Sumário: Introdução; Excluídos da sucessão. Fundamento. Hipóteses. Procedimento. Efeitos. Reabilitação do indigno. Indignidade e deserdação; Conclusão; Referências Bibliográficas.
RESUMO
O presente artigo tem como escopo apresentar uma das vertentes da sucessão, apontando, especialmente, como ocorre a exclusão sucessória, as suas causas, fundamento, hipóteses, procedimento e efeitos, do mesmo modo será demonstrado como é realizado a reabilitação do indigno e as diferenças entre indignidade e deserdação. Para tanto, será abordado e construída uma crítica-valorativa sobre o tema, demonstrando como é aplicado na prática.
Palavras-chave: Sucessão. Excluídos. Indigno. Deserdação. Código Civil.
INTRODUÇÃO
Com objetivo de garantir a honra do “de cujus”, a lei prevê situações em que há penas civis, somadas ou não ao ato de última vontade do “de cujus”, em que o herdeiro ou legatário tem a exclusão do direito sucessório.
Abordaremos no presente artigo, como foco principal, as duas formas de exclusão da sucessão hereditária: indignidade e deserdação. As suas causas estão disciplinadas pelo Código Civil, precisamente no artigo 1.814 que caracteriza tanto a indignidade como a deserdação, e ainda nos artigos 1.962 e 1.963 que autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes e vice-versa.
Para tanto, faz-se necessário uma análise sobre o conceito básico de sucessão, bem como entender qual o fundamento da exclusão sucessória, assim como as hipóteses, o procedimento, e seus efeitos, e, por fim, discorrer minuciosamente as nuances de indignidade e deserdação e suas diferenças.
1. SUCESSÃO
Primeiramente, frisa-se que, pela lei, a sucessão se inicia no exato momento em que falece o autor da herança. Assim, ainda que os sucessores desconheçam do falecimento do “de cujus”, e até mesmo da condição de sucessores, a transmissão da propriedade e da posse dos bens dá-se imediatamente.
Isto porque, o princípio “saisine”, significa que, simbolicamente, o “de cujus” investe seu sucessor na titularidade da herança (“le mort saisit le vif”). Nessa transmissão a posse é subdividida em direta – atribuída ao inventariante ou administrador provisório, que cuidará do espólio –, e indireta – atribuída aos sucessores –.
Outrossim, tendo em vista que o sucessor adquire o seu direito com a morte do “de cujus”, o inventário terá efeito apenas declaratório, isto é, a capacidade sucessória é apurada segundo a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão e não do inventário.
Por fim, quanto à sua fonte, a sucessão pode ser legítima (“ab intestato”) – aquela que se processa na falta de testamento válido ou testamentária; ou testamentária – quando ocorre um ato de disposição de última vontade do “de cujus”, representada pelo testamento ou pelo codicilo (testamento simplificado).
Já no tocante à seus efeitos, a sucessão pode ser a título universal – quando atribui ao sucessor a totalidade da herança ou uma fração ideal; ou a título singular – quando, mediante testamento, atribui um bem determinado (legado) a uma pessoa determinada (legatário).
2. EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO
2.1. Fundamento
A lei denomina o sucessor que pratica algum ato gravemente ofensivo ao “de cujos” como indigno para receber a herança. Esses atos são condutas taxadas que ofendem a vida, a honra ou a liberdade de testar do autor da herança.
Sendo assim, como uma sanção civil ao sucessor por seu comportamento gravoso contra àquele lhe favoreceu um patrimônio, o indigno é excluído do seu direito sucessório. Destaca-se que a indignidade pode alcançar tanto os herdeiros legítimos quanto os testamentários.
