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A constitucionalidade da Medida Provisória n.º 936/2020

Agenda 31/05/2020 às 19:48

O objetivo do presente artigo é apresentar argumentos jurídicos que fundamentam a defesa da constitucionalidade da Medida Provisória n.º 936/2020.

 

1. INTRODUÇÃO

 

No dia 1º de abril de 2020, a Presidência da República publicou a Medida Provisória n.º 936/2020, que instituiu “o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”.

 

A MP dispõe sobre medidas para a redução dos impactos econômicos causados pelo estado de calamidade pública e pelo combate ao novo coronavírus, a fim de garantir a continuidade das atividades laborais e preservar o emprego e a renda dos empregados.

 

A constitucionalidade da referida MP é objeto de intenso debate jurídico. Já houve, inclusive, o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6.363/DF, com decisão liminar prolatada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski no dia 6 de abril de 2020, no seguinte sentido:

 

“(...) Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes. (...)”[2]

 

O objetivo do presente artigo é apresentar argumentos jurídicos que fundamentam a defesa da constitucionalidade da Medida Provisória n.º 936/2020.

 

 

2. DECLARAÇÃO DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA PELO DECRETO LEGISLATIVO Nº 6/2020

 

Inicialmente, é importante destacar que o Congresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo n.º 6/2020, que foi promulgado no dia 20 de março de 2020, e reconheceu o estado de calamidade pública em todo o território nacional até o dia 31 de dezembro de 2020.

 

O Decreto Legislativo n.º 6/2020 dispensou o atingimento, pelo Governo Federal, dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898/2019 (Lei das Diretrizes Orçamentárias) e a limitação de empenho prevista no artigo 9º da Lei Complementar nº 101/2000.

 

É indiscutível a essencialidade deste Decreto, que permitiu ao Governo Federal deslocar mais recursos financeiros para o combate ao COVID-19.

 

A dispensa do atingimento da meta fiscal estabelecida na LDO também é medida vital neste momento de calamidade pública, haja vista que as medidas de saúde indicadas para a redução da propagação do novo coronavírus (notadamente o distanciamento social e o fechamento do comércio relacionado às atividades não essenciais) importarão, necessariamente, na drástica redução da arrecadação de impostos pela União, pelos Estados e Municípios.

 

A ausência de flexibilização da meta fiscal poderia ocasionar, em última análise, eventual responsabilização do Presidente da República por crime fiscal.

 

O Decreto n.º 6/2020 buscou garantir segurança jurídica ao Governo Federal para a realização das ações necessárias ao combate do novo coronavírus. Tal preocupação é justa, necessária e plausível.

 

Ocorre que, da mesma forma que era necessário permitir que o Estado realocasse seus recursos financeiros para o combate desta nova doença, também era necessário auxiliar as empresas.

 

Isto porque, assim como os Entes Públicos já sofrem as consequências econômicas do distanciamento social e da paralisação e/ou redução de várias atividades econômicas, muitas empresas também foram assoladas com drástica redução de suas receitas.

 

De acordo com levantamento realizado pelo SEBRAE[3], as micro e pequenas empresas representam 99,1% dos estabelecimentos registrados no Brasil. Isso significa que a esmagadora maioria das empresas brasileiras possui faturamento anual de até R$ 3.600.000,00. A redução substancial ou total deste faturamento pode inviabilizar a manutenção de muitas desses estabelecimentos.

 

Portanto, creio ser ponto pacífico a necessidade de ajuda às empresas nacionais, sob pena do nascimento de outra crise, de natureza econômica, que poderá ocasionar o fechamento de muitos postos de trabalho.

 

É salutar destacar que a Constituição da República possui como dois dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifou-se)

 

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes assim define o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana:

 

“(...) a dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos45 e a busca ao Direito à Felicidade.46 (...)”[4]

 

Bernardo Gonçalves Fernandes conceitua o princípio constitucional do valor social do trabalho da seguinte forma:

 

“(...) Supostamente correlacionado à noção de dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho impõe a abstenção do Estado no que concerne à concessão de privilégios econômicos a uma pessoa ou grupo. Cada indivíduo deve poder compreender que, com seu trabalho, ele está contribuindo para o progresso da sociedade, recebendo a justa remuneração e condições razoáveis de trabalho. (...)”[5]

 

Ao consagrar a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho como fundamentos, a Constituição da República demonstra sua preocupação em fornecer aos cidadãos as condições de busca da realização pessoal, da felicidade e do acesso ao trabalho e à justa remuneração.

