A questão a ser enfrentada diz respeito à possibilidade de criação, no Distrito Federal, de órgão público mediante decreto, portanto, por meio de ato infralegal, sem que seu conteúdo derive diretamente de lei ou de autorização constitucional; mas ao amparo de norma distrital que teria, conforme interpretação costumeira, outorgado competência ao Chefe do Poder Executivo local para promover alterações orgânicas na estrutura da administração pública, sob o fundamento de impingir-lhe agilidade e eficiência.
No que toca à Administração Pública Federal, sem tergiversar, não há dúvidas de que a Carta Magna veda expressamente tal iniciativa. O faz ao fixar a competência do Congresso Nacional para dispor sobre a criação e a extinção de Ministérios e de órgãos da Administração Pública, a teor do disposto no artigo 48, inciso XI; e, na sequência, ao estabelecer a iniciativa privativa do Presidente da República quanto às leis complementares e às leis ordinárias que disponham sobre criação e a extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública, nos termos do artigo 61, §1º, inciso II, alínea “e”.
Sistematicamente e em total compatibilidade lógica e teleológica com os dispositivos citados, o texto constitucional, na forma do artigo 84, inciso VI, alínea “a”, fecha o ciclo, para estabelecer que compete privativamente ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre a organização e o funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. Óbvio, incidentes as hipóteses condicionantes, prevalecem as regras do artigo 48, inciso XI, c/c artigo 61, §1º, inciso II, alínea “e” da Constituição Federal, garantindo, com isso, a observância do princípio da reserva legal que o regime constitucional quis preservar.
Mas é importante registrar que a vigente redação do artigo 84, inciso VI da Constituição Federal decorre da alteração introduzida pelo legislador derivado, por meio da Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001.
A redação original estabelecia tão-somente a competência privativa do Presidente da República para, in verbis: VI-dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei; o que incutia incertezas quanto à extensão do dispositivo, uma vez que a expressão “na forma da lei”, além de remeter aos efeitos de uma norma de eficácia limitada, carente, portanto, de concretude legislativa; ainda confundia o intérprete, na medida em que gerava dúvidas quanto ao alcance da expressão “a organização e o funcionamento”; o que não rara vezes, na prática, fazia o Poder Executivo imiscuir-se nas competências constitucionais legislativas, chocando a norma primitiva do artigo 84, VI com as normas primevas do artigo 48, inciso XI e do artigo 61, §1º, inciso II, alínea “e”.
A técnica de redação utilizada na Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001, pretendeu mitigar a produção dessas deletérias interpretações. Dessa forma, ao passo em que inseriu interpretação autêntica ao texto do artigo 84, inciso VI, alínea “a” para fixar, na letra mesma e mediante utilização de locução conjuntiva[1], os limites da organização e do funcionamento da administração a cargo do Chefe do Poder Executivo; tratou de remeter expressamente o artigo 61, §1º, inciso II, alínea “e” ao artigo 84, inciso VI, assim correlacionando-os e integrando os textos, para unificar os sentidos, nortear a interpretação sistemática e preservar as competências constitucionais no âmbito de cada Poder.
Grosso modo, no entanto, a Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001 sequer inovou, apenas interpretou para afastar os sentidos plúrimos. Portanto, repita-se, não restam dúvidas; qualquer inserção do Poder Executivo ainda que sob o argumento ou a aparência de organizar e fazer funcionar a Administração Pública Federal mediante ato normativo secundário, não pode aumentar despesas, criar ou extinguir órgãos, sob pena de invasão da reserva de lei e vício formal e material de constitucionalidade, a ser arguido, inclusive, em sede de controle concentrado[2].
Mas as dúvidas persistem e têm expressiva relevância jurídica que espargem consequências e efeitos múltiplos, especialmente no âmbito do Distrito Federal, onde vigora, desde 21 de janeiro de 1999, a Lei n.º 2.299[3].
