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Contexto histórico da audiência de custódia e a incorporação dos pactos e decisão do Supremo Tribunal Federal

Agenda 07/06/2020 às 19:24

O presente artigo adotou a seguinte temática: contexto histórico da audiência de custódia e incorporação dos pactos e decisão do Supremo Tribunal Federal. De modo que para adentrar na temática far-se-há necessário conceituar a audiência de custódia.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo adotou a seguinte temática: contexto histórico da audiência de custódia e incorporação dos pactos e decisão do Supremo Tribunal Federal. De modo que para adentrar na temática far-se-há necessário conceituar a audiência de custódia. A audiência de custódia é um ato processual, no qual, o preso em flagrante tem direito de ser ouvido por um juiz, para que este avalie a necessidade de manutenção da prisão. 

Desta forma, surge a problemática: qual a função da audiência de custódia? Qual sua origem? Está incorporada a quais tratados internacionais? A audiência de custódia está positivada nos principais tratados internacionais de direito ratificados pelo Brasil, configurando, um direito fundamental do preso, pois é por meio dela, que o juiz apurará as condições que a prisão foi realizada, se foi feita mediante tortura ou qualquer outro meio de agressão.

A audiência de custódia tem como escopo ainda, além de verificar a legalidade e a necessidade de manutenção, coibir a superlotação penitenciária e consequentemente reduzir os gastos para a manutenção do preso, dentro das prisões brasileiras, de modo a viabilizar o redirecionamento de recursos públicos poupados para outros setores essenciais da sociedade.

O objetivo do presente artigo é trazer a conceituação da audiência de custódia, sua função e os principais tratados e pactos internacionais existentes nos quais ela está incorporada Justifica-se na relevância em se trazer o tema para discussão dentro da comunidade acadêmica.

1.1 METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada no primeiro semestre do ano de 2020 da Faculdade Iles Ulbra de Itumbiara/Goiás. O método de abordagem utilizado no estudo foi o de exclusão. Pautado neste método de abordagem, foi realizada a pré-seleção de artigos em português contidos em portais acadêmicos e científicos como o Scielo e Google Acadêmico, entre os dias 30/05/2020 e 31/05/2020. 

Os critérios utilizados para a seleção dos artigos foi à melhor adequação do conteúdo científico com o tema em comento. Durante a seleção foram utilizadas as seguintes palavras-chave: audiência, custódia, origem, pactos e tratados. Posteriormente a exclusão se pautou no seguinte critério: falta de apresentação de ideias claras e concisas e falta de adequação com o tema em comento. A discussão foi feita por meio de revisões bibliográficas, as quais oferecem uma ampla visão de renomados autores brasileiros, permitindo uma gama de discussões sobre o assunto. O estudo não originou gastos, tampouco viagens exploratórias em face do tema.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO BRASIL

No ano de 2015 voltou à tona um direito fundamental já esquecido por 23 anos, tempo em que vigorou no Brasil a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), que passou a dar nova interpretação ao artigo 7º, item 5, que trata do direito à liberdade pessoal:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal 

[...]

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

[...].

Ressalta-se que, antes da Convenção Internacional de Direitos Humanos, a pessoa presa em flagrante era diretamente encaminhada ao magistrado, que, neste caso, decidiria acerca do pedido de prisão em flagrante ou de alguma outra medida cautelar cabível, a depender do caso.

No entanto, com a inovação trazida através do entendimento do artigo 7º, do Pacto de São José da Costa Rica, já citado anteriormente, o indivíduo recluso passa a ser ouvido pelo juiz, após a formalização do auto de prisão em flagrante, através da audiência de custódia, onde será decidido se a prisão em flagrante será homologada ou não, e, consequentemente, verificar, se for o caso, a possibilidade de aplicação de uma das medidas cautelares já previstas no Código de Processo Penal.

Independentemente dessa coluna legislativa, para muitos, a audiência de custódia encontra respaldo em tratados referendados pelo Brasil, muito especialmente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto Presidencial 678/1992), [...]. Cabe destacar que o artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal estabelece que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. E a inteligência desse dispositivo no âmbito do STF não deixa qualquer dúvida a respeitos do status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil.

