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A legislação licitatória sob a perspectiva do princípio da eficiência

Agenda 15/05/2020 às 22:50

A licitação é o procedimento que deve ser utilizado, como regra, para as contratações públicas, cuja legislação já existia antes da Constituição Federal de 1988, mas a partir desta foram editadas diversas leis e uma nova legislação está para ser aprovada.

I - INTRODUÇÃO

            A partir da construção e do desenvolvimento do princípio da legalidade administrativa, o Poder Público passou a ter a conduta de seus agentes, cada vez mais, regradas na lei não sendo diferente no que diz respeito às contratações públicas, o que se verifica a partir da evolução legislativa do instituto das licitações e dos contratos administrativos.

            A proposta desse ensaio é justamente historiar, a partir de nosso ordenamento jurídico, as regras acerca das licitações públicas desenvolvidas antes e depois da Constituição Federal de 1988, para ao final, questionar a utilidade e a necessidade de uma nova lei de licitações, cujo projeto tramita em nosso Congresso Nacional.

            Para tanto, inicialmente será pontuado a evolução legislativa anterior a Constituição Federal de 1988, em sequência, iremos abordar as regras inclusas neste Texto Constitucional e as alterações contidas na Emenda Constitucional de nº 19/98, a criação de novas modalidades e a existência de procedimentos específicos e, após, haverá uma reflexão sobre algumas das alterações propostas pela lei nº 6.814/17 a partir do princípio da eficiência.

A metodologia adotada é bibliográfica realizada a partir de artigos jurídicos e doutrina, além da análise pontual da legislação e da jurisprudência nacional relacionada à temática, buscando oferecer argumentos úteis a uma reflexão sobre a licitação, buscando pensar fora da caixa, a partir da perspectiva da eficiência.

II – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

2.1 – Evolução legislativa

Em retrospectiva histórica, o Decreto nº 4.536 de 28/01/22 (Organiza o Código de Contabilidade da União) já se referia a concorrência pública como procedimento prévio à contratação de fornecimento e de obras.

Posteriormente, o Decreto-Lei nº 200 de 25/02/67 (Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências) estabelecia como modalidades licitatórias (art. 127) a concorrência, a tomada de preços e o convite, adotando como diferencial para a escolha entre essas o valor estimado da contratação. Ainda, estabelecia a aplicação das regras procedimentais ali contidas à alienação de bens, admitindo o leilão, neste caso, como modalidade de licitação (art. 143).

            Importa registrar que referidas normas não tratavam exclusivamente sobre o procedimento licitatório, diferente do posterior Decreto-lei nº 2.300 de 21/11/86 (Dispõe sobre licitação e contratos da Administração Federal e dá outras providências), que disciplinava especificamente, além das regras contratuais, o procedimento licitatório.

            A legislação, até agora referenciada, se enquadrava como lei federal, não obstante, com relação ao Decreto-Lei nº 200/67, foi editada a Lei nº 5.456 de 20/06/68 determinando a aplicação aos Estados e Municípios das normas relativas a licitações ali previstas, e, com relação à Lei nº 2.300/86, o respectivo art. 85[1] estabelecia a aplicação das normas gerais, ali previstas, aos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

            O art. 20 do Decreto-Lei nº 2.300/86 estabelecia as seguintes modalidades licitatórias: concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão. Verifica-se a manutenção, com relação à legislação anterior, do diferencial quanto o valor para a escolha das três primeiras modalidades acima indicadas. Manteve, ainda, a utilização do leilão para a alienação, com a explicitação do objeto, qual seja: bens móveis e semoventes inservíveis ou de produtos legalmente apreendidos. A novidade era a modalidade concurso que deveria ser utilizada para a escolha de trabalho técnico ou artístico.

Registre-se que a Constituição de 1946 já fazia referência pontual com relação à utilização de concorrência pública (art. 222, b incluído pela EC 15/65), o que não foi repetido nas Constituições de 1967 e EC nº 01 de 1969.