A referida lei deixou expresso em seu artigo 3º:
Art. 3° - Fica o Governador do Distrito Federal autorizado a:
I - estruturar e definir competências e atribuições do órgão de que trata o art. 1°;
II - distribuir na estrutura de que trata o inciso anterior os cargos criados por esta Lei;
III - remanejar ou alterar vinculação, competência, denominação das unidades administrativas, órgãos e entidades, alterar vinculação e atribuição de cargos e empregos em comissão integrantes da estrutura administrativa do Distrito Federal, inclusive autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
Parágrafo único. Para atender ao disposto no inciso III, o Governador do Distrito Federal poderá alterar níveis, criando ou extinguindo unidades administrativas, cargos de natureza especial e cargos ou empregos em comissão desde que não resultem em aumento de despesas[4].(destacou-se).
Tal lei teve sua constitucionalidade questionada nos termos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2000.00.2.000293-6[5] em face da Lei Orgânica do Distrito Federal. A Ação foi julgada em 5 de dezembro de 2000 pelo Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal para declarar a constitucionalidade da norma atacada; e, não conhecido o Recurso Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal[6], o Acórdão restou transitado em julgado em 3 de agosto de 2010, ficando redigido nos seguintes termos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI DISTRITAL Nº 2.299, DE 21-09-1999. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 58 DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. REORGANIZAÇÃO NA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA LOCAL. POSSIBILIDADE. A Câmara Distrital, por intermédio do art. 3º da Lei
n. 2.299/99, autorizou o Governador do Distrito Federal a proceder à reorganização na estrutura administrativa local, como soem fazer as administrações estaduais e federal. A lei em foco não viola qualquer dispositivo da LODF, porquanto, a exemplo da regra do art. 84 da Constituição Federal, o art. 100, inciso X da própria Lei Orgânica faculta ao Governador competência para ”dispor sobre a organização e o funcionamento da administração do Distrito Federal”. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente. Decisão por maioria.
Acerca disso, para evitar açodadas conclusões e com o devido respeito aos entendimentos em sentido diverso; desde já é necessário esclarecer que em nenhum momento a Lei n.º 2.299, de 21 de janeiro de 1999 autorizou a criação de órgãos públicos pelo Chefe do Poder Executivo local por meio da edição de ato normativo secundário. Isso se extrai da literalidade de seu próprio texto.
Ao passo em que, por meio do artigo 3º, inciso III, autoriza o Chefe do Poder Executivo a remanejar, alterar vinculação, competência e denominação das unidades administrativas, dos órgãos e das entidades; em seu parágrafo único pontua, esclarece, instrumentaliza e restringe o alcance do inciso III, para estabelecer que, objetivando atender ao disposto naquele inciso, portanto exclusivamente para permitir o remanejamento, a alteração de vinculação, de competência e de denominação das unidades administrativas, dos órgãos e das entidades, o Governador do Distrito Federal poderá alterar níveis, criando ou extinguindo unidades administrativas, desde que não impliquem aumento de despesas.
Observe-se, os verbos “criar” e “extinguir” referem-se tão-somente à expressão “unidades administrativas”, que o próprio artigo acabou distinguindo da expressão “órgãos”, ao listá-las, em linha e em sequência, no inciso III, “unidades administrativas, órgãos e entidades”, para estabelecer sobre quais estruturas administrativas poderiam incidir o remanejamento e a alteração de vinculação, de competência ou de denominação.
Embora não seja essa a regra no direito administrativo brasileiro[7], percebe-se com relativa clareza que a lei ordinária intencionou discriminar “órgãos”, centros de competência amplos e despersonificados (administração direta); “entidades”, centros de competência amplos e personificados (administração indireta); e “unidades administrativas”, centro de atribuições subalternos, com reduzido poder decisório e predominância de atribuições de execução, que os guarnecem. Essa é a mens legis e, por certo, a mens legislatori.
Assim, bastam a interpretação gramatical e a interpretação lógica para afirmar, com objetividade, que a Lei n.º 2.299, de 21 de janeiro de 1999 não autorizou a criação ou a extinção de órgãos públicos, mas apenas de unidades administrativas. Entretanto, para não deixar dúvidas acerca do que se afirma, é importante ir além e, sistematicamente, aprofundar o esforço exegético.