Desta maneira, resta claro que no âmbito internacional, desde os anos sessenta, os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana já eram objeto de preocupação do legislador, tanto que, tais direitos, eram reconhecidos inclusive para os indivíduos que se encontravam reclusos, independentemente se era de maneira provisória ou definitiva.

No Brasil, houve uma demora em apresentar qualquer resposta quanto à realização das audiências de custódia, levando anos para que o assunto fosse objeto de discussão pelo legislador brasileiro.

Frisa-se que, de acordo com os precedentes RE 466.343/SP e HC 87.585/TO, o Supremo Tribunal Federal deixou clara o seu posicionamento quanto ao valor supralegal da Convenção Americana de Direitos Humanos, sendo, portanto, situada acima de leis ordinárias, abaixo apenas, da Constituição Federal de 1988, conforme observa-se da transcrição retirada do precedente citado, a seguir:

PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

(STF - RE: 466343 SP, Relator: Min. CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 03/12/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-06 PP-01106 RDECTRAB v. 17, n. 186, 2010, p. 29-165).

Sendo assim, em decorrência da ausência de previsão legal na legislação processual penal brasileira, o Conselho Nacional de Justiça, juntamente com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no ano de 2015, editou a resolução 213, de 15 de dezembro de 2015, que entrou em vigor no dia 01 de fevereiro de 2016.

Em fevereiro de 2015, o CNJ, em parceria com o Ministério da Justiça e o TJSP, lançou o projeto Audiência de Custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. A ideia é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.

A resolução 213 trata da obrigatoriedade de apresentação de toda e qualquer pessoa presa ao juiz no prazo de vinte e quatro horas, contados a partir da comunicação da prisão em flagrante ao juiz competente.

[...], de forma mais ampla, [...] a audiência de custódia ou interrogatório de garantia pode se apresentar como uma autodefesa do suposto autor do fato, mesmo se tiver sido a ele imposta medida cautelar diversa da prisão no interregno de 24 horas a contar da prisão. Dessa maneira, o juiz pode melhor decidir a providencia cautelar cabível e sua proporcionalidade [...], notadamente em relação às medidas diversas que implicam certa restrição da liberdade, a exemplo da proibição de se ausentar da comarca ou do recolhimento domiciliar noturno.

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Desta maneira, desde o lançamento do projeto criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), diversos Tribunais de Justiça de todo o país incrementaram também diversos projetos com o objetivo de cumprir as determinações impostas pela legislação atualmente, passando a utilizar a audiência de custódia em diversos graus de aplicabilidade, e ainda, de forma abrangente, em cada um dos Estados da Federação.

2.1 CONCEITO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

O termo audiência de custódia pode ser entendido e conceituado como o ato de apresentar perante o juiz competente, o indivíduo preso em flagrante delito, ou ainda, em razão de mandado de prisão, temporária ou preventiva, ou, até mesmo nos casos de prisão definitiva, com o intuito de ser ouvido, e poder falar a sua versão e as circunstâncias em que ocorreu a sua prisão.

Neste sentido, explica Norberto Avena:

Por audiência de custódia compreende-se o ato da apresentação, ao juiz competente, da pessoa presa em flagrante delito ou em virtude de mandado de prisão cautelar (temporária ou preventiva) ou definitiva, a fim de ser ouvida sobre as circunstâncias em que ocorreu sua prisão.

Essa audiência entre juiz e a pessoa reclusa, oportuniza que o indivíduo conte a sua versão da prisão, fazendo com que assim, estejam assegurados os direitos fundamentaisdo preso.

Em raciocínio semelhante, Caio Paiva preconizou:

A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem demora à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir do prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura. 

Coadunando com o que foi dito, o autor Nestor Távora ensina:

Audiência de custódia é a providência que decorre da imediata apresentação do preso ao juiz. Esse encontro com o magistrado oportuniza um interrogatório para fazer valer direitos fundamentais assegurados à pessoa presa. Deve-se seguir imediatamente após a efetivação da providência cerceadora de liberdade. É um interrogatório de garantia que torna possível ao autuado informar ao juiz suas razões sobre o fato a ele atribuído. Ao cabo, é meio de controle judicial acerca da licitude das prisões.

