser exercida por prévia provocação de algum interessado. Como regra, por outras palavras, o exercício da jurisdição se submete aos princípios da inércia e do impulso oficial. Não se admite, portanto, em regra, qualquer atuação de ofício do juízo (ne procedat judex ex officio), nem se tolera o exercido da jurisdição sem um autor (nomo judex sine actore).

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Mesmo nos casos de jurisdição voluntária, ou administração pública dos interesses privados, hipóteses nas quais a validade de alguns atos depende da ratificação pelo Poder Judiciário, vigerá o princípio da provocação. O princípio da inércia se aplica tão-somente ao Poder Judiciário, pois os demais poderes, Legislativo e Executivo, estão legitimados a agir de ofício.

Em alguns casos excepcionais a aplicação do princípio sofre limitações, a exemplo da abertura de ofício de inventário pelo juiz, prevista no revogado artigo 989 do Código de Processo Civil de 1973. A arrecadação de bens do ausente pelo juiz, realizada de ofício, prevista no atual Código de Processo Civil, também configura relativização do aludido princípio.

Em todo caso, as regras da inércia não excluem a importância de se ter um Poder Judiciário atuante e defensor da ordem social. Atendendo aos princípios do Estado Democrático de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana, o Poder Judiciário não só pode como deve assumir posição ativa na realização dos direitos que decorrem desses princípios.

A definitividade das decisões é outra característica relacionada à atividade jurisdicional.  Entre os inúmeros meios heterocompositivos de superação de controvérsia, a jurisdicional é o único vocacionado a produzir decisões permanentes, definitivas e imutáveis. Em outros termos, a coisa julgada material, que em linhas gerais torna as decisões imodificáveis, é um dos efeitos ordinariamente produzidos pelo exercício da jurisdição, exercida de maneira típica pelo Poder Judiciário. Vale  lembrar que nos casos em que a atividade jurisdicional é exercida de forma atípica por outros Poderes, Legislativo ou Executivo, as decisões usualmente não desfrutam do atributo da definitividade.

Como já salientamos, a jurisdição é monopólio estatal, considerando que somente o Estado pode exercê-la, direta ou indiretamente. É essa característica que levanta discussões acerca da natureza jurisdicional da arbitragem.

Finalmente, ainda que possa parecer redundante, é preciso destacar que, embora a jurisdição esteja vocacionada para resolver lides, para superar conflitos de interesses qualificados por pretensões resistidas, conforme a clássica definição de Chiovenda, em algumas hipóteses a atividade jurisdicional pode ser exercida sem que exista conflito, no sentido estrito do termo. Isso acontece, por exemplo, nos procedimentos de jurisdição voluntária.

Conclusão

Do exposto se conclui que a jurisdição é um dos meios tradicionalmente empregados para a superação de controvérsias no âmbito social.

A jurisdição está fundamentada, entre outros, no princípio da inafastabiliddade, garantia de que o cidadão não poderá ser afastado do acesso ao Poder Judiciário.

O exercício da atividade jurisdicional deve se orientar por objetivos de caráter jurídico, social, educacional e político.

As principais características da jurisdição são i) unidade; ii) subsidiariedade; iii) imparcialidade; iv) substitutividade; v) inércia; vi) definitividade; vii) monopolização do Estado; e viii) litigância.

Bibliografia

ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

HART, Herbert. O conceito de direito. Tradução A. Ribeiro Mentes 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução José Lamego. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

PEREIRA, Cesar Guimarães. Arbitragem e Administração. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

 


[1] “Em se tratando da jurisdição estatal, a cargo do Poder Judiciário, a tutela jurisdicional, a ser ministrada pelo Estado-juiz, deve ser voltada para a realização da justiça. É a justa composição do conflito de interesse ou da realização do direito violado ou ameaçado. [...] entendimento do acesso à justiça como direito e garantia fundamental, assim, não pode ficar restrito canais do Poder Judiciário, de forma que esse direito fundamental à pessoa humana seja assegurado e efetivado, por meio de tantos outros direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Essa preocupação e estudo, atualmente, dos meios alternativos de solução de conflitos de interesses não são sós dos legisladores brasileiros e estrangeiros, mas, também e, sobretudo, da Doutrina dos mais diversos países. Em Portugal, por exemplo, Paula Costa e Silva, em trabalho apresentado como relatório sobre conteúdo, programa e métodos de ensino, com o título A nova face da Justiça Os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, para obtenção do título acadêmico de agregado em Direito, menção de Ciências Jurídicas, pela Universidade de Lisboa, apresenta um substancioso estudo da matéria, inclusive apresentando justificativa da disciplina – Meios Extrajudiciais de Resolução de Conflitos numa Faculdade de Direito –, dando um enfoque especial ao estudo da Mediação, inicialmente sobre a conceituação e aspectos gerais, partindo, na seqüência, para o estudo da mediação penal vítima/agressor, mediação familiar, mediação laboral, mediação de consumo, além de cuidar do perfil e dos deveres de conduta do mediador. Mas, não para aí, no contexto desses meios extrajudiciais também desenvolve a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa estudos sobre a arbitragem. Ao final, coroando esse estudo, com o objetivo de ver a disciplina “Meios Extrajudiciais de Resolução de Conflitos” introduzida numa Faculdade de Direito, aponta o método de ensino e elementos de trabalho, sempre indicando vasta e profunda bibliografia geral sobre a temática.” RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica

[2] Segundo Larenz, “[...] o Direito é um objeto por demais complexo; a ele reportam- se não só as distintas ciências particulares como também a filosofia. A metodologia jurídica não pode existir sem a filosofia do Direito. Não pode, por exemplo, responder à questão de se deverá o Juiz contentar-se com uma correta (independentemente do que por tal se entenda) aplicação das normas previamente dadas ou procurar, para além delas, uma solução do litígio justa – e em que é que poderemos reconhecer se uma decisão é justa. E como, em todo o caso, a Jurisprudência trata também da compreensão de textos – leis, decisões jurídicas, assim como de contratos e declarações negociais de privados –, por maioria de razão reveste-se a hermenêutica, a doutrina da compreensão, relativamente a esse domínio da atividade do jurista, da maior importância, quando não de um alcance por si só decisivo. Por outro lado, modos   de pensamento que se manifestam nas atividades dos juristas só são suscetíveis de   ser apreendidos na condição de se lhes perseguir, por assim dizer, continuamente o rasto. Somente através dos exemplos que se oferecem a partir da atividade decisória judicial e da dogmática jurídica se tornam os enunciados de uma metodologia jurídica, completamente compreensíveis, comprováveis e úteis, para a prática dos juristas [...].” LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução José Lamego. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 04

[3] “Entende-se que é equivocado pensar que o “Acesso à Justiça” só possa ser alcançado pela via da jurisdição estatal, pelo Poder Judiciário. Esse pensamento é verdadeiro, quando se está na presença da chamada jurisdição necessária, pois, neste caso, entende-se que a intervenção do órgão jurisdicional estatal é indispensável, cabendo a ele, portanto, a missão de pacificação social, enquanto Poder integrante da estrutura estatal e constitucional, e a mais ninguém. A palavra final na solução dos conflitos de interesses é dele. Aí se dá o chamado controle jurisdicional indispensável, necessário. Isto ocorre em situações em que os valores fundamentais e essenciais da sociedade são protegidos pelo Estado, seja com relação as pessoas, por se tratar de direitos tão íntimos, e, também, de certas instituições (família, fundações, registros públicos), de certos bens, estes, por ser tratar de interesse público, social, coletivo, ultrapassa a esfera individual, merecendo a especificamente, intervenção estatal, v. g., no caso da chamada indisponibilidade objetiva. A matéria, aqui, ingressa no contexto da ordem pública.” RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica

[4] “[...] Na busca de mecanismos que possam promover ruptura com o formalismo do processo, as partes buscam soluções por intermédio de meios alternativos a jurisdição estatal, como é o caso da conciliaçãomediação e da arbitragem.  São os métodos de resolução dos conflitos de interesses como alternativas a jurisdição, como mais uma via de acesso à justiça. Nesses casos, fala-se, aliás, em deformalização das controvérsias, observando-se uma verdadeira descentralização dos serviços jurisdicionais, com aproximação das pessoas (cidadãos) na administração da justiça. Tais soluções alternativas, frise-se, podem ser tanto endoprocessuais quanto extraprocessuais.” RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica

 

Sobre os autores
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Samantha Mendes Longo

Coautora: Samantha Mendes Longo. Sócia do Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Negotiation and Leadership Program at Harvard University. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Membro do Grupo de Trabalho de recuperação judicial criado pelo Conselho Nacional de Justiça. Membro do Comitê Gestor de Conciliação do Conselho Nacional de Justiça. Secretária das Comissões de Recuperação Judicial e de Mediação do Conselho Federal da OAB. Diretora do IBAJUD. Professora da EMERJ, da ESAJ e da FGV (convidada).

Informações sobre o texto

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