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Abortei, tenho estabilidade?

Agenda 20/06/2020 às 17:14

Estabilidade para aborto espontâneo e parto de natimorto

Confesso que foram poucas as vezes em que lidei com casos dessa natureza, porém, mesmo raros, eles acontecem e, sobretudo, poucos sabem como lidar e as reais "proprietárias" desse direito dificilmente o conhecem e o utilizam.

A estabilidade de emprego para gestantes é habitualmente conhecida, diante da grande difusão do tratado pelos art. 10, b, "II", do ADCT, bem como, do art. 391-A, da CLT, que assim, dispõem:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. I, da Constituição:
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

A criação de tal estabilidade à mulher gestante não comporta muitas discussões, ante a incontrovérsia acerca da necessidade de garantia de condições mínimas de subsistência à trabalhadora, porém, principalmente, ao nascituro.

Visa, ainda, impedir a criação de preconceitos ou condições díspares de tratamento entre homens e mulheres no mercado de trabalho, conforme a Convenção nº. 103 da Organização Internacional do Trabalho - OIT (referendada pelo Governo Brasileiro, através do Decreto 58.820/66).

Contudo, essa garantia se estende a mulher que passa por um aborto? Terá o mesmo período de garantia de emprego? A resposta é não e a justificativa é bastante simples.

A criação de tal estabilidade, como dito, assegura a posto de trabalho à mulher, durante todo o período gestacional até 5 (cinco) meses após o parto, para que a mulher, essencialmente, disponha: de meios materiais de subsistência da mãe e do nascituro; possibilitar o devido acompanhamento médico da mãe e do nascituro; possibilitar que a mãe tenha contato com o recém nascido durante os primeiros e essenciais meses de vida da criança.

Em caso de aborto espontâneo ou do nascimento sem vida, interrompemos, ao menos, uma das três características acima indicadas. Dessa forma, por mais sensível o momento em que a trabalhadora esteja, diante da perda de um filho, o empregador não poderia ser sobrecarregado com encargos tão pesados.

Dessa forma, o legislador, com base em estudos e recomendações médicas, atribui garantia de emprego à mulher que tenha abortado ou dado à luz a natimorto, porém, em período menor. Essa é a dicção do art. 395, da CLT, vejamos:

Art. 395 - Em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado médico oficial, a mulher terá um repouso remunerado de 2 (duas) semanas, ficando-lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento.

Todavia, como indicado pela leitura literal do texto celetista, exige-se que o aborto tenha sido "não criminoso", ou seja, tenha ocorrido de forma natural, sem a intervenção humana (dolosa).

A mulher que tenha dado causa ao aborto ou tenha se submetido a procedimento médico correlato, não se enquadra em tal hipótese, haja vista a realização de ponderação de princípios constitucionais, no qual o direito à vida é um direito absoluto.

Considerado natural, o aborto deve ser comprovado documentalmente perante o empregador, através de relatório médico (acaso o empregador assim exija), atribuindo-se o período de garantia, a partir da data do aborto.

Apesar de não haver a expressa indicação no art. 395, tal garantia se estende à mulher que dá a luz a natimorto, conforme o entendimento Pretoriano. Destacamos a seguinte decisão:

ESTABILIDADE GESTACIONAL EM CASO DE NATIMORTO. A proibição ao exercício do poder potestativo de resilição deve corresponder ao tempo em que a trabalhadora se encontrava grávida e deve perdurar até duas semanas após o nascimento sem vida, por aplicação analógica do art. 395 da CLT. Esse entendimento é o que melhor atende ao objetivo da lei. para que a garantia de emprego se estendesse ao longo dos cinco meses após o parto como quer a autora, seria imprescindível o nascimento da criança com vida, porquanto o abjetivo da lei é justamente propiciar o zelo materno no período. (TRT 12 - 3ª Turma - RO 0003507-11.2011.5.12.0038 - Rel. Des. Lilia Leonor Abreu - DJE 28/08/2012)
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Assim, diante da construção doutrinária e jurisprudencial estendeu-se a garantia do art. 395 às mulheres que, apesar de toda a regular gestação, dão a luz a crianças sem vida.

Assim, em caso de parto de natimorto ou de aborto espontâneo, a mulher terá direito à licença das 2 semanas remuneradas, garantindo o seu retorno ao trabalho após tal período, na mesma função anteriormente executada, salvo se houver alguma limitação física ou psicológico decorrente do aborto/parto.

Questões Práticas:

* Verbas do período de licença --> O empregador terá de pagar todas as verbas salariais e algumas indenizatórias (já que não estamos diante de um exemplo de suspensão, mas de interrupção do contrato de trabalho). Assim, a trabalhadora recebe salário e demais vantagens, como PLR e auxílio alimentação (desde que não haja expressa negativa em norma em acordo ou convenção coletiva). Não recebe, por exemplo, horas extras (incluído o adicional), adicionais de insalubridade/periculosidade, auxílio transporte - eis que ligados à efetiva prestação do labor.

* Acaso a trabalhadora possua, após o fim do período de licença, limitações físicas ou psicológicas decorrentes do aborto/parto, o empregador será responsável pelos 15 primeiros dias de remuneração desta empregada e, somente em caso de permanência das limitações após aquele período, é que haverá a possibilidade de encaminhamento à Previdência Social. Nesses primeiros 15 dias, inclusive, mesmos em determinação do INSS, o empregador deve condicionar a trabalhadora a função/atividade compatível com as atuais condições da empregada. O afastamento total da empregada da empresa somente deve ocorrer em caso de total impossibilidade de trabalho ou diante da efetiva ausência de trabalho compatível com as limitações da empregada, sob pena de eventual reconhecimento de ato discriminatório.

Sobre o autor
Sidnei Alex da Silva Costa

Advogado especializado e apaixonado pelo Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Coletivo e Sindical.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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