Não sei se um impeachment contra Jair Bolsonaro tem condições de prosperar. Numa avaliação política, eu diria que, hoje, não.
Mas, acredito que temos a obrigação moral de deflagrar o processo, mesmo que não tenha êxito. Os crimes de responsabilidade cometidos pelo atual mandatário são tantos, tão ostensivos e tão graves que deixar de acusá-lo equivaleria a coonestar suas atitudes. [todos os grifos em vermelho são meus – CL]
O impeachment tem dupla natureza. Ele é ao mesmo tempo um instituto político e judicial. Se o bom articulador só deve levar sua proposta a votação quando sabe que vai ganhar, o policial é em tese obrigado a entrar em ação sempre que flagra uma ilegalidade.
No mundo real, sabemos que o guarda muitas vezes precisa fechar os olhos para violações menores, ou as delegacias ficariam atulhadas em picuinhas, mas, quando o meliante passa a agir em plena luz do dia, cometendo delitos cada vez mais graves e de forma cada vez mais conspícua, a opção de virar a cara para o outro lado já não se coloca.
A maior flexibilidade proporcionada pela faceta política do impeachment não muda isso. Os desatinos de Bolsonaro atingiram um grau tal que ignorá-los seria compactuar com o perpetrante.
Estamos aqui numa situação análoga à do Partido Democrata diante das transgressões de Donald Trump. Mesmo sabendo que não havia a menor chance de o presidente ser afastado —os republicanos têm folgada maioria no Senado— e que havia o risco de a absolvição fortalecê-lo eleitoralmente, a liderança democrata entendeu que tinha a obrigação moral de tentar o impeachment.
Julgou que as violações eram de tal monta que fingir que elas não ocorreram significaria faltar com o compromisso do partido com a democracia.
Em termos práticos, a diferença relevante é que Trump podia contar com a fidelidade dos senadores de um Partido Republicano cada vez mais coeso por causa da polarização; já Bolsonaro está na mão do centrão. (por Hélio Schwartsman)
Uma palavra mais — O posicionamento do Schwartsman é o único aceitável para os melhores seres humanos, aqueles que vivem de acordo com seus princípios e não segundo a famigerada lei de Gérson, querendo apenas levar vantagem pessoal em tudo, pouco importando as consequências de suas escolhas para a coletividade.
Só não concordo com que o início já e agora do processo do impeachment esteja fadado ao fracasso. Pelo contrário, como a cada momento sai mais um esqueleto do armário da Família Miliciana e o Bozo, o Horroroso, além de estuprador serial da Constituição agora subiu de patamar e se tornou genocida, a deflagração do processo terá grande importância para a acumulação de forças, como elemento aglutinador.
O momento brasileiro é tão dramático que não demorará a cair a ficha para os poderosos de que, sem uma rápida remoção do exterminador do presente, o Brasil explodirá. Quanto mais depressa o bode for retirado da sala, mais brasileiros serão salvos das mortes evitáveis que a sabotagem do combate à crise sanitária está causando. É simples assim.