A FORMAÇÃO COMPLEMENTAR DOCENTE DOS PROFESSORES GRADUADOS NÃO LICENCIADOS DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INTRODUÇÃO
Atualmente, a rede federal de ensino tem duas grandes divisões, quais sejam: as Universidades Federais (incluindo as rurais) e a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, essa última com o objetivo de interiorizar e diversificar a educação profissional e tecnológica no país.[1]
Desse modo, existem, principalmente, duas carreiras de professores federais: os professores do magistério superior e os professores do ensino básico, técnico e tecnológico. Sendo carreiras distintas, os requisitos para ingresso e exercício em cada uma delas é diferente.
Assim, o presente artigo pretende, por meio de uma metodologia exploratória e qualitativa, fazer uma análise de uma questão específica da carreira de Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico-EBTT, qual seja: a necessidade de complementação pedagógica para professores não licenciados.
CAPÍTULO I – Professores da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
A rede federal em testilha é regulamentada pela lei 11.892 de 2008, que prevê o seguinte:
Art. 1o Fica instituída, no âmbito do sistema federal de ensino, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação e constituída pelas seguintes instituições:
I - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - Institutos Federais;
II - Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR;
III - Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET-RJ e de Minas Gerais - CEFET-MG;
IV - Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais; e
V - Colégio Pedro II.
Desse modo, conforme se percebe, as antigas escolas técnicas federais espalhadas por todo o Brasil foram reunidas para criar a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, a maior parte delas se transformando em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e outras, por uma opção política, mantendo a sua terminologia originária, como é o caso do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, previsto na própria Constituição da República como entidade integrante da Rede Federal.[2]
Dentro desse panorama, os professores da referida rede irão integrar a carreira de Professores do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico-EBTT, que, naturalmente, possuirá características diferentes dos professores do magistério superior, como é caso da necessidade de professores licenciados ou com uma formação complementar docente, conforme será visto no tópico que segue.
Capítulo II – Da formação complementar docente
Os professores EBTTs diferem dos professores do magistério superior devido ao fato de ensinarem em cursos do ensino básico, técnico e tecnológico.
Segundo o artigo 21 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB, a educação básica é formada pela pela “educação infantil, ensino fundamental e ensino médio”. (BRASIL, 1996).
Além disso, dentro da educação básica, a LDB traz ainda a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, que pode ser prestada, nos termos do seu Art. 36-B, da seguinte forma: “I - articulada com o ensino médio; II- subseqüente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio”. (BRASIL, 1996).
Por fim, os professores EBTTs também lecionam na Educação Profissional e Tecnológica, que, nos termos da LDB, tem a seguinte abrangência:
Art.39: § 2º A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos: I – de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; II – de educação profissional técnica de nível médio; II – de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação. (BRASIL, 1996).
Desta feita, todo professor EBTT tem dentro da sua atribuição a função de lecionar no Ensino Básico, o que comumente acontece de forma integrada ao ensino médio ou por meio de cursos subsequentes ao mesmo.
Assim, importante trazer à baila o seguinte dispositivo da LDB:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. (Grifos nossos) (BRASIL, 1996).
Conforme se percebe, o professor do ensino básico deve ter formação em licenciatura, não bastando, como regra, ser meramente graduado na sua área de conhecimento.
Acontece que existem em toda a Rede Federal de Ensino diversos professores graduados e não licenciados nas mais diversas áreas do saber, como, por exemplo, na área de administração, direito, psicologia, turismo, dentre tantas outras essenciais para a formação nos mais diversos cursos técnicos e tecnológicos existentes no Brasil, muitas vezes profissionais que não possuíam a docência como atividade profissional antes da aprovação no concurso para professor.[3]
Desse modo, lendo friamente a lei, os professores das áreas mencionadas no parágrafo anterior precisariam fazer uma licenciatura. Entretanto, não existe licenciatura em nenhuma das áreas mencionadas, não sendo razoável se entender que um professor de direito, por exemplo, precise fazer uma licenciatura em história para poder continuar na rede federal de ensino, da mesma forma que parece sem sentido obrigar um professor doutor a iniciar um curso de licenciatura.
Por outro lado, deve haver mecanismos para complementar a formação docente dos referidos professores, sendo por essa razão que a lei 11.892/2008 prevê:
Art. 7o Observadas as finalidades e características definidas no art. 6o desta Lei, são objetivos dos Institutos Federais: b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional.(grifos nossos) (BRASIL, 2008).
Desse modo, a própria legislação brasileira prevê a possibilidade da complementação docente dos professores graduados se dar por meio de “programas especiais de formação pedagógica” ofertados pelos próprios institutos federais.
Assim, os professores graduados não poderão ser obrigados a arcar com o ônus da referida capacitação, devendo as próprias instituições de ensino federal garantirem a realização dos mesmos.
