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A pluralidade familiar: a quebra de paradigmas da família tradicional

Agenda 14/05/2020 às 13:10

Diante da mudança social, a entidade familiar deixou de ser mera formação de indivíduos e hoje é vista como base da sociedade, tendo como prioridade o afeto. Além da mudança conceitual, o Brasil hoje tem uma pluralidade familiar, contrária à tradicional.

RESUMO

A instituição familiar sofreu mudanças constantemente sob o aspecto social e jurídico, principalmente por ter tido a sua concepção aprisionada ao conservadorismo, no entanto atualmente há o objeto da pluralidade que quebra totalmente os paradigmas da família tradicional que era imposta pela legislação e a própria sociedade. Dessa forma, com os anos as novas entidades familiares começaram a ter o seu reconhecimento e a tutela do Estado, em virtude de serem consagradas pela Constituição Federal. Diante disto, o objetivo geral deste trabalho avaliar as medidas tomadas pelo judiciário brasileiro para efetivar a proteção das novas estruturas familiares, analisando a sua concepção dentro da história, suas formações e a consagração na Carta Magna. Para isso, adotou-se como métodos de procedimentos metodológicos, o histórico e o comparativo, bem como a composição e estrutura da argumentação do tema, feito através das pesquisas qualitativa e bibliográfica, utilizando-se das informações de artigos científicos, leis e livros específicos do âmbito do direito.

Palavras-chave: Conservadorismo; Paradigmas; Pluralidade; Proteção; Família.

 

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DA FAMÍLIA. 2.1. ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO FAMILIAR. 2.2. EVOLUÇÃO JURÍDICA E SOCIAL DA FAMÍLIA NO BRASIL. 2.3.  AS MODERNAS ENTIDADES FAMILIARES. 3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS FAMÍLIAS EXISTENTES NO BRASIL. 3.1. BREVE ANÁLISE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 3.2. A INFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO DAS FAMÍLIAS. 3.2.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 3.2.2. Princípio da Igualdade. 3.2.3. Princípio da Solidariedade Familiar. 3.2.4. Princípio da Afetividade. 4. A PROTEÇÃO DAS ENTIDADES FAMILIARES. 4.1. FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS. 4.1.1. Evolução da Legislação. 4.2. FAMÍLIAS MONOPARENTAIS. 4.3. FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6. REFERÊNCIAS.

 

1.    INTRODUÇÃO

Perante as novas mudanças do ponto de vista social no qual tem influenciado inteiramente as diversas maneiras de relacionamentos afetivos entre os seres humanos, ressalta-se a incumbência de acompanhamento legislativo para o resguardo estatal das inovações vividas pela sociedade. O conservadorismo no que diz respeito ao núcleo familiar, não mais é visto como forma absoluta para a edificação da essência doméstica, no qual, em dias atuais há o objeto da pluralidade em suas espécies para que ocorra a sua composição.

O tema possui por escopo o estudo da evolução das famílias no Brasil ao longo dos tempos, tanto no âmbito jurídico quanto social, bem como identificar a proteção que o Estado oferece a tais famílias, qual o respaldo que lhes é dado, sob o crivo dos direitos fundamentais e a constitucionalização do direito de família. É sabido que a família é à base da sociedade, no entanto a família tida como exemplo e padrão era a tradicional formada por um pai, uma mãe e seus filhos, cada qual com a sua função familiar, mas que atualmente este paradigma está sendo deixado para trás e aos poucos se predestina a ser exilada como um padrão.

Dessa forma, tem ocorrido uma polêmica ao redor desse assunto nos quais um grande número tem por base a monogamia como um preceito absoluto no qual deva ser adotado numa esfera familiar, entendendo assim, qualquer outra espécie de relacionamento afetivo, inaceitável pelo entendimento regular do Estado. Assim, tem sido um imenso desafio para os juristas que resguardam a ideia do relacionamento discutido, o fator preconceito, no qual tem sido pautado na ausência de compreensão relacionado ao assunto abordado. Posto isto, o trabalho apresenta a problemática, como sendo: as novas estruturas familiares possuem respaldo no ordenamento jurídico brasileiro?

O presente estudo tem como objetivo geral avaliar as medidas tomadas pelo judiciário brasileiro para efetivar a proteção das novas estruturas familiares e, como objetivos específicos, desmiuçar a evolução histórica da família no Brasil no aspecto jurídico e social; analisar a eficácia dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional na proteção dos variados tipos de famílias existentes no país e identificar no ordenamento jurídico o respaldo dado aos novos tipos de família.

Quanto aos métodos de procedimentos, serão aplicados o histórico em que, por meio deste, será possível a análise da evolução histórica das famílias existentes no Brasil, mostrando assim, a trajetória das origens da diversidade familiar até a atualidade, onde há a quebra de paradigmas da família tradicional e, o comparativo, que possibilitará no desenvolvimento da pesquisa as transformações referentes à visão social e jurídica no que tange as novas configurações familiares.  

A composição da estrutura e argumentação do tema abordado será por meio de pesquisa qualitativa e bibliográfica, expondo a evolução do direito de família, bem como as medidas de proteção judiciais prestadas e principalmente o respaldo jurídico que lhes é dado na sociedade contemporânea, utilizando-se das informações de artigos científicos, leis e livros específicos do âmbito do direito.

 

2. DA FAMÍLIA

2.1. ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO FAMILAIR

Partindo da premissa que a tendência natural da sociedade é o agrupamento dos indivíduos através de um fenômeno biológico e social, a procura sempre de afeto, pois no interior de cada ser humano o medo da solidão é real. No entanto, a lei tem um caráter conservador que está presente na história do direito, que se transforma conforme a ocorrência de fatos, sendo necessário que se molde perante a realidade através da lei. Neste sentido, Maria Berenice destaca:

Mas a realidade se modifica, o que necessariamente acaba se refletindo na lei. Por isso a família juridicamente regulada nunca consegue corresponder à família natural, que preexiste ao Estado e está acima do direito. A família é uma construção cultural. Dispõe de estruturação psíquica, na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função - lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos -, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. É essa estrutura familiar que interessa investigar e preservar em seu aspecto mais significativo, como um LAR: Lugar de Afeto e Respeito. (DIAS, 2016, p.33).

Como supracitado, a família é uma construção cultural que possui estruturação psíquica, que não se molda apenas por um viés biológico, como também de afeto, desse modo, é notório que se torna impossível estabelecer um padrão familiar uniforme, sendo que a evolução da família que é a base da sociedade tem deslanchado em seu espaço temporal, convertendo-se conforme as necessidades impostas pela sociedade.

O modelo hierarquizado e patriarcal da família, esteve presente na história evolutiva das famílias por muito tempo, porém hoje tornou-se ultrapassado. Todavia, tendo este modelo, o Código Civil brasileiro de 1916, estabelecia o matrimônio, este que por sua vez era um padrão estabelecido para que houvesse eficácia na formação da família estruturada pelo direito. As famílias eram tidas apenas com o objetivo de procriar.

