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Responsabilidade Civil em decorrência do abandono afetivo

Os meios alternativos de solução de conflito como forma de diminuição da litigiosidade

Discutimos a aplicação do instituto da responsabilidade civil nos casos envolvendo o abandono afetivo dos pais com relação aos filhos, bem como, analisamos como as soluções alternativas de conflito podem ser instrumentos hábeis a diminuir a litigiosidade.

INTRODUÇÃO

 

Nos tempos atuais, a afetividade constitui verdadeira mola propulsora dos liames familiares, inclusive das relações interpessoais conduzidas por meio do carinho, fazendo com que a existência humana tenha sentido e dignidade, estando presente nos laços de filiação e parentesco.

Talvez o maior exemplo de afetividade pode ser visto na relação entre genitores e sua prole. Tal circunstância representa o alicerce de toda a organização familiar, caracterizando aspecto imprescindível para a formação dos filhos, haja vista que é através de um ambiente familiar sadio que um indivíduo se desenvolve moralmente e civilmente.

No entanto, são inúmeros os casos de abandono afetivo, em que os pais abandonam os seus respectivos filhos. Essa prática tem acarretado prejuízos psicológicos ao filho abandonado, prejudicando tanto a sua formação intelectual quanto social.

Há o entendimento de que a presente situação pode ensejar a responsabilidade civil em decorrência da falta de afeto, pois a falta de atenção com relação aos filhos vai de contramão ao dever jurídico de cuidado concedido aos genitores pela Constituição Federal em relação à prole.

Diante disso, questiona-se: a incidência do abandono afetivo, em confronto com princípios constitucionais, pode ensejar na responsabilidade civil dos pais em relação aos filhos?

Pretende-se analisar sob aspectos jurídicos e sociais, a possibilidade de indenização em decorrência de abandono afetivo pelos pais. Para tanto, existe a necessidade da realização de estudo acerca da instituição familiar, assim como do instituto da filiação, enfatizando a afetividade e a paternidade responsável, além do estudo do abandono afetivo e a possibilidade de indenização.

Em virtude do novo conceito de família, os questionamentos foram surgindo, trazendo ao jurista o desafio de se adequar e acompanhar as novas situações decorrentes de tantas mudanças no âmbito do Direito de Família. Neste sentido, a opção pelo referido objeto de estudo se dá pela importância no que tange à analiseanálise, sob o prisma dos valores éticos e morais, de como o seio familiar pode influenciar na formação da criança e adolescente.

No tocante aos procedimentos metodológicos e técnicos, a pesquisa encontra-se adstrita ao método de abordagem dialética, apresentando-se uma contraposição de ideias. Por sua vez, as técnicas utilizadas para a geração de dados e para a análise destes encontra-se vinculada à pesquisa bibliográfica, à análise de jurisprudência e ao estudo do conteúdo e argumentos jurisprudenciais.

 

1 INSTITUIÇÃO FAMILIAR

 

Discorrer acerca da instituição familiar certamente não se trata de uma tarefa fácil, principalmente diante da constante evolução dos costumes no decorrer do tempo. Porém, para a realização da presente pesquisa é fundamental a realização de breves comentários acerca dessa importante instituição social.

Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2017), de forma indubitável, a família representa a unidade propulsora das maiores felicidades de uma pessoa e, coincidentemente, é na sua ambiência que se vivencia as maiores decepções, angústias, traumas e medos.

Diversos dos atuais problemas enfrentados pelas pessoas possuem raiz no passado, exatamente em suas formações familiares, condicionando até mesmo suas futuras estruturas afetivas. Nesse contexto, Lacan (1981, p. 11) menciona que:

 

Entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura. Se as tradições espirituais, a preservação dos ritos, e dos costumes, a conservação das técnicas e do património lhe são disputadas por outros grupos sociais, a família prevalece na primeira educação, na repressão dos instintos, na aquisição da língua justamente chamada materna. Por isso ela preside aos processos fundamentais do desenvolvimento psíquico, a esta organização das emoções segundo tipos condicionados pelo ambiente, que é a base dos sentimentos [...].