Nessa linha de raciocínio, observe-se que a Lei n.º 2.299, de 21 de janeiro de 1999 cumpriu papel semelhante ao da Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001, que lhe é contemporânea; na medida em que, à época de sua edição, vigia o texto primitivo do artigo 84, inciso VI da Constituição Federal que, para destacar, vale a pena reproduzir mais uma vez:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
VI-dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei; (destacou-se).
Portanto, a toda evidência, a Lei n.º 2.299, de 21 de janeiro de 1999 pretendeu fazer as vezes de lei concretizadora, conforme exigia o texto da Constituição Federal à época que, utilizando a expressão “na forma da lei”, erigiu norma de eficácia limitada. E registre-se, essa necessidade surgiu exclusivamente da regra imposta pelo artigo 84, inciso VI da Constituição Federal, na medida em a Lei Orgânica do Distrito Federal suprimiu a expressão “na forma da lei” do seu correlato, o artigo 100, inciso X, substituindo-a por “na forma desta Lei Orgânica”.
E não poderia ser diferente, na medida em que a própria Lei Orgânica do Distrito Federal, com fulcro no artigo 25 da Constituição Federal, mutatis mutandis, trouxe para o seu bojo os dispositivos constitucionais que lhe são simetricamente oponíveis[8], na forma do artigo 58, incisos VII e XIII; c/c artigo 71, §1º, inciso IV; e artigo 100, inciso X, a saber:
Art. 58. Cabe à Câmara Legislativa, com a sanção do Governador, não exigida esta para o especificado no art. 60 desta Lei Orgânica, dispor sobre todas as matérias de competência do Distrito Federal, especialmente sobre:
(...)
VII-criação, estruturação e atribuições de Secretarias do Governo do Distrito Federal e demais órgãos e entidades da administração direta e indireta;
(...)
XIII-criação, transformação, fusão e extinção de entidades públicas do Distrito Federal, bem como normas gerais sobre privatização das entidades de direito privado integrantes da
administração indireta;
Art. 71. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara Legislativa, ao Governador do Distrito Federal e, nos termos do art. 84, IV, ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, assim como aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
§ 1º Compete privativamente ao Governador do Distrito Federal a iniciativa das leis que disponham sobre:
IV-criação, estruturação, reestruturação, desmembramento, extinção, incorporação, fusão e atribuições das Secretarias de Governo, Órgãos e entidades da administração pública;
(...)
Art. 100. Compete privativamente ao Governador do Distrito Federal:
(...)
X-dispor sobre a organização e o funcionamento da administração do Distrito Federal, na forma desta Lei Orgânica;
(destacou-se).
Em suma, em relação ao ponto específico de análise, a integração proposta pelo artigo 3º, inciso III da Lei n.º 2.299, de 21 de janeiro de 1999, com o devido respeito aos que nutrem pensamento diverso, forma um todo harmônico[9] com o artigo 58, incisos VII e XIII; c/c artigo 71, §1º, inciso IV e artigo 100, inciso 100, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal. No mesmo sentido, os dispositivos da lei ordinária também parecem estar de acordo com a Constituição Federal, desde que, é claro, não lhe afetem interpretações capazes de tolerar a criação de órgãos mediante atos normativos secundários.
O raciocínio é simples, mas de significativa densidade. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, é absurdo e afrontoso à inteligência supor que a Constituição estabeleceu mecanismos tão cautelosos para a defesa de valores ciosamente postos a bom recato, os quais, entretanto, seriam facilmente reduzidos a nada, graças ao expediente singelo das delegações procedidas indiretamente[10]. É que, como afirmou Geraldo Ataliba ninguém construiria uma fortaleza de pedra, colocando-lhe portas de papelão[11].
Por certo, não foi à toa que o constituinte originário, já no artigo 25 do Ato das Disposições Transitórias revogou expressamente todos os dispositivos legais que atribuíam ou delegavam a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional. Veja-se, in verbis:
Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:
I-ação normativa;
II-alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.
Não socorre a tese contrária o fato de, em passagens de voto proferido no bojo da ADI 200.00.2.000293-6[12], ter sido admitida a criação de órgãos por decreto, a teor da Lei n.º 2.299, de 21 de janeiro de 1999[13], inclusive citando como paradigma o encaminhamento usualmente dado, à época[14], pela União a casos semelhantes, a teor do disposto no artigo 84, inciso VI, em sua redação primitiva.
