A INFLUÊNCIA DOS CARGOS COMISSIONADOS NOS RESULTADOS DAS ELEIÇÕES: PROBLEMATIZANDO A DEMOCRACIA.
Rogério de Araújo Rodrigues
União de Ensino Superior de Campina Grande
rogeriorodriguesdireito@hotmail.com
O artigo busca mostrar como a democracia, nas eleições, é afetada no momento da escolha dos representantes políticos por parte de uma parcela da população, que é abonada com cargos vinculados à administração pública direta. Em relação a esses cargos, o gestor público pode dispor da maneira que bem entender, sem obedecer a princípios e normas pré-estabelecidas por lei para o devido funcionamento da administração pública. A precariedade do cargo muitas vezes impõe aos empregados que acompanhem, por meio do voto, o candidato da gestão que o concedeu emprego. Isso acontece para que esses funcionários se mantenham nos lugares que ocupam, o que, consequentemente, poderá colocar candidatos corruptos no comando da administração pública, por terem sido eleitos não por suas propostas, e sim por meras conveniências interpessoais. Assim, termina sendo formado um corpo de funcionários que às vezes não tem preparação técnica para exercer as funções que é obrigado a cumprir. Com isso, dá-se continuidade, no Brasil, a um círculo sem fim de má administração pública, prejudicando, como sempre, a população. O debate sobre o tema ocorrerá transpassando os princípios basilares da administração pública, tais como: moralidade; legalidade; impessoalidade; supremacia do interesse público, refletindo sobre como esses princípios são afetados com referida prática. O artigo também não deixa de se posicionar sobre ética, corrupção e democracia, tanto no âmbito eleitoral como no da administração pública.
Palavras-chaves: democracia; cargos comissionados; eleições; administração pública.
Introdução
A inquietação motivacional que gerou a ideia para tal artigo, foi a constante, desnuda e reiterada observação da prática que aqui será abordada, durante os períodos eleitorais, presenciados por seu autor, em cidades pequenas, onde o debate sobre politica e escolha de candidatos fica apenas restrito a pequenas e torpes desavenças esdruxulas e mesquinhas adotadas pelos eleitores, onde a ideologia, propostas de governo, habilidades de gestão e aptidão politica ficam em segundo plano, sendo o capital politico mais importante que o capital social e organizacional de modelos de politicas públicas corretas e éticas. Correlacionando com os princípios da administração pública, conceito sobre os cargos em comissão, aplicação de democracia e algumas orientações trazidas em lei sobre o que é vedado em período de campanha, iremos demonstrar como realmente uma disputa eleitoral pode ser manipulada pela distribuição de cargos em comissão, tendo por base preceitos secundários para tal direcionamento das funções, que não aqueles que obedecem e o que se é desejável e o que se espera de uma administração pública coerente, ética e profissional.
Referencial teórico
Cargos comissionados são aqueles destinados para serem exercidos em caráter passageiro, seus ocupantes são nomeados em razão do liame de confiança existente entre eles e a autoridade que os nomeou, daí, tais cargos, também serem denominados de cargos de confiança. A nomeação dessa categoria de funcionários dispensa prévio concurso público, sendo impossibilitado aos servidores que adquiram estabilidade funcional nos cargos em que ocupa, a exoneração do funcionário poderá ocorrer a qualquer momento e a critério da autoridade nomeante, sem a necessidade de qualquer formalidade especial, previsão trazida no art. 37, II da CRFB/88. Os cargos em comissão só podem destinar-se a funções de caráter específico dentro das funções administrativas, tais como: chefia, direção e assessoramento. Esses cargos não podem ser criados para substituir outros já existentes e de caráter permanente ou criação de cargos que devam ser permanentes, de acordo com o art.37, V da CRFB/88.
A constituição federal no caput do seu artigo 37 estabeleceu expressamente princípios a serem cumpridos por todos os integrantes da administração pública, dos quais, se forem despercebidos pelos seus responsáveis à conduta administrativa deve ser considerada inválida, passemos, então, a correlacionar alguns destes princípios que nos interessam com a prática dos cargos em comissão.
