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O Brasil respeita os princípios do Direito Internacional?

Agenda 07/06/2020 às 22:08

As recentes rejeições de acordos com o Brasil por parte do Parlamento da Holanda e do Congresso norte-americano leva à seguinte reflexão, o Brasil respeita os princípios do Direito Internacional?

INTRODUÇÃO

Nos últimos dias é possível observar a rejeição do Brasil no cenário internacional. O acordo do Mercosul com a União Europeia foi rejeitado no Parlamento holandês, além do acordo comercial com os Estados Unidos também ter sido negado pelo Congresso norte-americana. Ambas as casas legislativas afirmaram do desrespeito do Brasil com os direitos fundamentais. Os holandeses ressaltaram o descuidado brasileiro com o meio ambiente e os norte-americanos abordaram a falta de respeito dos direitos humanos por parte do Governo do Brasil. Assim sendo, recentemente, ocorreram diversos possíveis descumprimentos brasileiros de normas internacionais, sendo necessária a abordagem dos princípios estabelecidos nos regramentos internacionais para a avaliação do ferimento das normas de Direito Internacional.

1 - DA POSIÇÃO DO PRESIDENTE SOBRE O CORONAVÍRUS

Em diversas ocasiões, o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, se recusou a cumprir as normas de proteção ao coronavírus estipuladas pela Organização Mundial de Saúde, chegando a até cogitar tirar o Brasil da organização. Bolsonaro apoiou a volta ao trabalho, manifestações em plena pandemia, além de cumprimentar apoiadores sem máscara e criticar governadores que iniciaram a quarentena. No dia 07/06/2020, Bolsonaro afirmou que uma onda de desemprego poderia ocorrer por culpa dos governadores que impõem a quarentena [1], além de criticar o Supremo Tribunal Federal por determinar que os estados e municípios tem competência para tratar sobre o coronavírus:

"O STF decidiu que governo e prefeitos são responsáveis por essa política. Agora está vindo uma onda de desemprego enorme, não queiram botar no meu colo. Compete aos governadores a solução desses problemas que estão acontecendo quase que no Brasil todo" disse Bolsonaro.

2 - DO MEIO AMBIENTE

2.1 - DO AUMENTO DO DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, entre janeiro e maio do corrente ano, o desmatamento na Amazônia aumentou 22% em comparação com os mesmos meses do ano passado. Neste ano, foram emitidos alertas para 1.843,72 km², enquanto no ano anterior, no mesmo período, foram 1.511,58 km² [2]. O aumento acontece em meio à recomendação de isolamento social devido à pandemia do novo Covid-19 e após um primeiro trimestre que bateu o recorde histórico de desmatamento dos últimos quatro anos. A área total desmatada por estado em 2020 é: Acre: 27,22 km², Amazonas: 318,0 km², Maranhão: 13,65 km², Mato Grosso: 558,93 km², Pará: 631,48 km², Rondônia: 205,53 km², Roraima: 86,87 km², Tocantins: 1,04 km².

2.2 - DO AFASTAMENTO DE AGENTES DO IBAMA

No dia 30 de abril de 2020, dois dos principais responsáveis pela fiscalização do Ibama foram exonerados de seus cargos. Tudo aponta que os afastamentos uma represália ao trabalho que vinham desenvolvendo à frente da sensível missão de combater as atividades de madeireiros e garimpeiros [3]. Os afastamentos ocorreram logo após a uma operação de combate ao garimpo ilegal. Dias após o ocorrido, a Presidência da República modificou o decreto nº 10.344, submetendo os órgãos e entidades públicas federais de proteção ambiental ao comando das Forças Armadas. Ibama, ICMBio, Polícia Federal e Funai perdem seus poderes operacionais e passam obedecer as forças militares.

2.3 - DA CONTAMINAÇÃO DE INDÍGENAS

A pandemia ocasionada pelo coronavírus vem afetando profundamente a população brasileira. Todavia, os povos indígenas por se localizarem em regiões de mata, onde o acesso é difícil, não gozam da saúde pública estatal. Desse modo, diversos indígenas já foram contaminados e mortos pelo Covid-19 [4]. Dados da Articulação de Povos Indígenas do Brasil estimam que em 78 povos, o Brasil contabiliza 1.809 indígenas infectados pelo coronavírus, com 178 mortes até o início de junho. Estima-se que as populações indígenas estejam sendo contaminadas por garimpeiros e madeireiros que realizam atividades ilegais em terras de demarcação indígena.