Desta maneira, a principal função da audiência de custódia é promover a apresentação da pessoa presa em flagrante delito à autoridade judicial competente, em um prazo reduzido, a fim de que sejam constatadas as condições e circunstâncias em que ocorreu a sua prisão .

Entretanto, além de ter a finalidade de se verificar eventuais abusos cometidos em decorrência da prisão, a audiência de custódia também tem como finalidade avaliar de forma mais concreta se realmente houve o flagrante, ou ainda, eventual ilegalidade na sua caracterização.

Nessa perspectiva o Conselho Nacional de Justiçaanotou: 

A audiência de custódia tem por escopo assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão, por meio de apreciação mais adequada e apropriada da prisão antecipada pelas agências de segurança pública do estado. Ela garante a presença física do autuado em flagrante perante o juiz, bem como o seu direito ao contraditório pleno e efetivo antes de ocorrer a deliberação pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. Com isso, evitam-se prisões desnecessárias, atenuando-se a superlotação carcerária e os gastos que decorrem da manutenção de presos provisórios indevidamente intramuros. Finalmente, audiências de custódia permitem conhecer e tomar providências diante de possíveis casos de maus-tratos e de tortura. 

Como se já não fosse suficiente ser utilizada com o intuito de se verificar acerca da ilegalidade da prisão, a audiência de custódia tem ainda a possibilidade de colocar o autor do delito em liberdade provisória e ainda analisar a conduta dos agentes de segurança pública perante o preso, observando de forma minuciosa se eles utilizaram de maus tratos ou tortura na sua abordagem.

[...] podemos conceituar a audiência de custódia como o procedimento de apresentação do preso perante uma autoridade judicial, sem demora, a fim de que seja possível a análise, imediata, da necessidade da manutenção da prisão do custodiado ou a possibilidade de concessão a ele de liberdade provisória. Trata-se também, de um instrumento apto a analisar se houve maus tratos ou tortura por agentes de segurança pública contra o preso.

E neste sentido, ainda corroborando com as diversas funções da audiência de custódia, ensina o professor e doutrinador Guilherme Madeira sobre a sua utilização para a verificação de eventual ilegalidade durante a ocorrência do flagrante, conforme transcrição a seguir:

Mas não é apenas para esta finalidade que se destina a audiência de custódia. Com a presença do suspeito o magistrado poderá avaliar melhor a efetiva ocorrência do flagrante ou sua eventual ilegalidade bem como os parâmetros da necessidade e da adequação para a imposição das medidas cautelares pessoais [...].

Conforme já visto anteriormente, no Código de Processo Penal, não há previsãolegal de realização da audiência de custódia para a pessoa presa em flagrante, fazendo portanto, parte do ordenamento jurídico brasileiro, através do Pacto de São José da Costa Rica, garantindo que tal audiência ocorra dentro do prazo de vinte e quatro horas, após a prisão do indivíduo que cometeu o delito.

2.2 IMPLEMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Desde já, antes de tratar do procedimento da audiência de custódia, é de suma importância ressaltar que a audiência de custódia visa garantir direitos ao indivíduo, e, além disso, fazer com que todos os atos praticados sejam eficazes. 

Possui ainda o dever de fiscalizar os atos praticados pela autoridade policial, de modo, que visa também controlar as atitudes praticadas em excesso contra os indivíduos reclusos, de modo que assim, os Direitos Fundamentais e previstos na Declaração dos Direitos Humanos sejam minimamente garantidos.

Nesse cenário, insta trazer a baila o julgamento do Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 347 (ADPF 347) do Supremo Tribunal Federal. O julgamento, em comento concedeu parcialmente a cautelar que requeria providências para a crise prisional no Brasil. Determinou ainda, que os magistrados realizassem as audiências de custódia no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão. 