Nesse sentido, leciona Paulo Nader:
Seria profundamente injusto se o autor de agressões físicas ou morais contra o auctor hereditatis, ou a membros próximos de sua família, pudesse se aproveitar de sua herança, seja na condição de herdeiro legítimo ou testamentário.[1]
2.2. Hipóteses
Conforme explanado acima, o artigo 1.814 do Código Civil, classifica como indigno de receber a herança aquele que pratica atos contra a vida – homicídio doloso (tentado ou consumado) – do “de cujos”, seu cônjuge, ascendente ou descendente, seja essa na condição de o autor, o co-autor ou participe.
De igual modo, sofre da mesma sanção aquele que praticar atos contra a honra – calunia, injuria ou difamação – do “de cujos” ou seu cônjuge/companheiro.
E, por último, será excluído da sucessão aquele que praticar atos contra a liberdade do “de cujus”, isto é, de modo violento ou fraudulento, inibir ou impedir a vontade do falecido em realizar seu testamento.
2.3. Procedimento
Tendo em vista que, a indignidade se opera officio iudicis, isto é, exclusivamente por meio de sentença judicial, a exclusão do herdeiro não será requerida nos autos do inventário, mas sim em ação declaratória de indignidade – uma vez que não constitui a indignidade, apenas reconhece a sua preexistência –. Nesse sentido, esta ação não está dependente do processo de inventário, sendo proposta contra o herdeiro e levando a uma nova distribuição do espólio.
Importante destacar que a ação declaratória de indignidade adota o rito ordinário, e tem como parte legítima para ajuizá-la qualquer interessado na herança, até mesmo pelo credor de um dos outros herdeiros. Ademais, em se tratando de homicídio doloso (tentado ou consumado) se nenhum interessado pleitear a exclusão do herdeiro indigno, caberá ao MP ajuizar a ação, com fulcro no § 2 do art. 1815 do CC.
Desse modo, por se tratar de uma ação judicial, pressupõe-se um processo em que haja contraditório, garantindo ao herdeiro o pleno direito de defesa – mesmo quando confessado por ele –. Por isso, não é possível o ajuizamento da ação após a morte do indigno, e, portanto, se indigno falecer ao longo do processo, este será extinto e assim não prosseguirá contra os seus herdeiros, com base no princípio da pessoalidade da pena.
Finalmente, no tocante ao prazo para ajuizamento da ação, de acordo com o art. § 2 do art. 1815 do CC, este finda-se em quatro anos – decadencial –, contados da abertura da sucessão.
2.4. Efeitos
Conforme dita o artigo 1.816 do CC, a indignidade acarreta efeitos de forma exclusiva e pessoal ao herdeiro excluído da sucessão. Portanto, os seus descendentes irão receber a herança por direito de representação, como se o indigno já fosse falecido a época da abertura sucessão.
Dessa forma, o parágrafo único do artigo supracitado, retira até mesmo o direito do excluído da sucessão (indigno) de usufruir ou administrar os bens transferidos à seus filhos menores de idade.
Outrossim, uma vez que os efeitos da exclusão retroagem a época do falecimento do “de cujus”, o indigno é obrigado a restituir não apenas os bens recebidos como os frutos e rendimentos eventualmente arrecadados, contudo, terá direito a ser indenizado pelas despesas de conservação destes, consoante parágrafo único do art. 1.817, do CC.
No mais, a lei resguarda, no art. 1.817, caput, do CC, o direito do terceiro de boa-fé, preservando válidas as transferências onerosas dos bens ereptícios – aqueles perdidos com a declaração de indignidade –, a esses terceiros.
2.5. Reabilitação do Indigno
No que pese o indigno tenha praticado atos contra a vida, honra ou liberdade, a lei prevê no art. 1.818 do CC que o “de cujus” perdoe o indigno, ou seja, admite-se tácita ou expressamente – por testamento ou outro ato autêntico –, que o autor da herança reabilite o indigno na sucessão.
Dessa forma, ainda que o indigno seja condenado no âmbito penal, a condenação não surtira efeito no âmbito sucessório, uma vez que o “de cujus” impediu sua exclusão da herança ao perdoá-lo.
