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Assembleias Virtuais pós COVID-19

Realidade ou tendência?

Agenda 21/05/2020 às 20:05

Com o novo panorama mundial e o avanço da tecnologia, parece inevitável a informatização das rotinas condominiais. Esse é o contexto apresentado nesse artigo para ponderar sobre essa (nem tão) nova forma de Assembleias Gerais.

Tendo em vista a escassez de informações seguras e imparciais, decidimos trazer uma síntese simples e em linguagem acessível da legislação, de parte da jurisprudência dominante e da tendência doutrinária.

Há que se ter cuidado com as fontes de consulta acerca do tema, posto que, existe uma profusão de informações atinentes à vedação das assembléias virtuais. Contudo, umas têm viés político, outras comercial (a necessidade de adoção de sistemas complexos e dispendiosos), outras sem aprofundamento dos micro-sistemas jurídicos envolvidos (p.e. aplicação pura e simples da Lei das SS.AA.).

O Código Civil, no artigo 1.334, inciso III, dispõe que a convenção condominial determinará a forma de convocação das assembléias, não havendo nenhum impedimento à sua realização de modo virtual, dado o caráter não restritivo dessa norma. Nisso, destaco que o projeto do atual Código remonta a década de 1970 e não poderia antever as possibilidades tecnológicas dos tempos atuais.

Note-se que, no ramo do Direito Privado, impera o princípio segundo o qual tudo que não for vedado e nem fira a moral e os bons costumes (ordem pública) é permitido. Então, por ausência de proibição legal, não há embasamento jurídico para se invalidar as deliberações coletivas que tenham ocorrido de forma tele presencial, desde que garanta o direito de voz e voto (participação) a todos os condôminos e observe todas as formalidades já conhecidas nos moldes comuns. Dessarte, o condomínio detém competência para realizar a convocação da assembléia e promover deliberações pelos meios tecnológicos que já são familiares à população em geral, com a coleta dos votos a distância.

Então, é possível garantir a adoção da assembléia virtual com ou sem previsão na convenção condominial. Tal solução teria esteio no artigo 1.350 do Código Civil, pois, ao síndico, é facultado convocar assembléia geral de condôminos "na forma prevista na convenção" e realizá-la de forma que não contrarie as leis.

Nesse caminho, temos o Projeto de Lei nº 548/19, que pretende possibilitar permanentemente a realização de assembléias por meio virtual de modo a "permitir à assembléia de condôminos votação por meio eletrônico ou por outra forma de coleta individualizada do voto dos condôminos ausentes à reunião presencial, quando a lei exigir quórum especial para a deliberação da matéria".

Veja que o referido projeto limita a possibilidade de realização de assembléia virtual a casos pontuais, restringindo a adoção dessa forma e sua ampla e irrestrita aplicação.

É importante salientar que, antes dessa celeuma, já era pacífica a aplicação (por analogia) da Lei nº 12.431/11 – Lei das Sociedades Anônimas – como meio de garantir base jurídica às lacunas do Código Civil e da Lei dos Condomínios (em sua parte vigente ou não derrogada).

Some-se a isso a aprovação do Projeto de Lei nº. 1.179/20, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado (RJET) [1] e a edição da Medida Provisória n°. 931/20, entre outras.

Em decisão proferida pela 2ª Vara Cível da comarca de Joinville/SC[2] foi aplicado, por analogia, o art. 1080-A do Código Civil, incluído no texto desse diploma pela Medida Provisória nº. 931/20, que diz: "o sócio poderá participar e votar a distância em reunião ou assembléia, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. "Em razão da falta de interesse processual, o processo foi julgado extinto com base no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil.

É certo que novas soluções exigem novos métodos. A implementação dessa recente forma de deliberação pede criatividade e aprofundamento teórico das práticas existentes, sua adaptação e emprego do entendimento doutrinário e jurisprudencial hodierno. Com boa orientação e alguns cuidados, é possível obter resultados válidos e em consonância com os interesses dos condôminos.

É primordial, por exemplo, garantir tecnologias capazes de assegurar que todos possam ouvir e ser ouvidos de forma indubitável e com clareza; prover mecanismos verificação a identidade e a legitimidade de participação dos condôminos ou de seus procuradores, eventualmente, até um identificador de IP.

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Assim, tanto o edital de convocação, quanto a ata da assembléia devem indicar o modo de realização adotado e a forma de participação e votação a distância permitidas.

