Palavras-Chave: Direito processual civil brasileiro. Precedente Judicial Vinculante. Súmula. Constituição Federal Brasileira de 1988. Código de Processo Civil brasileiro de 2015. Neoprocessualismo. Neoconstitucionalismo.
Abstract:
It is relevant to understand the legal precedent binding and mainly how to locate the ratio decidendi, the text sketches didaticamente on the subject that still brings us greater perplexities.
Keywords: Brazilian civil procedural law. Binding Judicial Precedent. Summary. Brazilian Federal Constitution of 1988. Brazilian Civil Procedure Code of 2015. Neoprocessualism. Neo-constitutionalism.
É verdade que a preocupação com a segurança jurídica criou o sistema de precedentes vinculantes, ou seja, onde as decisões judiciais[1] que vinculam, e são de observação obrigatória erga omnes, nasceu no sistema do common law, sendo mesmo a sua marca distintiva.
Lembremos que a common law[2] é sistema adotado por quase todos países que outrora foram colônias britânicas, entre estes, podemos citar: EUA (com exceção do Estado da Louisiana), Canadá (com exceção de Quebec), África do Sul, Índia e Austrália[3].
Surpreendidos com a progressiva observância obrigatória dos precedentes judiciais que tem ultrapassado as fronteiras, num mundo cada vez mais globalizado onde há maior comunicabilidade e influência aos diversos institutos jurídicos desenvolvidos nos casos distintos sistemas legais. Enfim, tal influência transfronteiriça tem aspectos transnacionais, o que é característica peculiar da cultura pós-moderna do século XXI.
Assim, com a vinculação dos precedentes judiciais tem sido importada para nosso país, mas é bom que saibamos sobre a história de formação e, também, de sua estrutura originária, para aperfeiçoar sua compreensão e aplicação dos precedentes que eficazmente vinculem e para finalmente responder à indagação:
O precedente vinculante e a ratio decidendi da common law, são realmente exemplos a serem seguidos?
O nascimento da common law deu-se nas cortes reais do Reino Unido, mais particularmente, sob o reinado do Rei Henry II[4], por volta de 1187, quando o monarca encomendou a um de seus famosos juízes, chamado Glanvill, a escritura de uma obra que condensaria todos os costumes judiciais dos casos que eram levados para julgamento nas Cortes Reais.
O Rei Henry II seguia a tradição de ser um rei-juiz[5] ou rei julgador e eram levados os casos de diferentes matérias. Incluindo-se nobres de outros reinados para o aconselhamento e a decisão judicial de seus respectivos litígios.
A obra encomendada de autoria de Ranulf de Glanvill[6] ficou conhecida com o nome de seu relator e, contava a todos os súditos do Rei o qual era costume na Corte Real britânica.
Assim, o Rei determinava que aquela era a "common law", isto é, o direito comum e aplicável a todos os homens livres, presentes no território dominado por sua Coroa. Um direito comum que registrava os costumes do Rei, daí o mito que informa que a common law seja direito costumeiro.
Portanto, o Rei fazia publicar o seu direito, seus costumes e, também, sua autoridade diante da Igreja e de Roma, contra quem queria publicamente se opor, contrapondo-se frontalmente ao que era chamado de Cannon Law e à Roman Law[7], também praticadas na Inglaterra, mas não era comum a todos os homens livres.
Mais tarde, os casos concretos julgados nas Cortes reais britânicas passaram ser regularmente relatados em obras de casos concretos, no século XII, Bracton introduziu o costume de relatar o Case Books e, em relatórios e obras do ano (século XIII, os Law Reports e os Year Books).
Porém, foi apenas no século XV que a observância de tais decisões julgadas passou a ser praxe[8] entre os juízes.
Os casos concretos mais famosos, seja pela complexidade como por sua repercussão, eram dirigidos nessa época, à chamada Câmara Exchequer quando, eram julgados num sistema de colegiado, que eram posteriormente observados pelos demais juízes.
Não existia, porém, obrigatoriedade de vinculação. Assim, era propriamente um compromisso moral pautado por uma certeza e segurança jurídica, além de se construir uma necessária harmonização.