            Já a Constituição Federal de 1988 reinaugura e reconfigura o Estado Brasileiro, a exemplo, da inclusão do Distrito Federal e dos Municípios como integrantes da Federação, merecendo análise detida sobre o tratamento constitucional dado as licitações e contratos administrativos.

2.2 – A Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional

            Conforme dito, as Constituições anteriores pouco ou nada trataram sobre licitações e contratos administrativos, em que pese a sua regulamentação na legislação infraconstitucional, diferente da atual Constituição Federal que regulamenta alguns pontos sobre o tema, a começar pela competência legislativa, prevista no art. 22, XXVII, em sua redação original, senão vejamos:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: 

...

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle;

            Veja que restou mantido o que já estava previsto na legislação infraconstitucional anterior, qual seja, a competência legislativa da União limitar-se-ia a edição de normas gerais, permitindo aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios a edição de normas específicas.

Podemos diferenciar as normas gerais das normas específicas, a partir da finalidade daquela de padronizar/uniformizar os princípios e as regras aplicáveis ao processo licitatório, diminuindo a incerteza quanto às regras do jogo, enquanto que as normas específicas teriam a finalidade de complementar/suplementar as normas gerais e, dessa forma, deve existir norma geral e pode existir norma específica, não havendo obrigatoriedade na edição desta pelos Estados, Distrito Federal e, porque não, pelos Municípios no exercício de sua competência de suplementar a legislação federal e estadual.

            Em que pese à localização da regra de competência legislativa no art. 22, que trata da competência legislativa privativa da União, autores de escol defendem que, na verdade, trata de competência legislativa concorrente e, em consequência, referida regra ficaria mais adequadamente localizada no art. 24 da CF/88, até porque, se assim não fosse, os Estados e o Distrito Federal só poderiam editar normas especificas sobre licitações quando autorizados, via Lei Complementar, pela União, nos termos do parágrafo único do art. 22[2], complexidade essa que não se mostra proporcional para a regulamentação da matéria.

            Sobre o cenário pós Constituição Federal de 1988 no que se refere à regulamentação da licitação, importa transcrever a percepção de BORGES[3], senão vejamos:

Bem sabemos que o Decreto-lei 2.300/86, impingido à Nação como Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos, acabou por ser legitimado, de certa forma, pelo advento da Constituição de 1988. Era o diploma federal que dispúnhamos à época: com a declarada pretensão de conter normas gerais impositivas, em abrangência nacional, a par daquelas unicamente dirigidas à Administração Federal, e de outras, respeitantes a outros ramos do direito. Demais disso, alguns de seus dispositivos realmente salutares vieram a ser praticamente “encampados”, pela nova Constituição.

Desenvolveu-se a partir de então, verdadeira aspiração nacional, em torno da estruturação de uma verdadeira Lei nacional de licitações e contratos administrativos: uma lei que incorporasse sua real aplicabilidade em âmbito nacional; que fosse expurgada dos detalhes e minúcias somente direcionados para a Administração Federal; que, por fim, fosse despojada uma série de casuísmos e permissibilidade que escancaravam as portas de toda sorte, e que facilitavam a proliferação da corrupção administrativa, sem que se aparelhasse a Administração Pública para efetivamente coibi-lo.  

            É nesse cenário que novas leis surgiram em nosso ordenamento, a exemplo, da Lei Federal nº 8.220 de 04/09/91 que estabeleceu a obrigatoriedade de abertura de concurso de projetos arquitetônicos para edifícios do governo federal, não obstante foi a Lei Nacional nº 8.666/93 que melhor regulamentou o tema das licitações e contratos administrativos, ao tratar das normas gerais aplicáveis a toda Administração Pública e de algumas normas especificas aplicáveis somente no âmbito federal[4].