Já o procedimento adotado para a realização da audiência de custódia está previsto na Resolução 213, do CNJ, que determina as etapas que deverão ser passadas até a realização do interrogatório do indivíduo que está em reclusão. Tudo tem início na delegacia, quando é lavrado o auto de prisão, e após tal ato, o advogado do indivíduo, caso constituído, deverá ser notificado, ou então, ser-lhe-á nomeado um defensor dativo.

Logo após os autos serão encaminhados ao cartório criminal, em companhia do preso, que, neste caso, será encaminhado ao juiz. Na sequência os autos são recebidos em secretaria e autuados, juntamente com a certidão de antecedentes criminais do réu (quando houver), devendo ainda, caso não haja advogado constituído, nomeação de defensor dativo para a pessoa que foi presa, e ainda, notificar o Ministério Público. 

Caso queira, ou seja, necessário, ao preso, é assegurado o direito de se comunicar de forma reservada e livre com o seu defensor, momentos antes do início da audiência de custódia. Passados todos esses procedimentos, a audiência de custódia terá início com a presença do preso, seu defensor, dativo ou constituído, contará ainda com a presença do membro do Ministério Público e do Juiz, que presidirá a audiência. 

Atualmente, todas as audiências são gravadas e em ata conta apenas um simples relato de todos os atos que foram praticados, bem como a decisão, na íntegra, fundamentada do magistrado. Sendo assim, com as audiências de custódia, tal procedimento não se daria de forma diversa da convencional.

A partir de então se dará início ao interrogatório do preso, que será questionado acerca da sua prisão, se houve eventual agressão ou abuso de autoridade através de torturas, e logo após, as partes terão direito de realizar perguntas ao indivíduo.

Entretanto, para que a audiência siga seu curso correto, o CNJ traçou diretrizes para a correta condução da audiência de custódia, conforme previsão contida no artigo 8º, da resolução 213:

Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo:

I - esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas pela autoridade judicial;

II - assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito;

III - dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio;

IV - questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares;

V - indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão;

VI - perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis;

VII - verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que:

a) não tiver sido realizado;

b) os registros se mostrarem insuficientes;

c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado;

d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial, observando-se a Recomendação CNJ 49/2014 quanto à formulação de quesitos ao perito;

VIII - abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante;

IX - adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades;

X - averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar.

§ 1º Após a oitiva da pessoa presa em flagrante delito, o juiz deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação, permitindo-lhes, em seguida, requerer:

I - o relaxamento da prisão em flagrante;

II - a concessão da liberdade provisória sem ou com aplicação de medida cautelar diversa da prisão;

III - a decretação de prisão preventiva;

IV - a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa.

§ 2º A oitiva da pessoa presa será registrada, preferencialmente, em mídia, dispensando-se a formalização de termo de manifestação da pessoa presa ou do conteúdo das postulações das partes, e ficará arquivada na unidade responsável pela audiência de custódia.

§ 3º A ata da audiência conterá, apenas e resumidamente, a deliberação fundamentada do magistrado quanto à legalidade e manutenção da prisão, cabimento de liberdade provisória sem ou com a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, considerando-se o pedido de cada parte, como também as providências tomadas, em caso da constatação de indícios de tortura e maus tratos.

§ 4º Concluída a audiência de custódia, cópia da sua ata será entregue à pessoa presa em flagrante delito, ao Defensor e ao Ministério Público, tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante, com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição.

§ 5º Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em flagrante, na concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando determinado o imediato arquivamento do inquérito, a pessoa presa em flagrante delito será prontamente colocada em liberdade, mediante a expedição de alvará de soltura, e será informada sobre seus direitos e obrigações, salvo se por outro motivo tenha que continuar presa.

§ 6º Na hipótese do § 5º, a autoridade policial será cientificada e se a vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher não estiver presente na audiência, deverá, antes da expedição do alvará de soltura, ser notificada da decisão, sem prejuízo da intimação do seu advogado ou do seu defensor público.