O costume de se observar e obedecer aos precedentes judiciais foi exportado para as antigas colônias britânicas, conforme eram conquistadas. E, assim, o sistema de precedentes obrigatórios, foi sendo incorporado e, consequentemente, consolidado, adotando naturalmente algumas peculiaridades locais nos sistemas jurídicos que se formaram na América do Norte, na África, Ásia e Oceania.
Apenas no século XIX, a monarquia e o parlamento britânico, baseados na já consolidada na prática do Judiciário e, depois da costumeira organização feita pelos Law Reports, declararam ser obrigatória a observância dos precedentes judiciais. E, a partir de então, se tornaram realmente vinculante por lei e ordem real, seguindo a hierarquia das Cortes Judiciais britânicas.
O sistema de precedentes vinculantes passou de recomendação para ser cogente, e de fato, traz elementos que merecem ser compilados da doutrina de precedentes vinculantes, ou conforme tem sido consagrada pela chamada doctrine of stare decisis[9].
A identificação da força vinculante, o chamado binding element dessa doutrina é tarefa técnica que exige muita atenção e estudo.
Richard Ward costuma frisar que um equívoco ao se mencionar que uma decisão possui força vinculante, ou mesmo que uma decisão perdeu sua força vinculante. O binding element [10]traz em verdade um princípio de direito que é desenvolvido na decisão judicial, conhecido pelo nome de ratio decidendi ou holding[11].
Não é tudo, o que está dito ou escrito pelo juiz em sua decisão que se torna a ratio decidendi. Uma decisão, em regra, traz em seu bojo, três elementos, a saber: 1. fatos narrados que são base de livre convicção do julgador; 2. princípios de direito positivo aplicáveis aos fatos em julgamento; e, 3. a decisão que se baseia nos dois primeiros elementos.
Frise-se, para as partes, o terceiro elemento corresponde ao principal da decisão. Já, para a doctrine of stare decisis, o segundo elemento é o mais relevante pois neste se encontra a ratio (todo arrazoamento do direito que conduziu à decisão final).
Gary Slapper e David Kelly, no seu livro English Law explicam didaticamente que a ratio decidendi é toda a razão de direito aplicada ao se decidir um litígio trazido a juízo.
Segundo Cracknel, que só os pronunciamentos de direito compõem a ratio decidendi e apenas aqueles que são necessários para se atingir a decisão. Qualquer outra razão de direito desenvolvida na sentença é um obter dictum.
Apesar de ter a sua importância e função no litígio, que trazem a exemplificação fazem analogia, e, etc, torna-se supérflua para a formação da ratio, são palavras mortas na decisão[12].
No fundo, nem sempre é fácil localizar a ratio decidendi[13] em um caso concreto relatado pela Common law[14], tanto no seu sistema originário britânico, como nos seus sistemas importados norte-americano, canadense, sul-africano ou australianos e outros.
A ratio pode consistir em alguns parágrafos ou de dezenas de páginas e, será todo o arrazoado de direito que o vinculará conjuntamente com sua base fática. Pois é, nesta que um caso se distingue de outro. Não é necessariamente um texto contínuo. Além disso, dificilmente os juízes identificam a ratio em seus julgados quando a elaboram.
E, tal tarefa é entendida como do intérprete[15]. E, em muitos casos concretos, o obter dictum foi transformado em ratio essendi, por errônea interpretação, mas se perpetuou como common law. Infelizmente, muitos obter dicta se tornaram o direito.
Diante de tamanha complexidade, há a utilização de modelo computacional de inteligência artificial, que fora desenvolvido exatamente para encontrar a ratio decidendi, vide L. Karl Branting da Universidade de Wyoming dos EUA[16].
Em verdade, todos os acadêmicos de Direito são exaustivamente treinados durante todo o curso exatamente para terem a expertise em encontrar o binding element, bem como os estudantes do Direito do sistema romano-germânico são igualmente treinados para manusear códigos e separa temas e correntes doutrinárias aplicadas nos julgados.
Não obstante a teia complexa dessa tarefa em localizar o binding element, é inegável os relevantes benefícios do sistema de precedentes judiciais vinculantes, a rigor, trazem maior previsibilidade e certeza, além de economia processual, e tratamento isonômico para casos semelhantes, construindo harmonia para todo sistema jurídico, entre muitos outros.