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            Em BORGES[5], ainda no ano de 1993, após discorrer sobre o contexto histórico e político vivenciados em 1991-1992, revelando, entre outros, falcatruas e desmandos e da constatação da insuficiência do Decreto-lei nº 2.300/86, afirma que é nesse contexto que surgiu a nova Lei:

Foi nesse clima que se elaborou a nova Lei, cuja tônica principal, ante tão dramáticas circunstâncias, foi apertar o cerco da moralidade administrativa e confiá-lo à permanente vigilância do cidadão comum.

Mas a emoção do momento nunca foi boa conselheira para o legislador. Facilmente descamba para casuísmos e exageros.

Consequentemente, o que emergiu, ao primeiro exame de uma Lei tão ansiosamente esperada, foi uma grande e generalizada frustação nacional. Esperava-se um diploma eficaz e até redentor, e deparamos com um Frankenstein mal costurado.

            Se na época, a insigne Professora, titular de Direito Administrativo da Católica de Salvador, teve essa percepção, atualmente não temos dúvidas que a Lei nº 8.666/93 se transformou em um verdadeiro “Frankenstein” jurídico, por variadas causas, entre às quais podemos destacar:

  1. As diversas alterações pontuais e, por vezes sem o rigor técnico, sofridas pela Lei nº 8.666/93, a exemplo, do art. 24, VII que manda observar o parágrafo único do art. 48, não mais existente, posto que transformado no §3º, com a alteração promovida pela Lei nº 9.648/98;
  2. O surgimento de outras leis, ao entorno da Lei nº 8.666/93, a exemplo, da Lei nº 10.520/02, que trata da modalidade pregão, da Lei nº 12.232/10, que trata do procedimento para a contratação de serviços de publicidade por intermédio de agências de propaganda ou da Lei nº 12.462/11 que instituiu o regime diferenciado de contratações;
  3. A divergência de interpretação e de aplicação da Lei nº 8.666/93 entre os órgãos de controle, Tribunal de Contas da União e Tribunais de Contas dos Estados;
  4. A divergência de interpretação e de aplicação da Lei nº 8.666/93 entre os órgãos de controle (Tribunais de Contas) e o Ministério Público;
  5. A divergência de interpretação e de aplicação da Lei nº 8.666/93 entre as diversas instâncias do Poder Judiciário;

Deveras que a Lei nº 8.666/93 traduz, por vezes, em normas inadequadamente construídas, mal redigidas, prolixas, contraditórias, exigindo um esforço hermenêutico quando de sua aplicação e, ainda, as alterações legislativas posteriores, ao invés de aclarar, por vezes, redundaram em maiores dificuldades na interpretação e aplicação.

A Lei nº 8.666/93, em que pesem as diversas alterações legislativas pontuais, não alcançou a sua principal finalidade, qual seja: moralizar as contratações públicas.

            Adianta que não houve maiores novidades na Lei nº 8.666/93 posto que mantidas as cinco modalidades já previstas no Decreto-Lei nº 2.300/86, com a atualização tão somente dos valores em relação à concorrência, tomada de preços e convite, mas estabelecendo um diferencial em relação a essas modalidades, contida na redação original do art. 23, §1º, com valores reduzidos para os Municípios, diferença essa que foi revogada pela Lei nº 8.883/94.

2.3 – A Emenda Constitucional nº 19/98 e a legislação infraconstitucional

            Fruto de um projeto maior de Reforma de Estado, a Emenda Constitucional nº 19/98, denominada de reforma administrativa propunha, entre outras, a adoção de uma administração gerencial focada nos resultados.

            Com efeito, o referido inciso XXVII do art. 22 foi alterado pela EC nº 19/98, passando a ter a seguinte redação:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: 

...        

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

 Em decorrência houve a alteração, também pela EC nº 19/98, do §1º do art. 173 cuja redação passou a prever um estatuto próprio, através de lei, para as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica, para regulamentar, entre outros, as respectivas licitações e contratos administrativos, observados os princípios da administração pública.