De acordo com Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 48) o código civil brasileiro teve a influência da Revolução Francesa, por isso esta concepção formada através do matrimônio, em que permanecia a regra “até que a morte nos separe”, para estabelecer o casamento com regra para a formação da família. No entanto, essa ideologia passou por uma mudança no período da Revolução Industrial, momento histórico em que a mulher passou a ser fonte de subsistência para sua família, juntamente com o homem, sendo assim houve uma mudança social e cultural que levou à aproximação afetiva dos familiares. Dias em relação a isto, cita:

Este quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão de obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família. A estrutura da família se alterou. Tornou-se nuclear, restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do seu caráter produtivo e reprodutivo. A família migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. Surge a concepção da família formada por laços afetivos de carinho, de amor. A valorização do afeto deixou de se limitar apenas ao momento de celebração do matrimônio, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo do casamento é o único modo de garantir a dignidade da pessoa. (DIAS, 2016, p. 34).

Portanto, nota-se que a partir do momento em que a mulher conquistou a sua inserção no mercado de trabalho, houve mudança na estrutura familiar. Os valores afetivos se tornaram marcantes, bem como os valores morais, que levaram a valorização da união familiar tendo como base o amor entre os indivíduos.

Conclui-se que a família é reflexo da evolução do homem, pois se modifica e desenvolve conforme as mudanças históricas dentro da sociedade através do tempo, já que a mesma é estruturada pelo direito e este se molda conforme a realidade, o que seria bem difícil e injusto manter a estrutura familiar petrificada aos valores do passado sendo aplicados na contemporaneidade, presa ao preconceito, posto isto é necessário sempre a evolução familiar conforme as mudanças científicas e sociais.

 

2.2.     EVOLUÇÃO JURÍDICA E SOCIAL DA FAMÍLIA NO BRASIL

A evolução da família se deu de forma lenta para alcançar a vasta pluralidade e respaldo jurídico e social que possui atualmente. Primeiramente é importante lembrar que a diferença de tratamento entre homens e mulheres influenciou muito na estrutura familiar. Como sabido, o papel do homem era o trabalho para o sustento da casa, enquanto a mulher deveria obrigatoriamente cuidar dos filhos e da casa.

Neste aspecto, cabe ressaltar que em um período no Brasil em sua legislação a mulher já foi considerada relativamente incapaz para a prática de atos e negócios jurídicos, cabendo ao marido lhe dar autorização para a realização de certos atos. No momento em que a mulher se casava tornava-se relativamente capaz, ficando sob a autoridade do marido.

A regulamentação do direito das famílias era feita pelo antigo Código Civil de 1916, no século XX, de forma que a família se limitava ao casamento, apenas eram reconhecidas as famílias estruturadas através de um matrimônio, aquelas famílias que estavam unidas sem o mesmo, eram discriminadas, não somente o casal como também os demais membros da família. Maria Berenice explana:

O antigo Código Civil, que datava de 1916, regulava a família do início do século passado. Em sua versão original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, na vã tentativa da preservação da família constituída pelo casamento. (DIAS, 2016, p.36).

Verifica-se, portanto, que este tipo de regulamentação e estruturação da família era arcaico e discriminatório, não sendo justo e nem igualitário. Todavia, em 1962 com a criação do Estatuto da Mulher Casada L 4.121/62, conforme Dias (2016, p.36) “[...] devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados a assegurar-lhe a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto de seu trabalho”. Outro avanço alcançado foi a instituição do divórcio, após 15 anos, em 1977, (EC 9/77 e L 6.515/77), que ofereceu a dissolução da ideologia da família como instituição sagrada, com a eficácia feita através do casamento.

O ápice da legislação brasileira foi a promulgação da Carta Magna em 1988, que fora um marco histórico, que proporcionou ao país grandes mudanças no que se diz respeito a igualdade e liberdade, possibilitando novas garantias a sociedade, principalmente às entidades familiares que foram reconhecidas neste período.

A Constituição Federal brasileira deixou para trás a legislação arcaica e repleta de discriminação e preconceito que era posto entre as famílias, principalmente por ter sido estabelecido o princípio da isonomia, igualando homens e mulheres e os membros das famílias, neste sentido são válidas as explanações de Dias: 

Estendeu proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico. (DIAS, 2016, p.36).  

O art. 226 da Constituição Federal de 1988 disciplina que a família é a base da sociedade e possui proteção especial de Estado, oferecendo as garantias fundamentais, princípios relacionados à família, fazendo a constitucionalização do Direito Civil e do Direito de Família. Neste sentido, Rosenvald e Farias (2015, p. 34), destacam que “o nosso Direito das Famílias tem a Constituição da República como diploma legal norteador da matéria, traçando os seus princípios e regras básicas e fundamentais”. E ainda explicam que:   

Andou muito bem o constituinte de 5 de outubro, no que concerne à estruturação do Direito das Famílias. Com efeito, estabelecer, em sede de Lei Maior, as diretrizes fundamentais do sistema jurídico-familiar foi de extrema valia, impedindo interpretações dissonantes com o espírito igualitário e solidário das garantias fundamentais. (ROSENVALD E FARIAS, 2015, p. 34).

A Constituição Federal de 1988 transcreveu e codificou o que já era fato real na sociedade, reconheceu a evolução da sociedade e consequentemente o aparecimento de novos tipos de família, mas isto é o que o direito de fato faz, transforma a realidade em lei, sendo assim a mudança da concepção familiar já vinha existindo e buscando o devido reconhecimento que ocorreu através da Lei Maior. 

Além de a Carta Magna possibilitar todo esse reconhecimento, o Código Civil de 2002 tornou-se constitucionalizado que passou a tutelar as novas entidades familiares com base nas relações de afeto e proteção, que serão abordadas mais adiante. Desse modo, a família deixou de ser mero instrumento jurídico e passou a ter um valor social maior e sendo analisada sob o crivo da Constituição Federal. 

A instituição do casamento para a formação da família não fora excluída do sistema normativo, ainda continua sendo um meio de formação familiar, porém não o único, já que a CF/88 reconheceu a união estável como entidade familiar com facilitação de sua conversão em casamento.

Importa concluir que atualmente a nova concepção familiar distingue-se da estrutura da família antiga, arcaica e congelada sob égide de valores atrasados e preconceituosos, tendo como diferença a mudança de valores e princípios que constitucionalizou o direito das famílias como por exemplo o princípio da Dignidade Humana, o maior princípio da Carta Magna e o princípio da Isonomia que proporcionou igualdade entre os membros das famílias.

 

2.3.     AS MODERNAS ENTIDADES FAMILIARES

Conforme o estudo das famílias a sua evolução ocorreu não somente em caráter jurídico e social, como também religioso, econômico, cultural e afetivo, adaptando o seu conceito de acordo com os valores morais e os costumes sociais que foram se desenvolvendo no decorrer da história. Anteriormente foi explanado acerca da promulgação da Constituição Federal de 1988 e a sua influência sob o direito das famílias e o reconhecimento das novas entidades familiares.

O século XXI trouxe novo arranjos familiares, com uma nova concepção sobre estas famílias tendo como base a tutela do afeto e quebrando os paradigmas da família patriarcal tida como o padrão social, ou seja, atualmente outros critérios são avaliados para a proteção da família, que deve ser vista com um olhar pluralista para que as famílias sejam respeitadas socialmente e juridicamente. 

            Sob o prisma da atual Carta Magna é garantido a estas famílias princípios humanos e garantias fundamentais que lhes tutelam a liberdade e a solidariedade. Como Dias afirma (2016, p. 52) “com a Constituição Federal, as estruturas familiares adquiriram novos contornos”, e apresenta ainda o Princípio das Novas Entidades Familiares é “encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possiblidades de arranjos familiares”. 

