Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

MP 979 e a violação da autonomia universitária

Agenda 10/06/2020 às 20:32

O Presidente Bolsonaro editou uma Medida Provisória que permite o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolher reitores de instituições de ensino público, porém é necessária a análise da MP.

INTRODUÇÃO

Em junho do corrente ano, o Presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 979 que concede poderes ao Ministro da Educação, Abraham Weintraub, para escolher reitores das universidades federais enquanto durar a pandemia do coronavírus. Logo, não haverá necessidade de consulta à comunidade acadêmica para a decisão. Todavia, a MP foi duramente contestada pela comunidade jurídica e legislativa, onde o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para anular a referida legislação. Cabe então, a avaliação dos princípios que regem o Direito Administrativo para então, destacar se há compatibilidade com a norma vigente. 

1 - DA MEDIDA PROVISÓRIA 979

No último dia 10/06, foi publicado pelo Diário Oficial da União a Medida Provisória 979 de 9 de junho de 2020, editada pelo Presidente Jair Bolsonaro, que confere ao Ministro da Educação Abraham Weintraub para escolher reitores[1], vice-reitores temporários para as universidades federais, institutos federais e para o Colégio Pedro II, enquanto durar a pandemia do Covid-19. O texto da legislação exclui a necessidade de consulta a professores ou acadêmicos para o desígnio de reitores, conforme é observado:

“MEDIDA PROVISÓRIA Nº 979, DE 9 DE JUNHO DE 2020

Dispõe sobre a designação de dirigentes pro tempore para as instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei[2]:

Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre a designação de:

I - reitor e vice-reitor pro tempore para universidades federais; e

II - reitor pro tempore para institutos federais e para o Colégio Pedro II.

§ 1º As hipóteses previstas no caput se aplicam no caso de término de mandato dos atuais dirigentes durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia dacovid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não se aplica às instituições federais de ensino cujo processo de consulta à comunidade acadêmica para a escolha dos dirigentes tenha sido concluído antes da suspensão das aulas presenciais.

Art. 2º Não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia dacovid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 2020.

Art. 3º O Ministro de Estado da Educação designará reitor e, quando cabível, vice-reitor pro tempore para exercício:

I - durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia dacovid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 2020; e

II - pelo período subsequente necessário para realizar a consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, até a nomeação dos novos dirigentes pelo Presidente da República. Art. 4º Na hipótese prevista no art. 3º, o reitor da instituição federal de ensino designará os dirigentes dos campi e os diretores de unidades pro tempore. Art. 5º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 9 de junho de 2020; 199º da Independência e 132º da República. “

2 - DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA

O princípio da autonomia universitária é estabelecido pelo artigo 207 da Constituição Federal. O preceito trata da independência das instituições de ensino superior públicas em seus atos administrativos, onde podem contratar, gerir e pesquisar para fins científicos, conforme é estabelecido:

“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão[3].

§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica. ”

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Dessa maneira, Gilmar Mendes destaca a importância das instituições, preservando-as de ações discricionárias do legislador:

“As garantias institucionais resultam da percepção de que determinadas instituições (direito público) ou institutos (direito privado) desempenham papel de tão elevada importância na ordem jurídica que devem ter o seu núcleo essencial (as suas características elementares) preservado da ação erosiva do legislador. O seu objeto é constituído de um complexo de normas jurídicas, de ordem pública e privada. A garantia da família (art. 226) e a da autonomia da universidade (art. 207) exemplificam essa categoria de normas entre nós[4]. “ (Gilmar Ferreira Mendes 2018, 252)

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também já se posicionou quanto a defesa da autonomia universitária, onde a ministra Carmén Lucia afirmou que as universidades são um espaço para a liberdade de expressão, além de gozarem de independência para desempenhar suas funções:

“Portanto, as providências judiciais e administrativas impugnadas na ADPF, além de ferir o princípio garantidor de todas as formas de manifestação da liberdade, desrespeitam a autonomia das universidades e a liberdade dos docentes e discentes. (...) as normas previstas nos artigos 206, II e III, e 207 da CF se harmonizam com os direitos às liberdades de expressão do pensamento, de informar e de ser informado. Esses direitos são constitucionalmente assegurados, para o que o ensino e a aprendizagem se conjugam, de modo a garantir espaços de libertação da pessoa, a partir de ideias e compreensões do mundo convindas ou não e expostas para convencer ou simplesmente expressar o entendimento de cada qual. A autonomia é o espaço de discricionariedade conferido constitucionalmente à atuação normativa infralegal de cada universidade para o excelente desempenho de suas funções. As universidades são espaços de liberdade e de libertação pessoal e política. Seu título indica a pluralidade e o respeito às diferenças, às divergências para se formarem consensos, legítimos apenas quando decorrentes de manifestações livres. Por isso, a Constituição ali garante, de modo expresso, a liberdade de aprender e ensinar e, ainda, de divulgar livremente o pensamento. [5]

3 - DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

A realização dos atos da Administração Pública deve se pautar em normas e princípios do Direito Administrativo. Logo, a Constituição Federal estabelece em seu artigo 37, caput, os princípios que regem o Poder Público:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência[6]...”

Portanto, a legalidade do poder público ocorre a partir do ponto em que o administrador obedece a forma da lei, como afirma Odete Medauar:

“A Constituição de 1988 determina que todos os entes e órgãos da Administração obedeçam ao princípio da legalidade (caput do art. 37); a compreensão desse princípio deve abranger a observância da lei formal, votada pelo Legislativo, e também dos preceitos decorrentes de um Estado Democrático de Direito, que é o modo de ser do Estado brasileiro, conforme reza o art. 1º, caput, da Constituição; e, ainda, deve incluir a observância dos demais fundamentos e princípios de base constitucional. Além do mais, o princípio da legalidade obriga a Administração a cumprir normas que ela própria editou. [7]“ (Medauar 2018, 112)

4 - CONCLUSÃO

O princípio da autonomia universitária é essencial para que as instituições de ensino superior possam realizar atos diante de suas próprias necessidades. Em razão disso, o legislador atribuiu esse preceito para, justamente, prevenir que atos políticos discricionários não violassem as universidades públicas, que muitas das vezes podem ser aparelhadas para fins políticos e pessoais.

A Medida Provisória editada por Bolsonaro, que confere poder ao Ministro da Educação, Abraham Weintraub, para escolher reitores e vice-reitores de instituições de ensino públicas, pode estar ferindo o princípio da autonomia universitária, que é estabelecido pela Carta Magna. É imperiosa a observância ao princípio da legalidade dos atos do Poder Público, pois, a partir do momento em que a Administração Pública viola uma norma constitucional, não age de acordo com o princípio da legalidade.

É visível então, a necessidade de revisão da norma, sob o olhar constitucional, para o não descumprimento das normas estabelecidas pela Constituição Federal e pelo Direito Administrativo.

Referências

[ADPF 548-MC-REF, rel. min. Cármen Lúcia, j. 31-10-2018, P, Informativo 922. ]. s.d.

Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-979-de-9-de-junho-de-2020-261041611. s.d.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. s.d.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. s.d.

https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/06/10/bolsonaro-edita-mp-que-permite-weintraub-escolher-reitores-temporarios-de-universidades-federais-durante-a-pandemia.ghtml. s.d.

Medauar, Odete. Direito Administrativo moderno. Belo Horizonte: Forúm, 2018.

 

 

 


[1] (https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/06/10/bolsonaro-edita-mp-que-permite-weintraub-escolher-reitores-temporarios-de-universidades-federais-durante-a-pandemia.ghtml s.d.)

[2] (http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-979-de-9-de-junho-de-2020-261041611 s.d.)

[3] (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm s.d.)

[4] Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 13. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. – (Série IDP)

[5] ([ADPF 548-MC-REF s.d.)

[6] (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm s.d.)

[7] Direito Administrativo moderno/ Odete Medauar. 21. ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2018

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!