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Vale a pena, inadimplente, ajuizar uma ação judicial por abuso em relação de consumo?

A performance e a jurisprudência mais recente dos Juizados Especiais no país, incentiva o exercício de direitos previstos do Código de Defesa do Consumidor que foram violados?

Agenda 18/06/2020 às 11:12

O CDC é respeitado e ampara o ingresso de ação judicial? Dicas e sugestões para analisar se vale a pena antes de ingressar com pedido na Justiça.

Tema dos mais controversos e tabus para aqueles que nunca procuraram a Justiça; a judicialização ou ingresso na Justiça, por conta de uma ofensa a direitos de consumidor, parte de uma série de fatores específicos, tais como: condição social, financeira, profissional e intelectual da vítima; condições e estrutura do fornecedor autor da ofensa, seu poder econômico, a natureza do problema, qualidade do pedido inicial, a assistência de um advogado ou não, elementos de comprovação, etc.. Não há um consenso, não há uma fórmula exata.

Especificamente, quanto ao tema consumidor inadimplente, temos um rol limitado e taxativo de hipóteses que compensa uma judicialização com vistas à reparação e arbitramento de indenização por danos morais e/ou materiais, mas não para todos os casos.

Código Civil Brasileiro enumera em seu artigo 186 de forma taxativa que todo aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. E os artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, preveem , respectivamente, que fornecedores de produtos e prestadores de serviços respondem independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores, estejam estes adimplentes ou não.

A lei como visto, abrange várias situações de infringência aos direitos do consumidor, inclusive, quando estes se encontrem em situação de inadimplência indevida ou devida, sofrendo práticas de abuso por parte de credores. Esse é o propósito do artigo 42 do CDC.

Cobranças telefônicas abusivas, chamadas há cada 10 minutos, atendendo ou não, à noite, em feriados, finais de semana, com ameaças de retomada de bens financiados sem ordem judicial (pasmo, sequer processo judicial distribuído), mesmo diante a inadimplência legítima do destinatário das chamadas; gera direito à indenização por danos morais, cito a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina a respeito, in verbis:

CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBRANÇA ABUSIVA DE DÉBITO EXISTENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. PROVA DOS AUTOS QUE INDICA QUE OS ATOS DE COBRANÇA ULTRAPASSARAM OS LIMITES DA RAZOABILIDADE. EXCESSIVO NÚMERO DE LIGAÇÕES DIÁRIAS AO TELEFONE CELULAR DO AUTOR. ENVIO DE MENSAGENS DE TEXTO DE CUNHO INTIMIDATÓRIO CONTENDO INFORMAÇÕES INVERÍDICAS ACERCA DA IMINÊNCIA DA PRÁTICA DE ATOS EXPROPRIATÓRIOS EM FACE DO DEVEDOR. COBRANÇA ABUSIVA CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 42, CAPUT, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ABALO MORAL PRESUMIDO EM FACE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. PRECEDENTES DESTE ÓRGÃO JULGADOR. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJ-SC - AC: 03125943120188240023 Capital 0312594-31.2018.8.24.0023, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 30/07/2019, Terceira Câmara de Direito Civil)

Várias são as hipóteses que recomendam a judicialização do problema visando a sua reparação e indenização por danos morais e materiais. Um procedimento indicado ao consumidor leigo é a observância do que chamamos no Direito de “tripé do dano moral”, ou seja, o dano suportado pelo pretendente à indenização; o ato ilícito ou lesivo, a identificação da autoria do agente; e o nexo causal entre o dano e a conduta daquele a quem se atribui a responsabilidade.

Esses três requisitos são essenciais para a admissibilidade e procedência de uma eventual demanda judicial, sem eles, devidamente demonstrados e comprovados, não se recomenda ingressar com ação judicial alguma.

Surge a questão: Ora, mas se os artigos 12 e 14 dizem “independentemente de culpa”; porquê eu preciso comprovar esses três elementos para ter direito à indenização?