 

A Medida Provisória n.º 936/2020 foi publicada exatamente com esses objetivos em vista, e buscou fornecer possibilidades legais às empresas e aos empregados para o enfrentamento do estado de calamidade pública. O artigo 1º assim dispõe:

 

Art. 1º Esta Medida Provisória institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

 

A MP está umbilicalmente ligada ao estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6/2020, e propõe medidas excepcionais, porém, essenciais para a manutenção do emprego e da renda de milhões de empregados.

 

Como já dito, tão importante quanto dar suporte e garantir a atuação do Estado na defesa da saúde e da vida dos cidadãos, é amparar as empresas neste momento de dificuldade, e facultar-lhes a negociação, junto aos empregados, para a manutenção dos empregos e da renda.

 

Reinaldo Garcia do Nascimento e Ricardo Calcini corroboram este entendimento:

 

“(...) É cediço que o Direito é uno, ou seja, não divisível. Contudo, dividimos as áreas para melhor estudo e compreensão didática. O mesmo acontece, inclusive, com as normas jurídicas, que protegem o bem da vida, o ser humano, valores intrínsecos e extrínsecos da sociedade contemporânea.

Neste diapasão, estamos diante de uma dicotomia, ou seja, uma parcela de um todo, consubstanciado nos valores defendidos pela Constituição Federal, como a vida, saúde, trabalho, a iniciativa privada etc.

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(...)

Ocorre que em tempos de calamidade pública e de quarentena, o que está em risco não é somente a condição social, mas - e simultaneamente - a atividade econômica desenvolvida pela livre iniciativa, o emprego e a renda do trabalhador. (...)”[6]

 

Portanto, a meu ver, as já mencionadas garantias jurídicas, econômicas e sociais fornecidas ao Estado com a promulgação do Decreto Legislativo n.º 6/2020 foram espelhadas na Medida Provisória n.º 936/2020, o que serve como fundamento para a defesa de sua constitucionalidade.

 

 

3. CARACTERÍSTICAS DA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 936/2020

 

3.1. OBJETIVOS

 

A Medida Provisória n.º 936/2020 possui características singulares, que reforçam sua importância como alternativa ao combate às consequências econômicas da pandemia do novo coronavírus, e fundamentam a defesa da sua constitucionalidade.

 

Uma dessas características está relacionada aos objetivos da Medida Provisória. O artigo 2º da MP é elucidativo a este respeito:

 

Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com aplicação durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º e com os seguintes objetivos:

I - preservar o emprego e a renda;

II - garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e

III - reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

 

Como já dito no tópico anterior, o cenário de calamidade pública vigente em todo o território nacional, cumulado com o fechamento de estabelecimentos comerciais e a imposição do distanciamento social impactam fortemente nas receitas de muitas empresas, o que aumenta o sentimento de insegurança tanto dos empregados quanto dos empregadores.

 

Empregadores estão inseguros quanto à manutenção de suas receitas e quanto à própria sobrevivência da atividade comercial; empregados estão inseguros quanto à manutenção dos salários e quanto à manutenção do próprio emprego.

 

A MP foi publicada com o objetivo de amenizar este cenário, ao fornecer ferramentas legais para reduzir o impacto das medidas de saúde pública adotadas, garantir a continuidade das atividades empresariais e garantir o emprego e a renda dos empregados.

 

Tais objetivos estão em perfeita sintonia com os já mencionados fundamentos da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho e da livre iniciativa, dispostos nos incisos III e IV do artigo 1º da Constituição da República.

 

Os objetivos da MP n.º 936/2020 também respeitam e atendem os princípios previstos no artigo 170 da Constituição da República:

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

 

A harmonia entre os objetivos dispostos no artigo 2º da MP n.º 936/2020 e os fundamentos e princípios dispostos nos incisos III e IV do artigo 1º e no artigo 170, ambos da Constituição da República, é meu ver, forte fundamento para a defesa da constitucionalidade da Medida Provisória.

 

 

3.2. ABRANGÊNCIA

 

Outra característica relevante da MP n.º 936/2020 é sua abrangência nacional.

 

O Programa Nacional do Emprego e da Renda, criado pela MP n.º 936/2020, fornece possibilidades legais de redução dos impactos causados pelo estado de calamidade pública para as todas as empresas do território nacional, sendo as exceções dispostas no parágrafo único do artigo 3º:

 

Art. 3º São medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda:

I - o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda;

II - a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e

III - a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos órgãos da administração pública direta e indireta, às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, e aos organismos internacionais. (grifou-se)

 

As exceções dizem respeito os Entes Públicos, seus órgãos e empresas, e aos organismos internacionais. Portanto, percebe-se que a MP abrange as empresas privadas de todo o país.

