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O princípio da razoável duração do processo sob o enfoque da jurisdição, do tempo e do processo

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Considerações iniciais

A Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu o princípio da razoável duração do processo dentro das garantias fundamentais asseguradas a cada indivíduo, insculpido no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988.

Os motivos que levaram o legislador a erigir a questão do tempo do processo ao nível de garantia fundamental mostram-nos uma insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional e o entendimento que a jurisdição não deve ser apenas ser "prestada" pelo Estado como decorrência do direito de ação, mas que a tutela jurisdicional deve ser efetiva, tempestiva e adequada, sendo atribuição do Estado alcançar este objetivo.

A processualística moderna já supera a idéia de "prestação jurisdicional", preocupando-se com o sentido de tutela jurisdicional, e isso podemos observar em duas perspectivas: a um, tutela como resposta do Estado às expectativas sociais e normativas; a dois, como proteção do indivíduo à lesão ou ameaça de lesão ao bem da vida, através do direito de ação.

Não nos deteremos na conceitualização do instituto da tutela jurisdicional, mas, adotar esta nova visão de tutela jurisdicional e, conseqüentemente, a idéia do processo como instrumento não apenas de realização do direito material, mas como instrumento da jurisdição, parece-nos uma tendência irrefreável no sistema jurídico.

Além disso, a visão da sociedade como sociedade em crise (leia-se conflito) exige do legislador novas técnicas de driblar o "necessário" tempo do processo, que é aquele mínimo imprescindível para que sejam respeitadas as demais garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da motivação dos atos processuais, entre outros.

Mas o tempo, assim como perpetua situações não guerreadas e corrói direitos que não são adequadamente tutelados na esfera jurisdicional, tem o poder de ir além da sua característica cronológica (horas, minutos, dias) e passa a interferir na própria concepção do processo, uma vez que é o tempo que controla a máquina judiciária.

As formas de limitar essa influência do tempo, de forma que possa se preservar a forma mínima do processo (estrutura básica do procedimento ordinário) se dão através dos dispositivos processuais de urgência (processo cautelar, tutela antecipada e tutela específica), dos juizados especiais estaduais e federais, bem como através dos princípios processuais da economia dos atos processuais, da concentração e da oralidade e da informalidade.

Refletindo sobre a questão da dicotomia entre urgência social na solução dos conflitos e efetividade da tutela jurisdicional, vislumbramos uma mudança na estrutura processual civil.

Em uma sociedade que se encontra em crise, em verdadeiro estado de alerta, pronta para demandar judicialmente aquilo que, muitas vezes, não é mais nem pleiteado administrativamente (comprovando a já conhecida ineficiência do Estado), como o recurso de multa, o requerimento de benefício previdenciário ou revisão do mesmo, a má prestação de serviços públicos como energia e telefonia, a máquina judiciária mostra-se inadequada, não conseguindo comportar tantas insurgências, sendo necessário reavaliar todo o sistema processual.

Ainda, analisando a ampliação dos direitos fundamentais, com especial ênfase aos de terceira geração, vislumbram-se novas formas de conflito, antes não imaginados pelo próprio Estado. Essa é a explicação que nos dá Adalgiza Paula Oliveira Mauro:

"A ampliação dos direitos fundamentais com o reconhecimento de novos direitos faz surgir também no panorama jurídico novas formas de conflito, especialmente as decorrentes dos direitos de segunda e terceira geração, que trazem à baila questões relativas a relações de emprego, habitação, educação, transporte, consumo, meio ambiente, entre outros, aumentando sobremaneira o número de demandas levadas à apreciação do Poder Judiciário.

O surgimento desses novos conflitos é indicado por alguns autores como o principal fator responsável pela chamada ‘explosão da litigiosidade’, que deflagrou a crise na administração da justiça, apontando a necessidade premente de desburocratização do sistema e de simplificação dos procedimentos."

