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O direito de ir e vir e a pandemia do coronavírus

Agenda 23/05/2020 às 08:33

trata-se de uma reflexão acerca do confinamento da população em razão da pandemia do coronavírus que atinge o direito constitucional de ir e vir do cidadão garantido pelo Estado de Direito que vigora no país dede 1988.

 

 

O direito de ir e vir e a pandemia do coronavírus

Vamos iniciar analisando a cláusula pétrea do artigo 5º, inciso XV da Constituição da República: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Antes, porém, é necessário esclarecer o que vem a ser uma cláusula pétrea, ou seja, são limitações materiais ao poder de reforma da Constituição de um Estado, que só podem ser alteradas para melhor, por meio de emenda constitucional.

No Brasil o direito de ir e vir é uma garantia fundamental do cidadão, onde parte das cláusulas pétreas, que integram os direitos e garantias fundamentais atrelam-se ao rol de princípios absolutos positivados para assegurar garantias inarredáveis  que possibilitam a vida com respeito e dignidade no Estado de Direito instituído pela Lei Máxima desde outubro de 1988, diretos esses, que  estão entrelaçados às concepções de direitos humanos.

A questão que é colocada para análise é aquela que diz respeito a possibilidade da Administração Pública em qualquer das esferas (Federal, Estadual ou Municipal) beliscar ou comprimir esse direito fundamental do cidadão, que também é inerente a sua dignidade humana, ainda que sob o pretexto de preservar a saúde, que também é um direito de todos.

A Carta Maior Constitucional de 1988, que estabeleceu a régua e o compasso de um novo Brasil, refletiu o que fora estabelecido na Carta de Direitos Humanos de 1948, trazendo um rol de direitos e garantias considerados fundamentais para a o ordenamento jurídico, direitos esses que se forem molestados afetam a manutenção do Estado Democrático de Direito, comprometendo a democracia.

Os direitos fundamentais não podem ser violados seja a que pretexto for, além de serem universais, pois devem ser aplicados indistintamente a todos os indivíduos na República Federativa do Brasil, entendendo-se por federalismo o sistema em que todos os Estados e Municípios são governados por um governo próprio, mas unidos a um governo federal.

A Constituição define a quem compete legislar sobre determinadas matérias, atribuindo a competência residual aos Estados e Municípios, que para editarem qualquer lei, devem se ater aos princípios da Lei Mãe (Constituição Federal), não contrariando suas premissas.

O artigo 6º da Constituição Federal garante o direito a saúde, assim previsto no artigo 196 como sendo um dever do Estado.

Então o que podemos tirar como lição, é que a clausula pétrea de ir e vir garantia fundamental do cidadão, não pode se mitigada, ainda que esteja no mesmo patamar do direito a saúde, pois uma garantia não é superior a outra, a ponto de aniquilar ou enfraquecer seus efeitos, embora alguns juristas entendam que o direito a saúde se sobrepões ao direito de ir e vir, baseados numa ideia de saúde coletiva, cabendo aos governantes, em todas as esferas administrativas, adotarem políticas dentro do campo da medicina para preservar a saúde dos indivíduos.

Não é nada lícito proibir o acesso do cidadão a qualquer lugar ostentando a bandeira da garantia da saúde, o que é estranho ao direito de preservar vidas, pois saúde se exercita mediante a adoção de políticas públicas fornecendo mais médicos, hospitais, postos de saúde, instalações adequadas e assistência aos que necessitarem, inclusive fornecendo medicamentos, valendo ressaltar, que não de hoje que a saúde pública está em colapso no Brasil, com escassez de vagas e atendimento precário aos que dela se socorrem.

Assim, controlar acesso de cidadão ou cercear o direito de ir e vir livremente em qualquer região do país, não compete aos prefeitos e governadores, pois ofende o artigo 5º, inciso XV, da Constituição da República, além de violar a dignidade da pessoa humana, notadamente, se for colocado um arsenal de policiais para fazer cumprir ditatorialmente e à força a vontade de alguns governantes, com restrição de circulação ou prisão de pessoas de bem, o que constitui uma violação intolerável no Estado de Direito.