E os motivos são óbvios. Primeiro, tal entendimento não restou inserto na parte dispositiva do Acórdão n.º 137754, não estando, portanto, sob o manto da coisa julgada. Segundo, porque o julgamento de mérito da supramencionada ADI, ocorrido em 05/12/2000, precedeu as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001, a qual, como se disse, alterou o texto do artigo 84, inciso VI da Constituição Federal e vedou expressamente a criação de órgãos pelo Chefe do Poder Executivo com o fito de promover a organização e o funcionamento da Administração Pública.
O artigo 61, §1º, inciso II, alínea “e” e o artigo 84, inciso VI, alínea “a” da Constituição Federal são ínsitos à organização do Estado, ao princípio republicano, à separação dos poderes, bem como ao processo legislativo, portanto, de repetição e observância obrigatória pelo Distrito Federal.
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[15] entre duas interpretações possíveis de uma lei, não se deve adotar aquela da qual resultaria sua incursão no vício de inconstitucionalidade, mas, pelo contrário, tem-se de assumir aquel'outra que lhe atribui conformação aos ditames da Lei Maior. Citando Black[16], o referido autor esclarece:
Unconstitutionality will be avoided, if possible, by putting such a construction on the statute as will make it conform to the constitution.
(…)
The courts will not so construe the law as to make it conflict with the constitution, but will rather put such an interpretation upon it as will avoid conflict with the constitution and give it the force of law, if this can be done without extravagance. They mais desregard the natural and usual import of the words used, if it is possible to adote another construction, sustaining the statute, wich shall not be strained or fantastic.[17]
Assim, não há dúvidas, embora não tenham sido expressamente reproduzidas no texto da Lei Orgânica do Distrito Federal, as alterações introduzidas no artigo 84, inciso VI da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001 devem, obrigatoriamente, repercutir no Distrito Federal para enfeixar seus efeitos sobre o processo interpretativo atual e vindouro e - em conjunto com o disposto no artigo 48, inciso XI; e artigo 61, §1º, alínea “e” da Constituição Federal c/c o artigo 58, incisos VII e XIII; artigo 71, §1º, inciso IV e artigo 100, inciso X da Lei Orgânica do Distrito Federal - afastar a possibilidade, também no âmbito do Distrito Federal, da criação de órgãos ou entidades por meio de ato diretamente emanado do Chefe do Poder Executivo.
Portanto, desde 21 janeiro de 1999, há exatos 21 anos, o Distrito Federal convive com um conjunto de equívocos que fragiliza a administração pública e tolera remanejamentos e reestruturações orgânico-administrativas ao sabor da discricionariedade do Chefe do Poder Executivo local que, por ato infralegal, cria e extingue órgãos sem amparo na lei, na Lei Orgânica do Distrito Federal ou na Constituição Federal; usurpando competências originárias e privativas do Poder Legislativo.
As consequências dessa prática ferem de morte o princípio da separação dos Poderes, subvertem freios e contrapesos e criam embaraços à eficiência da administração pública, na medida em que subtraem do crivo do Poder Legislativo, sob seu dissimulado consentimento, não apenas discussões de cunho técnico, mas também de natureza política, imprescindíveis à manutenção do ideal republicano.
Em julgado mais recente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal andou bem melhor, verbis:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 8°, 9° E 13 DA LEI DISTRITAL N.º 5.141/2013. REESTRUTURAÇÃO DE ÓRGÃOS PÚBLICOS E CRIAÇÃO DE CARGOS VIA DECRETO. PROVIMENTO DE CARGOS SEM CONCURSO PÚBLICO E DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA À LODF.
A Constituição Federal, em seu artigo 48, X, confere competência ao Congresso Nacional para dispor sobre acriação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções pública. Essa norma foi reproduzida no artigo 58, III, da Lei Orgânica do DF. Já o artigo 84, VI, da Carta Magna, veda ao Presidente da República editar Decreto que implique aumento de despesa e criação ou extinção de órgãos públicos, norma que deve ser aplicada também ao Distrito Federal, por força do princípio da simetria.