Assim, invertendo a estrutura clássica do processo civil do procedimento eminentemente ordinário, de cognição plena e exauriente, temos com a nova realidade social um procedimento essencialmente sumário, uma vez que as lides são examinadas de forma superficial com juízos superficiais, direcionados pela jurisprudência dominante e, agora concretamente legislada, pela súmula vinculante, despindo o juiz da sua função essencial que é o conhecimento em primeiro grau.

As críticas a essa urgência que se verifica nos juízos de primeiro grau e, agora também nos tribunais de 2º grau e superiores, estão ligadas justamente à inefetividade do provimento jurisdicional.

O resultado esperado pelo processo por vezes é tão demorado que já perdeu sua finalidade ou, em casos mais raros, mostra-se imprestável à realidade fática que se apresenta na sociedade.

O princípio da razoável duração do processo, inserto na Carta Constitucional no art. 5º, LXXVII, por ocasião da Emenda Constitucional n. 45/2004 não é instituto novo. A Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida pelo Pacto de San José da Costa Rica, que tem o Brasil como signatário, estabelece em seu art. 8º, que o direito a ser ouvido com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz, imparcial, independente e competente para o exame da matéria, é pertinente a todos os indivíduos.

Como paradigma, temos também o modelo americano, que no art. 6º de sua Emenda à Constituição, trata do speedy trial clause (cláusula do julgamento rápido).

No dizer de Humberto Theodoro Júnior, tal garantia "trata-se de uma aproximação com o ideal do processo justo que entre os constitucionalistas contemporâneos funciona como um aprimoramento da garantia do devido processo legal. Para merecer essa nomen iuris, a prestação jurisdicional, além de atender aos requisitos tradicionais – juiz natural, forma legal, contraditório e julgamento segundo a lei – têm de proporcionar à parte um resultado compatível com a efetividade e a presteza".

Desta forma, tantas mudanças e a necessidade de repensar o sistema processual brasileiro nos leva à necessidade de refletir sobre as suas estruturas fundamentais.


A jurisdição sob um novo prisma

A jurisdição, como função estatal, é inerte, que só se põe em movimento quando devidamente provocada pelo titular do direito ou do interesse protegido pela lei, exercendo o direito de ação e invocando a proteção do Estado.

Jurisdição, ação e processo formam o célebre trinômio de determinação do sistema processual. Através destes institutos, o estudo do direito processual como ciência tornou-se tão importante quanto os resultados que ele pode alcançar, uma vez que lida diretamente com o sentimento mais profundo do homem, que é a luta pelos seus direitos.

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A figura do Estado, como agregador da sociedade e regulador das relações delas advindas, imputando normas e impondo seu respeito a elas, sob pena de sanção, é uma concepção moderna e ideal de gestão. Vislumbra-se não apenas o simples castigo, mas sim a paz e a justiça social, mas com certeza não é suficientemente rápido para acompanhar as mudanças estruturais da própria sociedade, seus novos anseios e aspirações.

Busca-se então no Judiciário, o amparo às questões não suficientemente amadurecidas no âmbito executivo e afoitamente elaboradas pelo legislativo.

O entendimento da efetiva função jurisdicional bem como a dificuldade de se harmonizarem os diversos juristas sobre sua conceituação está em muito ligado à questão da teoria constitucional moderna que pressupõe, como princípio do Estado democrático, a divisão dos poderes estatais, "independentes e harmônicos entre si".

Estando, portanto, a jurisdição atrelada a um poder independente dos demais, é importante entendermos quais suas funções e limites, para que ela não acabe absorvida pelos demais poderes.

Em linhas preliminares, a noção de jurisdição está ligada à idéia de aplicação da norma jurídica abstrata ao fato jurídico concreto, como um sistema lógico e matemático, no qual o Estado substituiria a "vontade das partes", fazendo agir o Direito.

Entretanto, para uma discussão um pouco mais sofisticada acerca do tema, é necessário que seja repensada esta concepção, à vista da necessária e efetiva atividade criadora dos tribunais.

