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Doença mental x perda do mandato eletivo

Caso viesse a ser comprovada alguma doença com comprometimento da sanidade mental de detentor de cargo político, qual seria a consequência jurídica no tocante à manutenção do mandato eletivo?

INTRODUÇÃO

Na qualidade de professores universitários e de cursos preparatórios para concursos públicos e exame de ordem, causou preocupação a estes autores a indagação, recorrente em salas de aula, que aborda a questão atual de saber se, caso viesse a ser comprovada alguma doença com comprometimento da sanidade mental de um detentor de cargo político, qual seria a consequência jurídica no tocante à manutenção do mandato eletivo.

O presente trabalho apresenta uma análise acerca da visão do Direito Público, propriamente dos Direitos Políticos, daquele que se vê diante de um quadro fisiológico de constatação de sua insanidade ou de sua doença mental e a sua relação com o mandato eletivo, sem descuidar dos conceitos de incapacidade civil, trazidos pelo Direito Privado, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.146/15 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - LBI).


CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA

A Constituição Federal traz a lume alguns requisitos para o cidadão, alistável, ser eleito para o desempenho do mandato eletivo nos Poderes Executivo (Presidente, Governador e Prefeito) e Legislativo (Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Vereador). Segundo Babler:

No Brasil, a alistabilidade não coincide com a elegibilidade, pois o alistamento é condição necessária, mas não suficiente para se eleger. Assim, para se eleger, é preciso que se cumpram dois requisitos: as condições de elegibilidade e a ausência das causas de inelegibilidade[1].

Em nenhum dos dispositivos constitucionais afetos às condições de elegibilidade ou das inelegibilidades foi apontada qualquer incompatibilidade ou proibição em razão da incapacidade resultante de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto.

Entretanto, no artigo 15, II, da Carta Maior, o legislador constituinte cuidou de indicar entre as hipóteses de perda e suspensão dos direitos políticos, a incapacidade civil absoluta, nos seguintes termos: É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (...) II - incapacidade civil absoluta.

Por derradeiro, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, os doentes mentais que não podem exprimir sua vontade consideram-se relativamente incapazes: “são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: [...] III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”.

Portanto, com o advento do “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, não podem mais os deficientes ter seus direitos políticos suspensos, como ocorria até o advento do referido Estatuto. Aliás, o art. 76 da LBI traz regramento relativo ao “Direito à Participação na Vida Pública e Política”, nos seguintes termos:

“Art. 76. O poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º À pessoa com deficiência será assegurado o direito de votar e de ser votada, inclusive por meio das seguintes ações: (...); II – incentivo à pessoa com deficiência a candidatar-se e a desempenhar quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, inclusive por meio do uso de novas tecnologias assistivas, quando apropriado (...)”; grifo nosso.

Resta saber se haveria incapacidade civil absoluta caso se constatasse que algum mandatário eletivo, representante do povo brasileiro, apresentasse, comprovadamente, a existência de doença mental ou qualquer tipo de insanidade.

Obtempere-se que, em toda a nossa história republicana, o único caso em que um Presidente da República teve que ser afastado por doença mental foi o Marechal Arthur da Costa e Silva, substituído por uma Junta Militar até a nomeação de Emílio Garrastazu Médici como seu sucessor. A questão, no entanto, não será nova em nossa história constitucional, se acaso se vier a discutir a imputabilidade (ou falta dela) de um Chefe do Poder Executivo. Entretanto, a solução da questão constitucional apontada, certamente o será.

Nos momentos obscuros em que o país atravessa, insista-se, a questão tem sido trazida a lume, por um sem número de alunos em consultas em salas de aula, até porque constantemente invocada pela mídia, no que tange ao comportamento do nosso atual Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro – atacado por uns, amado por outros.

A simples ideia de se retirar alguém do cargo em caso de doença mental, em condições como tal, poderia ser vista por alguns como golpe de Estado e ato, por exemplo, de preconceito deliberado (a LBI, em si considerada, proíbe situações que possam ser tidas como barreiras atitudinais). Por outros, poderia ser vista como ato racional, eis que, numa perspectiva de proporcionalidade e razoabilidade não poderiam os destinos do país, havendo capacidade civil, ou não, serem tomadas sem a serenidade esperada.


A CAPACIDADE CIVIL E A LEI 13.146/15

Como sabido, desde há muito, se tem por superados diplomas legais como o Código Civil de 1916 que cuidava dos “loucos de todo o gênero” como modo de rotular indevidamente as pessoas acometidas por doenças mentais.

