Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Confisco Alargado (art. 91-A, CP) como efeito extrapenal específico da condenação

DIREITO PENAL - DIREITO PROCESSUAL PENAL - LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Agenda 18/06/2020 às 19:04

Disserta-se, brevemente, no presente artigo, acerca da perda de bens e valores do condenado, adquiridos por meio do exercício de atividade criminosa. Medida prevista no art. 91-A, CP, incluído pela Lei 13.964/19 (anticrime).

A condenação criminal transitada em julgado produz efeitos diversos, que se dividem em efeitos penais e extrapenais. Os efeitos penais, por sua vez, subdividem-se em principal e secundário. O efeito penal principal é a imposição da pena ou medida de segurança, no caso de condenação de semi-imputável – art. 26, parágrafo único, CP (sentença condenatória com redução de pena).

Os efeitos penais secundários são diversos, podendo ser citados, a título de exemplo: gerar reincidência, revogar o “sursis”, revogar o livramento condicional, converter a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, revogar a reabilitação criminal, interromper a prescrição da pretensão executória, no caso de sentença condenatória que gere reincidência.

Quanto aos efeitos extrapenais, estes se subdividem em genéricos e específicos.

Os efeitos extrapenais genéricos são automáticos, isto é, não precisam ser declarados na sentença penal condenatória, e incidem em todas condenações criminais.

Por outro lado, os efeitos extrapenais específicos dependem de declaração expressa na sentença penal condenatória e somente incidem em determinadas condenações criminais. Além disso, para que incidam no caso concreto, é necessário que sejam expressamente requeridos pela acusação.

A transação penal, prevista no art. 76 da Lei 9.099/95, e o acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A, do Código de Processo Penal, são medidas despenalizadoras que visam evitar o encarceramento.

A transação penal tem aplicabilidade única às infrações penais de menor potencial ofensivo, isto é, contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, consoante rege o art. 61 da Lei 9.099/95. Trata-se de um acordo proposto pelo Ministério Público ao autor do fato, com a assistência de seu respectivo defensor, de aplicabilidade imediata de pena alternativa. Se aceito, não será oferecida denúncia. Havendo transação penal, não incidirão os efeitos extrapenais da condenação – STF. R.E 795.567, Tema 187.

O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A, do Código de Processo Penal, é celebrado entre o Ministério Público e o investigado antes do oferecimento da denúncia. Tem cabimento nas infrações penais com pena mínima de até 04 anos, cometidas sem violência ou grave ameaça. Por ocasião da proposta, pode o Ministério Público apontar como condição, dentre outras, a renúncia voluntária a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime.

A seguir, analisar-se-á especificamente o efeito extrapenal específico previsto no artigo 91-A, do Código Penal, incluído pela Lei nº 13.964/19 (anticrime), denominado pela doutrina de confisco alargado.

Trata-se de um efeito extrapenal específico da condenação, que visa à perda de bens ou valores acrescidos ao patrimônio do condenado por meio do exercício de atividade criminosa. O objetivo do legislador é impedir o enriquecimento criminoso.

A ideia é a de que o acréscimo patrimonial experimentado pelo condenado, quando não comprovada sua origem lícita, mediante contraditório e ampla defesa, presume-se decorrente da atividade delituosa por ele desempenhada.

Sua aplicação recai sobre condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão. Logo, o parâmetro definidor para o cabimento da medida não é a pena concreta imposta na sentença penal condenatória, mas a pena abstrata cominada no tipo penal.

A medida atinge todos os bens os valores que correspondam à diferença entre os rendimentos lícitos do condenado e seu patrimônio efetivo.

Nos termos do § 1º, do art. 91-A, do CP, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: 

I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e  

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.       

Importante se faz consignar que o dispositivo legal ora em análise é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6304, ajuizada pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), ao argumento de que a regra cria uma pena de “confisco de bens”, em violação ao princípio da individualização da pena e da função social da propriedade. A perda de bens, prevista no artigo 91-A do Código Penal, atinge, além do produto ou proveito do crime, “os bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito”. Segundo a Abracrim, isso permite a inclusão de bens sem qualquer vínculo ou relação com o crime que resultou na condenação, o que caracterizaria confisco sem justa causa.

Por ser um efeito extrapenal específico da condenação, a perda de bens ou valores do condenado deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada, consoante rege o § 3º, do art. 91-A, CP.

Embora seja uma medida um tanto quanto ríspida, percebe-se, porém, que o legislador tomou a cautela de garantir ao condenado o contraditório, uma vez que ele poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio, conforme preconiza o § 2º do art. 91-A, CP.

Não se desincumbindo de tal ônus o condenado, o juiz, ao proferir a sentença condenatória, deverá declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. É o que prevê o § 4º, art. 91-A, CP.

Sobre o autor
César Augusto Bueno Bezerra

Advogado afeiçoado pelas ciências jurídicas, em especial a criminal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!