Mas, há quem se preocupe com o possível engessamento do direito pelo sistema de precedentes obrigatórios, e até mesmo, a própria Common Law tem usado dois mecanismos processuais eficientes para tanto, a saber: a distinção ou distinction e a revogação ou overruling.[17]
Pela distinção[18], o julgador deixa de obedecer a força vinculante do precedente quando concluir que o caso concreto em julgamento é distinto do precedente judicial formado. Eis aí, a relevância de o holding não se concentrar somente em um simples enunciado, mas também trazer consigo uma boa parte do arrazoado.
Já pela revogação[19], que pode ser feita pelo próprio Judiciário ou mesmo por lei (a lei também considerada como fonte primária de direito na common law), um precedente judicial vinculante poderá deixar de ser obedecido.
A Constituição Federal brasileira[20] vigente criou o sistema de vinculação de precedentes judiciais, ao expressar em seu artigo 103, A, caput que o STF poderá, de ofício ou por provocação, mediante a decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como ainda proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Quando se toma o enunciado de uma súmula, vê-se que há evidentemente uma distinção na aplicação do sistema de vinculação no direito brasileiro, do sistema de precedentes originalmente criado pelos britânicos.
A súmula brasileira que vincula é assim mero enunciado, que contém de três a quatro linhas, com uma ordem imperativa[21] que muito se parece mais com o terceiro elemento da decisão (aquele que importaria preferencialmente às partes) e, é totalmente diferente[22] da ratio decidendi da common law.
Convém sublinha que o CPC/2015 ampliou tal recepção de elementos da common law, fazendo com que tal vinculação se estenda a outros julgados, basta uma leitura do conteúdo do artigo 927 do CPC/2015.
Aliás, o verbo "observarão" é mesmo interpretado pacificamente que estarão vinculados. Assim recepcionou-se dois elementos dos precedentes vinculantes da common law, ou seja, a vinculação per si e a organização de precedentes por questão jurídica.
Quanto ao primeiro elemento, trata-se da idêntica noção de observância obrigatória e cogente já antes introduzida pela súmula vinculante. Enfim, se amplia o leque para as decisões de outros tribunais e outros tipos de decisões dentro do próprio STF.
E, se verifica que os tribunais ora incluídos deverão ser treinados para compreender essa nova mentalidade de vinculação, vez que seus julgados serão observados obrigatoriamente dentro de uma hierarquia estabelecida na organização judiciária brasileira.
Quanto ao segundo elemento, a organização dos precedentes judiciais por questão jurídica, trata-se de absorção da estrutura existente dos Law Reports no Brasil[23].
Mas, convém destacar que a sequência fora invertida em relação à common law[24]. Pois primeiramente houve uma extrema organização dos precedentes através dos Law Reports, e somente depois, houve a vinculação assimilada e, por fim, determinada por lei.
Convém sublinha que tal sequência é resultante de questão história, pois que no momento da criação dos Law Reports, que os precedentes judiciais nestes relatados teriam força de lei.
De toda sorte, a inversão da ordem não veio a prejudicar a aplicação do elemento vinculante ao direito pátrio.
Mas, se pode imaginar que será necessária a preparação dos nossos magistrados e funcionários do Judiciário para que tal absorção do elemento vinculante, bem como a criação dos relatórios de casos concretos julgados possam ser úteis e eficazes.
Apesar de peculiares atropelos, tipicamente brasileiros[25], a adoção de ambos os elementos: a vinculação e organização dos precedentes por questão jurídica, podem andar simultaneamente em paralelo desenvolvimento.
Uma decisão judicial, em qualquer sistema legal existente no mundo, contém sempre três elementos principais, a saber: 1. fatos narrados; 2. o arrazoado que compreende os princípios de direito positivo aplicáveis aos fatos em julgamento; 3. a decisão que se baseia nos dois primeiros elementos.
Desta forma, para a doutrina do stare decisis, o elemento principiológico que conduz à final decisão é o mais relevante e, é este que vincula.
A ratio decidendi ou holding é a razão de direito aplicada para se atingir a decisão. Desta fazem parte, apenas os pronunciamentos de direito que se forem necessários para se chegar à decisão final, sendo que outros comentários, analogias, exemplificações e observações desenvolvidas nas sentenças forma o que se chama obter dictum.