            A partir da alteração, a discussão doutrinária era se as referidas empresas estatais, enquanto não fosse editada a norma geral própria, deveriam observar as regras contidas na Lei nº 8.666/93?   Para alguns doutrinadores, não se aplicaria a Lei nº 8.666/93 as empresas públicas e sociedades de economia mista, para outros, enquanto não fosse editada a norma geral própria para essas entidades administrativas continuariam submetidas à Lei nº 8.666/93.

Além da doutrina, tal discussão foi objeto de análise pelo TCU - Tribunal de Contas da União, cujo entendimento se formou no sentido de ser “ponto pacífico no âmbito desta Corte de Contas que essas empresas sujeitam-se à Lei de Licitações até a edição de lei que regulamente o mencionado comando constitucional.” (Acórdão 1268/2003 - TCU - Plenário).

Sobre o tema importa destacar as licitações realizadas pela Petrobrás – Petróleo Brasileiro S/A, isto porque foi editado, com fundamento no art. 67 da Lei nº 9.478/97 o Decreto nº 2.745 de 24/08/98 que aprovou o regulamento do procedimento licitatório simplificado dessa sociedade de economia mista, iniciando a partir daí o embate entre TCU[6], o qual decidia pela inconstitucionalidade, tanto do art. 67, quanto do respectivo referido decreto e pela obrigatoriedade da observância da Lei nº 8.666/93 nas licitações realizadas pela Petrobrás, e o STF – Supremo Tribunal Federal, que decidia, quando provocado, pela constitucionalidade do referido art. 67 e, em consequência, pela não obrigatoriedade de observância da Lei nº 8.666/93 desde que observados os princípios da licitação, perdendo importância a discussão a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.303/16, a qual dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas estatais, o que inclui a regulamentação sobre os processos licitatórios dessas entidades.

Atualmente, portanto, existem duas normas gerais, no que se refere às licitações e contratos administrativos, editadas pela União, a Lei nº 8.666/93 aplicável a Administração Direta, Autarquias e Fundações Públicas e, outra, a Lei nº 13.303/16 aplicável às empresas públicas, as sociedades de economia mista e respectivas subsidiárias.

O fato é que referidas normas gerais não são as únicas aplicadas aos processos de licitações e contratações públicas, existindo em nosso ordenamento outras normas que tratam, também, do procedimento de licitação, as quais serão a seguir enumeradas.

2.4 – A criação de novas modalidades e procedimentos específicos de licitação

            O art. 54 da Lei nº 9.472/97[7], que trata da Agência Nacional de Telecomunicações, estabeleceu que para obras e serviços de engenharia a agência observaria a norma geral de licitação (Lei nº 8.666/93) e, para as demais contratações poderia utilizar procedimentos próprios nas modalidades consulta e pregão, estabelecendo o art. 56 que o pregão seria utilizada para o fornecimento de bens e serviços comuns e, por sua vez, a consulta seria utilizada quando a aquisição não se enquadrasse como bens ou serviços comuns, registrando o detalhamento do procedimento das referidas modalidades foi estabelecido na Resolução ANATEL nº 05 de 15/01/98.

            Em 2000, a MP - medida provisória de nº 2.026 instituiu, no âmbito da União, a modalidade pregão, o que foi duramente criticado, a uma porque a criação e/ou regulamentação de nova modalidade de licitação poderia até atender o requisito de relevância, mas não atenderia o requisito de urgência a permitir o uso de medida provisória nos termos do art. 62 da CF e, a duas, nos termos do art. 22, XXVII, da CF, compete a União editar normas gerais sobre licitações e, em consequência, a criação de nova modalidade deveria ser para todos os entes e não somente valer no âmbito federal, no entanto, tais críticas restaram superadas com a conversão da MP na Lei nº 10.520/02, que regulamentou a modalidade pregão, a qual trouxe diversas inovações importantes, a exemplo, da inversão das fases de habilitação e de julgamento, dos lances verbais, da fase recursal única, etc... o que permitiu maior celeridade às contratações públicas.