In casu, o artigo 9.º da Lei Distrital n.º 5.141/2013 tem servido de fundamento para a edição de uma série de Decretos pelo Governador do Distrito Federal, inclusive para criar cargos públicos com aumento de despesa, o que implica ofensa à Lei Orgânica do Distrito Federal.
O art. 19, inciso II, da Lei Orgânica do DF, prevê que os integrantes de carreira devem ser selecionados mediante concurso público, resguardando a ampla acessibilidade aos cargos públicos e elidindo, assim, o favorecimento de agentes que já integrem a Administração Pública. Dessa forma, as disposições contidas nos artigos 8.º e 13 da Lei Distrital n.º 5.141/2013 configuram burla à previsão do concurso para provimento de cargo efetivo, bem como, autorizam o repudiado desvio de função de servidor público, o que caracteriza a inconstitucionalidade alegada na exordial.
(Acórdão 873658, 20140020029112ADI, Relator: CARMELITA BRASIL, Conselho Especial, Data de Julgamento: 09/06/2015, Publicado no DJE: 16/06/2015. Pág.: 34)
O que se afirma aqui não pretende estorvar o princípio da eficiência e da boa administração e impedir o Poder Executivo de estruturar a administração pública conforme ideologia consagrada nas urnas, sob o manto do voto popular. Ao contrário, pretende sufragar tal iniciativa, mas na intimidade do princípio da legalidade[18], ao amparo da Constituição Federal como, obviamente, deve ocorrer em um Estado Democrático de Direito.
Afinal, pior que uma terra sem lei é uma terra onde a aparência de legalidade afasta dos cidadãos o direto de compreensão dos fatos e dos desígnios de suas instituições.
[1] “desde que”.
[2] STF ADI 3664/RJ Relator: Min. Cezar Peluso, Pleno, 01/06/2011; AI 737543, AgR /SP Relator: Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, 18/09/2012; ADI 3232 /TO Relator: Min. Cezar Peluzo, Pleno, 14/08/2008.
[3] Cria a Secretaria Extraordinária e os cargos de natureza especial e em comissão no Quadro de Pessoal na estrutura administrativa do Distrito Federal.
[4] Vide Lei 2.865, de 28 de dezembro de 2001.
[5] TJDFT ADI 200.00.2.000293-6, Acórdão 137754, Rel. Des. Jeronymo de Souza, Conselho Especial, 05/10/2000.
[6] STF RE 343507, Rel. Min. Dias Tofoli, 01/06/2010.
[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. MALHEIROS: 2004. p. 67 a 72.
[8] A esse respeito, vide STF ADI 507, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-2-1996, Plenário, DJ de 8-8-2003; ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009; ADI 774, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, Rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, Rel. Min. Maurício Corrêa.
[9] A esse respeito, vide RE 577.025, STF Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 06/03/2009, com repercussão geral; e ADI 200002000293-6, TJDFT voto do Des. Getúlio de Moraes Oliveira, Relator.
[10] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. Malheiros: 2004.
p. 325.
[11] NOGUEIRA, José Geraldo de Ataliba, Geraldo. O Decreto Regulamentar no Sistema Brasileiro, RDA 97/28.
[12] TJDFT Acórdão 137754.
[13] A esse respeito vide o voto do Des. Lécio Resende;
[14] Segundo consta.
[15] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Parecer de 17 de julho de 2006, encomendado pela empresa MOMENTUM EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, disponível em www.momentum.com.br/empreendimentos/terras-de.../pbm.fss.
[16] HENRY CAMPBELL BLACK - Handbook of American Constitutional Law, West Publishing Co., St. Paul, Minn. 1897, 2ª ed., pág. 60.
[17] Tradução livre realizada pela Dra. Regina Olga de Araújo: “A inconstitucionalidade será evitada, se possível, fazendo uma interpretação da lei, de maneira a conformá-la com a Constituição Federal. Os Tribunais não darão à lei uma interpretação para fazê-las conflitar com a Carta Magna; ao contrário, farão com que essa interpretação esteja em conformidade com a Constituição. Eles podem até descartar o sentido comum de algumas palavras para, se possível, adotar uma interpretação para dar maior sustentação à lei, mas sem exageros ou absurdos.”