A lei brasileira sempre tentou manter um padrão moralista e conservador, no entanto a sociedade modifica e com ela o direito que deve estar o mais próximo da sua realidade cotidiana. Posto isto, cabe relembrar que a família que prevalecia no ordenamento jurídico brasileiro e perante a sociedade era a matrimonial, estabelecida pelo Código Civil de 1916, com o perfil de família hierarquizada, patriarcal, matrimonializada e heterossexual. O casamento era única forma de se reconhecer uma instituição familiar, neste sentido Dias explana que:

Foi com a entrada em vigor a atual Constituição Federal, que houve o reconhecimento de outras entidades familiares. O prestígio à família extramatrimonial atende aos interesses do Estado, pois lhe delega a formação dos seus cidadãos, tarefa que acaba, quase sempre, onerando exclusivamente a mulher. Há um certo descomprometimento, tanto do homem como das entidades públicas e dos entes governamentais, em assumir o encargo de formar e educar crianças e jovens, único meio de assegurar o futuro da sociedade. Por isso é que consagra (CF 226): A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (DIAS, 2016, p. 141).

Com a promulgação da Constituição Federal houve um desenvolvimento no ordenamento jurídico acompanhado do desenvolvimento sociológico. Com essa evolução a família não possui mais o caráter reprodutivo, bem como a mulher ganhou sua autonomia e isto influenciou bastante para a modificação do padrão conservador. A respeito disto Alves aponta:

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A família não pode mais ser concebida como uma unidade reprodutiva; a mulher, desde as duas Grandes Guerras e Revolução Industrial, ganha cada vez mais autonomia e individualidade, fragilizando o poder patriarcal, abandonando o lar e seus afazeres domésticos para se inserir no mercado de trabalho, passando a ter cada vez menos filhos; não estão necessariamente interligados o sexo, a conjugalidade e a procriação. (ALVES, 2014, p. 27-28).

Portanto, a Constituição Federal reconhece em seu artigo 226 a pluralidade familiar a partir do momento em que o matrimônio deixa de ser a única forma de reconhecimento de formação familiar e passa a constar a família matrimonial formada através do casamento, a união estável e a família monoparental.

Ademais, existe o questionamento se o rol de famílias presente na Constituição Federal, é taxativo ou exemplificativo. A doutrina entende claramente que as entidades familiares expostas no texto da CF/88 são exemplificativas, pois se taxativas, a própria Carta Magna estaria pregando o preconceito e a inclusão das demais famílias existentes não aconteceria. Esta é a mesma concepção de Lobo, ao compreender que:

Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade. (LOBO, 2002, p.5).

Portanto, é imprescindível que seja feita a intepretação do art. 226, caput que ao mencionar que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado, nota-se que não fora mencionado quais famílias de forma taxativa, as famílias presentes nos parágrafos do dispositivo são corriqueiras, as primeiras entidades familiares, por isto ficaram explícitas. 

O parágrafo 8º do art. 226 da CF/88 deixa mais do que claro ao determinar que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, neste sentido, a Constituição Federal trabalha a inclusão das outras famílias. Caberá, portanto, ao Estado zelar pelas famílias presentes no rol exemplificativo da Carta Magna, bem como das famílias que estão implícitas, porém a existência destas é reconhecida e há diferentes entidades familiares, a pluralidade existe e deve ser respeitada.

Atualmente a família não é somente determinada pelos vínculos de sangue, como também e pelo afeto, aos vínculos sociais e à reciprocidade no amor, esta é uma nova concepção para a formação das famílias brasileiras. Neste sentido, é possível compreender que o padrão familiar antiquado não existe mais, hoje há espaço para a pluralidade familiar fundamentada no afeto.

A exemplo desta fundamentação no afeto tem-se a família anaparental, que conforme Dias (2016, p.144) “a convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento de uma entidade família[...]”, esta é a família parental ou anaparental, ou seja, são pessoas que se unem em um mesmo lar em razão do afeto.

Bem como, a família mosaico, que resulta da pluralidade das relações parentais, um dos tipos de família pluriparental, geradas através do divórcio, recasamento, desuniões, separação, são famílias que surgem através de vínculos parentais, que formam uma nova cultura familiar. Em função desta entidade familiar, Dias expõe:

A multiplicidade de vínculos, a ambiguidade dos compromissos e a interdependência desta nova estrutura familiar, no entanto, não dispõe qualquer previsão legal, que imponha deveres ou assegure direitos. Sequer existem nomes que identifiquem este caleidoscópio familiar. A especificidade decorre da peculiar organização do núcleo, reconstruído por casais onde um ou ambos são egressos de casamentos ou uniões anteriores. Eles trazem para a nova família seus filhos e, muitas vezes, têm filhos em comum. É a clássica expressão: os meus, os teus, os nossos. (DIAS, 2016, p.146).

A emancipação dos membros da família, a busca pela felicidade, o amor sobre todas as coisas é a nova geração familiar, conhecida como família eudemonista, repleta de solidariedade mútua e laços afetivos, baseada no bom andamento da vida social através do amor e da igualdade. Dias compreende e explica que:

O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido da busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do princípio eudemonista pelo ordenamento legal altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito, como se infere da primeira parte do § 8.º do art. 226 da CF: o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram. (DIAS, 2016, p.148).

Portanto, a família contemporânea está sob o prisma do amor, o vínculo entre a coletividade e os indivíduos da família sempre estiveram presentes no meio social, assim como a pluralidade das entidades familiares, porém não havia o reconhecimento de sua existência, em virtude da discriminação e o padrão remoto imposto tanto no âmbito jurídico quanto social, um exemplo é a união homoafetiva, que existe há muitos anos, no entanto, se sobressaiu agora na modernidade. A saber que a referida união será tratada no desenvolvimento do presente trabalho.

 

3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS FAMÍLIAS EXISTENTES NO BRASIL

3.1. BREVE ANÁLISE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A família é um instituto social que já existia antes da ciência do Direito, que muda conforme as alterações da realidade da sociedade e que é constante, portanto, foram anos e mais anos que as entidades familiares estiveram em busca de reconhecimento social e de proteção perante a Constituição Federal.

A grande quebra de paradigmas da família tradicional se consolidou principalmente com a Constituição Federal de 1988 que se solidificou através dos princípios constitucionais que são a base da estrutura do ordenamento jurídico brasileiro, assim como também com a decisão de tornar a dignidade da pessoa como um dos principais fundamentos do Estado democrático de direito, este que, atualmente é a base para a solução de problemas sociais relacionados ao preconceito presente na sociedade. Portanto, para entender a associação e a influência da Constituição e seus direitos fundamentais no que se refere a proteção da família, é primordial fazer uma breve análise dos direitos fundamentais na história até a contemporaneidade do neoconstitucionalismo.

Ao tratar de direitos fundamentais é importante fazer menção ao jusnaturalismo que influenciou de certa forma com ideias chaves para o surgimento destes direitos, que apresenta a concepção de que todo ser humano possui direitos naturais desde o seu nascimento e que são inalienáveis, em acordo ao que fora explanado Sarlet cita:

Ainda que consagrada a concepção de que não foi na antiguidade que surgiram os primeiros direitos fundamentais, não menos verdadeira é a constatação de que o mundo antigo, por meio da religião e da filosofia, legounos algumas das ideias-chave que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis, de tal sorte que esta fase costuma também ser denominada, consoante já ressaltado, de “pré-história” dos direitos fundamentais. De modo especial, os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade dos homens encontram suas raízes na filosofia clássica, especialmente na greco-romana, e no pensamento cristão. (SARLET, 2012, p.26).  

