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Construtor do direito

Agenda 21/05/2020 às 13:13

texto apresenta visão acerca do operador do direito e do construtor do direito.

                                  CONSTRUTOR DO DIREITO

 

Dedicado aos meus ex-alunos do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba e da Universidade Positivo

 

É muito comum ouvir hodiernamente a expressão operadores do direito, se referindo aos advogados, magistrados e demais profissionais atuantes na área jurídica. Isso se traduz, salvo engano, em erro evidente, mas que persiste na mente de muitos ligados ao Direito.

Tal fenômeno linguístico, neologismo, não passa, a bem de ver, de verdadeira moda, tratando-se de infeliz verbete, conquanto, de forma alguma, se opera o Direito.

Sítios de busca na web estão forrados de definições para a expressão aqui aludida e os incautos - por muitas vezes não terem mínima base jurídica -, acabam acreditando que são, de fato, operadores do direito e assim se podem intitular. Ledo engano. Outros, a fim de ostentar pretensa cultura e erudição jurídica[1] [2], insistem em dizer ou escrever que sim, podem ser chamados de operadores do direito.

Aliás, nessa esteira, em tempos de avançada, quiçá desmedida tecnologia e pletora de informações, confiar em demasia no que se escreve por aí é dar um salto no escuro. A ausência de leitura dos clássicos, tão exuberantes e com caráter perene, na área jurídica em especial[3], faz com que se acredite em muitas incorreções e incongruências, como sói ocorrer na internet.

      A modernidade [ou pós-modernidade], dentre outros novos modelos [alguns até pseudoparadigmas], trouxe vários modismos, qual dito, a respeito do discurso jurídico no presente momento histórico. Em outras palavras, mas igual alcance, com a modernidade (ou seja, com o advento da Revolução Francesa), surgiu o Direito Moderno, cuja marca indelével é a sua produção pelo Estado, Estado esse que ‘põe’ um direito definidor das ‘regras de um jogo’ cujo fim ou cujos fins são externos a ele, porque definidos pelo indivíduo, que se vale de suas ‘formas’ para realizar os ‘seus fins’, tal como explica Eros Roberto Grau[4].

Um dos exemplos mais corriqueiros ditos e escritos a todo o momento diz respeito ao fato de que os intelectuais[5], e aqui se utilizando do pensamento de Grau, aqueles que pronunciam palavras e expressões incompreensíveis[6], sempre, inveterada e invariavelmente se referem aos que atuam na área jurídica como sendo operadores do direito.

Já foi dito que a nomenclatura não passa de neologismo, expressão bela, que diz tudo e nada diz. Talvez, mero palpite, sem caráter de vaticínio, obviamente, em momento futuro tal referência se afaste da mente de muitos, mas ainda persiste, firme.

Consoante o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[7], o vocábulo operador, significa aquele que opera, realiza algo, executa uma ação, dentre outras acepções. E no mesmo dicionário[8], a palavra construtor tem o significado, dentre outros, daquele que constrói, o que domina o saber de construir.

Enquanto o jurista continuar reproduzindo o inteiro teor do texto jurídico, enquanto continuar a sofrer da Síndrome de Abdula, referida por Lenio L. Streck em sua clássica obra[9]; enquanto não perceber, de fato, quão forte é a principiologia presente na Constituição Federal, certamente será, sim, um mero operador do Direito. A mesma Constituição Federal concede ao hermeneuta a real possibilidade de ser, de fato, um construtor do Direito no mundo moderno (ou pós-moderno), mas isso passa, sem dúvida, pela argumentação jurídica desenvolvida.

                   Com efeito, em alguns processos judiciais prevalece a forma sobre o conteúdo; a moldura sobre o quadro; as preliminares sobre o mérito; a extinção sem resolução desse mérito sobre a análise da questão de fundo.

                   Isso tudo, não raro, diante da ausência de argumentação jurídica adequada; a ausência de habilidade para resolver questões complexas, com auxílio da argumentação jurídica, que de há muito se se afastou do mero silogismo jurídico, da inferência lógico-dedutiva. Há, como diz Lenio Streck, a necessidade da pré-compreensão[10] dos fatos.           

                    Aliás, nas palavras de Manuel Atienza, ninguém duvida que a prática do Direito consista, fundamentalmente, em argumentar, e todos costumamos convir em que a qualidade que melhor define o que se entende por um ‘bom jurista’ talvez seja a sua capacidade de construir argumentos e manejá-los com habilidade[11].