Essa pergunta tem várias respostas, disso eu tenho certeza, e nenhuma genuinamente unânime e satisfatória; da perspectiva de quem atuou e aplicou efetivamente o CDC nos primeiros três anos de atuação dos Juizados Especiais Cíveis no país , e de lá para cá, tem estudado a evolução da jurisprudência, o que tenho a relatar em síntese, é traduzido na máxima popular que o meu pai já há muito me dizia: “quem chega primeiro na fonte, bebe água limpa”.

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Adequar esse entendimento popular para a evolução dos Juizados Especiais nos últimos anos, é ainda que de forma superficial, uma boa metáfora e ao mesmo tempo, analogia. Sejamos pragmáticos, 95% ou mais das ações de reparação civil abordando direito do consumidor no país, têm como destino os Juizados Especiais Cíveis no Brasil.

Os JEC´S Cíveis, são nos termos da Lei n.º 9.099/95, em regra, gratuitos e informais, daí natural, uma enxurrada de processos com pretensões abaixo de vinte salários mínimos e sem assistência de advogado, que atolam esses tribunais “simplificados”, saturando o discernimento técnico e jurídico de magistrados, conciliadores e assistentes; com o decorrer dos anos, é natural uma queda na qualidade dos julgados, e por decorrência, muitas discrepâncias e injustiças.

Esses saldos ora negativos para o consumidor, são avessamente vantajosos e oportunos para os grandes fornecedores de serviços e produtos, que se valendo a hipossuficiência técnica destes, naturalmente, montam verdadeiras coletâneas de decisões favoráveis a si, para entupir suas contestações e convencerem os magistrados de causas análogas, que dado o trabalho excessivo repetitivo e pouca estrutura, dão sentenças superficiais e genéricas (muitas até copiadas de outros processos, pasmem, há relatos!).

Já recebi contestações a pedidos de meus clientes, cuja mais de 50% do texto era composto de uma avalanche de jurisprudências com pouca ou quase nenhuma citação à pessoa ou fato específico da causa em pauta; mas tão somente uma abordagem genérica do tema da ação. Por exemplo, a ação tratava da inclusão indevida no SERASA/SPC por boleto de carro pago. Pronto! A contestação oposta veio carregada com dezenas de jurisprudências sobre inclusão indevida por cobrança indevida de conta de telefone, ou seja, fato diferente, embora parecido.

Esses tipos de conduta, lamentavelmente, muito comum em grandes firmas de advocacia com clientes de alta demanda judicial como bancos, seguradoras, empresas de telefonia, contribui ao meu ver, para o atual quadro lastimoso dos juizados no que tange à ações dessa natureza, embora estejam perfeitamente adequados à legislação e normas técnicas e profissionais. É que a estrutura dos JEC´s foi idealizada pensando justamente na hipossuficiência dos consumidores, e o lado contrário (como qualquer pessoa razoável no fim do século XX); já havia sacado que com o tempo esta estrutura iria saturar, pois bem, não levou nem duas décadas! Ouso afirmar. Os JEC´s hoje estão saturados!

Desta maneira, para que o consumidor não recaia em uma arapuca e piore a situação ao invés de melhorar, antes de ingressar na Justiça, o que realmente recomendo é observar quatro fatores:

1) A capacidade financeira do autor do dano: caso o fornecedor causador do dano, se trate de uma empresa em situação irregular, com vários débitos, recuperação judicial, e já esteja sofrendo muitas ações na justiça (um bom advogado pode levantar essas informações para você precocemente), ou seja, prestador de serviço ou fornecedor micro, sem grande solvência para o pagamento de eventual indenização a médio ou longo prazo; não é um bom indicador que recomende o ingresso de uma ação judicial.