O Princípio da impessoalidade estabelece que as atividades relacionadas à administração pública devam ser voltadas única e exclusivamente com o objetivo de saciar o interesse público, e não o privado, entendendo-se que, será impossível lograr êxito no primeiro, perseguindo o segundo, vedando, portanto, que sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros, sob pena de o gestor responsável por determinado ato da administração pública, cometer desvio de finalidade, que ocorrerá quando este se afastar do objetivo que norteia sua atuação. Podemos considerar que tal princípio no ato de nomeação e exoneração dos cargos comissionados não é obedecido, tendo em vista, que o gestor público ao admitir determinado funcionário, na maioria das vezes, por conluio politico, colocará o serviço público, que deveria ser de boa qualidade, em segundo plano, pois os ocupantes destes, em muitos dos casos não são capacitados para ocupar a posição em que está, restando prejudicado, outro princípio inerente a administração pública, qual seja, o da eficiência, que impõe a administração e seus agentes, o dever de prestar os seus serviços com celeridade, perfeição e de rendimentos compatíveis, com o fim de satisfazer as necessidades dos administrados.
O princípio da moralidade existe para que o administrador não se desvincule dos preceitos éticos dos quais devem servir de norte aos seus atos, deixando de lado a conveniência própria para que atue com justiça em suas ações, distinguindo o que é honesto do que é desonesto. O ato de nomeação de cargos em comissão, apesar de não ser uma prática delituosa (pelo contrário, é prevista pela carta mãe), ao nosso modo de enxergar, acaba por ferir tal principio, pois o chefe da administração pública direta muitas vezes deixa de lado tudo o que preconiza o instituto aqui citado, para mediante suas vontades designar os comissionados nas funções e nos melhores salários possíveis, esquecendo que a administração pública é algo intocável no que diz respeito a benesses pessoais; tal discussão nos obriga a trazer a baila outro principio de fundamental importância no direcionamento das atividades administrativas, qual seja o principio da supremacia do interesse público, no sentido de que tais atividades devem ser prestadas e desenvolvidas pelo o Estado para o beneficio da coletividade como um todo e que mesmo se agindo com o objetivo de um algum interesse estatal imediato o resultado final dessa atuação será o interesse público, do contrário, na ausência de tal comprometimento estará configurado o desvio de finalidade.
Então, diante de tal ensinamento a prática aqui citada se configura perfeitamente como uma afronta a tal dispositivo. Citamos ainda, O princípio direcionador das atuações dos agentes da administração pública direta, consequentemente os principais interessados nas nomeações dos cargos em comissão, é o princípio da legalidade, que tem por objetivo determinar que toda e qualquer atividade desenvolvida pela administração pública dever previamente autorizada por lei, não o sendo tal atividade será ilícita, o que queremos apontar através da explicação de tal princípio é que apesar da nomeação dos funcionários portadores de cargos em comissão serem previsto na constituição federal, ou seja, ser legal, ser revestido do principio da legalidade, a prática quando realizada com o fim de obter vantagem seja qualquer que for politica ou não, a prática resta vestida de ilegalidade, ficando comprometido, portanto, a administração pública. (CARVALHO FILHO, 2016).
No período que antecedem as eleições algumas condutas são vedadas por lei, aos agentes públicos, com o intuito de manter a igualdade de oportunidades entre os candidatos, nosso objetivo por hora passa a ser a analise da lei nº 9.504 de 30 de setembro de 1997 mais especificamente o seu art. 73 que fala sobre as condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais. O inc III do art. Veda a cessão de servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, ressalvado os casos em que o funcionário esteja de licença da sua função; a primeira coisa que devemos ter em mente é que servidor ou agente público não é vedado de participar da vida politica da sociedade em que presta seus serviços, o que se proíbe é que o funcionário participe de qualquer ato de campanha durante o seu horário de expediente, tal proibição atinge todo e qualquer agente público, inclusive o que por nós está sendo estudado, qual seja, o funcionário portador de cargo em comissão; o segundo ponto a ser exposto é que a expressão “comitê” no entendimento do TSE deve ser interpretada no sentido de todo e qualquer ato de campanha, portanto, a proibição não atinge apenas a impossibilidade do servidor público está presente no comitê físico do candidato ou do partido, a proibição é de que o servidor público participe de todo ou qualquer ato da campanha em si, sejam elas: comícios, passeatas, panfletagem ou aquela mera reunião de bairro.