O jusnaturalismo remota a antiguidade clássica baseado em duas versões conforme Barroso (2015, p.270) a saber, a de “uma lei estabelecida pela vontade de Deus e a de uma lei ditada pela razão”, no entanto esta ideia com fundamentos teológicos foi ultrapassada, mas que não deixou de ser importante no desenvolvimento dos direitos fundamentais, aderindo assim à ideia laica e a razão humana. Neste sentido, é de irrefutável importância dar o reconhecimento ao jusnaturalismo no processo do surgimento dos direitos fundamentais.

O jusnaturalismo decaiu e deu-se origem ao positivismo jurídico, este que, por sua vez, teve em seu período recepcionou direitos, liberdades e deveres individuais, eu inclusive houve o reconhecimento das primeiras declarações, toda esta recepção antecedeu ao surgimento dos direitos fundamentais, cabe ratificar que foram antecedentes e não direitos fundamentais autênticos, em razão serem direitos cujo o cunho era estamental.

O positivismo jurídico buscava entender o direito e determinava que a ordem jurídica deveria ser una e emanar do Estado, todavia, esta ideologia desenvolveu certa desigualdade e estabeleceu o autoritarismo dentro da sociedade para a promoção de barbaridades em nome da lei, ou seja, o positivismo teve sua ascensão, mas decaiu em virtude das suas ideologias, a filosofia dos juristas teve a sua derrota dentro da história, por estabelecer a sua ambição pela certeza jurídica, como aponta Barroso:

O positivismo tornou-se, nas primeiras décadas do século XX, a filosofia dos juristas. A teoria jurídica empenhava-se no desenvolvimento de ideias e de conceitos dogmáticos, em busca da cientificidade anunciada. O Direito reduzia-se ao conjunto de normas em vigor, considerava-se um sistema perfeito e, como todo dogma, não precisava de qualquer justificação além da própria existência50. Com o tempo, o positivismo sujeitou-se à crítica crescente e severa, vinda de diversas procedências, até sofrer dramática derrota histórica. A troca do ideal racionalista de justiça pela ambição positivista de certeza jurídica custou caro à humanidade. (BARROSO, 2015, p.275).

Desse modo, com a ascensão e decadência do jusnaturalismo e o positivismo, houve na história no período do novo direito constitucional o marco filosófico como sendo o surgimento do pós-positivismo, com ideologias opostas as duas correntes de pensamento, mas que ajudaram como complemento para o surgimento do póspositivismo, que conforme Barroso (2015) se baseia na teoria da justiça e na legitimação democrática, neste sentido, o mesmo aborda que:

A doutrina pós-positivista se inspira na revalorização da razão prática, na teoria da justiça e na legitimação democrática. Nesse contexto, busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral da Constituição e das leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção incluem-se a reentronização dos valores na interpretação jurídica, com o reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana. (BARROSO, 2015, p.283). 

Ademais, até chegar a concretização dos direitos fundamentais houveram diversas mutações históricas até o direito constitucional contemporâneo que tem como alicerce estes direitos. E é neste contexto que, Sarlet (2012) destaca a importância de citar a existência das três dimensões de direitos que existiram na história e que fizeram parte do desenvolvimento dos direitos fundamentais na atualidade e que hoje alcança a norma brasileira e principalmente o direito de família, que o objetivo do presente trabalho.

Portanto, os direitos fundamentais da primeira dimensão possuem influência jusnaturalista, todavia, cuida-se de direitos civis e políticos que marcam a fase inicial do constitucionalismo. Em relação aos direitos desta dimensão, Sarlet (2012, p.32) aponta que são “[...] apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”.

No que se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais da segunda dimensão trata-se da intervenção do Estado para propiciar o bem-estar social, a liberdade através do Estado, proporcionada pelo mesmo. São direitos de caráter positivo, mas também os direitos de liberdades sociais, portanto em complemento a esta ideia, Sarlet explana que:

A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho “positivo” possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais. Saliente-se, contudo, que, a exemplo dos direitos da primeira dimensão, também os direitos sociais (tomados no sentido amplo ora referido) se reportam à pessoa individual, não podendo ser confundidos com os direitos coletivos e/ou difusos da terceira dimensão. (SARLET, 2012, p.33).

Os direitos fundamentais da terceira dimensão abrangem a solidariedade e a fraternidade, que é o ponto principal deste capítulo, esta dimensão está voltada para a proteção de grupos como a família, cabe informar inclusive que, o princípio da solidariedade é um princípio do direito de família. Segundo Sarlet (2012), a terceira dimensão cuida das novas reivindicações fundamentais do homem, abrangendo a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade, que são fatores essenciais para a proteção das famílias.

Ademais, direitos fundamentais são a positivação constitucional de valores e princípios que estruturam e organizam a Carta Magna e que atualmente são a base da estrutura do ordenamento jurídico brasileiro. Tais direitos representam a garantia à proteção para o pluralismo familiar atual, que tem em sua base fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana que tutela estas famílias garantindo-lhes que não serão humilhadas e sem ofensas a sua dignidade.

 

3.2. A INFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO DAS FAMÍLIAS

Existem princípios constitucionais com valor fundamental que influenciam na efetivação da tutela e reconhecimento das famílias atuais, principalmente após a constitucionalização do direito. Princípios estes que nasceram dos direitos fundamentais, conforme aduz Barroso (2015) os princípios desempenham papéis diferentes no ordenamento jurídico, a saber: o papel interpretativo e o de fonte direta de direitos e deveres.

Neste contexto, os princípios de interesse deste estudo são aqueles que possuem relação com o direito de família que apresentam uma interpretação das normas e direitos e deveres estabelecidos através dos mesmos. No que se refere a interpretação por meio dos princípios, importa informar que serão em casos de lacunas no ordenamento jurídico, ambiguidade no direito e colisões entre os direitos fundamentais.

Os princípios constitucionais passaram a conduzir o novo entendimento de família atualmente, em virtude da vasta pluralidade que existe e a necessidade destas famílias terem de ser protegidas e reconhecidas juridicamente e ainda socialmente. A busca pela quebra de paradigma da família tradicional contou com o devido reconhecimento da constituição federal, sob o prisma dos direitos fundamentais e princípios explícitos e implícitos na Carta Magna, que determinam a obrigação do Estado em garantir a proteção das entidades familiares. Portanto, neste estudo serão analisados os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade, da Solidariedade Familiar e da Afetividade. Neste contexto, Dias pontua que:

Há princípios especiais próprios das relações familiares. É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios que a Constituição Federal consagra como valores sociais fundamentais, 45/1250 os quais não podem se distanciar da atual concepção da família, que tem sua feição desdobrada em múltiplas facetas. Devem servir de norte na hora de apreciar qualquer relação que envolva questões de família os princípios da solidariedade e da afetividade. (DIAS, 2016, p.45-46).

 

3.2.1.  Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana é um fundamento da constituição Federal e que se tornou a base para o ordenamento jurídico brasileiro, elencada no art. 1º, III, da Carta Magna. É o macro princípio, conforme Morais (2013, p.48) “a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa[...]”. Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana se estabeleceu no ordenamento jurídico e no constitucionalismo contemporâneo e trouxe uma nova ideologia para o judiciário.