            Não menos importantes são os decretos que regulamentaram a modalidade de pregão, a exemplo do Decreto nº 10.024/19 e do Decreto nº 7.892/13, os quais regulamentam, respectivamente, no âmbito federal, a modalidade pregão eletrônico e o registro de preços.

            Ainda, por conta das inovações do pregão é que foi acrescido em 2005, o art. 18-A na Lei nº 8.987/95 que trata das concessões de serviços públicos, permitindo a inversão das etapas de habilitação e de julgamento na modalidade concorrência, que é a modalidade indicada para licitar referidos contratos de concessão, já chamando a atenção que esta lei e a Lei nº 11.079/04 que trata das parcerias público-privadas estabelecem algumas regras específicas para a licitação de contratos de concessão, respectivamente, comum e especial.  

             Em continuidade, importa destacar o RDC - Regime Diferenciado de Contratações, fruto da conversão da MP nº 527/11 na Lei nº 12.462/11, qualificada como lei temporária, visto que nos termos de seu primeiro artigo, as suas disposições seriam utilizadas tão somente para as licitações envolvendo os eventos internacionais que seriam sediados no Brasil nos anos de 2013, 2014 e 2016, no entanto, de lá para cá foram realizadas alterações com a inclusão de novos objetos passíveis de serem licitados através do RDC, defendendo parte da doutrina que seria uma nova modalidade de licitação, não se confundindo com as modalidades até então existentes. 

A relação não acaba aqui, destacando, ainda, a Lei nº 12.232/10, que regulamenta a licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda prevendo alterações pontuais no procedimento da licitação para esse tipo de contratação, e a Lei Complementar nº 123/06 que dispõe sobre o estatuto da microempresa e empresa de pequeno porte destacando os artigos 42 a 49 que preveem regras benéficas para a participação dessas nas licitações. 

            Seria possível continuar, enumerando, inclusive, as diversas leis estaduais, decretos, enunciados e julgados dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário que tratam do tema, mas a enumeração acima já nos permite indicar a complexa teia existente em nosso ordenamento jurídico quanto à legislação sobre licitações e contratos administrativos, prejudicando a sua interpretação e aplicação pelo gestor público e, portanto, a ideia da vez, quando se pensa no princípio da eficiência em relação às licitações é a simplificação do procedimento de contratação pública e, para tanto, existe projeto de uma nova lei de licitações em nosso Congresso Nacional.

2.5 – O projeto de lei nº 6.814/17: Nova lei de licitações

            O projeto de lei nº 6.814/17 encontra-se em tramitação no Congresso Nacional e, portanto, resumiremos alguns pontos importantes do novo projeto, registrando a possibilidade, ainda, de alteração visto que o processo legislativo ainda não foi finalizado e, nesse cenário, iniciaremos indicando alguns pontos positivos do projeto e, após, alguns dos pontos negativos.

            O projeto prevê a criação de uma nova modalidade de licitação, denominada diálogo competitivo, na qual se busca a participação dos licitantes na formatação do objeto que será contratado, naqueles casos em que se exigem inovação tecnológica e alta complexidade, enfatizando a existência dessa modalidade em países europeus. Só o tempo dirá se referida inovação trará bons resultados, até porque nas contratações públicas a iniciativa privada dificilmente repassa, de forma altruística, a expertise do seu negócio ou conhecimento técnico especializado de sua área de atuação, notadamente, diante da participação e presença de outros concorrentes, cenário no qual cada empresa busca passar as informações que lhe permitirão obter êxito na contratação.