A própria decisão final que importa preferencialmente para as partes envolvidas, não se configura em si mesma, a ratio decidendi.
Observando-se algumas súmulas vinculantes já publicadas no Brasil, identifica-se claramente, que nosso país tem adotado o elemento vinculante da ratio.
Exemplificando:
Súmula Vinculante 4:
Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial[26].
Súmula Vinculante 5:
A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
Súmula Vinculante 11:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Súmula Vinculante 21:
É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para a admissibilidade de recurso administrativo.
Súmula Vinculante 25:
É ilícita a prisão civil[27] de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito[28].
Súmula Vinculante 37:
Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.
Súmula Vinculante 48[29]:
Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.
Súmula Vinculante 53[30]:
A competência da Justiça do Trabalho prevista no artigo 114, inciso VIII, da Constituição Federal, alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Nota-se que o elemento vinculante de tais súmula retro citadas, configura, um enunciado simplório, e a decisão final importa preferencialmente às partes envolvidas. Sem gerar isonomia de julgamento para questões similares ou mesmo idênticas[31].
Depois de tanto tempo de construção histórica e doutrinária da common law e seu sistema de precedentes judiciais obrigatórios e vinculantes, os common lawyers entenderam que deve vincular a razão de direito.
Mas, o Brasil, por sua vez, decidiu adotar o precedente que vincula. Contrariando a tendência do constructo britânico[32]. Conclui-se que no Brasil, o que vincula é o terceiro elemento da sentença.
E tal equivocada compreensão de vinculação, ou vinculação a “SRD” (sem raça definida)[33] traz problemas paradoxais para nossa jurisprudência e para o estudo do Direito.
E, como o CPC vigente ampliou tal possibilidade[34] de vinculações para as decisões do STF, incluindo as decisões do STJ, bem como seguindo-se as hierarquias convencionais, também as decisões dos tribunais superiores, convém questionarmos se tais mudanças não seriam mais eficientes e satisfatórias[35] se as Cortes Superiores brasileiras modificassem, em suas redações, a estrutura do elemento vinculante, para abarcar o arrazoado de direito, que a exemplo da Common Law importa à decisão final, a ratio decidendi.
Já existe entendimento de que o artigo 489 do vigente CPC aponta objetivamente para um realce desse elemento em razão da vinculação.
Alguns professores renomados do Direito Processual Civil argumentam sobre a ratio decidendi como elemento central do precedente vinculante e a equivocada vinculação de um enunciado no brasil. É o caso do professor Marcos Desterfenni[36] que levantou do CPC vigente.
Seguindo a escorreita interpretação do referido artigo do CPC, em consonância com os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, a razão de decidir deve ser o elemento central do precedente que vincula igualmente no Brasil.
Os fundamentos ou fundamentação[37] corresponde ao elemento essencial da sentença, e, não se pode considerar fundamentada a decisão que se limite a indicar, a reproduzir ou a parafrasear o ato normativo, sem dar a explicação devida de sua relação com a causa ou a questão decidida.
Tampouco, o que deveria ser uma súmula tem o condão de vincular. A razão de direito deve ter esse vínculo com a pessoalidade da causa em si. E, é esse também o raciocínio vigente e exigente da common law.
Conclui-se que nesse mundo globalizado, de justiça global tão presente na cultura pós-moderna, o aprendizado deve ser constante e progressivo. A ratio decidendi pode, assim, ser igualmente incorporada à cultura da relação de um precedente no Brasil, sem carregar a sua carga de indefinição da common law.
Afinal, a certeza e a segurança jurídica que se almejam com a incorporação do sistema de precedentes judiciais vinculantes seriam garantidas por um arrazoado de direito e, não propriamente por mero enunciado.
Assim, é a razão de decidir que vincula, e o juiz é um expert hábil a construir sentenças com suas distintas partes, devidamente identificadas e, passaríamos absorver adequadamente a razão de vincular sem a complexidade da common law[38].
Sublinhe-se que a vinculação atribuída pelo CPC/2015 a determinados pronunciamentos judiciais não significa que o Judiciário deverá encarcerar-se em si mesmo, autpoeiticamente, como o ponto de chegada fatal do fenômeno jurídico.