A princípio, a dignidade da pessoa humana tem o objetivo de que o Estado garanta a todos direitos eficazes ao ser humano relacionados a sua natureza, direitos que lhes pertence independente da sua vontade. E é partindo deste pressuposto que há relação do referido princípio com o direito de família, pois cabe ao Estado garantir as famílias o direito de se constituírem sem preconceitos e a proteção para mantê-las dentro do laço social. Dias afirma que:

O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva. O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. (DIAS, 2016, p.47).

O princípio da dignidade humana teve grande importância na história da formação e evolução das entidades familiares e que sofreu muito desrespeito, a exemplo disto era a desigualdade entre homens e mulheres, a posição inferior em que a mulher era posta, principalmente no período remoto em que o casamento e a família tinham o cunho de reprodução. Portanto, o referido princípio proporciona uma vida digna e a autonomia aos direitos inerentes ao ser humano.

Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana é o padrão atual do Estado Democrático de Direito e isto é um caminho para romper os paradigmas banhados em preconceito presentes na atual sociedade, desse modo os fundamentos da dignidade da pessoa humana se tornam presentes no direito de família e possibilita que estas entidades familiares se formem através do afeto, do amor, da solidariedade, união e respeito. Em consonância ao que fora exposto, Dias explana:

O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica da natureza humana. O princípio da dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família, com o que se consegue visualizar a dimensão do espectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais amplos. (DIAS, 2016, p.48).

Enfim, a Constituição Federal em seu texto apresenta um rol exemplificativo, com os tipos de família mais comuns presentes no Brasil, por isto trata-se de rol exemplificativo e não taxativo, por serem formas explícitas. No entanto, temos a modalidades familiares implícitas na redação do art. 226, portanto, mesmo os novos arranjos familiares não estando expressos em lei o princípio da dignidade humana garante a proteção legal.

 

3.2.2. Princípio da Igualdade

É indispensável que todos sejam tratados de forma igual sem que haja qualquer discriminação que leve a desigualdade, portanto a Carta Magna garante a isonomia entre os cidadãos, bem como proteção igualitária para todos. Dias (2016, p.50) aduz que “a ideia central é garantir a igualdade, o que interessa particularmente ao direito, pois está ligada à ideia de justiça”, por isto a garantia a igualdade está expressa na Constituição Federal vigente.

O direito à igualdade está previsto no art. 5º caput, da CF/88 e garante que “todos são iguais perante a lei”, ou seja, a Lei maior afasta discriminações, preconceitos e até mesmo ideias conservadoras que venham a ferir a dignidade das famílias.

Neste contexto, não é admissível que as ideologias do conservadorismo diminuam e discriminem as entidades familiares que obviamente estão fora do paradigma ultrapassado da família tradicional, que inclusive já decaiu este padrão. Nota-se então, que o princípio da igualdade no que se refere à tutela as famílias, afasta o preconceito que estas famílias lutam e enfrentam para acabar durante anos, é claro e nítido que na realidade a discriminação está presente, mas a eficácia deste princípio se faz presente e tem como base o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sob o crivo do princípio da igualdade é estabelecido na Constituição art.226, § 5º a igualdade entre cônjuges e companheiros, no que se refere os seus direitos e deveres. Outra garantia de igualdade é a livre decisão do casal referente ao planejamento familiar (CF 226 § 7.º).

Ademais, o princípio da igualdade possui total eficácia na proteção das entidades familiares, neste sentido Dias explana que “em nome do princípio da igualdade, é necessário assegurar direitos a quem a lei ignora”, portanto, todas as famílias merecem a proteção.

 

3.2.3. Princípio da Solidariedade Familiar

O princípio da solidariedade familiar é fundado nos vínculos afetivos repletos de união, fraternidade e afetividade. Portanto, esse princípio é o estabelecimento de que o ser humano para existir tem que coexistir, assim como a República Federativa determina que na sociedade encontre fraternidade, o direito de família define tal princípio como primordial para a relação familiar. Nesta linha, Dias afirma:

Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. (DIAS, 2016, p. 53).

Desse modo, o princípio da solidariedade familiar define os direitos e deveres como sendo recíprocos para os integrantes de cada família, então o referido princípio se faz presente no âmbito familiar, para que prevaleça nas relações justiça e solidariedade. 

 

3.2.4. Princípio da Afetividade 

O princípio da afetividade abarca os laços afetivos, é a nova visão constitucional que assegura a proteção legítima a toda entidade familiar. O afeto hoje é reconhecido pela constituição federal, o que leva a reconhecer também que a nova concepção familiar não se trata apenas de critérios sanguíneo ou a imposição de formação familiar através do sexo oposto, a análise é amplificada, de tal forma em que prevaleça o amor e o afeto. 

Para não cometer os mesmos erros de exclusão e discriminação do passado com as diferentes formas de famílias que se encontravam fora do que era estabelecido, a constituição engloba a afetividade, mesmo não estando explícita, conforme interpretação de Berenice Dias, entende-se que:

A união estável é reconhecida como entidade familiar, merecedora da tutela jurídica. Como se constitui sem o selo do casamento, isso significa que a afetividade, que une e enlaça as pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico. Ocorreu a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização individual. (DIAS, 2016, p.58).

A família que é fato social, base da sociedade, a afetividade possui importância notória para o reconhecimento das famílias que não estão no rol exemplificativo da CF/88, mas que se sabe da existência e da necessidade de tutela por parte do Estado, o reconhecimento dos laços de afeto e não sanguíneos. Portanto, nada mais justo que concretizar que o princípio da afetividade é a base do novo direito de família. 

 

4.  A PROTEÇÃO JURÍDICA DA ENTIDADES FAMILIARES

A família passa por mudanças continuamente, em razão de sofrer a influência do desenvolvimento social e cultural do homem, muda conforme a história se desenvolve e os valores sociais se alteram. Portanto, o conceito da instituição familiar deixou de possuir o caráter restritivo, afinal, conceito restritivo consequentemente restringe direitos a alguns.

Conforme as mudanças foram ocorrendo a liberdade familiar foi crescendo, estabelecendo a concepção familiar sob a luz do afeto, voltando a proteção para a pessoa humana, com base nos direitos fundamentais e os princípios protetores das famílias. 

No entanto, além da proteção constitucional que garantida as famílias que serão abordadas neste capítulo, a saber: família homoafetiva, família monoparental e família simultânea, que possuem maior ênfase no ordenamento jurídico, existe ainda a proteção manifestada em doutrinas e jurisprudências, que infelizmente ainda é pouca e há a necessidade de renovação para alcançar o oferecimento de proteção respaldada na legislação brasileira, de forma que primordialmente seja garantido sempre o princípio da dignidade humana para todas estas formas de família.

Notoriamente, o desenvolvimento da sociedade para alguns conservadores tem ocorrido de forma drástica, o que eles intitulam de inversão de valores, uma vez que, os valores familiares atuais não tem se baseado apenas na moral e religião, mas essencialmente no afeto, solidariedade e amor, esta é a nova base familiar que tem quebrado todos paradigmas conservadores que foram implantados na sociedade, ao ponto de restringir direitos a certa maioria da população que possuía o desejo de ter a sua família.

 

4.1.     FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS

A família consagrada pela legislação, possuía um modelo conservador, família patriarcal, matrimonial, patrimonial, hierarquizada, indissolúvel e heterossexual, este era um padrão que deveria ser seguido, sem ser questionada a razão pela qual apenas este modelo familiar com tais características seria correspondido no âmbito jurídico e social, com certeza a resposta seria o preconceito enraizado na sociedade.