É oportuno lembrar, a lição do imortal Rui Barbosa, critico mordaz dos governantes do passado, perpetuada no seu livro “Obras Completas”, que cai como uma luva e um grande alerta para esse momento: quando um direito constitucional desaparece, nenhum dos outros se deve presumir seguro”.

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A única exceção que é admitida na Constituição Federal, para que essa garantia fundamental seja congelada, é a decretação do estado de sítio, instrumento previsto na Constituição Brasileira como medida extrema que suspende as garantias fundamentais, com duração limitada de trinta dias, somente podendo ser estendida, caso ocorram as hipóteses previstas nos artigos 137 a 141, como por exemplo, ocorrendo guerra, tendo duração enquanto essa perdurar ou se manter plenamente ativa.

Se for decretado o estado de sítio, pode ser determinada a obrigação de permanência em um dado local; detenção em edifícios não destinados a esse fim; restrições a direitos como inviolabilidade da correspondência e outros, suspensão da liberdade de reunião; direito de busca e apreensão, pelo Estado, em domicílios; intervenção de serviços públicos em empresas particulares e a requisição de bens individuais pelo Estado.

O que se pode concluir então, é que no Estado de Direito todos devem obediência a Constituição Federal, devendo os governantes se ater ao princípio da legalidade, para fazerem ou deixarem de fazer alguma coisa, obedecendo a hierarquia das leis e as competências previstas para o funcionamento do Estado federativo.

O que está acontecendo hoje no Brasil, nessa fase de pandemia mundial do cornoanvírus (COVID-19) é um desrespeito muito grande a Constituição por parte dos agentes públicos, notadamente, pelos prefeitos e governadores, que estão se julgando acima da lei, por causa de uma decisão infeliz do Supremo Tribunal Federal, que deveria resguardar a Constituição, e assim não está fazendo, analisando-se a questão sob uma ótica divergente, louvando-se a profunda admiração a essa Corte Máxima de Justiça do país.

Não podem prefeitos e governadores restringirem garantias fundamentais, pois esse modo de agir, apenas encobre a intenção de não disponibilizar com eficiência as políticas públicas necessárias no campo estritamente da medicina, destinadas a garantir a saúde das pessoas, preservando o bem jurídico mais precioso que é a vida do ser humano.

É muito triste o momento de balburdia jurídica que o país está passando, por causa da pandemia do coronavírus, devendo ser ressaltado, que em tempos passados, com certeza, se tal desrespeito se instalasse no Brasil, seria lançada mão sem hesitação, do instrumento previsto no artigo 142 do Texto Constitucional, porque as Forças Armadas, sob a autoridade suprema do Presidente da República, são instituições nacionais permanentes e regulares, que tem a atribuição constitucional  de defender a Pátria, garantir os poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Alguns prefeitos e governadores estão matando o Brasil e a economia, pois o confinamento adotado, não tem nenhuma relação com a medicina e a preservação da saúde da população, mais parecendo um projeto para desestabilizar o Presidente da República, que também tem o direito de lançar mão das prerrogativas do artigo 34, incisos I e III, da Constituição, para garantir a integridade da federação, já que não há autorização constitucional para a União ficar nas mãos de prefeitos ou governadores, como vem acontecendo.

As medidas adotadas a manu militari, estão atingindo em cheio as classes menos favorecidas, que vem sofrendo todas as consequências dessa miséria, porque trabalham hoje para comer amanhã, onde esse modelo desastroso que está vigorando tem que acabar imediatamente, não bastasse o que já passamos em governos anteriores, que quase quebrou o Brasil.