 

Portanto, a família é indispensável para a transmissão da cultura, pois é através dela que um indivíduo recebe afeto, assistência, sustento, educação, entre outros fatores fundamentais para o seu desenvolvimento. Não é à toa que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226 preceitua que a família é a base da sociedade e, decorrência disso, necessita de especial atenção e proteção por parte do Estado.

Aliás, ressalta-se que a Carta Magna vigente foi um importante instrumento para a evolução da instituição familiar. Nesse sentido, Madaleno (2018, p. 82) assevera que:

 

De acordo com a Constituição Federal, a entidade familiar protegida pelo Estado é a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, podendo originar do casamento civil, da união estável e da monoparentalidade. Mas nem sempre teve toda essa extensão, pois durante muito tempo o sistema jurídico brasileiro reconhecia apenas a legitimidade da família unida pelo casamento civil, e os filhos originados dessa união por concepção genética ou através da adoção.

 

Desse modo, com o advento da Constituição Federal de 1988, além do casamento civil, a família também passou a ser originada por intermédio da união estável e da monoparentalidade.

Segundo Dias (2016), dispondo a família de formatações das mais variadas, é necessário que o estudo acerca dessa matéria possua um espectro cada vez mais extensivo.

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2017), resta claro que a definição de família se reveste de forte significação jurídica, psicológica e social, impondo-se cautela redobrada no que diz respeito à sua delimitação teórica, com o intuito de não cair em uma retórica vazia. Nesse sentido, Nader (2016, p. 40) conceitua a família da seguinte forma:

 

Deixando entre parêntese os elementos não essenciais, contingentes, podemos dizer que família é uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum. Ao lado da grande-família, formada pelo conjunto de relações geradas pelo casamento, ou por outras entidades familiares, existe a pequena-família, configurada pelo pai, mãe e filhos.

 

Sendo assim, podemos consolidar que a família consiste em uma instituição social, formada por mais de uma pessoa, que se juntam com o objetivo de praticar, entre si, a solidariedade com base na assistência e no companheirismo, ou ainda, pelo simples fato de descenderem uma da outra ou advirem de um tronco comum.

Gagliano e Pamplona Filho (2017) destacam que diante da variedade de instituições familiares é possível concluir pela impossibilidade de apresentar uma definição única e absoluta de família, propício a delimitar a complexa e múltipla série de relações socioafetivas que aproximam as pessoas.

Ainda, é importante mencionar acerca da função da família contemporânea, que segundo Lôbo (2011, p. 2011) está ligada à afetividade:

 

A realização pessoal da afetividade, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções feneceram, desapareceram ou desempenharam papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua.

 

Por fim, a família representa um sonho e desejo dos mais variados indivíduos, mantendo-se a expectativa de que seja sustentada a estabilidade entre o um e o múltiplo de que toda pessoa necessita para formar sua identidade.

 

2 O INSTITUTO DA FILIAÇÃO

 

 Conforme explanado, a família consiste em uma instituição imprescindível no tocante ao ponto de identificação social de um indivíduo, especialmente em função da impossibilidade do ser humano sobreviver de forma autônoma, necessitando de atenção especial por determinado período, vinculando-se a uma estrutura que lhe garanta o pleno desenvolvimento.

De acordo com Venosa (2017), todo indivíduo possui pai e mãe. Mesmo a utilização de técnicas de reprodução não dispensa o progenitor, isto é, o doador, ainda que essa forma de paternidade não seja imediata, logo, o Direito não pode se esquivar da verdade científica, uma vez que a procriação se trata de um fato natural. Sob a égide do Direito, a filiação representa um fato jurídico do qual transcorrem diversos efeitos, compreendendo todas as relações e, reciprocamente, sua constituição, alteração e extinção, que possuem como integrantes os pais com relação aos filhos.

Por esse ângulo, Lôbo (2011, p. 216) menciona que a:

 

filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga. Quando a relação é considerada em face do pai, chama-se paternidade, quando em face da mãe, maternidade. Filiação procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace.