Niklas Luhmann, através da teoria sistêmica, explica esta atividade, partindo de um sistema autopoiético, onde o direito, como um sistema próprio, a partir da norma codificada, fechada, se abre, à vista da necessidade de uma decisão, que, se não é capaz de sozinha, criar uma jurisprudência, pelo menos dá uma solução ao caso que o solicita.

Tendo em vista que o Estado, ao proibir a autotutela, reservou para si o dever de garantir a todos o direito à tutela jurisdicional efetiva (entenda-se adequada e tempestiva), a atividade criadora do Juiz tem a obrigação de ir além da mera aplicação da norma, devendo, uma vez assumindo as partes o risco das conseqüências da decisão a ser tomada pelo magistrado, buscar, junto aos demais sistemas sociais, a melhor solução ao caso concreto, independentemente da existência de uma lei prévia que discipline neste sentido.

Esta análise se torna decisiva no momento em que vemos a condição do Estado em crise, o nascimento de novas demandas sociais e a inadequação da norma às constantes alterações deste estado social. Mais do que criar uma nova norma, eis que em seu próprio sentido ontológico, é uma formulação genérica, não passando de um projeto de regulação da conduta humana, a função jurisdicional está em amparar o indivíduo contra as arbitrariedades do próprio Estado, que, justamente por omitir-se no aparecimento das novas relações sociais, ao mesmo tempo não dá condições para que se busque tais fins.

É nosso entendimento que a jurisdição, assim, se afirma como atividade do Estado para a atuação do direito objetivo, mediante a aplicação da norma geral ao caso concreto e mediante a realização forçada da norma geral. Sua função é decidir a demanda, e o faz através da figura do juiz, que representa o Estado, que estrutura o sistema judiciário para fazer atuar a jurisdição.

Dessa forma, com o fenômeno da jurisdição, não é mais possível ao homem agir em defesa própria (autodefesa – justiça com as próprias mãos), restando a ele, apenas a possibilidade de fazer agir, provocando o exercício da função jurisdicional.

Surge, desta linha, a idéia de processo, que pode ser conceituado como "instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em busca de solução".

Não apenas como forma de resolução de conflitos, também entendemos o processo como a única forma efetiva de assegurar àqueles que postulam seus direitos em juízo que o julgamento do seu caso se dará respeitando as garantias esculpidas na Constituição, sendo, inclusive, a aplicação destes princípios a garantia do indivíduo de proteção contra as arbitrariedades do Estado.

Sobre o tema, relevante o posicionamento de Afrânio da Silva Jardim, ao colocar que o processo tem outra finalidade relevante. Como forma de concretização da atividade jurisdicional, implica, em si mesma, em juízo de valor, pois se utilizando do processo, o estado procura atingir a finalidade de proteger a sociedade da melhor forma possível, "atuando de forma autoritária sem violentar as garantias individuais". Assim, é o processo também fator de garantia dos cidadãos, uma vez que delimita e disciplina as condições e formas de intervenção do Estado na composição das lides.

Também, e por último, nos parece interessante retomar o conceito de tutela jurisdicional. A idéia de um processo civil de resultados aparece em Cândido Rangel Dinamarco, para quem a tutela jurisdicional "não é o mero exercício da jurisdição ou somente a outorga do provimento jurisdicional em cumprimento ao dever estatal que figura como contraposto do poder de ação." Buscam-se resultados, sendo "a utilidade prática que se deseja do processo é a efetiva satisfação de pretensões apoiadas pelo direito".

Seguindo esta análise, temos que o direito moderno não se satisfaz com a garantia da ação como tal e por isso é que procura extrair da formal garantia desta algo de substancial e mais profundo. "O que importa não é oferecer ingresso em juízo, ou mesmo julgamentos de mérito. Indispensável é que, além de reduzir os resíduos de conflitos não-jurisdicionáveis, possa o sistema processual oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações injustas desfavoráveis".

