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Riscos e oportunidades relacionadas às contribuições previdenciárias decorrentes da pandemia de Covid-19

Agenda 10/06/2020 às 16:33

As empresas com massa laboral em home office ou com fechamento parcial ou total de sua atividade comercial e industrial pela Covid-19 poderão contestar a classificação agravada de grau de risco acidentário (2 e 3%) por meio de medida judicial específica.

Autores: Rodrigo Lazaro e Lucas Lobo

I – Introdução

Com a crise do novo coronavírus (Covid-19), diversas empresas brasileiras recorreram ao home-office (teletrabalho) para viabilizar a atividade laboral em meio à restrição de contato de colaboradores como medida de combate à expansão da pandemia.

Segundo o IBGE[1], é possível verificar, ao longo dos anos, um crescimento significativo de empresas aderentes ao home office, com aumento de 16,2%, entre 2016 e 2017, e 21,1%, entre 2017 e 2018. Assim, a pandemia da Covid-19 apenas acelerou o processo de implementação e representa uma opção vantajosa aos empregadores e colaboradores, com ganhos de produtividade, redução de custos e diminuição do risco de acidentes no ambiente laboral, inclusive no deslocamento entre a residência e local de trabalho dos colaboradores.

Desta forma, o isolamento da massa de colaboradores no período da pandemia, seja pelo home office, seja pelo fechamento parcial ou total de estabelecimentos comerciais, permite inferir uma forte diminuição no risco de acidentes de trabalho durante a pandemia. Do ponto de vista de saúde pública, a menor circulação ou menor concentração de pessoas nos ambientes laborais ou, ainda, a inexistência de trabalhadores no local de trabalho tende a contribuir para uma redução no risco ambiental do trabalho e fatores de risco relacionados à atividade laboral.

Por outro lado, a existência de contaminação da Covid-19 no ambiente laboral ainda é uma preocupação em relação ao número de empregados afastados por doença. Assim, o presente texto analisará criticamente as questões previdenciárias relacionadas à pandemia da Covid-19, especialmente sobre os impactos sobre a carga previdenciária dos empregadores durante e após o surto da doença.

II – Risco Ambiental do Trabalho – RAT

O Sistema de Seguridade Social brasileiro é financiado por toda a sociedade, na forma do art. 195 da Constituição Federal, sendo parte integrante do referido financiamento as contribuições sociais custeadas pelas empresas em geral (incisos I a IV). Dentre as referidas contribuições sociais, destaca-se o Risco Ambiental de Trabalho – RAT (GILRAT), destinado a custear os benefícios concedidos em face dos acidentes de trabalho e as aposentadorias especiais.

Referida contribuição é incidente sobre o “total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos”, nas alíquotas de 1%, 2% e 3% para as empresas com risco de acidente de trabalho em graus leve, médio e grave, respectivamente, nos termos do art. 22, inciso II da Lei nº 8.212/1991.

Assim, as empresas que oferecem atividades que possuem um risco ambiental do trabalho maior devem contribuir com um valor maior de GILRAT, porquanto devem onerar mais a Previdência Social pela concessão de benefícios aos seus trabalhadores ao longo dos anos. O inverso também é válido, sendo os empregadores com menor risco ambiental responsáveis por uma carga menor de GILRAT.

A fixação das alíquotas é prevista por decreto (Anexo V do Regulamento da Previdência – Decreto nº 3.048/1999, com redação dada pelo Decreto nº 6.957/2009) e é realizada com base no grau de risco da atividades econômica preponderante da empresa, definida pelo Código CNAE (“Classificação Nacional de Atividades Econômicas”). Considera-se preponderante, para os fins do GILRAT, aquela atividade que ocupa o maior número de empregados e trabalhadores avulsos.

O enquadramento das respectivas atividades econômicas dos empregadores poderá ser revisto pelo Poder Executivo, com base em estudos estatísticos de acidentes de trabalho[2].

Existem aproximadamente 1301 códigos CNAE, que servem de parâmetro para enquadramento nas alíquotas do GILRAT; teoricamente, quanto maior o risco da atividade, maior a alíquota. Antes do Decreto no957/2009, 621 atividades de CNAE contribuíam com 1%, sendo que depois do novo enquadramento, somente 180 atividades pagam a alíquota mínima. Quanto ao percentual de 2%, era pago por 526 atividades; hoje, são 391. Por fim, quanto ao máximo, de 3%, antes era restrito a apenas 138 atividades; hoje, são 730. Ou seja, 730 de 1301 atividades, o que dá um percentual superior a 55%.

Em que pese a manifesta ausência de critério nas majorações de alíquota levadas a termo pelo Decreto nº 6.957/2009, inclusive com decisões judiciais que afastam majorações para setores específicos[3], os estudos estatísticos de acidentes de trabalho podem fundamentar um ajuste da carga fiscal a ser refletido na aplicação do GILRAT aos empregados com a constatação da queda no risco acidentário.