Ao revés, o CPC vigente propõe uma vertente comparticipativa e cooperativa a fim de estimular o policentrismo e a interdependência de todos os sujeitos processuais, em um verdadeiro contraditório substancial, de forma que um pronunciamento vinculante não seja visto como ponto de chegada, senão de partida, sempre aberto e flexível aos argumentos que poderão ser lançados quanto à sua correta aplicação ao caso concreto, rumo ao seu progressivo aperfeiçoamento[39].
E a observância de tais pronunciamentos judiciais vinculantes que definem as teses jurídicas, não deve ocorrer da mesma maneira pela qual um juiz observa um comando legal, cuja abertura interpretativa nem sempre leva o Judiciário a fornecer o tratamento isonômico a quem se encontra em situação semelhante perante uma mesma lei.
Interessante é ainda notar a prática de modulação de efeitos da decisão judicial anterior a fim de conter as variações na jurisprudência, tudo em prol da segurança jurídica[40]. E, recentemente temos in litteris:
No dia 30 de junho de 2016, o tribunal decidiu que a execução de sentença em caso de demora no fornecimento de documento pela administração pública prescreve em cinco anos.
E definiu que a demora do ente público em fornecer as fichas financeiras para o cumprimento de decisão transitada em julgada durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 não interrompe o prazo A corte decidiu que os efeitos desse acórdão passam a ter validade no dia 30 de junho de 2016.
Para os casos transitados em julgado no dia 17 de março de 2016, dia anterior à entrada em vigor do atual CPC, a prescrição começa a ser contada também a partir do dia 30 de junho.
Embora a decisão tenha sido a reiteração de um entendimento já firmado pela Corte Especial, há instabilidade na jurisprudência do STJ.
Essa instabilidade foi causada pelo próprio colegiado de cúpula do tribunal: no dia 1º de julho de 2013, a Corte Especial publicou o acórdão do Recurso Especial 1.340.440, em que definiu a tese reiterada pela 1ª Seção pela última vez.
Veja a tese sobre o mérito do pedido:
"A partir da vigência da Lei n. 10.444/2002, que incluiu o § 1º ao art. 604, dispositivo que foi sucedido, conforme Lei n. 11.232/2005, pelo art. 475-B, §§ 1º e 2º, todos do CPC/1973, não é mais imprescindível, para acertamento da conta exequenda, a juntada de documentos pela parte executada, ainda que esteja pendente de envio eventual documentação requisitada pelo juízo ao devedor, que não tenha havido dita requisição, por qualquer motivo, ou mesmo que a documentação tenha sido encaminhada de forma incompleta pelo executado.
Assim, sob a égide do diploma legal citado e para as decisões transitadas em julgado sob a vigência do CPC/1973, a demora, independentemente do seu motivo, para juntada das fichas financeiras ou outros documentos correlatos aos autos da execução, ainda que sob a responsabilidade do devedor ente público, não obsta o transcurso do lapso prescricional executório, nos termos da Súmula 150/STF".
Veja a tese sobre a modulação dos efeitos da decisão:
"Os efeitos decorrentes dos comandos contidos neste acórdão ficam modulados a partir de 30/6/2017, com fundamento no § 3º do art. 927 do CPC/2015.
Resta firmado, com essa modulação, que, para as decisões transitadas em julgado até 17/3/2016 (quando ainda em vigor o CPC/1973) e que estejam dependendo, para ingressar com o pedido de cumprimento de sentença, do fornecimento pelo executado de documentos ou fichas financeiras (tenha tal providência sido deferida, ou não, pelo juiz ou esteja, ou não, completa a documentação), o prazo prescricional de cinco anos para propositura da execução ou cumprimento de sentença conta-se a partir de 30/6/2017." (acórdão que acolheu parcialmente os embargos de declaração, publicado no DJe de 22/06/2018).
A aplicação de um precedente obrigatória não segue a mesma lógica de aplicação de uma lei, pois a força gravitacional do precedente judicial não pode ser apreendida por nenhuma teoria que considera como plena a força precedente está em sua força de promulgação, tal qual a legislação. (In: COELHO, Gabriela. STJ modula efeitos de decisão anterior para conter as variações de jurisprudência. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-09/stj-modula-decisao-anterior-conter-variacoes-jurisprudencia Acesso em 9.7.2018).
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