Frisa-se, por fim, que somente o autor da herança possui legitimidade para reabilitar o indigno. Do mesmo modo, os outros herdeiros não são legitimados a revogar o perdão concedido pelo autor da herança.
Assim, Paulo Nader ensina:
Aos herdeiros falece legitimidade para revogar o perdão, embora possam pleitear a anulação do ato, sob o fundamento de erro, dolo ou coação. O fato de o testamento conter cláusulas nulas não prejudica a validade do perdão, se este não foi maculado por qualquer vício do ato negocial. Se este for nulo, o ato de remissão não poderá ser aproveitado.[2]
2.6. Indignidade e Deserdação
Conforme anteriormente citado, assim como a indignidade, a deserdação também leva à exclusão do herdeiro do processo sucessório. Contudo, existem diferenças entre essas duas formas de exclusão de um herdeiro.
Na deserdação, diferentemente da indignidade, para que o autor da herança exclua um de seus herdeiros necessários, de acordo com o art. 1.964, é preciso um testamento válido, no qual o “de cujus” deve esclarecer a razão determinante do seu ato para validar a exclusão.
Como dito acima, na deserdação somente é possível excluir os herdeiros necessários – descendente, ascendente e cônjuge –, isto porque, para afastar o herdeiro facultativo, basta que o “de cujos” destine seu patrimônio por testamento a outra pessoa.
Assim como na indignidade, a exclusão da sucessão por deserdação tem base na prática de condutas reprováveis, as quais estão previstas no art. 1.814 (causas da indignidade já estudado acima), e, também, as elencadas nos arts. 1.962 e l.963 (exclusivas para a deserdação).
Desse modo, as condutas exclusivas para a deserdação são: atos de ofensa física; injúria grave; relações ilícitas com a mulher/marido ou companheira/companheiro do “de cujus”; e desamparo do “de cujus” deficiente mental ou que possui grave enfermidade.
Por fim, importante ressaltar que assim como para a indignidade, para ser declarada a deserdação deve-se mover uma ação declaratória de deserdação, com prazo de quatro anos a partir da abertura do testamento.
CONCLUSÃO
Em suma, percebe-se ao longo do presente trabalho que para garantir a honra do “de cujus”, o Código Civil prevê a exclusão da sucessão do herdeiro que praticar atos contra a vida (homicídio doloso, tentado ou consumado) do “de cujos”, seu cônjuge, ascendente ou descendente, seja essa na condição de o autor, o co-autor ou participe; atos contra a honra (calunia, injuria ou difamação) do “de cujos” ou do seu cônjuge/companheiro; ou atos contra a liberdade do “de cujus”.
Destarte, o herdeiro que cometer os atos supracitados é considerado indigno de receber a herança do “de cujus”, e por isso, sofrerá efeitos. Assim, tendo em vista que os seus descendentes irão receber a herança por direito de representação, como se o indigno já fosse falecido a época da abertura sucessão, a lei retira o direito do indigno de usufruir ou administrar os bens transferidos a seus filhos menores.
Ademais, o indigno é obrigado a restituir os bens recebidos como os frutos e rendimentos eventualmente arrecadados, porém, terá direito a ser indenizado pelas despesas de conservação destes. Do mesmo modo, é possível observar que o autor da herança pode deserdar o herdeiro necessário que cometer um dos atos acima elencados(artigo 1.814), ou um dos atos previstos nos artigos 1.962 e 1.963 do CC.
Portanto, em que pese a herança seja um direito do herdeiro, a dignidade do “de cujus” é um princípio que deve prevalecer, desse modo, todo herdeiro que tenha praticado atos gravemente ofensivos que desrespeitem o autor da herança, será considerado indigno de receber os bens do falecido, salvo se este for reabilitado pelo “de cujus”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Código Civil, 2002;
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016,
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
[1] NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 129.
[2] NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, v. 6: Direito das Sucessões. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 148.