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Nessa senda, observa-se que muitas empresas possuem sua massa de colaboradores alocada em home office, mas permanecem com alíquota máxima (3%), como, por exemplo, bancos múltiplos com carteira comercial, editora de jornais e tradução, ou mesmo média (2%), como bancos comerciais, corretagem e avaliação de imóveis e editora de livros e revistas[4].

Por outro lado, diversas empresas foram fechadas por força de ordem governamental para controle de contagem, especialmente o comércio (ex. restaurantes e lojas de roupas) e indústria. Mesmo que o empregador tenha negociado regimes de suspensão do contrato de trabalho ou redução da carga horária (Medida Provisória 936/2020), é certo que manteve o pagamento de salários durante a suspensão de suas atividades no período de restrição social promovido pela pandemia.

Não nos parece razoável admitir que possa manter a mesma classificação agravada de grau de risco acidentário após o regime de home office ou mesmo o fechamento das atividades comerciais, razão pela qual os contribuintes inseridos nesse contexto poderão fundamentar pedidos de revisão desse enquadramento por meio de medida judicial específica.

Ressalte-se aqui que diversas atividades já possuíam enquadramento da alíquota do GILRAT em patamar incompatível com os níveis de acidentes de trabalho verificados no setor. Exemplo evidente deste descompasso está na classificação adotada para as holdings de instituições não-financeiras (CNAE 6462-0/00), empresas que, em regra, possuem um número muito limitado de funcionários, ou mesmo nenhum, com funções meramente administrativas, mas que tem seu enquadramento para o GILRAT na alíquota de 3% (três por cento).

Outro fator que demonstra tal descompasso é o próprio critério adotado pela Previdência Social[5] para fundamentar as alíquotas aplicadas para o GILRAT, que utiliza dos índices de frequência, gravidade e custo dos acidentes de trabalho levantados por meio de pesquisa anual[6] para calcular um índice percentual composto (variável de 0% a 100%), por meio do qual é possível verificar o desempenho de cada atividade, conforme segue:

  1. Entre 0% e 33,3%: risco baixo, alíquota de 1% (um por cento);
  2. Entre 33,4% e 66,7%: risco médio, alíquota de 2% (dois por cento); e
  3. Entre 66,8% e 100%: risco alto, alíquota de 3% (três por cento).

Ocorre que, ao analisar-se os índices divulgados pela Previdência Social anualmente, verifica-se o completo descompasso da alíquota aplicada por meio do Regulamento da Previdência Social com os índices compostos de diversas atividades econômicas. Em alguns casos, referido descompasso ocorria mesmo no ano de 2009, data da publicação do Decreto nº 6.957/2009, o último que revisou as alíquotas do GILRAT. Em outros, este descompasso acabou sendo agravado ao longo dos anos, com a redução significativa dos índices de risco das atividades sem o respectivo ajuste da alíquota aplicável ao GILRAT.

Sendo assim, tendo em vista a atual conjuntura de home office e de fechamento de atividades aliada, em alguns casos, à própria redução verificada nos índices de acidentes de trabalho das atividades econômicas desde a última revisão do GILRAT realizada pela Previdência Social em 2009, fundamenta-se a adoção de medidas para a revisão do enquadramento de atividades econômicas nas alíquotas do GILRAT por meio de medidas judiciais.

III – Fator Acidentário de Prevenção – FAP

A Lei 10.666/2003, instituiu o Fator Acidentário de Prevenção – FAP, sendo um multiplicador variável entre 0,50 e 2,00 a ser aplicado sobre a alíquota do GILRAT, com o objetivo de agravar a carga previdenciária para contribuintes com maior constatação de doenças laborais e acidentes no ambiente de trabalho em comparação às demais empresas incluídas em seu setor e reduzir a carga para aquelas com menor acidentalidade. O objetivo da instituição do FAP é o financiamento dos benefícios concedidos em razão de acidente de trabalho como o auxílio doença, aposentadoria por invalidez e a pensão por morte e acidente de trabalho.

Desse modo, a empresa com menor índice de frequência de acidentes e doenças do trabalho no setor, por exemplo, recebe o menor percentual e o estabelecimento com maior frequência acidentária recebe 100%. O percentil é calculado com os dados ordenados de forma ascendente.

Para cada subclasse, o cálculo do FAP atribui o intervalo de 0,5 a 2,0 como multiplicador e, desta forma, ainda que a empresa tenha índices baixos poderá ter o FAP acima de 1,00 quando na subclasse exista empresas com índices menores, independente da comparação com outras atividades. A instituição do FAP obrigou as empresas a implantar atitudes preventivas para doenças ocupacionais e acidentes de trabalho para controle da carga previdenciária.