Para além da criação dessa modalidade de licitação, os demais pontos do projeto de lei acabam tratando de alterações pontuais da legislação já existente ou a revogação de algumas normas gerais, tais como as Leis nº 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, a partir da junção dos princípios e das regras ali contidas em única lei, enumerando abaixo algumas dessas regras:

  1. A responsabilidade do contratado pela elaboração do projeto básico, projeto executivo e execução da obra, não se tratando de novidade visto que já previsto no art. 9º da Lei nº 12.462/11 com a denominação de contratação integrada;
  2. A ampliação da utilização da modalidade pregão para obras comuns, o que já era discutido e defendido por parte da doutrina e em decisões pontuais dos Tribunais de Contas;
  3. A previsão de remuneração premial a partir da economia gerada para os cofres públicos com a execução do contrato, não se tratando de novidade em função da existência do contrato de eficiência previsto no art. 23 da Lei nº 12.462/11;
  4. A criação do agente de licitação com poderes para a tomada de decisão visando a avanço e conclusão do processo, o que pode ser considerando uma novidade quando comparado com as atribuições da comissão de licitação e do pregoeiro;
  5. A previsão do sigilo das propostas nas licitações para obras públicas, o que já é previsto no art. 6º da Lei nº 12.462/11;
  6. A previsão da inversão das etapas de habilitação e julgamento que passará a ser a regra, abrindo um parêntese as alterações pontuais e incoerentes já realizadas, a exemplo, da alteração em 2005 da Lei nº 8.987/95, com a inclusão do art. 18-A permitindo a inversão das etapas na concorrência, a significar que houve alteração da norma específica sem que fosse alterada a norma geral, Lei nº 8.666/93, passando a modalidade concorrência a ter o procedimento distinto a depender do objeto licitado;
  7. Aumento dos limites de valores para contratação direta através de licitação dispensável;
  8. Aumento do prazo do contrato, nas situações de licitação dispensável em situação emergencial, atualmente de até 180 dias, para até 360 dias;
  9. Aumento do limite percentual da exigência de garantia que poderá chegar a até 30% do valor estimado da contratação;
  10. A regulamentação da exigência de amostra grátis;
  11. A regulamentação da visita técnica;

            A enumeração acima, naturalmente, não são as únicas alterações que estão contidas no projeto da nova lei de licitações, mas já nos possibilita a afirmar que, caso seja aprovado, não haverá um mudança substancial e qualitativa na realização das licitações, em que pese haver pontuais alterações que poderão trazer uma maior celeridade ao procedimento.

1.6 – As licitações, o princípio da eficiência e o pensar fora da caixa

            Quando se propõe uma nova lei sobre determinado tema já regulamentado em nosso ordenamento, há de se perguntar qual a utilidade da nova legislação?

Em linhas acima, demonstramos que, atualmente, existe uma diversidade de leis, em nosso ordenamento, que tratam de licitações e contratos administrativos e, portanto, a utilidade estaria presente na unificação dessa legislação, o que parcialmente estar sendo observado no referido projeto, visto que com a aprovação deste serão revogadas as Leis nº 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, não obstante restarão outras leis que, igualmente, tratam de licitações e contratos administrativos, a exemplo da Lei nº 12.232/10, a significar que continuará existindo uma diversidade de leis tratando da matéria, o que nos leva a uma segunda indagação, a saber, qual a necessidade de uma nova legislação. 

Ao analisar o projeto de lei da nova lei de licitações constatamos que existem algumas poucas inovações, algumas adequações da legislação a entendimento dos Tribunais de Contas, outras tantas alterações pontuais quanto ao procedimento, não obstante, continua focando no procedimento, ao invés de focar no resultado.

Fato é que as alterações do procedimento não obstarão a continuidade de entraves, simulações e fraudes existentes no procedimento das contratações públicas em que pese existir instrumentos repressivos para combater tais irregularidades, a exemplo, das sanções administrativas e sanções penais previstas na própria Lei nº 8.666/93, das sanções da Lei nº 8.429/92 (Lei de improbidade administrativa) e sanções da Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção).