A Constituição Federal reservou algumas garantias de proteção das pessoas com deficiência, mormente no que concerne a competência comum (material) para cuidar das pessoas com deficiência, para legislar sobre proteção a essas pessoas, reservando cargos públicos em concursos públicos aos deficientes, benefícios da assistência social, educação diferenciada, acessibilidade, entre outras.

No caso, não se pode esquecer de que a legislação infraconstitucional brasileira sobre deficiência mental passou a ser a Lei nº 13.146/15, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência ou, como queiram, Lei Brasileira de Inclusão, simplesmente LBI.

Chama-se a atenção, num primeiro momento, para o fato de que o legislador buscou fazer um apanhado da legislação esparsa que protegia as pessoas com deficiência, buscando harmonizar o tema no direito brasileiro. Vale lembrar que o Governo brasileiro, havia em 25 de agosto de 2009, firmado o Decreto nº 6.949, promulgando no direito pátrio a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, firmada pelo Brasil, dois anos antes (em 30 de março de 2007).

A LBI, no entanto, a despeito de inegáveis vantagens, não é uma unanimidade no direito brasileiro, isso porque, não se pode perder de vistas que, ao igualar a todos em capacidade civil, poderia estar havendo um desequilíbrio fático nas relações jurídicas que envolvem tais pessoas (que deveriam ser protegidas – ao menos os que tenham dificuldades intelectivas), eis que se deixaria de tutelar os interesses de quem possa efetivamente precisar (pense-se numa pessoa com deficiência mental que possa ser conduzido por pessoa de má-fé a um casamento que lhe seja ruinoso – há muitas pessoas com idade mental de seis, sete, dez anos de idade, por exemplo).

Isso num mundo em que a própria ONU e a OMS entendem que a maioridade deve ser atingida aos 24 anos, pois o conceito de adolescência estaria mudando (defende-se a ideia de acordo com a qual o hipotálamo apenas estaria desenvolvido nessa idade e não aos dezoito anos, por exemplo). Nesse sentido interessante matéria científica divulgada pelo prestigiado canal britânico BBC (https://www.bbc.com/portuguese/geral-42747453).

É imperiosa a necessidade de adequação interpretativa das normas em caráter de controle de conformação, para que quem não tenha o pleno desenvolvimento psicológico seja protegido – há aparente contradição entre o escopo protetivo da orientação mundial e a equiparação indiscriminada – compete ao operador do direito avaliar caso a caso qual a solução mais adequada aos interesses da pessoa com deficiência mental ou intelectual.

Aliás, prelado básico da operabilidade, decorrência da isonomia e que se atenda ao ideal platônico da República no sentido de tratar desigualmente os desiguais para igualá-los. Por isso, parte da doutrina se apega à ideia de que a sociedade ainda não estaria preparada para o que se estabelece nos artigos 2º e 6º da LBI no que toca à capacidade civil plena de pessoas com deficiência mental ou intelectual.

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Em sentido de crítica construtiva ao modo como a questão foi tratada no direito civil, com riscos inerentes a injustiças de se tratar de modo generalizado a pessoa com deficiência mental e intelectual em condições de igualdade com quem não esteja nessa condição (risco de ilusão, lesão, erros, expedientes astuciosos, dolosos, fraudulentos, etc.), de se destacar a opinião do professor José Fernando Simão, para quem, dizendo muito em pouco:

O Estatuto é fruto de um momento histórico em que há, sob o argumento de se evitar discriminações, uma “negação” injustificada das diferenças o que acaba por gerar o abandono jurídico de uma importante parcela da população que dela necessita. Se em termos gerais o Estatuto é positivo, inclusivo e merece nosso aplauso, em termos de direito civil temos problemas incontornáveis e atecnias seríssimas.

Não obstante, repita-se, a LBI tenha inúmeros méritos, torna nebulosa a questão ora examinada, posto que, antes, se não havia qualquer espaço para dúvida a respeito da impossibilidade de uma pessoa com deficiência não poder continuar ocupando um cargo eletivo – agora com a concessão da capacidade civil plena conferida em lei a questão da capacidade eleitoral passiva (aptidão para ser votado e eleito) e de ser investido (e mantido no cargo) ganha outra relevância.