 

Cumpre ressaltar que o sistema jurídico pátrio consagra como direito fundamental a convivência familiar, optando pela doutrina da proteção integral. O artigo 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988, transformou crianças e adolescentes em sujeitos de direito, abandonando a visão patrimonialista da família e priorizando a dignidade da pessoa humana, haja vista que proibiu qualquer tipo de designação discriminatória à filiação.

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Segundo Dias (2016), essa nova perspectiva refletiu na identificação dos vínculos de parentalidade, dando origem ao surgimento de novas definições que melhor retratam a atual realidade, tais como, filiação social, estado de filho afetivo, filiação socioafetiva, entre outras.

Dessa forma, assim como aconteceu com a instituição familiar, a filiação começou apontada pela presença de um vínculo afetivo de caráter paterno-filial, uma vez que a paternidade advém do estado de filiação.

 

2.1 Da afetividade

 

Conforme mencionado, foi projetada, no âmbito constitucional, a consagração da família como um grupo social baseado especialmente nos laços de afetividade, consistindo em mola propulsora do desenvolvimento psicológico e social dos indivíduos.

De acordo com Madaleno (2018), o afeto é responsável por impulsionar os vínculos familiares e as relações sociais movidas pelos sentimentos, tais como, amor, carinho, atenção, cuidado, entre outros. Certamente, a afetividade dá sentido e dignidade à existência humana, devendo estar presente nos laços de filiação e de parentesco, variando apenas na intensidade e nas circunstâncias de cada caso concreto.

Conforme Lôbo (2011), a afetividade se trata de um princípio jurídico que fundamenta o Direito de Família no tocante à estabilidade das relações socioafetivas e da comunhão de vida, com prioridade sobre as considerações de natureza patrimonial ou biológica. Ressalta-se que tal princípio recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição Federal de 1988, tais como, a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) e a solidariedade (artigo 3º, I), contribuindo para a evolução da família brasileira e refletindo na doutrina e jurisprudência.

Diante disso, Dias (2016) menciona que o Estado incumbe a si obrigações para com o povo. Por essa razão é que a Carta Magna elenca um vasto rol de direitos e garantias fundamentais, como maneira de assegurar a dignidade de todos, razão pela qual se compreende que o primeiro obrigado a garantir o afeto por seu povo é o próprio Estado.

Portanto, a afetividade não é apenas um laço que envolve os integrantes de uma instituição familiar, há também uma perspectiva externa, entre as famílias, colocando humanidade em cada organização familiar.

 

2.2 Da paternidade responsável

 

Em razão da afetividade ser um elemento que dá sentido e dignidade à existência humana e, embora a definição de família seja baseada na questão da afetividade como pressuposto agregador, também é imprescindível discorrer sobre a paternidade responsável, a qual se trata de um princípio jurídico previsto no artigo 226, § 7º, da Constituição Federal de 1988:

 

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

 

O princípio da paternidade responsável serve de amparo ao direito de constituição e planejamento familiar, competindo ao Estado fornecer recursos educacionais e científicos para o seu exercício. Além disso, o referido princípio também encontra fundamento no artigo 1.565, § 2º, do Código Civil de 2002. De acordo com Assis Neto, Jesus e Melo (2017):

 

O princípio da paternidade responsável está diretamente ligado à boa formação da criança, uma vez que a participação dos pais é essencial para a construção e formação de caráter do indivíduo. A participação parental é fundamental para a formação de indivíduo equilibrado e feliz, e a ausência da figura da paternidade poderá provocar danos irreparáveis ao indivíduo em sua personalidade.

Sendo assim, observa-se que o proposito desse princípio jurídico é que a paternidade seja exercida com responsabilidade, uma vez que somente assim os demais direitos fundamentais, como a vida, a dignidade da pessoa humana, a saúde e a filiação sejam respeitados.

 

3 ABANDONO AFETIVO

 

Conforme contextualizado anteriormente, a atual definição de família é fundada no afeto como pressuposto agregador, exigindo dos genitores que os mesmos venham a criar e educar seus respectivos filhos sem lhes suprimir o carinho e a atenção necessária para o pleno desenvolvimento de suas personalidades. De acordo com Dias (2016, p. 164):

 

O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade. A enorme evolução das ciências psicossociais escancarou a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação.

