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A pandemia de normas e a ineficiência de Lei nº 8.666/1993

Agenda 31/05/2020 às 02:37

Quando a situação aperta, isto é, quando realmente precisamos da contratação pública de forma rápida e eficiente, a Lei de licitações se mostra inútil ou algo que precisa ser deixada de lado.

Vivemos um momento dificílimo da história. Segundo o Papa Francisco, o mundo caiu de joelhos pela pandemia da COVID-19, acabando com a sensação de que estávamos saudáveis numa sociedade cada vez mais doente[1].

Também estamos vivendo, como alerta o Prof. Luciano Reis, uma “pandemia normativa”. Já foram editadas mais de 340 Atos Normativos, como Leis, Decretos, Medidas Provisórias e Portarias, a fim de resolver problemas sanitários e de saúde pública. Esse excesso de atos normativos demonstra de forma clara que a Lei que regulamenta a contratação de bens e serviços pela administração pública é extremamente ineficiente e burocrática (até abril foram realizadas aproximadamente 1.000 dispensas de licitação para aquisição de insumos no combate à pandemia[2]).

A Lei geral de licitações e contratos administrativos (Lei nº 8.666/1993) regulamenta o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, mas além de extremamente burocrática, é ineficiente no seu propósito maior: tornar a contratação pública mais segura e sem desvios de finalidade.

Ocorre que quando a situação aperta, isto é, quando realmente precisamos da contratação pública de forma rápida e eficiente, a Lei de licitações se mostra inútil ou algo que precisa ser deixada de lado.

Com o objetivo de resolver o problema dos gastos com as contratações públicas, foi promulgada a Medida Provisória nº 2.026/2000, posteriormente transformada na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) que criou uma nova modalidade de licitação: o pregão.

Utilizado para aquisição de bens e serviços comuns de qualquer quantia, essa modalidade, apenas em sua forma eletrônica, gerou uma economia de R$ 48 bilhões aos cofres públicos, entre 2010 e 2015[3].

Tempos depois, durante a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016 foi preciso construir diversas obras de Infraestrutura, como aeroportos, linhas de trem, vias para uso exclusivo do transporte público e estádios de futebol, que iriam atrair os olhos do mundo para o Brasil.

Nesse contexto, surgiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei nº 12.462/2011), que relativizou as regras de contratações com a Administração Pública no que se refere aos três eventos citados.

Por conta do “sucesso” da Lei do RDC diante da sua simplicidade, ampliou-se a sua aplicação para as ações do Programa de Aceleração de Crescimento – PAC, obras e serviços do Sistema Único de Saúde – SUS, nos estabelecimentos penais e segurança pública em geral, dentre outras hipóteses dispostas no artigo primeiro da referida Lei.

Repetindo os exemplos de 2000 e 2011, a mesma Lei de Licitações está sendo deixada de lado na atual conjuntura em razão de toda sorte de urgências. Apenas no mês de maio, foram editadas duas Medidas Provisórias que põem dúvidas quanto à eficiência da Lei nº 8.666.

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A nova onda de normas começou com a sanção da Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que em seu art. 4º dispôs sobre a dispensa de licitações para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfretamento da ”emergência de saúde pública”, até mesmo daquelas empresas que estão com a inidoneidade declarada.

Por sua vez, a Medida Provisória nº 961, dentre outras inovações, autorizou o pagamento antecipado dos contratos administrativos sem apresentação de garantias, desde que represente condição essencial para assegurar a prestação do serviço ou propicie uma economia dos recursos significativa. Além disso, permitiu o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas para quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações, deixando ao largo as determinações da Lei nº 8.666.

De outro modo, a Medida Provisória nº 966, que para muitos é classificada como inconstitucional, dispõe que os agentes públicos somente se responsabilizarão, civil e administrativamente, nos casos de dolo ou erro grosseiro, enquanto perdurar a pandemia, reproduzindo o artigo 28 da Lei de introdução às normas do direito brasileiro (Lei nº 13.655/2018).

Portanto, diante de tantos instrumentos normativos para tornar efetivas as medidas necessárias e urgentes no combate a essa terrível doença que se alastrou pelo mundo, antecipando dolorosamente a morte de centenas de milhares de pessoas, é incontestável a ineficiência do atual regime de contratações.

Tão logo o país volte à normalidade, o modelo atual de contratação pública deve ser revisto, evitando, assim, uma nova pandemia de normas sempre que o Estado precise ser eficaz na rápida resposta às necessidades urgentes. O novo modelo deve, na prática, ser mais ágil, efetivo e garantidor da probidade no procedimento, isto é: (i) agilizar e facilitar as contratações governamentais, tornando-as mais simples e acessíveis; (ii) efetivar e dar rapidez ao processo licitatório; (iii) e assegurar a lisura tanto do Poder Público quanto dos particulares.

 


[1] https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-03/papa-francisco-homilia-oracao-bencao-urbe-et-orbi-27-marco.html << visto em 28/05/2020 às 12:00 >>

[2] http://governoaberto.cgu.gov.br/noticias/2020/4/ministerio-da-economia-lanca-site-para-divulgacao-e-monitoramento-das-compras-relacionadas-ao-novo-coronavirus << visto em 28/05/2020 às 12:11 >>

[3] http://editor.planejamento.gov.br/assuntos/logistica-e-tecnologia-da-informacao/noticias/pregao-eletronico-gera-economia-de-r-48-bi-nos-ultimos-cinco-anos << visto em 08/06/2020 às 11:55 >>

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