A PONDERAÇÃO DOS INTERESSES ENVOLVIDOS

Ora, nesses momentos, salutares as considerações de Celso Antônio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade) quando assevera que normas jurídicas podem, sim, desde que haja razão adequada – fator de discrímen adequado – estabelecer critérios diferenciais – seria o caso de se estabelecer que para a vaga de carceragem de presídio feminino somente possam concorrer pessoas do gênero feminino – esse fator diferencial levaria à conclusão no sentido de que haveria proporcionalidade e adequação entre meios e fins.

No mesmo sentido, mesmo havendo capacidade civil, um concurso público poderia excluir, por exemplo, por ser muito perigoso para a própria pessoa com deficiência, que ela seja fiscal de segurança de um reator nuclear (Homer Simpson que o diga). Desta feita, não pareceria teratológico, como o fazem muitas democracias representativas, que seus dirigentes se afastem quando surja necessidade de tratamento de saúde comprovada – seja a saúde física seja mental, eis que saúde implica em estado de higidez físico-psíquica de um indivíduo.

Isso porque, um estudo desenvolvido por Marwin Swartz, como apontado, por exemplo, no jornal Folha de São Paulo (disponível em https://controversia.com.br/2018/01/29/quase-metade-dos-presidentes-dos-eua-tinha-doenca-mental/ e também em http://m.folha.uol.com.br/mundo/2018/01/1952109-quase-metade-dos-presidentes-dos-eua-tinha-doenca-mental.shtml) denominado “Doenças Mentais em Presidentes dos EUA entre 1776 e 1974” aponta no sentido de que cerca da metade dos Presidentes Norte-Americanos apresentava, em alguma medida, algum tipo de doença mental, no curso de seus mandatos, e isso não os impediu de governar.

Mas ainda há mais para se discutir. No caso brasileiro temos que observar a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) – primeiro Tratado Internacional de Direitos Humanos incorporado ao ordenamento jurídico nacional com equivalência expressa de norma constitucional e esta, em seu art. 29, estabelece que os Estados Partes deverão comprometer-se a assegurar o direito das pessoas com deficiência votarem e serem votadas em condições de igualdade com as demais pessoas e, nesse sentido, estabelece a necessidade de cumprimento de padrões para procedimentos, instalações e materiais, e equipamentos para votação serão apropriados, acessíveis, e de fácil compreensão e uso, assegurando a proteção ao voto secreto, e garantindo-se, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação por alguém de sua escolha.

E o advento da norma contida em tal artigo assegura igualmente o direito de pessoas com deficiência candidatarem-se e desempenharem quaisquer funções públicas em todas as esferas de governo, usando novas tecnológicas assistivas quando apropriado. Ou seja, mesmo diante de uma situação de doença mental que tornasse o Presidente da República, comprometido por deficiência mental ou intelectual haveria todo um arcabouço constitucional, mormente em razão do esvaziamento normativo do artigo 15, II, da CF, que poderia legitimar que se mantivesse a frente do exercício de seu mandato.

No entanto, sempre se poderá dizer que será aplicável a norma mais benéfica ao interesse da pessoa com deficiência. Nesse sentido, de modo literal, estabelece o parágrafo único do artigo 121 da mesma LBI:

Art. 121. Os direitos, os prazos e as obrigações previstos nesta Lei não excluem os já estabelecidos em outras legislações, inclusive em pactos, tratados, convenções e declarações internacionais aprovados e promulgados pelo Congresso Nacional, e devem ser aplicados em conformidade com as demais normas internas e acordos internacionais vinculantes sobre a matéria. Parágrafo único. Prevalecerá a norma mais benéfica à pessoa com deficiência.

Aproximando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, Luís Roberto Barroso sustenta a sua gênese na Carta de João Sem Terra, de 1215, lembrando a disposição: A multa a pagar pela prática de um crime será proporcionada ao horror deste (BARROSO, Luís Roberto, p. 65).

Divergindo de Barroso, o jurista Virgílio Afonso da Silva, apresenta a ideia de que os termos estão revestidos de uma conotação técnico-jurídica específica e não são mais sinônimos, pois expressam construções jurídicas diversas. E aqueles que identificam o princípio da proporcionalidade e o princípio da razoabilidade, apontando a doutrina alemã, incorrem em raciocínio equivocado, eis que os alemães falam em irrazoabilidade e não em razoabilidade:

(...) esse teste da irrazoabilidade, conhecido também como teste Wednesbury, implica tão somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoáveis. Na fórmula clássica da decisão Wednesbury: “se uma decisão [...] é de tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a corte intervir”. Percebe-se, portanto, que o teste sobre a irrazoabilidade é muito menos intenso do que os testes que a regra da proporcionalidade exige, destinando-se meramente a afastar atos absurdamente irrazoáveis (AFONSO DA SILVA, Virgílio, p. 23).

