INTRODUÇÃO
Em junho do corrente ano, o Presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 979 que concede poderes ao Ministro da Educação, Abraham Weintraub, para escolher reitores das universidades federais enquanto durar a pandemia do coronavírus. Logo, não haverá necessidade de consulta à comunidade acadêmica para a decisão. Todavia, a MP foi duramente contestada pela comunidade jurídica e legislativa, onde o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para anular a referida legislação. Cabe então, a avaliação dos princípios que regem o Direito Administrativo para então, destacar se há compatibilidade com a norma vigente.
1 - DA MEDIDA PROVISÓRIA 979
No último dia 10/06, foi publicado pelo Diário Oficial da União a Medida Provisória 979 de 9 de junho de 2020, editada pelo Presidente Jair Bolsonaro, que confere ao Ministro da Educação Abraham Weintraub para escolher reitores[1], vice-reitores temporários para as universidades federais, institutos federais e para o Colégio Pedro II, enquanto durar a pandemia do Covid-19. O texto da legislação exclui a necessidade de consulta a professores ou acadêmicos para o desígnio de reitores, conforme é observado:
“MEDIDA PROVISÓRIA Nº 979, DE 9 DE JUNHO DE 2020
Dispõe sobre a designação de dirigentes pro tempore para as instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei[2]:
Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre a designação de:
I - reitor e vice-reitor pro tempore para universidades federais; e
II - reitor pro tempore para institutos federais e para o Colégio Pedro II.
§ 1º As hipóteses previstas no caput se aplicam no caso de término de mandato dos atuais dirigentes durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia dacovid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não se aplica às instituições federais de ensino cujo processo de consulta à comunidade acadêmica para a escolha dos dirigentes tenha sido concluído antes da suspensão das aulas presenciais.
Art. 2º Não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia dacovid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 2020.
Art. 3º O Ministro de Estado da Educação designará reitor e, quando cabível, vice-reitor pro tempore para exercício:
I - durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia dacovid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 2020; e
II - pelo período subsequente necessário para realizar a consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, até a nomeação dos novos dirigentes pelo Presidente da República. Art. 4º Na hipótese prevista no art. 3º, o reitor da instituição federal de ensino designará os dirigentes dos campi e os diretores de unidades pro tempore. Art. 5º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 9 de junho de 2020; 199º da Independência e 132º da República. “
2 - DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA
O princípio da autonomia universitária é estabelecido pelo artigo 207 da Constituição Federal. O preceito trata da independência das instituições de ensino superior públicas em seus atos administrativos, onde podem contratar, gerir e pesquisar para fins científicos, conforme é estabelecido:
“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão[3].
§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica. ”
Dessa maneira, Gilmar Mendes destaca a importância das instituições, preservando-as de ações discricionárias do legislador:
“As garantias institucionais resultam da percepção de que determinadas instituições (direito público) ou institutos (direito privado) desempenham papel de tão elevada importância na ordem jurídica que devem ter o seu núcleo essencial (as suas características elementares) preservado da ação erosiva do legislador. O seu objeto é constituído de um complexo de normas jurídicas, de ordem pública e privada. A garantia da família (art. 226) e a da autonomia da universidade (art. 207) exemplificam essa categoria de normas entre nós[4]. “ (Gilmar Ferreira Mendes 2018, 252)
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também já se posicionou quanto a defesa da autonomia universitária, onde a ministra Carmén Lucia afirmou que as universidades são um espaço para a liberdade de expressão, além de gozarem de independência para desempenhar suas funções:
“Portanto, as providências judiciais e administrativas impugnadas na ADPF, além de ferir o princípio garantidor de todas as formas de manifestação da liberdade, desrespeitam a autonomia das universidades e a liberdade dos docentes e discentes. (...) as normas previstas nos artigos 206, II e III, e 207 da CF se harmonizam com os direitos às liberdades de expressão do pensamento, de informar e de ser informado. Esses direitos são constitucionalmente assegurados, para o que o ensino e a aprendizagem se conjugam, de modo a garantir espaços de libertação da pessoa, a partir de ideias e compreensões do mundo convindas ou não e expostas para convencer ou simplesmente expressar o entendimento de cada qual. A autonomia é o espaço de discricionariedade conferido constitucionalmente à atuação normativa infralegal de cada universidade para o excelente desempenho de suas funções. As universidades são espaços de liberdade e de libertação pessoal e política. Seu título indica a pluralidade e o respeito às diferenças, às divergências para se formarem consensos, legítimos apenas quando decorrentes de manifestações livres. Por isso, a Constituição ali garante, de modo expresso, a liberdade de aprender e ensinar e, ainda, de divulgar livremente o pensamento. [5]“
3 - DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
A realização dos atos da Administração Pública deve se pautar em normas e princípios do Direito Administrativo. Logo, a Constituição Federal estabelece em seu artigo 37, caput, os princípios que regem o Poder Público:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência[6]...”
Portanto, a legalidade do poder público ocorre a partir do ponto em que o administrador obedece a forma da lei, como afirma Odete Medauar:
“A Constituição de 1988 determina que todos os entes e órgãos da Administração obedeçam ao princípio da legalidade (caput do art. 37); a compreensão desse princípio deve abranger a observância da lei formal, votada pelo Legislativo, e também dos preceitos decorrentes de um Estado Democrático de Direito, que é o modo de ser do Estado brasileiro, conforme reza o art. 1º, caput, da Constituição; e, ainda, deve incluir a observância dos demais fundamentos e princípios de base constitucional. Além do mais, o princípio da legalidade obriga a Administração a cumprir normas que ela própria editou. [7]“ (Medauar 2018, 112)
4 - CONCLUSÃO
O princípio da autonomia universitária é essencial para que as instituições de ensino superior possam realizar atos diante de suas próprias necessidades. Em razão disso, o legislador atribuiu esse preceito para, justamente, prevenir que atos políticos discricionários não violassem as universidades públicas, que muitas das vezes podem ser aparelhadas para fins políticos e pessoais.
A Medida Provisória editada por Bolsonaro, que confere poder ao Ministro da Educação, Abraham Weintraub, para escolher reitores e vice-reitores de instituições de ensino públicas, pode estar ferindo o princípio da autonomia universitária, que é estabelecido pela Carta Magna. É imperiosa a observância ao princípio da legalidade dos atos do Poder Público, pois, a partir do momento em que a Administração Pública viola uma norma constitucional, não age de acordo com o princípio da legalidade.
É visível então, a necessidade de revisão da norma, sob o olhar constitucional, para o não descumprimento das normas estabelecidas pela Constituição Federal e pelo Direito Administrativo.
Referências
[ADPF 548-MC-REF, rel. min. Cármen Lúcia, j. 31-10-2018, P, Informativo 922. ]. s.d.
Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-979-de-9-de-junho-de-2020-261041611. s.d.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. s.d.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. s.d.
https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/06/10/bolsonaro-edita-mp-que-permite-weintraub-escolher-reitores-temporarios-de-universidades-federais-durante-a-pandemia.ghtml. s.d.
Medauar, Odete. Direito Administrativo moderno. Belo Horizonte: Forúm, 2018.
[1] (https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/06/10/bolsonaro-edita-mp-que-permite-weintraub-escolher-reitores-temporarios-de-universidades-federais-durante-a-pandemia.ghtml s.d.)
[2] (http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-979-de-9-de-junho-de-2020-261041611 s.d.)
[3] (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm s.d.)
[4] Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 13. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. – (Série IDP)
[5] ([ADPF 548-MC-REF s.d.)
[6] (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm s.d.)
[7] Direito Administrativo moderno/ Odete Medauar. 21. ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2018