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                    Portanto, se é certo que Direito assenta firmes raízes na argumentação jurídica, toda a retórica dependerá do repertório e da profundidade do que o jurista escreve, a fim de convencer (ou não) o auditório [Perelman].

                    Dependerá muito do grau de conhecimento que cada jurista tem a respeito do ordenamento jurídico[12] e das questões que envolvem o caso concreto para que consiga apresentar argumentação jurídica de fôlego.

                    A Constituição Federal oferece ao intérprete, ao hermeneuta, ao jurista, enfim, a real possibilidade de ser, de fato, construtor do Direito; concede ao profissional a possibilidade de enxergar nas entrelinhas e buscar, justamente no âmbito nos princípios constitucionais, a base de toda a sua fundamentação/argumentação jurídica. É preciso um olhar além.

                    Para muitos juristas ainda prevalece o fascínio febril pelo enunciado legal, pelo frio texto de lei, como se fosse ele - o enunciado legal - a única e indispensável fonte do Direito. Não o é. Permanece na mente de muitos doutos a filosofia da consciência, de há muito ultrapassada.

                     Não raro, determinadas ideias doutrinárias (incorretas) são nítidas para alguns e as sucessivas repetições em artigos científicos ou mesmo manifestações judiciais acabam por colocá-las como algo que não pode ser questionado, serve de dogma.

                        Ora, o ordenamento jurídico é reconstruído no dia-a-dia, a cada momento, na medida em que concretizado mediante o exercício da interpretação/aplicação. Por isso, há de ser contemporâneo à realidade[13].

                     O jurista,quer-se crer, é construtor do Direito, porquanto diariamente novas teses de advogados são apresentadas nos tribunais e decisões judiciais, em todos os graus de jurisdição, são proferidas, considerando que esse mesmo Direito se encontra em movimento, acompanhando, na justa medida do possível, os passos da sociedade.

                    Nessa esteira, Miguel Reale bem esclarece que as diferentes partes do Direito não se situam uma ao lado da outra, como coisas acabadas e estáticas, pois o Direito é ordenação que dia a dia se renova[14].

                        Este texto saiu assim, numa penada, sem almejar qualquer pretensão de convencer quem quer que seja. Afinal, a maioria [ainda] tem a firme e indisfarçável convicção de que os juristas são, sim, operadores do direito. Que assim pensem.

 

 

 


[1] Ou, como diz Eros R. Grau, a mim me encantam a tranquilidade e a segurança dos gênios-para-si-mesmos, dos nos de respostas-para-tudo, que disparam em qualquer situação ou circunstancia, sem perda de tempo na prática de exercícios aos quais os antigos se dedicavam, a leitura e a reflexão. Por que tenho medo dos juízes: (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 163.

[2] As lives, que viraram febre em tempos de crise sanitária, se podem traduzir como bom exemplo, porquanto plataformas para demonstrar conhecimento jurídico.

[3] Aliás, não precisas gastar pena e tinta pra discorrer acerca da crise vivenciada por livrarias e editoras. A produção científica, por outro lado, não vem tendo grande fôlego e as raras prateleiras se ressentem de obras de bom conteúdo. Talvez o mundo da internet seja o grande “culpado”. Quão belo seria se houvesse a edição de obras de fôlego, que realmente correspondessem aos anseios do mundo acadêmico.

[4] O Direito Posto e Direito Pressuposto. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 72.   Grifos como no original.

[5] Sobre o tema: Bobbio, Norberto. Os intelectuais e o poder. Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 1997.

[6] O Direito Posto e Direito Pressuposto. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 69.

[7] Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 2069, 3ª coluna.

[8] Op. cit., p. 814, 1ª coluna.

[9] Hermenêutica Jurídica e (m) crise. 3ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2001, p. 228.

[10] Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 202.

[11]  As razões do direito: Teorias da argumentação jurídica. 1ª reimpressão da 3ª edição. São Paulo: Landy Livraria Editora, 2006, p. 17.

[12] No exato sentido de unidade, tal como dito por Santi Romano. O ordenamento jurídico. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008, p. 67.

[13] GRAU, Eros R.; FORGIONI, Paula. O Estado, a empresa e o contrato.  São Paulo: Malheiros, 2005, p. 315.

[14] Lições preliminares de direito. 27ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 6.  

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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