Em se tratando de ato que implica em possibilidade de perda do mandato eletivo do governante, com a consequente suspensão dos seus direitos políticos, em exercício de hermenêutica constitucional visando a preservação do artigo 15, II da Constituição, a análise deverá considerar os princípios de maneira individualizada.

Em primeiro plano, temos que não se poderá se sobrepor à lógica egoística da prevalência do interesse de um (mandatário) em detrimento dos interesses de toda a sociedade, que teria seus destinos geridos por quem não estivesse no auge das suas capacidades não só de saúde mental ou mesma da própria saúde física –o que não seria razoável nem mesmo para a própria pessoa que exerce o cargo, eis que somente sobrecarregaria ainda mais sua saúde.

A LBI, no entanto, recomenda que as questões sejam vistas com ponderação adequada, necessária e proporcional em sentido estrito – lupas, ademais, que são caracterizadas em questões que envolvam o direito público e o direito constitucional. Esses princípios são basilares. A respeito de valores como proporcionalidade e razoabilidade no texto constitucional, parece conveniente destacar a seguinte assertiva em relação ao tema:

“A preocupação em não transformar uma injustiça arbitrária em “justiça sob a forma da lei” fez o Poder Judiciário repensar os esquemas de controle de constitucionalidade, reconhecendo novos limites ao poder legiferante, sobretudo na tarefa de conformação dos direitos e garantias fundamentais”.[2]

Como é sabido, por esse princípio de razoabilidade, o administrador não pode atuar segundo seus valores pessoais, optando por adotar providências segundo o seu exclusivo entendimento, devendo considerar, primeiramente, valores ordinários, comuns a toda a coletividade. À propósito, a professora Lúcia Valle Figueiredo aponta, em seu “Curso de Direito Administrativo”, pág. 47, no sentido de que:

 “Em síntese: a razoabilidade vai se atrelar à congruência lógica entre as situações postas e as decisões administrativas. Vai se atrelar às necessidades da coletividade, à legitimidade, à economicidade”.

Por seu turno, o princípio da proporcionalidade obriga a permanente adequação entre os meios e os fins, banindo-se medidas abusivas ou de qualquer modo com intensidade superior ao estritamente necessário. O publicista Juarez Freitas assim registra, in “O controle dos atos administrativo e os princípios fundamentais”, 2ª. ed., São Paulo, Editora Malheiros, 1999, p. 57):

“O administrador público, dito de outra maneira, está obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos”

Bem lembrado, por Márcio Elias Fernando Rosa, em seu “Direito Administrativo”, Editora Saraiva, quando leciona:

“A Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal, expressamente adota o princípio em seu art. 2º, parágrafo único, VI. Assim como o princípio da razoabilidade, o da proporcionalidade interessa em muito nas hipóteses de atuação administrativa interventora na propriedade, no exercício do poder de polícia e na imposição de sanções”.

Ainda com relação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, Juarez Freitas, in Revista de Doutrina, publicação da Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região – EMAGIS, ao discorrer sobre “Responsabilidade civil do Estado e o princípio da proporcionalidade”, escreve:

“Cumpre notar que o princípio da proporcionalidade não estatui simples adequação meio-fim. Para ser preciso, a violação à proporcionalidade ocorre, não raro, quando, na presença de valores legítimos a sopesar, o agente público dá prioridade a um em detrimento exagerado ou abusivo de outro”

O mesmo autor, no mesmo estudo citado, complementando a sua linha de raciocínio, aponta:

“O princípio da proporcionalidade determina que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente, na consecução dos seus objetivos. Desproporções – para mais ou para menos – caracterizam violações ao princípio e, portanto, antijuridicidade”

Segundo José Roberto de Oliveira Pimenta, in “Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Administrativo”, Coleção Temasde Direito Administrativo, 16, Ed. Malheiros, 2006, capítulo 2, n. 2.3.2. pág. 151:

“Sublinha Luiz Roberto Barroso, que “princípio da razoabilidade é um parâmetro de valorização dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o que não seja arbitrário ou caprichoso, o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar’ ... O próprio STF já decidiu que “os atos do Poder Público, além de sujeitos aos princípios da legalidade e moralidade, também devem atender a princípio da justiça”, em que esta última referênciafoi atrelada expressamente à “falta da razoabilidade“ de certa norma editada pela Administração Pública.