No Estado de Direito, onde se deve obediência a Constituição, não há lugar para o arbítrio ou prepotência, os governadores e prefeitos não podem continuar fazendo o que bem entenderem, rasgando a Carta Magna, sendo oportuna as palavras do imortal Hely Lopes Meirelles: “A Administração Pública, como instituição destinada a realizar o bem comum, não pode agir fora das normas jurídicas e da moral administrativa, nem relegar os fins sociais a que sua ação se dirige.” (Direito Administrativo Brasileiro, Ely Lopes Meirelles, Malheiros Editores, 22a edição, 1997, página 183)

 A expressão “fique em casa”, que deveria ser manejada apenas com caráter de conscientizar a população acerca da gravidade da pandemia, é totalmente inoperante para a maioria dos brasileiros, pois as contas e compromissos mensais das pessoas não cessaram, onde “ficar em casa” somente teria lugar, se o cidadão possuísse reservas de dinheiro no Banco, casa própria e estivesse com a vida ganha, o que é privilégio das minorias, isso sem considerar que a classe menos favorecida, mora em comunidades onde a as residências são pequenas, aglomerando, muitas das vezes, inúmeras pessoas em um minúsculo espaço, sem condições adequadas de higiene, aumentando ainda mais, o risco de contágio do malsinado coronavírus.

O Brasil tem que voltar a andar nos trilhos com urgência, banindo o grande desrespeito ao texto constitucional, que generalizou-se de forma açodada.

São Paulo que é a locomotiva que impulsiona a Nação está quebrando o Brasil, pois nenhum governante sabe ao certo o que está fazendo para controlar a pandemia, já que as estatísticas mostram que as mortes estão aumentando assustadoramente, apesar das medidas restritivas de circulação da população.

Deve ser destacado, que nenhuma política pública que restringe ou ofende direitos e garantias fundamentais e que afrontam a dignidade humana das pessoas, inclusive o direito de ir e vir, vem surtindo efeito até hoje, como resta evidente em todos os gráficos apresentados, valendo lembrar as sábias palavras do filósofo grego Aristótolis “A felicidade e a saúde são incompatíveis com a ociosidade.”

Quanto mais se proíbe e se insultam direitos e garantias fundamentais, sob o pretexto de preservar outra garantia fundamental que é a saúde e a vida das pessoas, mais a população se revolta e não cumpre as decisões arbitrárias de seus governantes, não adiantando decretar quarentena para garantir o isolamento social, rodízio ampliado ou não, lockdown, multar ou prender de forma arbitrária o cidadão ou ainda, proibir o funcionamento do comércio (que também é garantido constitucionalmente) e outras coisas mais, divorciadas da legalidade, que não funciona.

Por causa dessa quarentena decretada, casais estão se desentendendo, a violência doméstica aumentou, crianças e as matriculadas em escolas estão sem fazer nada, além de não entenderem ao certo o que está acontecendo, aulas virtuais não estão surtindo o efeito desejado, as pessoas estão engordando sensivelmente, locadores e inquilinos não se entendem e os governantes que decretaram medidas restritivas, continuam recebendo normalmente seus vencimentos inerentes aos cargos que ocupam, assim como a classe política, e para estes, a quarentena pode ter uma duração mais esticada, que não afetará de maneira alguma suas vidas financeiras.

O único remédio que provavelmente funcionará adequadamente nesse momento que estamos vivendo, até que surja um tratamento adequado ou vacina, é se voltar a Deus espiritualmente, seja qual for a forma de concepção do Criador do mundo, manter o uso de máscaras, disponibilizar saúde adequada (o que é quase uma utopia) e conscientizar a população de forma massacrante por todos os canais disponíveis da mídia escrita e falada a não se expor em locais de risco, como vem acontecendo até então, porque o povo não aprova as medidas coercitivas adotadas e já está cansado de ficar parado sem produzir nada, acumulando contas para pagar, vendo suas economias indo embora e o país mergulhar nas profundezas do abismo, rumo a um caminho sem volta, aumentando a pobreza e o desemprego, o que é lamentável e inadmissível.

São Paulo, 21 de maio de 2020.

Por Ricardo Alberto Neme Felippe

OAB/SP 96.239

Sobre o autor
Ricardo Alberto Neme Felippe

Advogado em São Paulo-SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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