O presidente da mesa, eleito no início da assembléia, indicará secretário, sendo também responsável por decidir as questões de ordem. Verificará também o quorum exigido para cada tópico da ordem do dia.

Os membros da mesa deverão confeccionar a ata, consolidando, em documento único, a lista de presença. O mesmo procedimento de assinatura e certificação de presença poderá ser usado para os demais requisitos exigidos.

Na hipótese de ata digital, as assinaturas dos membros da mesa deverão ser feitas por meio de certificado digital emitido por entidade credenciada pela ICP-Brasil ou qualquer outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica. Deverão ser assegurados meios para que a ata possa ser impressa em papel, de forma legível e a qualquer momento, por quaisquer condôminos. O presidente ou secretário deverão declarar expressamente que foram atendidos todos os requisitos para a realização do encontro, especialmente aqueles previstos na convenção e na legislação pertinente.

É imprescindível a utilização de ferramenta eletrônica idônea na realização da assembléia, que permita anexar documentos pertinentes, o registro dos debates e dos votos e, ainda, atestar a autoria e integridade dos votos e da respectiva ata. A adoção dessas medidas permite a preservação da solenidade que é inerente à assembléia, evitando questionamentos ou nulidades das decisões tomadas na assembléia virtual. Cada convenção de condomínio determina a forma como a assembléia será conduzida, como a eleição de um presidente de mesa e secretário para a redação da ata, devendo estar previsto quais os seus requisitos mínimos para sua realização.

A Lei 4.591/64 determinava a distribuição de cópia da ata aos condôminos no prazo de até oito dias, mas essa obrigação não foi recepcionada pelo Código Civil vigente. De qualquer forma, é importante verificar o que consta na convenção em relação ao tema e, caso esta nada estipule, utilizar o prazo de até oito dias.

Outro cuidado prático é possibilitar treinamento prévio e capacitação de todos os condôminos e colaboradores envolvidos, para que todos possam conhecer a sistemática e entender os métodos escolhidos.

Assim, todos os atos deverão ser seguidos à risca e adaptados ao ambiente digital:

Devem-se mitigar as dúvidas sobre a segurança dos votos, garantir que não haja manipulação no resultado, implementar uma lista de presença a fim de não ensejar questionamentos quanto ao quórum de aprovação de determinado tópico, assegurar a validade jurídica daquela ata, escolher o meio de participação e forma de colheita de votos dos condôminos inclusivos, enfim, tudo para propiciar o registro desses atos em cartório.

Assim, existem algumas modalidades possíveis de assembléia digital, que podem variar de uma administradora para outra ou ferramenta utilizada. Exemplos:

Seja qual for a forma, a idoneidade de uma assembléia virtual depende da correta e adequada convocação, ampla comunicação, garantia aos titulares que exerçam seus direitos de voz e voto, rigor na identificação do condômino, regras de bloqueio de votos aos inadimplentes, registro de tudo o que foi debatido, votado e decidido na assembléia.

Com respeito aos colegas e mestres que tenham opinião divergente, por todos os motivos acima e atendidos os cuidados mencionados, cremos ser legítimo, possível e viável a adoção das assembléias digitais.

É certo que, como nas rotinas jurídicas, contábeis, de RH, bancárias, como tantas outras, a “digitalização” e a “virtualização” dos processos e procedimentos, registro, guarda de dados e documentos, por exemplo, são inevitáveis e atinentes a uma realidade presente e irreversível.

Daí a necessidade de aprimoramento e adaptação do nosso modo de vida, as novas tecnologias apresentadas e disponibilizadas atualmente, com o objetivo de alcançarmos maior participação dos envolvidos e com mais comodidade, mais eficiência e segurança, acrescendo-se a isso a redução de custos bem como transparência das deliberações, adequando-se o condomínio às necessidades e facilidades do mundo moderno.


[1] Veja o artigo publicado em: https://jus.com.br/artigos/81076/projeto-de-lei-n-1-179-2020-que-dispoe-sobre-o-regime-juridico-emergencial-e-transitorio-das-relacoes-juridicas-de-direito-privado-rjet-no-periodo-da-pandemia-do-coronavirus-covid-19

[2] Autos de número: 5013604-82.2020.8.24.0038

Sobre o autor
Rafael Joubert de Carvalho

Advogado, MBA em Gestão Empresarial, Síndico profissional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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