 

A abrangência nacional da MP n.º 936/2020 reforça sua relevância no enfrentamento das consequências econômicas do combate ao COVID-19, pois reconhece que todas as empresas instaladas no país podem sofrer algum impacto neste momento excepcional pelo qual passa não só o Brasil, mas todo o mundo.

 

Um dos grandes desafios das legislações que visam garantir a competitividade das empresas nacionais é evitar a valorização de determinadas categorias econômicas em detrimento de outras, o que colocaria em dúvida o alcance do objetivo proposto, pois a valorização de algumas categorias ocorreria ao custo da criação de novas desigualdades econômicas em relação a outras.

 

A criação de leis que favorecem apenas categorias econômicas específicas sempre foi objeto de grandes questionamentos jurídicos e sociais.

 

Entretanto, tais questionamentos não podem ser feitos com relação à Medida Provisória n.º 936/2020, em razão de sua abrangência nacional e de sua preocupação de auxiliar todas as categorias econômicas neste momento de incerteza.

 

A abrangência nacional é mais uma característica da MP n.º 936/2020 que está em perfeita harmonia com o fundamento constitucional do valor social do trabalho e da livre iniciativa, e objetiva efetivá-lo da forma mais plena possível.

 

Portanto, abrangência nacional da MP n.º 936/2020 busca efetivar o disposto nos incisos III e IV do artigo 1º e no artigo 170, ambos da Constituição da República, e reforça a defesa da constitucionalidade desta Medida Provisória.

 

 

3.3. TEMPORALIDADE

 

A Medida Provisória n.º 936/2020 possui aplicação temporária, conforme disposto no caput do artigo 2º:

 

Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com aplicação durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º e com os seguintes objetivos: (grifou-se)

 

O destaque dado ao caráter excepcional da Medida Provisória é importante para evitar dúvidas quanto à sua duração e aos seus objetivos.

 

Diferentemente de outras medidas provisórias, a MP n.º 936/2020 não foi publicada com o objetivo de tornar-se um novo marco nas relações trabalhistas, ou de promover uma “minirreforma” na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a fim de atender interesses de empregados ou de empregadores.

 

Conforme já exposto nos tópicos anteriores, a Medida Provisória tem abrangência nacional e tem o objetivo de colaborar com a manutenção da atividade econômica, do emprego e da renda, tudo isso, no período específico de vigência do estado de calamidade pública nacional.

 

A temporalidade da MP n.º 936/2020 é exatamente a mesma da vigência do Decreto Legislativo n.º 6/2020, o que reforça sua função de norma colaborativa para minimizar os graves efeitos da pandemia do coronavírus.

 

Tempos excepcionais exigem medidas excepcionais, a fim de evitar o nascimento de uma crise econômica que tornaria ainda mais árdua a tarefa dos Entes Públicos, de afastar a insegurança e de garantir a toda a população o direito à vida, à saúde, à atividade econômica, ao trabalho e à renda. Todos estes são princípios e objetivos previstos na Constituição da República.

 

Como dito, o objetivo da MP n.º 936/2020 não é o de se “aproveitar” desse momento singular para reformar as relações trabalhistas, a fim de atender interesses específicos de alguma categoria. O objetivo é fornecer ferramentas temporárias para a manutenção da atividade econômica e dos empregos, específica e excepcionalmente enquanto durar o estado de calamidade pública declarado pelo Decreto Legislativo n.º 6/2020.

 

A temporalidade da Medida Provisória n.º 936/2020, que está estrita e inequivocamente atrelada ao Decreto Legislativo n.º 6/2020, é mais um fundamento para a defesa de sua constitucionalidade.

 

 

3.4. GARANTIAS PREVISTAS NA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 936/2020

 

A Medida Provisória n.º 936/2020 dispõe sobre garantias que merecem ser mencionadas e que reforçam a defesa de sua constitucionalidade.

 

O inciso I do artigo 7º determina a preservação do salário-hora do empregado:

 

Art. 7º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até noventa dias, observados os seguintes requisitos:

I - preservação do valor do salário-hora de trabalho;

 

Tal disposição, aliada às demais características expostas no presente artigo, reforça o objetivo de minimizar as consequências econômicas do estado de calamidade pública.

 

Isto porque não há (e nem mesmo poderia haver) qualquer norma jurídica que impeça a rescisão contratual por iniciativa do empregado ou do empregador. A mera cogitação de qualquer norma neste sentido importaria em violação literal do inciso IV do artigo 1º da Constituição da República, que ressalta o valor social do trabalho e da livre iniciativa.