A busca desse efetivo resultado é o escopo do processo, sendo desdobramento da idéia da instrumentalidade do processo, servindo o processo como instrumento do Estado para o exercício de uma função sua, a jurisdição.

Assim, quando falamos em tutela jurisdicional efetiva, verificamos o processo como instrumento da jurisdição visa o controle dos conflitos sociais, diminuindo o grau de complexidade através da aplicação da norma ao fato concreto.

A afirmação de que através da jurisdição o Estado procura a realização do direito material (escopo jurídico do processo), sendo muito pobre em si mesma, há de coordenar-se com a idéia superior de que os objetivos buscados são, antes de qualquer coisa, objetivos sociais: trata-se de garantir que o direito objetivo material seja cumprido, o ordenamento jurídico preservado em sua autoridade e a paz e a ordem na sociedade favorecidas pela imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que se satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da própria sociedade (ou seja, do Estado enquanto comunidade).

Evidentemente, a motivação que leva as pessoas ao processo é a satisfação de seu próprio interesse, e não a atuação da vontade da lei ou mesmo a paz social. Desta forma, a realização do direito objetivo e a pacificação social são escopos da jurisdição em si mesma, não das partes.

Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, em excelente artigo que trata sobre o processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais destaca:

"Realmente, se o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode ser compreendido como mera técnica, mas, sim, como instrumento de realização de valores e especialmente valores constitucionais, impõe-se considerá-lo como direito constitucinal aplicado.

Nos dias atuais, cresce em significado a importância dessa concepção, se atentarmos para a íntima conexidade entre a jurisdição e o instrumento processual na aplicação e proteção dos direitos e garantias assegurados na Constituição. aqui não se trata mais, bem entendido, de apenas conformar o processo às normas constitucionais, mas de empregá-las no próprio exercício da função jurisdicional, com reflexo direto no seu conteúdo, naquilo que é decidido pelo órgão judicial e na maneira como o processo é por ele conduzido."

Assim, se a jurisdição é a atividade estatal que tem por objetivo, entre outros, a busca do equilíbrio das relações sociais, retomada a idéia da sociedade em crise, devemos nos preocupar agora em como tornar possível a tutela jurisdicional efetiva.

Procurando a conciliação entre a razoável duração do processo, já estabelecida pela EC 45/2004 e o tempo do processo (tempo mínimo necessário para a realização dos atos processuais e a cognição do magistrado sobre a causa), buscam-se formas diferenciadas de prestação jurisdicional.

Há uma mudança na concepção de jurisdição, não como forma de solucionar conflitos pela resposta (sentença) o magistrado, mas oportunizando, dando meios para que se busque a realização da justiça fora da formalidade procedimental, fomentando os acordos e conciliações, trazendo a cooperação do indivíduo com os interesses e escopos do Estado Democrático de Direito.

Aproximar o homem da tarefa de resolver seus próprios conflitos é uma conseqüência da jurisdição que já não se sustenta sozinha, sendo necessário dividir e delegar a missão jurisdicional.


A questão do tempo e sua influência na sociedade e no direito

A questão do "tempo" é matéria que vem ocupando grande relevância no universo do direito. Primeiramente, porque é através dele que se desenvolve a sociedade, tanto com relação ao tempo cronológico, determinável, quanto ao tempo social, dos acontecimentos e das relações jurídicas que se operam na sociedade, portanto variável, e que imprimem o desenvolvimento de novas leis por parte do Estado.

Este tempo, acelerado em decorrência do aumento dos conflitos de interesses não ajustáveis extrajudicialmente acabam exigindo, por parte do Estado uma resposta adequada e rápida, o que acaba, por conseqüência, acelerando o tempo do próprio direito, aonde a criação legislativa de urgência vem de última hora para acalmar os ânimos sociais.