Nesse cenário é preciso pensar fora da caixa para concluir que alterações pontuais no procedimento das licitações públicas não resolvem as tantas irregularidades ocorrentes nas contratações públicas razão pela qual é preciso retirar o foco do procedimento e concentrar no resultado visado pelas contratações públicas, a partir da concepção do princípio da eficiência, incluído expressamente no caput do art. 37 pela Emenda Constitucional n. 19/98, sendo oportuno transcrever a definição doutrinária desse princípio[8]:

Referido princípio, neste contexto normativo, vincula os comportamentos da Administração em favor dos cidadãos, bem como sua atividade interna instrumental de consecução das atuações finalísticas. Cabe ao Estado otimizar resultados e maximizar as vantagens de que se beneficiam os administrados, mediante uma melhor utilização dos recursos públicos, substituição de mecanismos obsoletos, bem como uma maior produtividade e melhor qualidade nas atividades.

Para que haja maior produtividade em licitações públicas há necessidade de simplificação do procedimento de contratações públicas e, dessa forma, o projeto de lei ora em tramitação peca por repetir regras e fórmulas já existentes, mantendo uma legislação detalhista e formalista, a exemplo, de manter diversos prazos mínimos entre publicação do edital e a apresentação das propostas ou de estabelecer diversas modalidades de licitação ou a manutenção do rito litúrgico da habilitação quanto aos documentos apresentados.

O projeto de lei acaba por manter um excesso de formalidades e de diferenciações no detalhamento do procedimento da licitação que, caso aprovado, irá acabar por manter as coisas tal como estão.

Na ponta desse procedimento, os licitantes, notadamente, quando perdem a disputa tentam anular o procedimento em função de alguma regra que não foi observada durante o procedimento, o que acarretou nos últimos anos uma intensa processualização e judicialização, respectivamente, nos Tribunais de Contas e no Poder Judiciário da licitação, gerando, por vezes, uma análise casuística da legislação.

Por exemplo, no Tribunal de Contas da União[9] foi formatado o entendimento de que, no pregão, os orçamentos estimados em planilha e preços unitários não constituem elementos obrigatórios do edital devendo, no entanto, estar inseridos nos autos do respectivo processo licitatório e, lado outro, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais[10] o que defendia pela obrigatoriedade de anexar ao edital o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários e global, o que demonstra que a diferenciação dos procedimentos da licitação pode acarretar, também, divergências interpretativas dos órgãos de controle.

III – CONCLUSÃO

         A licitação é o procedimento que deve ser utilizado, como regra, para as contratações públicas de bens, serviços, obras e alienações, existindo, atualmente, em nosso ordenamento jurídico diversas leis que tratam do tema, a exemplo, das normas gerais contidas na Lei nº 8.666/93.

            Se o Decreto-Lei 200/67 inaugura um detalhamento antes inexistente quanto ao procedimento da licitação, o fato é que após a Constituição Federal de 1988 esse detalhamento foi levado ao extremo com pormenorização nas diversas leis editadas de formalidades e ritos litúrgicos, os quais quando não observados, geram uma excessiva processualização e judicialização do procedimento licitatório e, como consequência, sofre interpretação e aplicação, por vezes contraditórias, pelos diversos atores envolvidos na licitação, a exemplo, dos Tribunais de Contas, do Ministério Público e do Poder Judiciário.

            A proposta de uma nova legislação sobre licitações devem ser pensada a partir da utilidade e da necessidade, bem como, a partir da perspectiva do princípio da eficiência, permitindo que as contratações, efetivamente, tenham como finalidade atender o interesse público a partir da menor oneração dos cofres públicos.