No entanto, com a consolidação da Constituição Federal vigente, com todos os seus princípios essenciais para a garantia da proteção dos direitos a pessoa humana, gradativamente passou a banir as discriminações dentro do âmbito familiar. Neste sentido, o caput do artigo 226, da Carta Magna, ao elencar que a família é a base da sociedade e possui a especial proteção do Estado, torna-se uma cláusula geral de inclusão, sem a prática de exclusão de qualquer entidade familiar. Diversificou ainda o conceito de família ao determinar que esta não se forma apenas através do matrimônio.

Em analise ao 226, § 3º, não deve ser interpretada de forma estrita, a previsão que menciona o reconhecimento da união estável entre um homem e uma mulher. Portanto, a interpretação deve ser feita de forma extensa, pois o dispositivo recomenda a transformação da união estável em casamento. A exigência de união estável entre um homem e uma mulher, a diferenciação entre os sexos, é conduta discriminatória que fere o princípio da igualdade, o qual deixa claramente explícito que é vedado diferenciar pessoa em razão de seu sexo.

O direito à igualdade consagrado na Constituição Federal, proíbe que atitudes discriminatórias sejam praticadas, principalmente no que diz respeito a orientação sexual do ser humano. É erróneo rejeitar a existência de homossexuais, sendo que é dever do Estado promover o bem de todos, promover a igualdade. Neste sentido, Maria Berenice explana:

A homossexualidade sempre existiu. Não é crime nem pecado; não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso, nada justificando a dificuldade que as pessoas têm de conviver com lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais, identificados pela sigla LGBTI. É simplesmente, nada mais, nada menos, uma outra forma de viver, diferente do padrão majoritário. Mas nem tudo o que é diferente merece ser discriminado. Muito menos ser alvo de exclusão social. A origem da homossexualidade, não se conhece. Aliás, nem interessa, pois, quando se buscam causas, parece que se está atrás de um remédio, de um tratamento para encontrar cura para algum mal. (DIAS, 2016, p. 433-434).

A homossexualidade é real, ela existe e sempre existiu, não há razão para discriminar seres humanos que também são merecedores de direitos garantidos como a igualde e a dignidade humana. São indivíduos, pessoas humanas, que também tem a necessidade de se relacionar e formar a própria família, já que o afeto e a necessidade de amar é natural do ser humana, portanto merecem a tutela jurídica, de forma que seja deixado o preconceito de lado.

A união homoafetiva apesar se merecerem a tutela jurídica, não estão previstas expressamente na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. O Estado não pode ser omisso em razão de preconceitos enraizados, em razão do conservadorismo, a união estável homoafetivas devem ter o seu reconhecimento.

Diante da análise de que um casal em relação com vinculo de afeto, que possui relação duradoura e pública, com uma rotina que se equipara ao casamento, entende-se que há uma família formada, sem fazer distinção de sexo, pois atualmente isto é algo contínuo e rotineiro, dessa forma, pode ser vista como uma união estável, com efeitos jurídicos. Portanto, o que deve ser aplicado em casos assim, diante da omissão do legislador, é a aplicação através do judiciário, da analogia, costumes e princípios gerais do direito, na falta de normatização, conforme está previsto no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

 

4.1.1. Evolução da Legislação 

A união homoafetiva apesar de não possuir previsão legal específica, não significa que não a direito à proteção jurídica. Mesmo não havendo previsão específica na legislação a prestação jurisdicional deve ser feita com todos os seus efeitos jurídicos cabíveis.

Portanto, diante da omissão do legislador, as uniões homoafetivas vieram reivindicar os seus direitos batendo nas portas do judiciário, que como já exposto anteriormente, não pode ser omisso também, deve usar da analogia, costumes e princípios, aplicados pelo juiz que jamais deve negar a proteção jurídica a estes indivíduos que desejam compor a sua família.

Em face do preconceito encrustado na sociedade e que consequentemente afeta ao judiciário, a união de pessoas do mesmo sexo chegou a ser rotulada como sociedade de fato, ou seja, era tida como um vínculo negocial e não como uma relação familiar com afeto, sendo assim inseridas no direito obrigacional e retirando a chance de serem resguardados pelo direito das famílias.

Entretanto, em 1999 a Justiça gaúcha, definiu a competência dos juizados especializados das famílias para apreciar as uniões homoafetivas. Ainda na Justiça do Rio Grande do Sul, em 2001 reconheceu novamente a união homoafetiva como entidade familiar ao deferir herança ao parceiro do mesmo sexo. Estas decisões foram um marco para mudança da justiça, os primeiros passos para influenciar as demais decisões dentro do país, deixando então de estar no direito obrigacional e passando a ser protegida pelo direito das famílias.

A justiça gaúcha ultrapassou os padrões tradicionais, com a coragem louvável rompeu o preconceito do judiciário, o que repercutiu muito, mas a mensagem passada ao judiciário foi para que houvesse a conscientização do seu dever de criar direito para esta nova forma de entidade familiar. 

Importante frisar outra evolução para estas famílias, é que em 2006 com a vigência da Lei nº 11.340, trouxe o conceito de família que insere as uniões homoafetivas, entendendo como “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; independentemente de orientação sexual” (art. 5º, inciso II, e parágrafo único).

Este conceito legal de família apresentado pela Lei Maria da Penha combinado ao art. 1.511, do Código Civil, deixa claro que opção sexual não deve ser vista como condição para casamento. Portanto, a formação de uma família independe de orientação sexual. Seguindo este raciocínio Dias explica:

Pela primeira vez foi consagrada, no âmbito infraconstitucional, a ideia de que a família não é constituída por imposição da lei, mas sim por vontade dos seus próprios membros. Assim, se família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens. Ainda que eles não se encontrem expressamente ao abrigo da Lei Maria da Penha, vem a jurisprudência concedendo-lhes medidas protetivas, quando existe uma relação assimétrica entre eles. Basta invocar o princípio da igualdade. A entidade familiar ultrapassa os limites da previsão jurídica para abarcar todo e qualquer agrupamento de pessoas onde permeie o elemento afeto. (DIAS, 2016, p.442).

A jurisprudência assumiu um grande papel de garantir proteção às novas entidades familiares e principalmente para a família homoafetiva. E o grande exemplo disto foi o voto proferido pelo Ministro Ayres Brito, que possibilitou a interpretação do artigo 1.723 do Código Civil, que reconhece a união homoafetiva como instituto jurídico, proibindo a discriminação de pessoas em razão do sexo, devendo ser reconhecida a união duradoura e pública entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, aplicando-se as regras da união estável heteroafetiva. O ministro cita ainda na (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ADI 4.277 que conforme a teoria kelseniana a norma gera negativa, conforme a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. 

Ademais, apesar de todas estas aplicações de analogias, costumes, princípios, o fortalecimento das jurisprudências assumindo a missão de fazer justiça e garantir a tutela às famílias homoafetivas, ainda não o suficiente para estas famílias, existe ainda o preconceito do judiciário e legislativo, este principalmente, o qual deveria se manifestar para proteger esta entidade familiar. 

Avanço brilhante e necessário seria a aprovação para a vigência do projeto de Lei n. 2.285/2007, de autoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM e protocolizado no Congresso Nacional pelo deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), que tem como objetivo moldar o direito a nova realidade com a inclusão das novas entidades familiares no Brasil.