2.4 - DA FALA DO MINISTRO DO MEIO AMBIENTE

Em reunião realizada no último dia 22 de abril, o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, defendeu “passar a boiada”, onde em sua opinião o governo deveria aproveitar o momento em que o foco da sociedade e da mídia está voltada para o novo coronavírus para mudar regras que podem ser questionadas na Justiça [5]. O Ministro afirmou que seria hora de fazer uma “baciada” de mudanças nas regras ligadas à proteção ambiental e à área de agricultura, onde Salles afirmou que:

"A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas que o mundo inteiro nessas viagens que se referiu o Onyx certamente cobrou dele, cobrou do Paulo, cobrou da Teresa, cobrou do Tarcísio, cobrou de todo mundo."

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"Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos."

3 - DO ACORDO COMERCIAL MERCOSUL-UE

O Parlamento holandês aprovou uma moção contra o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia [6]. O aumento no desmatamento da Amazônia citado como motivo da recusa. Porém, a diplomacia brasileira na Europa continua insistindo que é uma desculpa do setor agrícola europeu para se protegerem da concorrência. Na Europa, diversos grupos partidários vêm alertando que, diante das atuais políticas do governo Bolsonaro, não haveria apoio político para uma aproximação com o Brasil, o Parlamento da Holanda afirmou que:

"Pela primeira vez, a Câmara assumiu uma posição clara contra o acordo comercial, que o nosso governo era favorável. É de fato uma grande vitória para a Amazônia e para a agricultura regional sustentável"

Além disso, pouco tempo atrás, a presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Alemanha, a deputada alemã Yasmin Fahimi afirmou que:

"Bolsonaro representa um perigo para a democracia, para o Estado de Direito e para a existência permanente da floresta amazônica. Atualmente não vejo como é possível conciliar as políticas de Bolsonaro com as nossas exigências para o acordo UE-Mercosul nas áreas de desenvolvimento sustentável e direitos humanos"

4 - DO CONGRESSO NORTE-AMERICANO

Em uma atitude contra o acordo comercial com o Brasil, 24 deputados democratas informaram ao escritório comercial da Casa Branca que "têm fortes objeções à busca de qualquer acordo comercial ou à expansão de parcerias comerciais com o Brasil do presidente Jair Bolsonaro", por negligencias à questões básicas de direitos humanos e meio ambiente por parte do governo Bolsonaro [7]. O ex-embaixador em Washington, Rubens Ricupero assegura que a carta dos opositores de Donald Trump elimina qualquer possibilidade de acordo enquanto a Câmara tiver maioria democrata. "Nunca vi um documento assim. Ela é a mais importante comissão do Congresso americano. Essa carta significa que nenhum acordo com o Brasil será feito enquanto a Câmara tiver maioria democrata”, disse Rubens. O acordo pode ter suas chances levadas a zero se o democrata Joe Biden for eleito presidente.

5 - DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE

Organização Mundial de Saúde foi criada em 1946, com sede em Genebra, com a finalidade de alcançar o mais elevado índice de saúde para todos os povos do planeta, combatendo a mortalidade infantil, ajudando na recuperação de pessoas com deficiência e erradicando doenças. Assim como se estabelece em sua Constituição, o objetivo da OMS é que todos os povos possam gozar do máximo grau de saúde possível. Para a Constituição da OMS, a expressão “saúde” não significa apenas a ausência de doenças ou enfermidades, mas o estado de completo bem-estar físico, mental e social dos indivíduos [8].

Dentre as funções da instituição internacional, podem ser destacadas: a erradicação das epidemias e endemias; a assistência técnica e os serviços sanitários; o auxílio aos governos; e as pesquisas sobre saúde. São órgãos da Organização Mundial de Saúde a Assembleia Mundial de Saúde, o Conselho Executivo e o Secretariado. Cabe destacar que a OMS foi criada através de uma iniciativa do Brasil. Portanto, a OMS estabelece normas para orientar os membros nos seguimentos da luta contra epidemias mundiais, conforme vêm realizando as orientações para o enfrentamento da pandemia do coronavírus, onde estabeleceu o isolamento social como principal método de acabar com a disseminação da doença.

6 - DO COSTUME COMO FONTE DE DIREITO INTERNACIONAL

A segunda fonte formal do Direito Internacional é conhecida como o costume internacional, que é basicamente uma prática realizada pelos sujeitos de direito internacional público (organizações, estados, blocos econômicos) ao longo do tempo, de modo que sua prática se tornou corriqueira, conforme destaca Mazzuoli:

“Segundo o art. 38, § 1º, alínea b, do ECIJ, os costumes constituem-se numa “prática geral aceita como sendo o direito”. O Restatement of the Law, Third (1987), § 102(2), traz uma definição mais sólida ao assinalar que o “direito internacional costumeiro resulta de uma prática geral e consistente por parte dos Estados, seguida por eles como consequência de entendê-la como uma obrigação legal”. É dizer, o costume internacional resulta da prática geral e consistente (para além de uniforme) dos atores da sociedade internacional em reconhecer como válida e juridicamente exigível determinada obrigação. Ou, nas palavras de Virally, surge “quando os Estados adquirem o hábito de adotar, no que tange a uma certa situação, e sempre que a mesma se repita, uma atividade determinada, à qual se atribui significado jurídico”. Aí está a diferença do costume para o uso, uma vez que nesse último – ao contrário do que sucede com o primeiro – não existe a crença (por parte dos atores da sociedade internacional) de obrigatoriedade daquilo que se está a praticar; não há, pois, no uso mais do que mera liberalidade dos Estados, que agem de forma repetitiva por simples solicitude. São exemplos de usos, dentre outros, as saudações de cortesia no mar (salva de canhões entre navios) e o hábito de isentar veículos diplomáticos de proibições de estacionamentos, práticas que jamais se entendeu serem dotadas da crença de obrigatoriedade. “ [9]

Desse modo, estabelece o Estatuto da Corte Internacional de Justiça:

“Artigo 38

A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;

c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. “ [10]

Logo, o costume internacional não tem uma especificidade exata, porém, pode ser considerado a praxe de atos realizados pelos estados, como por exemplo aceitar orientações de pareceres de cortes internacionais, organizações e instituições que tem conhecimento sobre determinado tema ou tratado.

7 - DA CONFERÊNCIA DA ONU SOBRE O MEIO AMBIENTE

No ano de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Com a finalidade de estabelecer uma parceria entre os Estados-membros da Organização das Nações Unidas para trabalhar com para a conclusão de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, realizando a proteção do meio ambiente. Desse modo, a Conferência estabeleceu princípios para a preservação ambiental, tal como salientou a importância de indígenas e dos recursos naturais:

“Princípio 22

As populações indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, tem papel fundamental na gestão do meio-ambiente e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses dessas populações e comunidades, bem como habilitá-las a participar efetivamente da promoção do desenvolvimento sustentável.

Princípio 23

O meio-ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos a opressão, dominação e ocupação devem ser protegidos. “ [11]

8 - CONCLUSÃO

As recomendações da Organização Mundial de Saúde são imperiosas para o salvamento de vidas em âmbito internacional, desse modo, a maioria dos países segue as diretrizes da organização como um costume, praxe essa que pode ser considerada um costume internacional, diante de serem atos realizados por diversos estados, o que é configurado pelo Estatuto da Corte Internacional de Justiça como fonte formal do Direito Internacional. Assim como, foi destacada a importância da preservação ambiental internacional na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, onde foram criados princípios norteadores para a preservação ambiental, que resguardam recursos naturais e povos indígenas.

Em razão disso, fica clara a negação de outros países em acordos comerciais com o Brasil, pela rejeição das diretrizes internacionais de saúde pública expedidas pela OMS e pelas constantes destruições ambientais na Amazônia, onde também ocorre a disseminação do coronavírus em povos indígenas. Ademais, a fala do Ministro do Meio Ambiente brasileiro aumenta a rejeição internacional do Brasil, pois ao sugerir “passar a boiada” e passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, dificultou ainda mais a implementação de acordos entre o Brasil e outros estados estrangeiros.

REFERÊNCIAS

[1]https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/07/bolsonaro-fala-em-onda-enorme-de-desemprego-e-poe-no-colo-de-governadores.htm

[2]https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/06/05/alertas-de-desmatamento-na-amazonia-sobem-22percent-no-ano-aponta-balanco-preliminar-com-dados-do-inpe.ghtml

[3]https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/05/amazonia-vive-pandemia-de-destruicao-com-covid-19-e-ofensiva-de-bolsonaro.shtml

[4]https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/06/01/18-mil-indigenas-sao-infectados-por-covid-19-em-78-povos-no-brasil-diz-organizacao.ghtml

[5]https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-defende-passar-a-boiada-e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml

[6]https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/06/04/citando-amazonia-deputados-holandeses-rejeitam-acordo-mercosul-ue.htm

[7]https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2020/06/epoca-negocios-comite-da-camara-dos-eua-se-opoe-a-acordo-com-brasil.html

[8] (Curso de Direito Internacional Público / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – 12. ed. - Pág 949 – Rio de Janeiro: Forense, 2019.) 

[9] (Curso de Direito Internacional Público / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – 12. ed. - Pág 158 – Rio de Janeiro: Forense, 2019.) 

[10] https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/EstCortIntJust.html

[11] http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-sobre-meio-ambiente-e-desenvolvimento.html

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

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