Para Cristiano Paixão,

"O direito processa, de uma forma única (que nenhum outro sistema pode fazer), expectativas normativas capazes de manter-se em situações de conflito. Ele não pode, certamente, garantir que estas experiências não será frustrada. Mas pode garantir que elas possam ser mantidas como expectativas, mesmo no caso de frustração, e que alguém pode ter consciência disso e comunicar tal circunstancia antecipadamente. Sob o ponto de vista sociológico, então, a normatividade nada mais é senão estabilidade contrafática. Formulando em outros termos: ao proteger expectativas, o direito nos libera da exigência de aprender através de frustrações e de ajustar-nos a elas. E, deste modo, o direito mantém a possibilidade de resolver conflitos (e ao mesmo tempo torna possível identificar e resistir a conflitos), já que contém uma decisão preliminar (por menos clara que esta se manifeste num caso individual) acerca de quem tem de aprender com a frustração e quem não tem."

Como conseqüência, seguindo as idéias do autor, a "marca fundamental da passagem do direito das altas culturas ao direito da sociedade moderna traduz-se no fenômeno genericamente designado positivação do direito".

François Ost, em clássico do tema, frisa a idéia de tempo do direito:

Ela defende que a função principal do jurídico é contribuir para a instituição do social: mais do que interditos e sanções, como outrora se pensava, ou cálculo e gestão, como frequentemente se acredita hoje, o direito é um discurso performativo, um tecido de ficções operatórias que exprimem o sentido e o valor da vida em sociedade. Instituir quer aqui dizer estreitar o elo social e oferecer aos indivíduos os pontos de referência necessários à sua identidade e autonomia. É sob o ângulo do seu contributo para a subtracção ao estado de natureza e a sua violência sempre ameaçadora, sob o ângulo da sua capacidade de instituição, que o direito será, pois, interrogado.

Ainda, complementa o referido jurista e filósofo:

(...) o direito afecta directamente a temporalização do tempo, ao passo que, em compensação, o tempo determina a força instituinte do direito. (...) O tempo não permanece exterior à matéria jurídica, como um simples quadro cronológico no seio do qual a sua acção se desenrolaria; da mesma forma, o direito não se limita a impor ao calendário alguns atrasos normativos deixando o tempo desenrolar-se normalmente para todo o resto. Pelo contrário, é do interior que direito e tempo se trabalham mutuamente. Contra a visão positivista que não pára de exteriorizar o tempo, mostraremos que só é possível ‘exprimir o direito’ ‘dando tempo ao tempo’; longe de se resumir ao compasso formal do seu desenrolar cronológico, o tempo é uma das principais apostas da capacidade instituinte do direito.

O tempo no direito, por sua vez, reflete-se nos efeitos do tempo no "mundo" do direito, e liga-se também com a idéia de tempo do processo, forma pela qual irá se realizar o direito.

Belmiro Jorge Patto, em estudo sobre a dimensão temporal do processo civil, à luz das alterações impostas pela Emenda Constitucional nº 45, resume em poucas linhas nosso pensamento:

Nas sociedades atuais o tempo é fator decisivo para o exercício de determinados direitos, uma vez que a velocidade das transformações nas relações jurídicas é vertiginosa, assim como deve-se levar em consideração, também, a natureza mesma desses direitos que, se não efetivados em tempo hábil, podem vir a perecer, acarretando para a atividade jurisdicional desprestígio perante os cidadãos e gastos de dinheiro público inúteis.

Assim, repensar a importância do tempo do/no direito nos é indispensável ao desenvolvimento do presente trabalho, uma vez que a idéia de "urgência" na prestação jurisdicional está atrelada ao sentido de escoamento do tempo pelas demandas sociais. O tempo, como sabemos, não é passível de aprisionamento, e sua passagem é implacável com os direitos discutidos em juízo.

Ora, o Direito pré-existe ao Direito. Em outros termos, existe um direito prévio à formalização da norma aplicada, que diga que é "direito" aquilo que já se sabia ser "direito", aguardando-se apenas a chancela estatal para que possa ser juridicamente exigível.