O referido projeto de Lei tem a finalidade de reunir todas as normas referentes ao Direito das Famílias que estão dispersas na legislação civil e especial. Tem fim inclusive de realizar a inclusão das famílias homoafetivas e as demais entidades familiares, fundamentando-se nos princípios citados neste presente trabalho, a saber o princípio da dignidade humana e da solidariedade.

Portanto, a sociedade brasileira tem passado por muitas mudanças sociais, mas é preciso maior esforço e atenção à família homoafetiva, mesmo com os demais avanços apresentados é necessária proteção legal especial. Todavia, nota-se que não tarda o dia em que as uniões homoafetivas terão o seu reconhecimento natural na legislação especial brasileira do Direito das Famílias.

 

4.2.     FAMÍLIAS MONOPARENTAIS

Diante de tantas transformações que ocorreram na sociedade, como tem sido exposto a todo tempo, fez-se necessário que novas entidades familiares fossem adotadas. Portanto, com a quebra de padrões, a triangulação familiar que sempre foi estabelecida na legislação, o modelo clássico da família formada por pai, mãe e filhos, não se faz mais como um conceito geral para a entidade familiar.

Neste sentido, diante da queda do patriarcalismo, a inserção da mulher no mercado de trabalho, as famílias formadas por um dos pais e seus filhos deixou de ser invisível, sendo reconhecida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 4º, o qual dita que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, sendo esta, a chamada família monoparental.

A família monoparental, é um modelo familiar que sempre existiu, em razão daquelas pessoas que criavam e educavam sua prole sozinhas, tendo então um aumento, principalmente por motivos de divórcio. No entanto, a monoparentalidade era vista pela sociedade como um fracasso da vida pessoal do indivíduo que não conseguia constituir uma família tradicional e viver uma vida a dois. Maria Berenice, (2016, p.470) ressalta que as pessoas que constituíam famílias desta forma eram consideradas em situação marginal, visão que diverge da atualidade, que hoje a monoparentalidade é uma escolha livre e não vivido como forma de exclusão.

A monoparentalidade teve sua origem na viuvez, que era um fator involuntário, todavia, o tempo modifica e realidade se adequa, portanto atualmente a monoparentalidade possui diversos fatores voluntários que ocasionam a sua formação, como o divórcio, a adoção, pessoas solteiras e inseminação artificial. 

A Constituição Federal positivou o reconhecimento da família monoparental, porém apenas de modo geral. A doutrina assumiu o papel de delimitar as condições para constituir a monoparentalidade, já que mais uma vez um legislador se mantém em silêncio, não há na legislação infraconstitucional os direitos e obrigações voltados para a referida família, principalmente o Código Civil.

A monoparentalidade tem a sua própria composição e precisa deixar de ter as considerações escassas, o Estado reconheceu juridicamente dentro da Carta Magna, o que foi de extrema importância, mas como se trata de uma realidade social de muitos brasileiros, é necessária uma análise mais detalhada e específica da sua composição. Uma solução seria a criação de Lei Ordinária para melhor regulamentação e delimitação de seus direitos e obrigações.

É importante destacar que a família monoparental possui a estrutura mais frágil, em virtude de o ascendente arcar com todos os encargos sozinho ao cuidar do seu descendente. Portanto, é imprescindível que o Estado proporcione políticas públicas para que sirva como auxílio a criação da prole e a possibilidade de a família viver com bem-estar, por exemplo concessão de benefícios previdenciários, vantagens para adquirir casa própria, enfim.

 

4.3.     FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS

No Brasil existe uma realidade muito frequente e diferente das ideologias impostas pelo princípio da monogamia, que de acordo com Maria Berenice (2016, p.450) não é um princípio do direito estatal da família, visto que é um princípio de origem conservadora e jamais irá se adequar a nova realidade do direito de família.

Portanto, ultimamente os Tribunais brasileiros tem se deparado com uniões de famílias simultâneas, com uma ou mais uniões paralelas, diferente do que já é de costume apenas um casamento ou uma união estável. As uniões simultâneas sempre existiram, principalmente por ser uma prática geralmente, quase que exclusiva, dos homens, todavia começaram a se rebelar agora em busca de proteção jurídica através do Estado.

Com as inovações e reconhecimentos aplicados pela Constituição Federal de 1988, passou-se a considerar como entidade familiar merecedora de proteção do Estado, além da família monoparental, a união estável, em que os casais que se uniam como se fossem casados e eram chamados de concubinos, passaram a gozar da proteção legal, como entidade familiar.

A monogamia determina que o homem ou a mulher devem ter apenas um cônjuge, enquanto estiverem casados, desta forma o art. 1.566 do Código Civil, em seu inciso I, impõe o dever de fidelidade recíproca aos cônjuges, tal norma se preserva até os dias atuais no direito de família brasileiro, que cabe para o instituto do casamento, mas que vige de forma igual para as uniões estáveis.

No entanto, alguns doutrinadores divergem desta determinação, ao analisarem o artigo 1.724 do Código Civil, que trata da união estável, o qual prevê que “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”,  que determina o dever de lealdade e não fidelidade como prevê o artigo 1.566. Neste sentido, lealdade possui um sentido amplo, enquanto a fidelidade possui sentido estrito, que infringida apenas por meio do adultério.

Em contrapartida, outra corrente indaga se o legislador ao pôr no artigo 1.724 a lealdade para união estável, deixou de exigir aos companheiros que fossem fieis reciprocamente? Claramente, o entendimento é que o legislador mesmo usando da palavra lealdade, no fim, teve a intenção de exigir a fidelidade, de modo que ambas as palavras remetem ao respeito mútuo entre o casal, o que leva a crer que o companheiro não poderá ter mais de uma união estável, assim como é previsto para o casamento. Portanto, a regra é, se o casamento é uma relação monogâmica, logo a união estável deve ser também.

Neste caso, esta corrente é a que tem prevalecido no Brasil, diante de todas as dificuldades que as famílias simultâneas têm tido para ter o seu reconhecimento concedido, pois o princípio da monogamia impera no país. Um erro do judiciário brasileiro, que conforme Maria Berenice (2016, p.449-450) estas “relações geram consequências merecedoras da tutela do estado, principalmente se houver filhos ou aquisição de patrimônio”.

As famílias simultâneas são vistas como um concubinato impuro, que não dá a garantia aos seus integrantes, neste caso, na maioria das vezes a mulher. Como dito anteriormente estas famílias geralmente são práticas do homem, portanto, o machismo predomina a partir do momento em que o judiciário aloca o vínculo do direito obrigacional e trata como sociedade de fato, apenas quando a mulher não tem o conhecimento da vida paralela do seu companheiro.

Neste sentido, é notório que o princípio da monogamia se estabelece e predomina no judiciário brasileiro, bem como a maioria da doutrina, que defende a previsões referentes a fidelidade, afastando a possibilidade de as famílias simultâneas serem reconhecidas, já que a monogamia ainda é um padrão. Portanto, o STF e o STJ posicionam-se contra o reconhecimento de famílias simultâneas. 

Em suma, o judiciário busca proteger as pessoas envolvidas que tenham sido enganadas e valorizando a boa-fé, lhes oferecendo os direitos que seriam equivalentes se estive em união estável. Mas, é importante saber que a justiça comete erros ao negar a existência de famílias simultâneas. 