2) Qualidade das provas disponíveis: não esqueça da frase: “não existe almoço grátis”, muito embora a legislação preveja várias “benesses” na letra fria da lei aos consumidores como responsabilidade civil objetiva e princípio da hipossuficiência do consumidor e a tal inversão do ônus da prova. Na prática, a realidade é bem diferente, a maioria dos órgãos judiciais não vai te dar uma indenização razoável sem a existência de prova cabal do dano e má repercussão na vida e imagem pessoais como consumidor inadimplente.

Condenação nem sempre é sinônimo de indenização satisfatória, por tal razão, reúna o máximo de informações possíveis, grave diálogos de telefone, printe conversas de chats e aplicativos de mensagens, digitalize comprovantes bancários, documentos, requerimentos e ofícios com protocolo, folhas de boleto, notas fiscais através de aplicativos de digitalização, mande e arquive e-mails, etc. Isso pode representar a diferença para enquadrar a manifestação de um magistrado na forma de sentença favorável, ou na sua ausência, facilitar para que ele possa indeferir o pedido.

3) Custo benefício com base no histórico atual de ações semelhantes: não adianta contratar um advogado, gastar tempo e dinheiro numa ação que por padrão recente do juízo de sua comarca, tem arbitrado valores baixos de indenização por danos, dos quais, você não concordando poderá ou terá que recorrer.

Vale observar, levando em conta que o destino de mais de 70% das ações de indenizações por danos ao consumidor caem nos juizados — apenas o pedido inicial é gratuito, o recurso TEM CUSTAS JUDICIAIS, e comumente, são mais caras do que as praticadas na justiça comum. Por isso, se está pensando em ingressar com uma ação judicial, pense bem o valor que irá atribuir ao pedido de indenização, e com base no mesmo, já calcule e reserve valor correspondente para o eventual custeio de custas judiciais recursais, às vezes, só o recurso traz o resultado esperado.

4) Selecione bem um advogado da sua confiança, e ajuste preferencialmente honorários ad exitum (honorários de êxito): o ingresso de uma ação judicial, não raramente, é uma decisão que se toma no calor da emoção recente da ofensa perpetrada pelo fornecedor/causador do dano, portanto, é absolutamente comum, ver o ofendido decidir pelo ingresso mais interessado em causar raiva e constrangimento ao preposto causador (até sua demissão se possível); do que propriamente reparar a ofensa e dano a si mesmo. Caso você pense dessa forma para que o seu prejuízo não seja agravado, caso dê o azar de topar com um profissional fraco, o melhor a fazer é ajustar contrato com honorários de êxito, ou seja, aqueles que você somente paga caso ganhe uma indenização líquida; os percentuais costumam oscilar entre 10% e 30% do proveito econômico auferido com a causa ou em razão dela. O advogado recebe independente de sentença, basta que haja algum pagamento em razão direta ou indireta da ação ingressada, como por exemplo, após o ingresso da lide, as partes entrarem em acordo amigavelmente.

Importante entender que o magistrado, via de regra, age e julga com imparcialidade, mas nem todos, alguns “buscam sempre desculpas” para não lhe conferir uma indenização por danos morais; qualquer brecha ou inexatidão nas provas apresentadas são verificadas, bem como, a existência de provas cabais dos efeitos danosos no seu cotidiano, etc.. E só a partir daí, ele adotará postura favorável à sua demanda, isso quando, o próprio fornecedor não ofereça uma contra prova que inviabilize a procedência do seu pedido.

Não se esqueça: ao ingressar com uma ação judicial, você já convenceu a si mesmo que tem direito à indenização; resta convencer os outros, caso nem você tenha se convencido que tem direito, não ajuíze ação alguma, pois só perderá tempo e dinheiro. O processo judicial é genuinamente coletivo, ele não existe sem o debate das teses autor x réu. Fazendo tudo certinho e observando uma ou outra dica aqui repassada, valerá a pena ingressar com pedido judicial, por mais que você tema.

Sobre o autor
Rodrigo Reis Ribeiro

Advogado, sócio-gerente da firma de advocacia Costa e Reis Advogados e Associados com sede em Porto Velho-RO, professor, empresário, escritor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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