O que queremos problematizar com o dispositivo acima citado, é que um dos objetivos utilizados pelos políticos no uso de suas atribuições ao distribuir os cargos em comissão é justamente o de escolher aquelas pessoas de que se tem ciência por ele e por sua equipe gerente de campanha de que o funcionário escolhido no adentrar do período das eleições servirá como cabo eleitoral, deixando as suas funções de lado e participando ativamente da campanha do gestor ou do seu indicado a concorrer ao pleito a que se está em disputa. Muitas das vezes o próprio gestor, mesmo que informalmente, nomeia uma equipe de funcionários que tem por função e obrigação de acompanhar, vigiar e cobrar a atuação daqueles que estão empregados por confiança do gestor, na sua campanha eleitoral, sendo que, se for observado pelo gestor ou se o mesmo for informado que estes não estão comprometidos com a busca incessante de lograr o êxito de ganhar mais uma disputa eleitoral, a punição será a perca do cargo, que apesar da demissão de cargo público ser outra prática vedada nos 90 dias que antecedem o pleito, (inc V do art. 73 da lei nº 9.504) o cargo em comissão é uma das exceções desta proibição (alínea “a” do inc. V). Apesar de ser levantada a hipótese da demissão pelo não comprometimento do funcionário na campanha pelo o seu “empregador” devido à precariedade vitalícia do seu cargo, na maioria das vezes essa demissão não ocorre, pois o agente comissionado também possui muito interesse em que seu candidato ganhe a campanha, para que com isso ele possa durante o possível novo mandato do ícone politico que apoia continuar exercendo o cargo que possui, não perdendo o emprego, consequentemente perpetuando o serviço que provavelmente é mal prestado.
Se de um lado o art. 73, V, “a” da lei 9.504 dá ao chefe do executivo a possibilidade de demitir o funcionário em comissão a qualquer tempo, por outro lado também deixa aberta a possibilidade de nomeação em qualquer período. Essa abertura é de extrema agressividade ao devido equilíbrio de oportunidades que devem existir durante um pleito eleitoral entre os seus candidatos, pois, dentro desse período eleitoral ocorrem muitas nomeações de novos comissionados, principalmente se os candidatos de posse de pesquisas eleitorais enxergam que suas chances de ganhar são baixas, visando à obtenção de mais votos e de mais gente para trabalhar na campanha; isso ocorre não só pelo chefe do executivo, mas também por indicações dos membros do legislativo que compõe a bancada de apoio do governo na casa legislativa, que para que também consigam a manutenção dos seus mandatos exigem que para tal seus cabos eleitorais sejam empossados de cargos (PINHEIRO, 2016).
Superada a questão principiológica da administração pública e de algumas vedações constantes na nossa legislação sobre alguns atos que não podem ser cometidos por agente, servidores ou funcionários públicos durante a época de eleições, tudo, obviamente relacionado ao tema cargos em comissão, passemos, portanto, ao estudo de algumas definições doutrinarias essenciais ao estudo do tema abordado, para que quando cheguemos às conclusões finais sejamos melhores compreendidos.
A palavra democracia possui uma diversidade de conceitos mutáveis, que vieram se lapidando durante toda a história da humanidade, se ajustado de acordo com a contemporaneidade e a necessidade dos pensadores que a citavam. Tal termo advém do século V AC e possui o seguinte significado: demos (povo) e kratos (poder). Apesar de ser um conceito absorvido por diversas instituições e autores, não obtendo uma definição unívoca de democracia, aceito por todos, a democracia jamais se apartará dos seguintes princípios: a liberdade politica e a igualdade jurídica. No tema aqui proposto pretendemos utilizar tal palavra com o significado de o poder que o povo tem em suas mãos para definir o destino politico e gestacional que terão após as eleições e a oportunidade quem têm em poder escolher através do voto seus representantes.