Nesta vertente, Marçal Justen Filho afirma que o princípio denominado indistintamente proporcionalidade/razoabilidade exige, em primeira linha, o dever de ponderação. Segundo o Autor, “em primeiro lugar, a proporcionalidade se relaciona com a ponderação de valores. Não há uma homogeneidade absoluta nos valores buscados por um dado Ordenamento Jurídico. É inevitável um certo atrito entre os valores. [...]

Nessa linha, a proporcionalidade relaciona-se com o dever de realizar, de modo mais intenso possível, todos os valores consagrados pelo Ordenamento Jurídico. O princípio da proporcionalidade impõe, por isso, o dever de ponderar os valores.

Em sequência, reproduz a lição de Juarez Freitas, quando trata da proporcionalidade ou da adequação axiológica, e da correspondente vedação de sacrifícios excessivos, anotando que:

“a violação à proporcionalidade ocorre quando, tendo dois valores legítimos a sopesar, o administrador prioriza um em detrimento ou sacrifício exagerado do outro. Comum que haja sacrifícios na aplicação do Direito. No entanto, o erro está em realizar o sacrifício excessivo a um direito [...] o administrador público, dito de outra maneira, está obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos”.

Em sua obra já citada, José Roberto Pimenta Oliveira, preleciona, à pág. 500:

A maior problemática afeta ao controle judicial das sanções administrativas reside nos efeitos que podem irradiar na ordem jurídica, como instrumento de preservação da legalidade substancial do exercício do “jus puniendi” pela Administração Pública. É a indagação pertinente à possibilidade judicial, cumulada à invalidação do provimento sancionatório, de exclusão, redução, conversão ou substituição dos gravames impostos. Não há dúvida de que, como direito público subjetivo do infrator, encontra-se “o de sofrer apenas a sanção razoável e proporcional ao ilícito praticado, consideradas as demais circunstâncias previstas em lei”. Todavia, firmada a premissa de que “é imprescindível que a autoridade pública observe, ao impor a penalidade administrativa, a correlação entre os meios e fins, sob pena de cometer ilegalidade”, problema está nas consequências, no nível do exercício legítimo da jurisdição nos quadrantes do Estado de Direito, quando incidente sobre a atividade sancionatória.

Não obstante a LBI e os Pactos Internacionais (atente-se igualmente para a Carta da Guatemala no âmbito latino-americano) estabeleçam a necessidade de respeito à capacidade civil plena, se houver uma incapacidade comprovada no que tange ao comprometimento de expressão da vontade do Presidente da República (não apenas dele, mas de qualquer ocupante de cargo eletivo) o próprio artigo 4º CC parece induzir no sentido de uma capacidade civil relativa – determinando a própria LBI que tais questões se avaliem caso a caso pelo viés da mesma proporcionalidade.

Tais pactos e diplomas trouxeram a questão da deficiência para o âmbito formal dos direitos humanos, buscando reduzir desigualdades, sobretudo no que diz respeito às oportunidades que os portadores de deficiência encontram por conta de preconceitos e discriminação. Nossa sociedade caminha para se tornar cada vez mais uma democracia participativa efetiva. Ou seja, toda forma de garantia ao pluralismo e à defesa de interesses de minorias deve ser efusivamente estimulada para que a sociedade se torne um espaço cada vez mais democrático.

E, ainda além. Por força do conhecido efeito “cliquet”, retrocessos em tais áreas não poderão ser mais admitidos. Ou seja, uma vez que o Brasil se comprometeu com o referido Protocolo de Nova York, eventuais retrocessos legislativos não serão tolerados. Tentativas de reduzir os impactos das novas políticas públicas acolhidas pelo novel estatuto não poderão ser toleradas, sem o reconhecimento de manifesta afronta à ordem constitucional.

No entanto, as coisas não podem ser vistas à luz de interpretações simplistas, quando em jogo a Administração de um país, de um Estado, de um Município, em que vidas de inúmeras pessoas serão impactadas por uma situação de tal magnitude. Outro dado importante a ser levado em conta, se comprovada alguma doença mental, seria a de se ver, em qual extensão ela se daria ou se haveria, em decorrência dela, algum tipo de comprometimento da capacidade para governar.