 

Nos termos do artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988, é dever da família assegurar à criança e ao adolescente o direito à saúde, à educação, ao lazer, à cultura, à profissionalização, ao respeito, à convivência familiar, entre outros. No mesmo sentido, o artigo 229 da Carta Magna determina que os pais possuem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura o direito ao desenvolvimento de forma sadia e harmoniosa, igualmente lhes garantindo o direito à criação e educação no seio familiar, conforme os artigos 7º e 19 do referido diploma legal.

Já o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.634, determina que compete a ambos os genitores, independentemente da situação conjugal, exercer o poder familiar com relação aos filhos.

No entanto, nem sempre há essa prestatividade por parte dos pais, sendo suprimido aos filhos o carinho necessário para a plena formação de sua personalidade. Segundo Lôbo (2011) tal comportamento é denominado pela doutrina como abandono afetivo, ocorrendo quando ambos, ou apenas um dos pais, não cumprem com suas obrigações legais previstas no ordenamento jurídico com relação aos seus filhos. Por esse ângulo, Santos (2017, s.p) ressalta que:

 

o abandono afetivo ocorre quando um ou ambos os genitores passam a não prestar o dever de dar assistência moral e afetiva aos seus filhos, podendo acontecer em famílias em que os pais são separados de fato ou divorciados, e o genitor que não possui a guarda do menor passa apenas a contribuir com o apoio material eximindo-se das outras obrigações; ou também em casos em que os pais convivem juntos, mas que, por negligência, o genitor não presta seus deveres afetivos devidamente.

 

Portanto, podemos compreender que o abandono afetivo pode ser definido como o inadimplemento das obrigações jurídicas pertinentes à paternidade e à maternidade. Seu âmbito não é exclusivamente o da moral, haja vista que o direito o atraiu para si, trazendo-lhe consequências jurídicas que não podem ser ignoradas, as quais serão observadas a seguir.

Em razão disso, Brito (2016) assevera que a responsabilidade de cuidar devidamente dos filhos recai sobre os pais, uma vez que são o primeiro contato que a criança possui com o mundo, logo, os genitores devem oferecer à sua prole não somente apoio material, mas, também, todos os elementos indispensáveis para a saúde mental e comportamento social. Nesse contexto, Cardoso (2018, s.p) assevera que:

 

as vivências da primeira infância são decisivas para o desenvolvimento do psiquismo, o ambiente familiar e as relações pais/filho (os) são de extrema importância para a formação da personalidade da criança, é ali que a criança experimentará os afetos que posteriormente serão reproduzidos em suas relações com o mundo externo. Sendo assim, as figuras parentais e a relação estabelecida com estas são fundamentais para o desenvolvimento psíquico da criança e para a qualidade das relações estabelecidas posteriormente.

 

Dias (2016) menciona que a falta de convívio dos genitores com sua prole, em função do rompimento do vínculo de afetividade, pode causar severas sequelas de ordem psicológica, comprometendo o seu desenvolvimento sadio. A desatenção do genitor em desempenhar os encargos advindos do poder familiar, não atendendo ao dever de possuir o filho em sua companhia, causa danos emocionais, responsáveis por desestruturá-lo com relação ao convívio social, pois o mesmo se torna uma pessoa insegura e infeliz.

Por fim, cumpre destacar que, diferentemente do abandono material, disposto no artigo 244 do Código Penal, o abandono afetivo não encontra previsão legal específica no ordenamento jurídico. Em razão disso, é importante mencionar a existência do Projeto de Lei do Senado nº 700/2007, aprovado por Comissão em decisão terminativa, que visa modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente com a finalidade de caracterizar o abandono afetivo como ato ilícito civil e penal.

 

4 INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO

 

Certamente, no Direito de Família, a responsabilidade civil tem se projetado além das relações de matrimônio ou união estável, sendo também discutida a possibilidade de sua incidência na parentalidade ou filiação, isto é, nas relações entre pais e filhos. E uma das situações em que isso pode ocorrer encontra-se adstrita à responsabilidade decorrente do abandono afetivo, muito discutida no decorrer dos últimos anos.