Com o home office e o fechamento parcial de estabelecimentos comerciais e industriais, é possível se esperar por um cálculo de FAP minorado em razão da ausência de risco de acidentes e afastamentos.

No entanto, em razão da discussão acerca da aplicabilidade do art. 29 da Medida Provisória 927/2020[7] pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente sobre a possibilidade de enquadramento da Covid-19 como doença ocupacional, há possibilidade dos colaboradores imputarem a responsabilidade das empresas pela contaminação pela doença desde que comprovem que foi transmitida em ambiente laboral. O empregador poderá demonstrar a existência de medidas de prevenção contra contaminação da Covid-19 no ambiente laboral e comprovar que atendeu às determinações governamentais de controle de contágio, a fim de afastar o nexo de causalidade da alegação de doença ocupacional imputada pelo empregado contaminado.

Assim, em casos de afastamentos de empregados com mais de 15 (quinze) dias com a percepção de auxílio doença, os índices de frequência, gravidade e custo de doenças ocupacionais poderá ser alterado com o computo indevido desses casos no cálculo da Previdência Social no fator multiplicador do FAP para os anos de 2022 e 2023[8].

Neste sentido, destaca-se que o cálculo do FAP leva em consideração os dados de acidentes de trabalho dos dois últimos anos anteriores à sua publicação, sendo aplicado o respectivo fator a partir do primeiro dia do quarto mês posterior à sua publicação, que ocorre, usualmente, em setembro de cada ano. Sendo assim, os dados de acidentes de trabalho verificados no ano de 2020 integrarão o cálculo do FAP a ser aplicado nos anos de 2022 e 2023.

A possibilidade de contestação do computo do afastamento por contaminação é possível por meio de impugnação administrativa em outubro de 2021 e 2022, mas há limitação clara sobre a análise de provas no curso do julgamento administrativo. Assim, as empresas poderão contestar judicialmente eventual elevação do FAP em razão dos afastamentos por doença relacionados com a Covid-19 desde que demonstrados os cuidados impostos pelas autoridades de saúde no ambiente laboral.

IV – Conclusão

As empresas com massa laboral em home office ou com fechamento parcial ou total de sua atividade comercial e industrial pela Covid-19 poderão contestar a classificação agravada de grau de risco acidentário (2 e 3%) por meio de medida judicial específica.

Por outro lado, eventual majoração da alíquota do FAP em razão do computo de afastamentos (doença ocupacional) por contaminação de Covid-19 poderá ser contestada judicialmente desde que demonstrados os cuidados impostos pelas autoridades de saúde no ambiente laboral.

[1] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Anual: Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2012-2018, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dezembro de 2019.

[2] Cf. Parágrafo 3º do art. 22 da Lei 8.121/91: “§ 3º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes”.

[3] No presente caso, o reenquadramento oneroso da empresa (aumento da alíquota de 2% para 3%), com esteio em documentos que, paradoxalmente, atestam a redução dos acidentes de trabalho, configura alteração pesada e imotivada da condição da Empresa e, consequentemente, abuso do exercício do poder regulamentar – ofensa ao princípio da legalidade formal ou sistêmica – portanto induvidosa e plenamente sindicável pelo Poder Judiciário, para aquilatar da sua legitimidade substantiva”. (STJ, RESP nº 1.425.090/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/09/2014)

[4] Exemplos citados por Bruno Romano na mesa de debates semanal do IBDT de 21/05/2020.

[5] Fonte: Nota Administrativa nº 04/2018/CGSAT/SRGPS/SPREV/MF. Dados obtidos por meio de consulta realizada pelo Portal Transparência em abril de 2018.

[6] Pesquisa realizada para a definição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP).

[7] Art. 29.  Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

[8]  AGUIAR. Adriana. Tese pode impactar carga previdenciária. Valor Econômico. 03/06/2020.

 

Fonte: https://covidfcrlaw.com.br/artigo-riscos-e-oportunidades-relacionadas-as-contribuicoes-previdenciarias-decorrentes-da-pandemia-de-covid-19/

Sobre os autores
Rodrigo Lazaro

Sócio da FCR Law, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (2020/23), Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Mestre em Tributação Internacional pelo IBDT, Diretor Regional da ANEFAC, Pós-graduado em Direito Tributário e Empresarial, com MBA em Tributário e especialização em Business Law pela Concordia University.

Lucas Lobo

Lucas Lobo é associado ao FCR Law – Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados, com atuação em direito tributário. Lucas tem experiência na atuação em consultivo e contencioso tributário, assessorando clientes nacionais e internacionais em direito tributário brasileiro. É bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e possui LL.M em Direito Tributário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER).

Informações sobre o texto

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