No mais, o Ministério da Educação regulamenta a referida formação por meio da Resolução CNE/CP Nº 2 de 20 de dezembro de 2019, que prevê:
CAPÍTULO VIDA FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA GRADUADO SArt. 21. No caso de graduados não licenciados, a habilitação para o magistério se dará no curso destinado à Formação Pedagógica, que deve ser realizado com carga horária básica de 760 (setecentas e sessenta) horas com a forma e a seguinte distribuição:I -Grupo I: 360 (trezentas e sessenta) horas para o desenvolvimento das competências profissionais integradas às três dimensões constantes da BNC-Formação, instituída por esta Resolução.II -Grupo II: 400 (quatrocentas) horas para a prática pedagógica na área ou no componente curricular.Parágrafo único. O curso de formação pedagógica para graduados não licenciados poderá ser ofertado por instituição de Educação Superior desde que ministre curso de licenciatura reconhecido e com avaliação satisfatória pelo MEC na habilitação pretendida, sendo dispensada a emissão de novos atos autorizativos. (MEC, 2019).
Desta feita, as normas acima mencionadas representam a regra geral para a formação pedagógica dos professores graduados não licenciados. Entretanto, urge frisar que a resolução do MEC Nº 6, de 20 de setembro de 2012, ainda em vigor[4], traz a seguinte possibilidade:
TÍTULO IV
FORMAÇÃO DOCENTE
Art. 40 A formação inicial para a docência na Educação Profissional Técnica de Nível Médio realiza-se em cursos de graduação e programas de licenciatura ou outras formas, em consonância com a legislação e com normas específicas definidas pelo Conselho Nacional de Educação.
§ 1º Os sistemas de ensino devem viabilizara formação a que se refere o caputd deste artigo, podendo ser organizada em cooperação com o Ministério da Educação e instituições de Educação Superior.
§ 2º Aos professores graduados, não licenciados, em efetivo exercício na profissão docente ou aprovados em concurso público, é assegurado o direito de participar ou ter reconhecidos seus saberes profissionais em processos destinados à formação pedagógica ou à certificação da experiência docente, podendo ser considerado equivalente às licenciaturas:
I -excepcionalmente, na forma de pós-graduação lato sensu,de caráter pedagógico, sendo o trabalho de conclusão de curso, preferencialmente, projeto de intervenção relativo à prática docente;
II -excepcionalmente, na forma de reconhecimento total ou parcial dos saberes profissionais de docentes, com mais de 10 (dez) anos de efetivo exercício como professores da Educação Profissional, no âmbito da Rede CERTIFIC;
III -na forma de uma segunda licenciatura, diversa da sua graduação original, a qual o habilitará ao exercício docente.
§ 3º O prazo para o cumprimento da excepcionalidade prevista nos incisos I e II do § 2º deste artigo para a formação pedagógica dos docentes em efetivo exercício da profissão, encerrar-se-á no ano de 2020(grifo nossos). (MEC,2012).
Conforme se percebe, o professor graduado não licenciado tem a opção também de fazer uma segunda licenciatura ou, até o final do ano de 2020, ter o reconhecimento dos seus saberes como professor da educação profissional por mais de 10 anos certificado pela Rede CERTIFIC ou, ainda, também até o final de 2020, ter a complementação docente reconhecida por meio da feitura de uma pós-graduação lato sensu de caráter pedagógico, ou seja, na área de educação/docência/pedagogia, não existindo uma previsão de qual é o mínimo da carga horária da dita especialização, devendo ser, assim, o mínimo para qualquer especialização, qual seja: 360 horas.
Nesse último caso o trabalho de conclusão da especialização deverá se dar, preferencialmente, por meio de um “projeto de intervenção relativo à prática docente” (MEC, 2012). Quanto a essa questão, duas observações: primeiramente, preferencialmente não é obrigatoriamente. De qualquer forma, não existindo previsão legal sem utilidade, deve haver uma justificativa para o referido trabalho de conclusão não ser realizado da referida forma preferencial. A segunda observação é que a resolução não exige a efetiva prática de uma intervenção docente e sim a feitura de um projeto nesse sentido, tratando-se, dessa forma, da obrigatoriedade de uma previsão teórica e hipotética e não de uma abordagem prática real. Não poderia ser de outra forma, pois uma intervenção docente não depende apenas da vontade do professor, mas também do diretor de ensino ou do diretor de pesquisa e extensão de cada instituição de ensino, muitas vezes sendo exigida também a aprovação em uma seleção antecedida de um edital.
No mais, a única exigência para a dita especialização é ser na área pedagógica e com o trabalho de conclusão fazendo alusão, preferencialmente, a um projeto de intervenção docente. Desse modo, não se exige, por exemplo, de que se trate de uma especialização em educação profissional ou em qualquer outra subárea da educação, devendo ser aceita qualquer especialização na área de pedagogia/educação/docência.