 

Diante da queda no faturamento, muitos empresários vivem o dilema de como sobreviver e quitar todas as obrigações devidas. A redução do quadro de empregados é a opção mais radical, mas que em momentos de crise não pode ser descartada.

 

A MP n.º 936/2020 foi publicada com o objetivo de fornecer ferramentas para que os empregadores minimizem a necessidade de rescisão dos contratos de seus empregados. A adoção de medidas que evitam as demissões e mantêm o salário-hora é relevante e salutar.

 

A manutenção do salário-hora demonstra a preocupação da Medida Provisória de evitar abusos por empregadores irresponsáveis e de manter um parâmetro mínimo de negociação para a manutenção da atividade econômica, do emprego e da renda.

 

Fernando Hugo R. Miranda corrobora este entendimento:

 

“(...) Para além da prerrogativa do legislador do estabelecimento de hipóteses de alteração in pejus do contrato, o que já asseguraria, per si, a constitucionalidade da Medida Provisória, não é demais mencionar a razoabilidade material do que proposto na norma. Para além da redução salarial contratual diretamente proporcional à redução da jornada, com a preservação necessária do salário hora, é previsto, em contrapartida, a fixação de um período de garantia de emprego e auxílio governamental. (...)”[7]

 

A meu ver, a manutenção do salário-hora deve ser interpretada como o “patamar mínimo civilizatório”[8] excepcional, temporário, necessário e exclusivo para este momento de calamidade pública nacional, o que reforça a defesa da constitucionalidade da Medida Provisória n.º 936/2020.

 

Outro ponto relevante está disposto no artigo 10 da MP n.º 936/2020:

 

Art. 10.  Fica reconhecida a garantia provisória no emprego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, de que trata o art. 5º, em decorrência da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória, nos seguintes termos:

I - durante o período acordado de redução da jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho; e

II - após o restabelecimento da jornada de trabalho e de salário ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão.

§ 1º A dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego previsto no caput sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, de indenização no valor de:

I - cinquenta por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a vinte e cinco por cento e inferior a cinquenta por cento;

II - setenta e cinco por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a cinquenta por cento e inferior a setenta por cento; ou

III - cem por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual superior a setenta por cento ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica às hipóteses de dispensa a pedido ou por justa causa do empregado.

 

O artigo 10 da MP n.º 936/2020 dispõe sobre a garantia provisória no emprego dos empregados que receberem o benefício previsto no caput artigo 2º.

 

Trata-se de mais uma disposição que reforça o objetivo de manutenção do emprego neste momento de calamidade pública.

 

A Medida Provisória cria contrapartida importante aos empregadores que tiverem a necessidade de utilizar-se da redução da jornada de trabalho ou da suspensão do contrato de algum empregado: tais empregadores serão obrigados a manter os empregados pelo período previsto no artigo 10 da MP.

 

As possibilidades de garantia de emprego devem ser expressamente previstas em lei ou em instrumento normativo. Cabe citar algumas delas: gestante, acidente de trabalho, membro de comissão interna de prevenção de acidentes (CIPA), dirigente sindical.

 

Tais possibilidades legais visam preservar o emprego em momentos excepcionais da vida do empregado, seja em razão do seu estado de saúde, seja em razão da sua atuação dentro das dependências da empresa.

 

Portanto, a legislação prevê que algumas situações excepcionais ocorridas com o empregado garantem-lhe a permanência no emprego. Este foi exatamente o objetivo da MP n.º 936/2020, ao criar nova modalidade de garantia provisória, notadamente em razão da situação ímpar vivida e reconhecida pelo Decreto Legislativo n.º 6/2020.

 

Portanto, a garantia de emprego prevista no artigo 10 da MP n.º 936/2020 é mais um fundamento na defesa de sua constitucionalidade.

 

 

4. JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 6.363/DF

 

Como dito no início deste trabalho, está em curso a ADI n.º 6.363/DF, que pretende, em apertada síntese, a declaração da inconstitucionalidade do “uso do acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho”.

 

No dia 06 de abril de 2020, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski deferiu parcialmente o pedido liminar e determinou a obrigatoriedade de comunicação dos sindicatos laborais quando da celebração de acordos individuais nos termos da MP n.º 936/2020.

 

Ocorre que, em julgamento concluído no dia 17 de abril de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou referendo à liminar e afastou a necessidade de aval dos sindicatos para o fechamento dos acordos individuais.