De acordo com Dias (2016), a comprovação do abandono afetivo, facilitada pela interdisciplinaridade, tem levado ao reconhecimento da obrigação de indenizar por dano afetivo. Mesmo que a falta de afetividade não seja passível de indenização, o reconhecimento de sua existência teria serventia, pelo menos, para gerar o comprometimento do genitor com relação ao desenvolvimento do filho. Não se trata de conferir valor ao afeto, mas de reconhecer que ele é um bem que possui valor.

Segundo Madaleno (2018), o afeto dado ao filho é extremamente importante para o desenvolvimento deste, sendo através dele que a criança percebe o mundo ao seu redor, bem como, seu papel dentro dele. Um indivíduo que recebe afeto no decorrer de seu desenvolvimento, sem dúvidas, adquire confiança, determinação e autoestima elevada.

De acordo com Cardin (2012), existe certa resistência por parte dos Tribunais brasileiros em indenizar quando se configura o abandono afetivo dos genitores em relação a sua prole. Sem dúvidas, o afeto não é algo que possa ser monetizado, porém a sua falta contribui para vários danos psicológicos a uma criança ou adolescente.

Ademais, Gagliano e Pamplona Filho (2017) mencionam que existe uma divergência doutrinária com relação à aplicação da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo. Os adeptos da tese entendem que a negativa de afeto por parte do genitor acarreta severas consequências psicológicas, tais como, deficiências em seu comportamento psíquico e social, configurando um ato que infringe o sistema jurídico e, em razão disso, sancionável na seara da responsabilidade civil. Já os contrários à tese, defendem que sua aplicação teria como efeito uma indevida monetização do afeto.

Conforme Tartuce (2017, p. 21):

 

A questão do abandono afetivo é uma das mais controvertidas do Direito de Família Contemporâneo. O argumento favorável à indenização está amparado na dignidade humana. Ademais, sustenta-se que o pai tem o dever de gerir a educação do filho, conforme o art. 229 da Constituição Federal e o art. 1.634 do Código Civil. A violação desse dever pode gerar um ato ilícito, nos termos do art. 186 da codificação material privada. O entendimento contrário ampara-se substancialmente na afirmação de que o amor e o afeto não se impõem; bem como em uma suposta monetarização do afeto na admissão da reparação imaterial. A questão é realmente muito controvertida.

 

Por sua vez, Dias (2016), assevera que é importante mencionar que a indenização por abandono afetivo serve como medida relevante para a consagração de um Direito de Família mais consentâneo com modernidade, podendo exercer papel pedagógico no ambiente familiar. É obvio que um relacionamento sustentado sob pena prejuízo financeiro não seria a melhor maneira de estabelecer uma ligação afetiva. Porém, ainda que o genitor só dê atenção ao filho por medo de sofrer alguma sanção de caráter indenizatório, isso é melhor do que o desgosto do abandono.

Além disso, cumpre destacar que é indiscutível que o indivíduo que passa por tal situação possui dificuldades de se relacionar. Desse modo, Cardin (2012) destaca que a indenização facilitaria o acesso do prejudicado a auxílio psicológico para tratar as sequelas advindas do abandono.

Todavia, Hironaka (2007) aduz que o risco do abandono afetivo se tornar um alicerce de uma indústria indenizatória do afeto é notório, porém o Poder Judiciário pode impedi-lo, desde que em cada caso concreto seja realizada uma análise ética das condições presentes, com o objetivo de verificar a legítima presença de prejuízos psicológicos causados ao filho pelo abandono afetivo.

Em um dos primeiros entendimentos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça com relação à referida temática, foi fixado o entendimento de que a reponsabilidade civil pressupõe a prática de ato ilícito, não estando um pai obrigado a amar um filho. Portanto, em razão disso, o abandono afetivo seria incapaz de acarretar reparação pecuniária (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 757.411 MG. Quarta Turma, Relator: Ministro Fernando Gonçalves, Data de Julgamento: 29/11/2005, Data de Publicação: 27/03/2006).