Frise-se, outrossim, que caso não haja a realização da referida especialização ou da referida certificação até o final do presente ano de 2020, o professor não poderá sofrer qualquer tipo de penalidade, porém perderá a oportunidade de complementar a sua formação de professor graduado não licenciado por meio das referidas formas de capacitação/certificação.
Entretanto, continuará sendo possível a complementação por meio da feitura de uma licenciatura em outra área do saber ou por meio de um curso de formação pedagógica nos termos da Resolução CNE/CP Nº 2 de 20 de dezembro de 2019 a ser ofertado pela própria Rede Federal de Ensino.
Por fim, importante também esclarecer que a complementação docente excepcional por meio de uma especialização em qualquer área pedagógica prevista na resolução do MEC Nº 6 até 2020 é uma possibilidade incorporada como direito adquirido dos professores em virtude do princípio da segurança jurídica, que no Direito Administrativo assegura a preservação da confiança legítima que os administrados, inclusive os servidores públicos, possuem nos atos praticados pelo Poder Público[5], que são presumidamente legais e verdadeiros, o que gera a necessidade de preservação da boa-fé depositada nos mesmos. [6]
Outrossim, deve ser aplicada ao presente caso também a Teoria do Venire Contra Factum Proprium, que impede qualquer pessoa de agir de forma contraditória aos seus próprios atos praticados anteriores[7], teoria essa que se aplica ao Poder Público, tal como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça-STJ.[8]
Urge frisar ainda que até a presente data muito professores graduados se preparam para até o final do presente ano complementar sua formação por meio de uma especialização na área de educação, seja iniciando um curso, seja se preparando financeiramente para iniciar um, seja se organizando nos âmbitos profissionais e familiares para a o início do referido curso.
Desse modo, não se podem mudar as regras do jogo, principalmente na iminência de terminar o prazo previsto na dita Resolução do MEC Nº 6 de 2012.
CONCLUSÃO.
Diante de tudo que foi exposto, importante se faz a complementação da formação dos professores EBTTs graduados não licenciados e que deve ser garantida pela própria instituição federal de ensino a qual o docente está vinculado, não existindo um prazo para tanto.
Além disso, os professores graduados poderão complementar sua formação por meio da feitura de uma licenciatura ou, até o final do presente ano, por meio de uma especialização em qualquer área de pedagogia/docência/educação ou por meio do recebimento de uma certificação caso tenha mais de 10 anos de experiência na educação profissional.
As possibilidades mencionadas no parágrafo anterior representam direito adquirido de todo professor EBTT graduado. De qualquer forma, caso eles optem pelo não exercício do referido direito, continuará existindo a possibilidade de complementação da formação docente por meio da feitura de uma nova licenciatura ou por meio de um curso de formação pedagógica a ser ofertada pela própria instituição de ensino do professor nos termos da Resolução CNE/CP Nº 2 de 20 de dezembro de 2019.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 de junho de 2020.
BRASIL, Lei nº 11.892/2008, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11892.htm Acesso em: 15 de junho de 2020.
BRASIL, Lei nº 9394/1996 de 220 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 15 de junho de 2020.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Resolução Nº2, de 1º de julho de 2015. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura e para a formação continuada). Disponível em http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file.htm. Acesso em 15 de junho de 2020.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Resolução Nº 6, de 20 de setembro de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=dowland
&alias=11663-rceb006-12-pdf&category_slug=setembro-2012-pdf&Itemid=30192. Ace
sso em 16/06/2020.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública: fundamentos teóricos e soluções práticas. Belo Horizonte: Forum, 2019.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo. 2ªed. São Paulo: Método, 2013.
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TARTUCE, Flávio. Direito Civil 3: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécies. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
[1]Fonte: http://portal.mec.gov.br/rede-federal-inicial/. Acesso em 15/06/2020.
[2]Constituição da República do Brasil de 1988: Art. 242. § 2º O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.
[3]OLIVEIRA, Rosilene de Souza; SALES, Márcea Andrade Sales; SILVA, Ana Lúcia Gomes. Professor por acaso? A docência nos institutos federais. Revista Profissão Docente. Uberaba, v. 17, n. 37, p. 5-16, ago.- dez. 2017. p.11.
[4]A Resolução CNE/CP Número 2 de 20 de dezembro de 2019 não revogou a resolução número 6 de 20 de setembro 2012, conforme pode ser visto nas suas disposições transitórias que prevê apenas: Art. 30. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogada a Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015.
[5]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo. 2ªed. São Paulo: Método, 2013. p.163.
[6]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.p.116.
[7]TARTUCE, Flávio. Direito Civil 3: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécies. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p.175.
[8]MEGNA, Bruno Lopes. Arbitragem e Administração Pública: fundamentos teóricos e soluções práticas. Belo Horizonte: Forum, 2019.p.330.