Desta forma, de acordo as regras trazidas pela norma em vigência, a audiência de custódia tem como finalidade entrevistar o indivíduo recluso, alertando-o sobre o seu direito de permanecer em silêncio, e, será ainda, quando perguntado, assegurado ao indivíduo preso, falar à autoridade competente acerca de sua prisão se ocorreu de forma a respeitar os seus direitos, e só então, após o término desta parte, é que será passada a palavra para o Ministério Público e ao defensor da pessoa presa, para que também sejam realizadas perguntas ao indivíduo, desde que sejam harmonizáveis com a natureza da audiência.

Acerca do assunto, o doutrinador Norberto Avena, trata de forma clara, como se dará a audiência de custódia:

De acordo com essa normatização, na audiência de custódia o juiz, entre outras providências expressamente previstas, entrevistará a pessoa presa, dando-lhe ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio; questionará se foram assegurados seus direitos constitucionais; indagará sobre as circunstâncias da prisão; verificará se foi realizado exame de corpo de delito; perguntará sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência e adotará medidas para sanar eventuais irregularidades. Após essa oitiva pelo juiz, deferirá ele ao Ministério Público e à defesa técnica a realização de perguntas compatíveis com a natureza da audiência, não podendo estas – e a isto é importante atentar – versar sobre o mérito do fato sob apuração.

Ao término das perguntas, será dada a palavra ao membro do Ministério Público e ao defensor do réu, nesta ordem, para, caso queiram, se manifestem acerca da manutenção da prisão, e só após, o juiz proferirá sua decisão, abordando todas as questões que foram tratadas no decorrer da audiência de custódia, inclusive no que tange à prisão do indivíduo.Com base nisso, é importante deixar claro que essa decisão proferida em sede de audiência de custódia, possui eficácia imediata. 

É de suma importância dizer que, a audiência de custódia ou de apresentação do réu, de acordo com as orientações do CNJ deverão ser realizadas, além dos casos de prisão em flagrante, nos casos de detenção que se originarem através do cumprimento de mandado de prisão, sejam ela cautelar ou definitiva. Nesses casos, portanto, a pessoa também deverá ser apresentada à autoridade judicial competente que deu ordem à sua prisão ou ainda ao juízo ao qual está inserida a execução da pena, conforme redação do artigo 13, da Resolução 213, do CNJ: “A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução”.

Se não bastasse a garantia do direito ao indivíduo que foi preso, a Defensoria Pública da União vem suscitando a necessidade de se realizar a audiência de custódia, inclusive, estabelecendo instruções para o correto exercício da sua função.

Desta maneira então, conforme nos ensina Nestor Távora, pode-se pensar que a audiência de custódia ou de interrogatório, surge como uma forma de o indivíduo se apresentar como uma autodefesa, mesmo que a ele tenha sido imposta alguma medida cautelar diversa da prisão, dentro do prazo de vinte e quatro horas.

Portanto, durante a realização da audiência de custódia deverão ser observadas e fundamentadas, a questão da legalidade da prisão, se todos os procedimentos no ato da prisão foram realizados respeitando os direitos e a dignidade do indivíduo que está recluso, bem como se houve algum excesso na conduta do agente de polícia, analisando ainda, a necessidade ou possibilidade de converter a prisão em flagrante em preventiva, se for o caso.

Ao término da audiência de custódia, poderá ser requerido por qualquer das partes, o relaxamento da prisão em flagrante pela concessão da liberdade provisória, com ou sem aplicação de medida cautelar. Neste sentido, explica o autor Norberto Avena:

Ao final, poderão as partes requerer o relaxamento da prisão em flagrante, a concessão da liberdade provisória em ou com aplicação de medida cautelar diversa da prisão, a decretação de prisão preventiva e a adoção de outras medidas necessárias à preservação dos direitos do preso [...]. Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em flagrante, na concessão da liberdade provisória sem ou com imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando determinado o imediato arquivamento do inquérito, a pessoa presa será prontamente colocada em liberdade, mediante a expedição de alvará de soltura, e será informada sobre seus direitos e obrigações, salvo se por outro motivo tenha que continuar presa. [...].