Em contrapartida, o mesmo Tribunal trouxe um novo entendimento, admitindo-se a reparação civil decorrente do abandono afetivo, demonstrando uma evolução quanto à matéria:

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado –, importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.159.242 SP. Terceira Turma, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 24/04/2012, Data de Publicação: 10/05/2012).

 

Portanto, com o passar dos anos, os Tribunais brasileiros têm entendido ser possível a aplicação da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo, no entanto, não é algo muito simples de ser comprovado. Em virtude disso, antes de ingressar com a ação de indenização por abandono afetivo, é imprescindível a junção de provas aptas a comprovar tal alegação. Nesse contexto, tem-se o presente julgado:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO E MATERIAL POR PARTE DO GENITOR. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO PASSÍVEL DE REPARAÇÃO NO ÂMBITO ECONÔMICO-FINANCEIRO. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS. MAJORAÇÃO. DESCABIMENTO. 1. Caso em que o distanciamento afetivo havido entre pai e filha, agora adolescente, encontra justificativa na alteração de domicílio do genitor para outro Estado, não havendo como imputar ao genitor, em face da ausência de convívio e da prestação direta dos cuidados, a responsabilidade pela delicada situação vivenciada pela filha adolescente (envolvimento com drogas, furto e agressões), especialmente porque demonstrou ter procurado manter um vínculo, ainda que por meio de telefonemas e de correspondências eletrônicas, bem como ter prestado auxílio material, não havendo como reconhecer, portanto, a prática de ato ilícito passível de reparação no âmbito econômico-financeiro. 2. Embora presumidas as necessidades da filha adolescente, não ficou demonstrada nos autos a existência de despesas excepcionais que não estariam sendo atendidas com a pensão provisoriamente fixada em dois salários mínimos, patamar que não foi oportunamente impugnado pela alimentada e que deve ser tornado definitivo, como decidido na origem, não merecendo acolhimento o pedido de majoração. Apelo desprovido (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. AC nº 70066828054. Oitava Câmara Cível, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl. Data de Julgamento: 10/12/2015. Data de Publicação: DJ 15/12/2015).

 

Logo, por esse panorama, é necessário que os pedidos envolvendo indenização por abandono afetivo sejam muito bem formulados, contendo até mesmo a instrução ou realização de prova psicossocial do prejuízo suportado pelo filho, não bastando a prova da mera ausência de convivência para que se configure a indenização.

 

5 A MEDIAÇÃO COMO ALTERNATIVA À SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENVOLVENDO ABANDONO AFETIVO

 

O instituto da mediação se apresenta como um importante instrumento para a resolução dos conflitos envolvendo abandono afetivo como forma de evitar a judicialização do afeto paterno ou materno-filial, consequentemente, reduzindo-se, assim, as demandas relacionadas à indenização por abandono afetivo, em especial a monetização de tal prática.

Conforme Lôbo (2011), conflitos familiares não necessitam a todo o momento serem solucionados pelo Poder Judiciário. Tem crescido a certeza da constância entre o âmbito público e o âmbito privado, sobrepondo estes sempre que possível. Cumpre mencionar que a Constituição Federal, por meio do artigo 5º, inciso X, elevou o cuidado com relação aos direitos personalíssimos, possuindo prestígio de direitos fundamentais invioláveis. Por esse ângulo, a família representa um espaço excelência no que diz respeito a tais direitos.

Dias (2016) menciona que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário raramente produzem o efeito pacificador almejado, especialmente nas demandas judiciais que envolvem vínculos de caráter afetivo. A resposta judicial quase nunca corresponde aos desejos daqueles indivíduos que buscam muito mais recuperar danos emocionais pelo sofrimento de sonhos destruídos do que compensações econômicas. Portanto, independentemente do fim do processo judicial, permanece o sentimento de insatisfação dos integrantes do litígio familiar.

Segundo Dias (2016, p. 112-113):

 

Certamente não há outro campo em que as técnicas alternativas para levar as partes a encontrar solução consensual apresente resultado mais efetivo do que no âmbito dos conflitos familiares: torna possível a identificação das necessidades específicas de cada integrante da família, distinguindo funções, papéis e atribuições de cada um. Com isso possibilita que seus membros configurem um novo perfil familiar.