 

O Acórdão ainda não foi publicado, entretanto, a notícia do resultado do julgamento está disponível no site do Supremo Tribunal Federal. Pede-se vênia para transcrever trecho relevante:

 

“(...) O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a eficácia da regra da Medida Provisória (MP) 936/2020 que autoriza a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho por meio de acordos individuais em razão da pandemia do novo coronavírus, independentemente da anuência dos sindicatos da categoria. Por maioria de votos, em julgamento realizado por videoconferência e concluído nesta sexta-feira (17), o Plenário não referendou a medida cautelar deferida pelo ministro Ricardo Lewandowski na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade.

 

Momento excepcional

Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele entende que, em razão do momento excepcional, a previsão de acordo individual é razoável, pois garante uma renda mínima ao trabalhador e preserva o vínculo de emprego ao fim da crise. Segundo ele, a exigência de atuação do sindicato, abrindo negociação coletiva ou não se manifestando no prazo legal, geraria insegurança jurídica e aumentaria o risco de desemprego.

Para o ministro, a regra não fere princípios constitucionais, pois não há conflito entre empregados e empregadores, mas uma convergência sobre a necessidade de manutenção da atividade empresarial e do emprego. Ele considera que, diante da excepcionalidade e da limitação temporal, a regra está em consonância com a proteção constitucional à dignidade do trabalho e à manutenção do emprego.

 

Proteção ao trabalhador

O ministro Alexandre de Moraes destacou ainda a proteção ao trabalhador que firmar acordo. De acordo com a MP, além da garantia do retorno ao salário normal após 90 dias, ele terá estabilidade por mais 90 dias.

Acompanharam esse entendimento os ministros Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli (presidente). (...)”[9]

 

A maioria dos Ministros do STF destacou a importância da MP n.º 936/2020 como ferramenta de manutenção das atividades empresariais, do emprego e da renda dos empregados, e ressaltou o caráter excepcional e temporário da medida como fundamentos para a declaração de sua constitucionalidade.

 

Os argumentos constantes da tese prevalecente no STF corroboram todo o exposto neste artigo.

 

 

5. CONCLUSÃO

 

Em resumo, o presente trabalho apresentou os seguintes fundamentos para a defesa da constitucionalidade da Medida Provisória n.º 936/2020:

 

A ligação umbilical e o espelhamento das garantias jurídicas, econômicas e sociais fornecidas pelo Decreto Legislativo n.º 6/2020; a harmonia entre os objetivos da MP e os objetivos e princípios previstos nos incisos III e IV do artigo 1º e o artigo 170 da Constituição da República; a abrangência e a temporalidade da MP; a manutenção do salário-hora e a garantia provisória de emprego previstas na MP; o julgamento do Pleno do STF nos autos da ADI n.º 6.363/DF, que declarou a constitucionalidade da MP n.º 936/2020.

 

Entendo que estes fundamentos, analisados e compreendidos de forma conjunta e em consonância com o estado de calamidade pública vigente no país, são sólidos para a defesa da constitucionalidade da Medida Provisória n.º 936/2020.

 

 

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev. ampl. e atual. Salvador. JusPOOIVM, 2017. 1.728 p.

 

MIRANDA, Fernando Hugo R. A constitucionalidade da MP 936/20: A irredutibilidade salarial e a alterabilidade contratual. Disponível em: https://m.migalhas.com.br/depeso/323852/a-constitucionalidade-da-mp-936-20-a-irredutibilidade-salarial-e-a-alterabilidade-contratual. Acessado no dia 17 de abril de 2020.

 

NASCIMENTO, Reinaldo Garcia do; CALCINI, Ricardo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-16/nascimento-calcini-acordo-individual-mp-936. Acessado no dia 17 de abril de 2020.

 

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017, 666 p.

 


[1] 

[2] Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6363.pdf. Acessado no dia 16 de abril de 2020.

[3] Disponível em: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/sp/sebraeaz/pequenos-negocios-em-numeros,12e8794363447510VgnVCM1000004c00210aRCRD. Acessado no dia 16 de abril de 2020.

[4] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017, p. 35.

[5] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador. JusPOOIVM, 2017, p. 314.

[6] NASCIMENTO, Reinaldo Garcia do; CALCINI, Ricardo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-16/nascimento-calcini-acordo-individual-mp-936. Acessado no dia 17 de abril de 2020.

[7] MIRANDA, Fernando Hugo R. A constitucionalidade da MP 936/20: A irredutibilidade salarial e a alterabilidade contratual. Disponível em: https://m.migalhas.com.br/depeso/323852/a-constitucionalidade-da-mp-936-20-a-irredutibilidade-salarial-e-a-alterabilidade-contratual. Acessado no dia 17 de abril de 2020.

[8] Expressão consagrada pelo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado.

[9] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441651&ori=1. Acessado no dia 06 de maio de 2020.

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