Dissecando o princípio da proporcionalidade para chegarmos a uma ponderação razoável no caso da constatação de doença mental dos governantes, analisaremos as sub regras regentes da proporcionalidade, quais sejam:

Adotando-se a primeira sub regra da adequação, poderemos aceitar a regra protetiva prevista na LBI, eis que fomenta o objetivo de proteção das pessoas com deficiência, assegurando maior extensão dos seus direitos, inclusive na condução da política nacional. Portanto, a regra da adequação não seria suficiente para nos conduzir a uma solução satisfatória.

Deveras, verificando-se o direito restringido, qual seja, o direito político do mandatário eletivo, não haveria, no caso, outro ato que limitasse em menor medida o direito da sociedade de ter um mandante com hígidas condições de governabilidade da nação, condizentes ao Estado Democrático de Direito. Assim, a regra da necessidade também não nos daria uma solução satisfatória para o caso em análise. Importa realçar que a capacidade de conduzir a nação se faz com base na primazia da Constituição e das leis, consentâneo com o artigo 78 da Constituição Federal:

O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.  

c-Proporcionalidade em sentido estrito: Ainda que uma medida que limite um direito fundamental seja adequada e necessária para promover um outro direito fundamental, isso não significa, por si só, que ela deve ser considerada como proporcional. É relevante ainda um terceiro exame, o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva (SILVA, p. 20)

A sub regra em apreço parece-nos fundamental para o deslinde da questão proposta, eis que o sopesamento dos direitos envolvidos é imprescindível para se saber se o mandato eletivo do Presidente deverá ser preservado ou não.

O direito de toda sociedade possuir um representante com plenas condições de governabilidade deverá ser sopesado em face do direito de o Presidente da República exercer e permanecer em seu mandato eletivo, eis que devidamente eleito, conforme as regras constitucionais, sem olvidar a regra de que o mandatário só exerce seus poderes nos limites e condições fixadas no mandato, no caso, as regras constitucionais.

Por conseguinte, o Presidente da República, além do dever de cumprir os ditames insculpidos no artigo 71 da Constituição, deverá observar e cumprir as regras inerentes à função presidencial, que abrange as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo, previstas no artigo 84 da Constituição Federal, assumindo uma gama de atribuições constitucionais inerentes ao sistema de governo presidencialista, em prol da sociedade, dando azo à efetivação do princípio republicando, todos com status constitucional e rigidez máxima, no sentido de impossibilidade de se abolir ou tender a tais cláusulas.


CONCLUSÃO

Nessa toada, qualquer análise que se faça acerca da questão proposta nesse artigo deverá individualizar o caso concreto e, a partir dele, pelo menos duas soluções podem surgir como resultado da ponderação dos interesses em jogo.

1ª) Se o laudo técnico especializado apontasse pela existência de doença mental e pela possibilidade de exercício das funções presidenciais, ainda que subsista a doença, ainda assim deveria se preservar o mandato presidencial, e o Presidente da República não deveria ser afastado do cargo, eis que o núcleo essencial das funções constitucionais estaria preservado e eventual afastamento do Chefe do Executivo seria abusivo implicando em violação ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

2ª) Concluindo-se que o Presidente da República, em razão da doença mental, não teria condições de desenvolver as funções essenciais mínimas decorrentes do cargo eletivo, através de laudo médico especializado, com base nas normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas, então, adotando-se a proporcionalidade em sentido estrito, ainda que se considerem as normas protetivas decorrentes de Tratados Internacionais e da LBI, o Chefe do Executivo deveria ser afastado do cargo, eis que no sopesamento dos valores envolvidos, o mandato presidencial restaria prejudicado.

Nesse sentido, haveria manutenção do artigo 15, II, da Constituição, garantindo-se a proteção de toda a sociedade, pela condução hígida do país e a manutenção do sistema presidencialista e a forma de governo republicana, nos moldes preconizados pelo legislador constituinte, em homenagem ao princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.


Notas

[1] BABLER, César. Descomplicando o Direito Constitucional no Exame da OAB e Concursos. Belo Horizonte, Ed. Arraes, 2017, p. 60.

[2] BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, Brasil, p. 25.

Sobre os autores
César Augusto Artusi Babler

Advogado, professor de cursos para OAB e Concursos Públicos e Coordenador da pós graduação em Direito Público na E.S.D. (Escola Superior de Direito).

Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BABLER, César Augusto Artusi; SILVA, Julio Cesar Ballerini. Doença mental x perda do mandato eletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6197, 19 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83233. Acesso em: 22 dez. 2024.

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