 

Diante disso, Matzenbacher (2009) aduz que a mediação consiste em um processo pelo qual uma terceira pessoa, denominada “mediador”, auxilia as partes envolvidas em determinado conflito, buscando a resolução da disputa. Ressalta-se que o processo de mediação abrange a identificação do problema, fixando opções para alcançar o interesse de cada participante.

De acordo com Venosa (2017), a mediação prestada através de profissionais aptos tem se transformado em uma tendência no Direito de Família, evitando-se conflitos processuais inúteis e depreciativos da honra dos familiares envolvidos e, por sinal, convertendo-se em grande palco de alternativas para os problemas relativos à família.

No tocante ao abandono afetivo, Poli (2013, s.p) assevera que:

 

A mediação familiar propicia a recuperação das relações afetivas, promovendo a recuperação do abandono afetivo decorrente da comunicação inadequada que se desenvolveu na reorganização da família pós-separação, permitindo uma real mudança nas relações familiares. Nos conflitos familiares advindos do chamado “abandono afetivo” paterno-filial, verifica-se que a mediação apresenta-se como um caminho alternativo, tendo em vista que se preocupa com a manutenção dos vínculos, com as histórias de vida de cada um, com a preservação emocional das partes e com a prevenção de novos problemas.

 

Dessa forma, levando em consideração que a responsabilização civil através do Poder Judiciário não seria a melhor forma de solucionar os litígios envolvendo o abandono afetivo, uma vez que tal medida poderia contribuir para o afastamento definitivo das partes, a mediação demonstra ser a forma mais eficiente para a resolução desse tipo de conflito, incentivando o diálogo entre os conflitantes e, consequentemente, chegando-se a uma solução para o problema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente trabalho teve como finalidade verificar a possibilidade jurídica de aplicação da responsabilidade civil nos casos envolvendo abandono afetivo por parte dos pais com relação aos filhos. Ante tudo o que foi exposto, é possível concluir que a família é responsável transmitir valores aos indivíduos, contribuindo para que os mesmos se desenvolvam psicologicamente, culturalmente e socialmente.

Indubitavelmente, é imprescindível que a criança ou adolescente receba afeto por parte de seus pais, haja vista que a afetividade dá sentido e dignidade à existência de cada pessoa, devendo estar presente, principalmente, no que diz respeito aos laços de filiação.

Sendo vítima de abandono afetivo o indivíduo deixa de receber assistência moral e afetiva dos pais, seja pelo fato destes se encontrarem separados de fato ou divorciados, seja por negligência por algum dos genitores, que não presta seus deveres afetivos de maneira devida, causando diversas consequências prejudiciais à criança ou adolescente.

Diante disso, a responsabilidade civil tem se projetado nos casos envolvendo abandono afetivo, uma vez que passou a ser discutida constantemente no decorrer dos últimos anos, havendo o entendimento de que a negativa de afeto por parte do pai, desde que comprovado a ocorrência do dano em relação ao(s) filho(s), configura um ato que desrespeita o sistema jurídico e, portanto, sancionável no âmbito da responsabilidade civil, servindo como uma medida pedagógica no ambiente familiar.

Todavia, o instituto da mediação se apresenta como uma ferramenta mais eficaz com relação à resolução dos conflitos envolvendo o abandono afetivo quando comparado à provocação do Poder Judiciário, evitando-se o desgaste emocional das partes conflitantes e, por conseguinte, fornecendo possíveis soluções para o problema existente.

 

 

REFERÊNCIAS

ASSIS NETO, Sebastião de; JESUS, Marcelo de; MELO, Maria Izabel de. Manual de direito civil: volume único. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 set. 2019.

______. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 31 out. 2019.

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Sobre os autores
Rodrigo Barbosa Luz

Advogado, Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum), especialista em Direito Tributário pela Uniderp – Anhanguera, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com ênfase em análise do discurso.

Diene Oliveira Figueiredo

Graduada em Direito pelo Centro Universitário Doctum de Teófilo Otoni/MG - UNIDoctum.

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Texto teórico, oriundo do trabalho de conclusão de curso da então discente, revisado e complementado para ser transformado em artigo para fins de publicação.

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