Neste compasso, concordamos com Cristiano Paixão, no sentido de que "a partir do século XIX não há mais qualquer dúvida que o direito se transforma com o desenvolvimento da sociedade. Mudança do direito e evolução da sociedade são correlatos. A grande quantidade de normas, as mais diversas que jamais pudessem ter entrado em vigor ou que poderiam fazê-lo no futuro, não pode ser atribuída a uma espécie de pré-formataçáo na natureza humana; as normas variam com o processo histórico de desenvolvimento de um ordenamento sempre mais complexo da sociedade. Normas jurídicas até então válidas tornam-se obsoletas ou mudam o próprio sentido ou função e, quando a sociedade se transforma, novas normas as substituem".

Muito embora tenhamos a "ineficiência do Estado" como o vilão que justifica a morosidade do Judiciário, é importante ressaltar que a urgência não se limita às relações do indivíduo com o Estado, mas das próprias relações jurídicas entabuladas entre particulares. A ineficiência do Estado, neste ponto, é observada nos poucos recursos por ele criados de acesso à Justiça.

Neste momento, importante relacionar a idéia de urgência não apenas à urgência provocada pela falta de normatização, mas à urgência de um provimento jurisdicional.

Por urgência, podemos entender, em linhas gerais, da imprescindibilidade da medida judicial, sob pena de dano irreparável ou de difícil reparação sob a ótica dos direitos existentes.

Ora, adaptando-se o termo à realidade do Judiciário, não é difícil chegar à constatação de que a maior parte das demandas contém em seu pedido certa urgência, uma vez que o direito, se não satisfeito de imediato, não será devolvido ao demandante na mesma situação em que o obteria caso não fosse necessária a composição do litígio pela via judicial (uma vez que o Estado proibiu a autotutela).

Esta urgência, segundo o professor Ovídio Baptista da Silva, refere-se à "exigência imposta pelas circunstâncias, ou até mesmo psicologicamente determinada pela insegurança e pela angústia existencial, características trágicas tornadas a marca permanente do homem moderno".

Assim, busca-se, através de novos instrumentos, como as medidas de urgência, fórmulas de rápida solução dos conflitos postos à apreciação do poder judiciário com um mínimo de cognição, mas total satisfação, que busque minimizar essa situação de urgência. O tempo, neste ponto, é retratado como verdadeiro ‘inimigo’.

Ao falar sobre o "tempo-inimigo", Candido Rangel Dinamarco expõe de forma didática a questão do retardamento da prestação jurisdicional:

A realidade sobre as quais todos esses dispositivos opera é o tempo como fator de corrosão dos direitos, à qual se associa o empenho em oferecer meio de combate à força corrosiva do tempo-inimigo. Quando compreendemos que tanto as medidas cautelares como as antecipações de tutela se inserem nesse contexto de neutralização dos males do decurso do tempo antes que os direitos hajam sido reconhecidos e satisfeitos, teremos encontrado a chave para nossas dúvidas conceituais e o caminho que há de conduzir à solução dos problemas práticos associados a elas.

O que muitos não questionam, e que aqui nos parece interessante contrapor, é a questão da efetividade da tutela jurisdicional, uma vez que a maior incidência de demandas com conteúdo de urgente apreciação acabam por congestionar a máquina judiciária, que se acostuma a proferir decisões sem cunho definitivo, mas apenas provisório para suprir a alegada urgência.

A aceleração temporal que acarreta a aceleração das relações sociais e, conseqüentemente o aumento no número de demandas, acaba por gerar uma "bola de neve", não restando ao Direito outra saída senão autorizar medidas de urgência que possam, mesmo que provisoriamente (e até mesmo de forma ilusória), satisfazer a pretensão deduzida em juízo.

Sobre a autora
Cláudia Marlise da Silva Alberton Ebling

servidora pública federal, professora assistente de Teoria Geral do Processo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mestra em Direito pela Unisinos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EBLING, Cláudia Marlise Silva Alberton. O princípio da razoável duração do processo sob o enfoque da jurisdição, do tempo e do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1031, 28 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8304. Acesso em: 23 dez. 2024.

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