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família é uma construção cultural do homem, que se constitui através do afeto, portanto a família é uma instituição inerente ao homem, que tem a necessidade de se unir a outros para evitar a solidão, dessa forma se faz um novo conceito de família, a seria uma entidade constituída através do afeto, amor e solidariedade e a consequência disto é a fuga do padrão conservador, já que não tem como fixar um padrão uniforme de família.  A família é a base do Estado, portanto cabe ao mesmo protege-la conforme as suas necessidades.

Forçoso reconhecer, que não se pode colocar a família em um conceito único e específico, uma vez que na história o modelo hierarquizado e patriarcal se estabeleceu como um padrão durante anos e até o momento atual, em virtude do preconceito e a monogamia como sendo um preceito absoluto da nossa sociedade, mas que tem se tornado ultrapassado.

A evolução da família brasileira dentro do aspecto jurídico e social ocorreu de forma gradativa, em razão das diferenças estabelecidas entre homens e mulheres, enquanto esta era obrigada a seguir os ditames machistas, aquele era quem predominava e crescia com todos os direitos dentro da sociedade. Por muito tempo o reconhecimento familiar foi feito através da realização do matrimônio, dentro da legislação civil de 1916.

Diante disto, nota-se que tal regulamentação era discriminatória, ao reconhecer como famílias apenas aqueles que eram casados. Mais tarde a mulher foi alcançando seu lugar e isto mais tarde seria um avanço para o conceito familiar imposto e a família deixou de ser unidade religiosa.

O advento da Constituição Federal brasileira em 1988, revolucionou o país, bem  como, o Direito de Família, ao estabelecer princípios baseados na igualdade e liberdade, garantindo direitos fundamentais à família, o que levou a constitucionalização do Direito Civil e do Direito de Família.

Portanto, é necessário reconhecer que por meio da Carta Magna algumas entidades familiares se revelaram e passaram a buscar seus direitos, independente de a sociedade ser formada por grupos preconceituosos, a Constituição permitiu tal proteção às famílias através dos seus princípios e direitos fundamentais. A constitucionalização do Direito de família favoreceu para o progresso da tutela do Estado as entidades familiares que não possuem legislação específica.

Todavia, no curso da história até ser alcançada a aplicação dos direitos fundamentais e princípios, o direito passou pelo jusnaturalismo e positivismo, que no fim decaiu, em virtude de aplicar o direito apenas com as normas, a lei seca. Surgindo mais tarde o pós-positivismo baseado na valorização da justiça e legitimação democrática, dando normatividade aos princípios. 

Nessa senda, a constitucionalização do direito de família é um marco na história, a Constituição Federal abraçou a pluralidade familiar, quebrou o paradigma na família tradicional, principalmente através de princípios aplicáveis ao Direito de Família, como a Dignidade da Pessoa Humana, Da Igualdade, Da Solidariedade Familiar, Da Afetividade.

Apesar da evolução do conceito de família e as demais mudanças que ocorrem constantemente e sob o crivo do afeto, a proteção está sendo voltada para a pessoa humana. Portanto, o presente estudo aborda sobre as novas configurações familiares e no último capítulo trata sobre a proteção jurídica que é oferecida a famílias que possui dificuldades de reconhecimento no meio social e jurídico e que sempre foram relegadas a invisibilidade, as quais sejam: a homoafetiva, monoparental e simultânea. Estas, apesar da evolução e reconhecimento de alguns direitos, os quais ainda não se fazem suficientes, continuam presas a visão do preconceito e discriminação.

A família homoafetiva dentre as demais famílias é a configuração familiar que possui maior incidência do preconceito, em razão do padrão ser a família constituída por casais heterossexuais, no entanto a homossexualidade existe e se faz presente a sua necessidade em formar a sua própria família, portanto não poderia a justiça permanecer cega e negar-lhe direitos e proteção. Apesar de não possuir respaldo literal na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional, a aplicação de princípios da Carta Magna tem sido essencial para prestar a devida proteção.

Neste sentido, é prevista a união estável da CF/88, mas que não pode ser imposta apenas a casais heterossexuais, isto é ato discriminatório e fere o princípio da igualdade, já que a exigência é um casal em relação com vinculo de afeto, que possui relação duradoura e pública, com uma rotina que se equipara ao casamento, deverá então ser reconhecida a união estável. Diante disto, mesmo com o silêncio do legislador, o judiciário demonstrou enorme competência para respaldar a família homoafetiva, apesar de haver o preconceito dentro do judiciário, alguns reconhecimentos através do judiciário favoreceram para a proteção jurídica merecidas por estas famílias. A jurisprudência atualmente reconhece a união homoafetiva como instituto jurídico e entidade familiar. Avanço maior seria a vigência de legislação específica para esta família, em que lhes seriam garantidas as suas próprias normas e a inclusão das famílias homoafetivas, no entanto esta legislação ainda se encontra em forma de projeto de lei n. 2.285/2007, em virtude do preconceito enraizado no legislativo, ainda não fora a frente.

A família monoparental é a diferenciação da triangulação familiar estabelecida na legislação, a qual é formada por um homem, uma mulher e seus filhos. Esta família apesar de ser uma nova entidade familiar dentre as famílias citadas, esta é a que menos incide o preconceito, pois com a queda do patriarcalismo a família formada por um dos pais e seus filhos deixou de ser invisível e atualmente é reconhecida na Constituição Federal em seu artigo 226, § 4º. O referido reconhecimento é dado de forma geral, o que se faz necessário que tenha a sua própria legislação, em razão de a família monoparental possuir a estrutura frágil, portanto merece a proteção especial do Estado.

A família simultânea vai de encontro com todos os preceitos da monogamia e que infelizmente são estes que prevalecem até os dias atuais no Brasil. Apesar de existir correntes que defendam o reconhecimento da família simultânea, em razão da lei tratar a união estável por escrito de forma diferente do casamento, ao exigir fidelidade entre os cônjuges para estes e lealdade entre os companheiros para aqueles, não significando o mesmo e devendo ser dada a permissão e reconhecimento destas famílias, em contrapartida há a corrente majoritária, a qual entende que mesmo o legislador usando a palavra lealdade para a união estável, a intenção é exigir a fidelidade, devendo assim prestar a proteção ao respeito mútuo entre o casal. No fim, a monogamia tem sido a regra e a justiça nega a existência destas famílias. 

Resta claro que, embora dentro da história das famílias a evolução tenha sido grande e mesmo com o reconhecimento através do judiciário, que trouxe a quebra de muitos paradigmas da família tradicional, a legislação é ausente e frágil e deixa o papel de protetor apenas para o judiciário e a doutrina, não sendo o suficiente. Estas entidades familiares são minorias no âmbito familiar, portanto a falta de regulamentação necessária abre espaço para o preconceito. O que deve acontecer em regra é que a lei se molde à realidade social e passe a proteger as novas formas familiares sem discriminação, como determina a Constituição Federal. A dignidade humana, a igualdade e a liberdade devem ter a plena concretização para a proteção destas famílias, sendo sempre superior ao preconceito enraizado na sociedade. 

 

6. REFERÊNCIAS

 

ALVES, Júlio Henrique de Macêdo. A evolução nas definições de família, suas novas configurações e o preconceito. 2014. Monografia ao Curso de Direito – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2014;

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Sobre a autora
Milla Souza Dunda dos Santos

Advogada inscrita na OAB/BA nº 66070 Pós-Graduando em Direito Público

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