Portanto, pode-se dizer que a audiência de custódia é um procedimento célere e simples, mas que respeita veemente o contraditório e à ampla defesa, mas que, embora seja mais prático, se preocupa com a pessoa do preso, respeitando de forma única o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme retrata o autor Nestor Távora:

A audiência de custódia retrata o permeio do princípio da dignidade da pessoa humana no direito processual penal. Trata-se de um modo de humanização da persecução penal estatal, apta à sua democratização tendente tanto a coibir a tortura, quanto a promover o debate sobre a necessidade da prisão.

Desta maneira, a forma como a audiência de custódia é realizada hoje, a fim de se ouvir o preso, dar a ele a oportunidade de dizer o que realmente aconteceu na sua prisão, tende a trazer a efetividade que se busca do Processo Criminal, de forma que trata do indivíduo de forma igual, realmente buscando sempre respeitar os seus direitos, tratando-o de maneira humana, garantindo, assim, a dignidade da pessoa humana.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo adotou a seguinte temática: contextohistórico da audiência de custódia e incorporação dos pactos e decisão do Supremo Tribunal Federal. Foi possível vislumbrar o contexto histórico da audiência de custódia, bem como, a sua conceituação, disposições legais, finalidades. Salienta-se, portanto, que a audiência de custódia é um ato de cunho processual, que obriga que todo preso em situação de flagrância deva ser conduzido até a autoridade judicial para apurar a necessidade da manutenção da prisão e, ainda a legalidade da mesma.

A audiência de custódia está positivada nos principais tratados internacionais de direito ratificados pelo Brasil, configurando, um direito fundamental do preso, pois é por meio dela, que o juiz apurará as condições que a prisão foi realizada, se foi feita mediante tortura ou qualquer outro meio de agressão.

A audiência de custódia tem como escopo ainda, além de verificar a legalidade e a necessidade de manutenção, coibir a superlotação penitenciária e consequentemente reduzir os gastos para a manutenção do preso, dentro das prisões brasileiras, de modo a viabilizar o redirecionamento de recursos públicos poupados para outros setores essenciais da sociedade.

4. REFERÊNCIAS

ANDRADE, Flávio da Silva. Audiência de custódia ou de apresentação do preso: análise crítica da disciplina normativa prevista no Projeto de Lei do Senado 554/2011. Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 137, p. 223-252, novembro/2017 [recurso eletrônico]. Disponível em: <www.revistadostribunais.com.br>. Acesso em: 05/06/2019.

AVENA, Norberto. Processo penal. 10 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Método, 2018, p. 1053.

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Audiência de Custódia. Brasília: CNJ, 2016. 230 p. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 31/10/2019.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Histórico da audiência de custódia. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/historico>. Acesso em: 06 de jun. 2019.

BRASIL. Decreto Nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em 05 jun. 2019.

BRASIL. Resolução Nº 213, de 15 de Dezembro de 2015. Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3059>. Acesso em 07 jun. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 347 - DF. Min. Edson Facin. Acórdão. 09 de Setembro do 2015. < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em 17/12/2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343. Relator: Min. Cezar Peluso, Data de Julgamento: 03/12/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2019.

DEZEN, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. [livro eletrônico]. 2 ed. em e-book, baseada na 2 ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 301.

LIMA, Guilherme Graciliano Araújo. Audiência de custódia e sistema de direitos humanos na América Latina: por um olhar descolonial na busca da concretização de sua normatização legal no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais.vol. 147, p. 311-331, setembro/2018 [recurso eletrônico]. Disponível em: <www.revistadostribunais.com.br>. Acesso em: 05/06/2019.

MONTEIRO NETO, Figueiredo. A audiência de custódia e sua incapacidade de contenção do poder punitivo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 152, p. 277-314, fevereiro/2019 [recurso eletrônico]. Disponível em: <www.revistadostribunais.com.br>. Acesso em: 05/06/2019.

PAIVA, Caio. Audiência de custódia e o processo penal brasileiro. 2. ed, Florianópolis: Empório do Direito.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11 ed. . rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodvim, 2016, p. 894.

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