            O projeto de lei nº 6.814/17, em tramitação no Congresso Nacional, traz algumas inovações, inclui expressamente entendimentos já consagrados nas decisões dos Tribunais de Contas, altera pontualmente as regras do procedimento, não obstante herda da legislação já existente a ideia de estabelecer o rito litúrgico do procedimento, preocupando-se demasiadamente com o meio, quando o ideal seria preocupar-se com o resultado auferido com a licitação, qual seja: a melhor contratação pelo menor preço.

            Com efeito, há necessidade de pensar fora da caixa para simplificar, o máximo possível, o procedimento da licitação focando no resultado, mas, para tanto, deve haver, primeiro, uma mudança de cultura a começar pelo licitante que deve ser coresponsável para que se possa alcançar o interesse público e não como alguém que está tão somente interessado em maximizar seus lucros quando da celebração de contratos administrativos.

A questão é saber se a legislação, ora existente, é suficiente para moralizar as contratações, dependendo mais de uma mudança de postura dos envolvidos desde a concepção do objeto a ser contratado, passando pela licitação e finalizando com a execução do contrato, ou depende mais do porvir de uma nova legislação na promessa de que uma nova lei irá mudar o atual quadro desolador de desvios de finalidade e de recursos públicos, notadamente, através das contratações públicas?

             Em fecho, de nada adianta a edição de uma nova lei pormenorizada e detalhista, se não houver uma mudança de cultura de todos os envolvidos no processo da licitação no intuito de que o resultado tenha uma relevância maior do que o procedimento, o qual deve ser simplificado, sem que se abra mão de medidas preventivas e repressivas para que de forma célere e efetiva penalizar aqueles que fazem do desvio de recursos públicos um meio de vida e, fora isso, o novo projeto de lei, tal como a Lei nº 8.666/93, ficará na promessa de moralizar as contratações públicas.

IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 15ª Ed. Impetus: Niterói, 2008.

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Ed. Juspodvim: Salvador. 2008

COUTO, Reinaldo. Curso de Direito Administrativo segundo a Jurisprudência do STJ e do STF. Ed. Atlas: São Paulo. 2011.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 4ª Ed. Fórum: Belo Horizonte. 2016.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 13ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2008.

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[1] Importa registrar que o parágrafo único do art. 85 já delimitava algumas normas gerais ao vedar aos Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios: a) ampliar dos casos de dispensa, de inexigibilidade e de vedação de licitação, nem os limites máximos de valor fixados para as diversas modalidade de licitação; e b) reduzir os prazos de publicidade do edital, do convite, de interposição de recursos e de decisão de recursos.

[2] Art. 22... Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

[3] BORGES, Alice Gonzales. Aplicabilidade de normas gerais de lei federal nos Estados. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/45899/46793. Acesso em 09/05/2020. p. 01

[4] Como exemplo de norma específica aplicável somente no âmbito federal, citamos as seguintes hipóteses de licitação dispensável previstas no art. 24, da Lei nº 8.666/93: a) VI - quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento; b) XIX - para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto (incluído pela Lei 8.883/94); c)  XXIX - na aquisição de bens e contratação de serviços para atender aos contingentes militares das Forças Singulares brasileiras empregadas em operações de paz no exterior, necessariamente justificadas quanto ao preço e à escolha do fornecedor ou executante e ratificadas pelo Comandante da Força. (incluído pela Lei nº 11.783/08)   

[5] Idem, p. 02

[6] Tribunal de Contas de União. TC-016.176/2000-5. Min. Rel. Ubiratan Aguiar. Sessão 19/02/2002.

[7] O art. 37 da Lei nº 9.986/00 estendeu a utilização das modalidades consulta e pregão para todas as agencias reguladoras

[8] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Ed. Juspodvim: Salvador. 2008, p. 183.

[9] Acórdão nº 392/2011

[10] Acórdão nº 886.311/2013.

Sobre o autor
Fabiano Batista Correa

Advogado, Professor de Direito Administrativo, Gestão Pública, Direito Constitucional e Direito Tributário

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