O que pretendemos dizer ao citarmos e destrincharmos o termo “democracia” é que o intuito da mesma fica em segundo plano com a prática dos cargos comissionados deliberados por meros privilégios. Acreditamos que para que exista um processo eleitoral limpo e integro se faz necessária a observância da devida oportunidade igualmente proporcional a todos os pleiteantes, o que não acontece, principalmente em cidades pequenas, onde quem possui a máquina pública em mãos distribui os cargos de confiança da maneira que melhor lhe aparenta manchando a disputa eleitoral. Dizemos que a democracia estará perdida com tal prática, porque as pessoas que são empregadas por comissão, na hora de decidir em quem votar nas eleições, não farão suas escolhas tomando para si na hora de decidir, aquele candidato que apresentou melhores propostas, que ao menos por aparência mostrou-se ser melhor gestor, fiscalizador, elaborador de leis (no caso do legislativo) ou ainda aquele que conseguiu se mostrar melhor nos debates ou que durante seus discursos apresentou ao eleitor ser mais alinhado com determinada ideologia partidária que aquele cidadão se mostra aderente, mas sim votará naquele candidato que lhe deu oportunidade de emprego, de atuar na gestão em que foi eleito, e para que esse seu cargo seja mantido ou o cargo de algum parente (importante ressaltar também, que um dos critérios para que determinada pessoa seja escolhida para o cargo em comissão é que possua um clã que ele possa manipular para que o siga politicamente no período eleitoral e que este seja vasto, com muitas pessoas, pois pessoas significam votos, votos significam números e quanto maior for o número maior a probabilidade do êxito do candidato na eleição) esquece suas convicções pessoais e opta por votar no candidato que lhe oferta algo, o que acaba sendo indiretamente uma compra de votos, aparentemente legal, mas introspectivamente crime.
Considerações finais
De acordo com tudo o que aqui foi exposto, o que pretendemos alertar para a sociedade como um todo é que a corrupção no nosso sistema politico brasileiro existe de diversas formas, inclusive com a prática aqui exposta dos cargos em comissão. O que buscamos emanar pro bem comum é que os serviços públicos eficientes, políticos honestos e um Estado que busca a efetiva prática do principio da supremacia do interesse público parte do nosso voto, é na eleição que decidimos quem nos governará e não podemos deixar nos influenciar por tal escolha devido a privilégios pessoais, como por exemplo, a manutenção sua ou de algum parente de cargo em comissão. Temos que entender que quem estar no poder, está lá para que gerencie um município, Estado ou a união rumo a dias melhores, devemos nos perguntar o porquê dessa busca incessante e desenfreada dos políticos por cada vez mais mandatos, o porquê de eles não conseguirem colocar em prática o que se dispuseram a fazer em apenas um mandato, devemos de uma vez por todas acabar com essas oligarquias revestidas de democracia participativa, onde o que se busca é o poder pelo poder, ou simplesmente por mais interesse econômico.
O mais difícil é fazer compreender aquele cidadão de cidade interiorana, que acha que a corrupção existe apenas nas jurisdições maiores, que são as que passam na televisão, e se satisfazer em chamar todos os políticos de ladrão e se sentir impotente e não poder fazer nada em relação a isso, o que buscamos conscientizar é que os votos dos cidadãos das cidades pequenas valem tanto quanto os dos colégios eleitorais maiores, ainda mais grave, pois ao eleger prefeitos e vereadores por convicções que não sejam ideológicas concomitantes com o que ele acha certo, são esses prefeitos e vereadores que ajudarão a eleger os próximos deputados, senadores, governadores e presidente, pois estes, exercem seu poder de influência também nas eleições que não lhe beneficiem diretamente, também se valendo dos cargos em comissão para que seus aliados políticos consigam lograr êxito também nas outras esferas, perpetuando uma corrupção sem fim.
Para finalizar gostaria de citar uma fala do grande historiador Leandro Karnal proferida durante palestra sobre ética, na oportunidade foi indagado sobre a questão dos cargos comissionados dentro da gestão das universidades públicas e o mesmo ao final do seu raciocínio proferiu a seguinte frase “é uma anomalia se fazer concurso para a infantaria e indicar nomes para o generalato, é uma anomalia jurídica em vários sentidos.” (Leandro Karnal).
Referências
A origem do conceito de democracia. Disponível em: http://www.culturademocratica.com.br/8203a-origem-do-conceito-de-democracia.html acesso em: 15 de novembro de 2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos Carvalho Filho. Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 30. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016.
CARVALHO, Matheus. Manual de direlto administrativo/ Matheus Carvalho - 4. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2017.
PINHEIRO, Igor Pereira. Conduta vedada aos agentes públicos em ano eleitoral: Aspectos teóricos e práticos / Igor Pereira Pinheiro. Impreta: São Paulo. Chiado, 2016.